VIVIANE THOMÉ DE SOUZA[1]
(coautora)
Resumo: O presente artigo objetiva analisar a continuidade na prestação do serviço público, utilizando abordagem de caráter analítico e crítico através do método científico hipotético-dedutivo realizada por meio de revisão bibliográfica. O estudo vai abordar a análise da importância do princípio da continuidade na prestação do serviço público, as possibilidades previstas para a interrupção na prestação dos serviços públicos essenciais, bem como o direito de greve do servidor público e a interrupção dos serviços essenciais.
Palavras-chave: Continuidade. Serviço público. Interrupção. Servidor público.
Abstract: The present article aims to analyze the continuity in the provision of the public service, using an analytical and critical approach carried through the scientific method used was the inductive one, through bibliographical research. The study will address the analysis of the importance of the principle of continuity in the provision of public service, the possibilities provided for the interruption in the provision of essential public services, as well as the right to strike of the public servant and the interruption of essential services.
Key-words: Continuity. Public service. Interruption. Public Server.
INTRODUÇÃO
O serviço público se caracteriza constitui-se numa atividade cuja essencialidade para a comunidade é de ordem fundamental e é exatamente por isso que a prestação do serviço público é de titularidade do Poder Público. Por ser a titularidade dos serviços públicos do Estado, a sua gestão está submetida a diversos princípios do Direito Público, especificamente voltados à sua prestação eficiente à comunidade.
Nesse contexto, frente à importância deste para preservação dos interesses da coletividade, será demonstrada a conexão deste com o princípio da continuidade, pelo qual estes serviços, especialmente os essenciais e obrigatórios, devem ser prestados de forma continua, não sendo admitida sua interrupção. Desta forma, discorrer-se-á sobre a possibilidade da suspensão dos serviços públicos.
Discute-se muito sobre o exercício do direito de greve dos servidores públicos e a sua implicação na prestação de serviços públicos que exige a continuidade dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades da comunidade durante a greve, com o objetivo de evitar lesão ou ameaça de lesão aos direitos fundamentais.
Como resultado deste estudo espera-se explanar sobre a continuidade na prestação do serviço público com o objetivo de atender as necessidades coletivas; bem como sobre a interrupção do fornecimento dos serviços essenciais e o direito de greve dos servidores públicos, sem, contudo, afetar o fornecimento dos mesmos.
1 - A ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO
O princípio da continuidade do serviço público significa “a impossibilidade de sua interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido, é um princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho de atividade administrativa” (MELLO, 2011).
O princípio da continuidade impõe que o serviço público seja prestado de forma contínua e sucessiva, não podendo sofrer solução de continuidade. Isso porque é justamente pelos serviços públicos que o Estado desempenha suas funções essenciais ou necessárias à coletividade. A continuidade dos serviços públicos guarda relação com o princípio da supremacia do interesse público, pois pretende que a coletividade não sofra prejuízos em razão de eventuais interesses particulares (CHIMENTI, 2015).
Os serviços públicos são atividades de titularidade estatal prestada pelo Estado ou por iniciativa privada, mediante a concessão ou permissão (art.175 da CF/88) para a satisfação de determinadas necessidades de interesse público. Havendo a delegação, aquele se retira do papel de executor e se insere obrigatoriamente no papel de regulador e fiscalizador. Neste sentido, pode a Administração Pública, inclusive, retomar o serviço, provisória ou definitivamente, caso o concessionário pare de prestá-lo ou não o esteja prestando de forma adequada (PATRIOTA, 2017).
Ainda sobre o princípio da continuidade do serviço público, este deve ser reinterpretado para ser aplicado a qualquer atividade pública ou privada, com o objetivo de evitar lesão ou ameaça de lesão aos direitos fundamentais e para verificação da legalidade e da legitimidade da prestação dos serviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou por meio de concessão ou permissão (LIMA, 2008).
2 - INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Segundo o texto do Art. 10 da Lei 7.783/89 são considerados serviços ou atividades essenciais os nele descritos, sem, contudo, esgotá-los em seus incisos.
“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.”
O princípio da continuidade do serviço público deve ser reinterpretado para ser aplicado a qualquer atividade pública ou privada, com o objetivo de evitar lesão ou ameaça de lesão aos direitos fundamentais e para verificação da legalidade e da legitimidade da prestação dos serviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou por meio de concessão ou permissão (HARB, 2017).
O debate em torno do princípio da continuidade envolve a discussão quanto a possibilidade de interrupção do serviço público pela concessionária em razão do inadimplemento do usuário. De um lado, o argumento contrário à suspensão, mesmo em caso de inadimplemento do usuário, pode ser atrelado ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CRFB/88), pois privaria o particular de serviços básicos e integrantes do cerne da sua dignidade (LOIOLA,2013).
Por outro lado, há a corrente doutrinária que adota uma posição diversa à interrupção do serviço público essencial por inadimplemento. Para estes, o cancelamento do fornecimento de serviço público essencial deverá ser executado quando se tratar de autorização judicial concedida à concessionária responsável pela prestação do serviço. Deve-se observar que a simples inadimplência não gera legalidade para suspender a prestação do serviço essencial (FILGUEIRA, 2013).
A Lei 8.987/95, em seu artigo 6º, trouxe as hipóteses em que a descontinuidade do serviço é permitida, sem que o prestador sofra as consequências de seu inadimplemento contratual. O parágrafo 3º, I, possibilita a paralisação dos serviços em situações de emergência, quando ocorrer situação de perigo que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, bens ou do próprio serviço, sem que seja possível prévio aviso aos usuários. A descontinuidade prevê o impedimento de maiores prejuízos à coletividade. A paralisação é em prol do usuário, para manter satisfatória e contínua a prestação.
É de suma importância destacar a situação em que o usuário do serviço público, prestado por concessionária, é o próprio Poder Público. O Estado também faz uso de serviços de água, energia elétrica e telefonia, e deve remunerar a concessionária por meio da tarifa. Fica então o questionamento: é possível a suspensão do serviço público pela concessionária quando o Poder Público encontra-se inadimplente?
Os Tribunais Superiores, em vários julgados, sedimentaram a necessidade de se diferenciar os serviços prestados pelo Poder Público que poderão sofrer a interrupção do serviço público concedido e decidiram que em hospitais, delegacias e quarteis de bombeiros, havendo o inadimplemento, por parte da Administração Pública, não poderá ser interrompida a prestação do serviço de água, energia elétrica e telefone, pois nesses casos a interrupção do serviço concedido colocaria em risco a continuidade dos serviços essenciais, prestados diretamente pelo Poder Público à coletividade (GUNNAR, 2012).
3 - DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS E A INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Em que pese que todo direito fundamental colida com outro direito fundamental em algum momento, há de se observar que em casos de colisão, um direito fundamental deverá ser comparado com aquele com o qual colida de forma que se dê a exata aplicação de cada um em face do caso concreto. É o que se dá no caso do direito fundamental à greve. Outros princípios fundamentais irão colidir com o direito de greve, sendo que é de crucial importância avaliar o prejuízo que o não oferecimento dos serviços públicos essenciais irá exercer na coletividade (FERREIRA, 2015).
O texto constitucional consagra o direito de greve em dois artigos: 1) art. 9º da CF, regulamentado pela Lei nº 7.783/89: dispõe sobre o direito de greve dos trabalhadores em geral (celetistas), o que inclui os agentes públicos submetidos ao regime celetista; e 2) art. 37, VII da CF: ao tratar do direito de greve para os servidores estatutários, afirma que esse direito deverá ser exercido nos termos da lei.
Em razão da ausência da lei de greve dos servidores estatutários por muito tempo estes estiveram impossibilitados de exercer tal direito; ademais, o direito de greve dos servidores públicos sempre encontrou obstáculo no princípio da continuidade do serviço público, que impede a interrupção completa da atividade administrativa. Contudo, o STF alterou a sua interpretação tradicional e tornou efetivo o direito de greve dos servidores estatutários superando a omissão e determinando a aplicação, por analogia, da Lei nº 7.783/89 que tratam das atividades essenciais e garantem o respeito à continuidade do serviço público em caso de greve dos servidores estatutários (SANTOS, 2013).
Os limites do direito de greve, e até mesmo sua proibição, em certos casos, para algumas categorias específicas de empregados ou de funcionários públicos, justifica-se não em razão do status do trabalhador, mas em decorrência da natureza dos serviços prestados, que são públicas, essenciais, inadiáveis, protegidos pelo princípio da predominância do interesse geral e da continuidade do serviço público. Os serviços essenciais à comunidade tanto podem ser prestados pelos trabalhadores do setor privado quanto do setor público; não se justifica, portanto, o tratamento diferenciado ou separado para tais trabalhadores (FERREIRA, 2015).
4 - CONCLUSÃO
Embora não se tenha um conceito fechado sobre serviços públicos essenciais, é indiscutível que tais serviços devem ser prestados de forma contínua e ininterrupta. A Carta Magna brasileira valorou a figura do cidadão enquanto titular de direitos e garantias constitucionais fundamentais.
Diante da singularidade de caso concreto, ainda que seja possível a suspensão do fornecimento de serviços essenciais, hão de ser abertas exceções ao entendimento dominante, garantindo ao consumidor inadimplente a não suspensão dos serviços públicos essenciais.
Mais uma vez tem-se um confronto de direitos e princípios, o direito do servidor público de exercer a greve é contrário ao Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, principalmente a continuidade dos serviços essenciais. Tais serviços, por incoerência da Administração, são na maioria das vezes os serviços mais precários e a falta de investimento e administração adequada prejudicam toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
CHIMENTI, B. A interrupção da prestação de serviços públicos essenciais e a dignidade da pessoa humana. In: Jusbrasil, mar., 2015. Disponível na internet em: https://brunachimenti.jusbrasil.com.br/artigos/174499634/a-interrupcao-da-prestacao-de-servicos-publicos-essenciais-e-a-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em 25 de setembro de 2017;
FERREIRA, K. e outros. Greve do servidor público e a prestação de serviços essenciais: um conflito de direitos. In: Jus Navigandi, jul., 2015. Disponível na internet em: https://jus.com.br/artigos/40623/greve-do-servidor-publico-e-a-prestacao-de-servicos-essenciais-um-conflito-de-direitos. Acsso em 25 de setembro de 2017;
FILGUEIRA, R. A interrupção de serviços públicos essenciais pelo inadimplemento do usuário. In: JurisWay, ago., 2013. Disponível na internet em:https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=11698. Acesso em 23 de setembro de 2017;
GUNNAR, N. A suspensão do fornecimento do serviço essencial de energia elétrica ao usuário inadimplente – análise sob a perspectiva constitucional e consumerista. In: Direito & Justiça, vol. 38, n° 2, p 141-155, jul/dez 2012. Disponível na internet em:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/12541/8407. Acesso em 25 de setembro de 2017;
HARB, K. Princípio da continuidade do serviço público e interrupção. In: Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Ed. 1, abr, 2017. Disponível na internet em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/87/edicao-1/principio-da-continuidade-do-servico-publico-e-interrupcao. Acesso em 23 de setembro de 2017;
LIMA, W. Da interrupção de serviço público essencial. In: Disponível na internet em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2956. Acesso em 23 de setembro de 2017;
LOIOLA, S. Princípio da continuidade do serviço público e a suspensão nos casos de inadimplência do consumidor. In: Revista Jurídica UNIGRAN, v. 15, n°20, jul/dez, 2013. Disponível na internet em :http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/30/artigos/artigo05.pdf. Acesso em 22 de setembro de 2017;
MELLO, C. Curso de direito administrativo. 28. ed., São Paulo: Malheiros, 2011;
PATRIOTA,C. Princípio da continuidade do serviço público. In: Jus Navigandi, fev., 2017. Disponível na internet em: https://jus.com.br/artigos/56087/principio-da-continuidade-do-servico-publico. Acesso em 22 de setembro de 2017;
SANTOS, F. e outros. O direito de greve do trabalhador nos serviços públicos essenciais: breve análise comparada entre Brasil e Itália. In: Publicadireito, 2013. Disponível na internet em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c78b93d4d09ef623. Acesso em 25 de setembro de 2017.
[1] Advogada
Especialista em Gestão Trabalhista e Direito Previdenciário pelo IPOG, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Advogado, fundador do escritório Igor Abreu Advocacia e Consultoria Jurídica, formado pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).
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