RESUMO: Considerando o Código de Defesa do Consumidor como um marco normativo, o presente artigo tem o intuito de explorar a responsabilidade civil dos fornecedores pelos danos provocados nas relações consumeristas, destacando suas singularidades com vistas às relações virtuais de consumo e registrando, ao final, as dificuldades encontradas pela constante mutação nesta área.
PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; fornecedor; lojas físicas; lojas virtuais; singularidades.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breves delineamentos teóricos. 3. Os vícios redibitórios e os vícios de produto e serviço: 3.1 Dos vícios de qualidade, quantidade e informação; 3.2 Dos Vícios de serviços e o vício aparente; 3.3 Da decadência; 3.4 Da responsabilidade civil no CDC: 3.4.1 Da responsabilidade objetiva e solidária; 3.4.2 Consumidor por equiparação. 4. A responsabilidade civil diante de produtos em lojas físicas. 5. A responsabilização civil diante das relações virtuais de consumo. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil adquiriu, apenas nas últimas décadas, autonomia científica, apartando – pelo menos enquanto objeto de estudo – seu conteúdo do direito das obrigações. Por essa razão, sua análise foi centralizada para suas próprias singularidades, estas não mais confundidas como outrora.
Paralelamente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor, legislação que significou uma baliza entre o modo de se interpretar e aplicar o Direito nas relações consumeristas, as quais são compreendidas como aquelas em que a pessoa, física ou jurídica, adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, consoante disposto no art. 2º do CDC.
Por conseguinte, tornou-se fundamental desenvolver análises acerca da responsabilização dos fornecedores em eventuais danos causados aos consumidores, pois, se os danos devem ser reparados sob as mesmas premissas do ordenamento pátrio – com vistas a prevenir futuros danos e a reprovar os já provocados, seja com o intuito de restituir o consumidor ou de sancionar o fornecedor –, a especialidade da área exige considerações particulares e ímpares.
Como se não bastasse a especialidade do direito do consumidor, a referida área jurídica passa por avassaladoras transformações que tornam extremamente dificultoso o acompanhamento legislativo. A tecnologia, a inovação e a modernização fazem com que o consumo não fique estagnado – não somente em elementos fáticos, mas também juridicamente –, como, por exemplo, a venda online de produtos que sequer existem materialmente.
Nesse sentido, utilizando-se de obras doutrinárias, da jurisprudência e da legislação, o presente trabalho terá como escopo apreciar as singularidades que o direito do consumidor fornece à responsabilidade civil, congregando as duas áreas, a fim de se atingir um objeto de estudo próprio.
2 BREVES DELINEAMENTOS TEÓRICOS
O Direito, numa maneira em geral, busca coibir os conflitos existentes na sociedade. Antes mesmo da força estatal se fazer presente na resolução das desavenças, a ordem normativa intencionava apaziguar os indivíduos. A fórmula encontrada para tal se baseia em dois grandes postulados: prevenir e reprovar. No primeiro, prescreve-se como a conduta deve ser pautada, a fim de que sempre haja harmonia no seio social. No entanto, excepcionalmente, no caso de haver divergência entre o dever-ser e o ser, reprova-se a conduta, com o propósito de não permitir que saia impute o agente causador, seja no simples intuito de desaprovação da conduta, seja para satisfazer o atingido.
Com a elucidação de Miguel Reale (2002), é justamente com base em valorações econômicas, sociológicas, históricas, demográficas etc. que os responsáveis pela ordem normativa – os legisladores, no caso do ordenamento jurídico brasileiro – projetam normas sancionadoras para condutas que devam ser obedecidas e não foram.
Pois bem. Esta é a lógica na qual a ideia de responsabilidade civil é centrada. Partindo-se da complexidade que é viver em comunidade – que enseja, consequentemente, uma infinidade de relações travadas –, a responsabilidade civil é essencial para preencher o conteúdo preventivo e repressivo frente aos indivíduos e ao Estado, em virtude da ocorrência de danos sofridos.
Apesar disto, seu estudo possui autonomia recente, pois, anteriormente, a responsabilidade civil era analisada como parte integrante das obrigações. Aliás, ainda é comum que assim seja para muitos autores. No mesmo cenário de consecução de autonomia científica da responsabilidade civil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.708/90) foi um marco de proteção aos vulneráveis nas relações consumeristas. Neste momento, ampliou-se consideravelmente a responsabilização dos fornecedores/vendedores de produtos e serviços, em virtude, justamente, da proteção oferecida pela legislação aos consumidores.
Nesta conjuntura, a responsabilidade por danos oriundos da relação de consumo é corriqueira e essencial no contexto capitalista ocidental, vide a agigantada quantidade de ações provenientes dessa área (O GLOBO, 2013). Como bem colocou Sílvio Venosa (2017), o direito do consumidor faz parte da categoria de novos direitos surgidos no século XX, oriundos das transformações sociais e tecnológicas do mundo globalizado. Assim sendo, a proteção dada aos consumidores divisa a lógica jurídica em momentos distintos, principalmente ao se considerar que a ordem econômica é sistematizada basicamente nas relações de consumo. Ou seja, aliando a desenvoltura da responsabilidade civil ao florescimento da proteção ao consumidor, torna-se essencial compreendê-los de modo associado, contemplando os danos provocados e os deveres dos fornecedores para com os consumidores.
3 OS VÍCIOS REDIBITÓRIOS E OS VÍCIOS DE PRODUTO E SERVIÇOS
Na perspectiva do que foi exposto, dentre as mais diversas relações entre particulares que existem, muitas vezes ocorre que, após a pactuação dos contratos entre as partes, os efeitos experimentados por estas não são os desejados. Noutras palavras, quando um indivíduo contrata um serviço, ou então efetua a compra de um produto, a exemplo a compra de um aparelho celular, é comum deparar-se com situações em que o objeto dessa relação jurídica apresente defeito, ou melhor, um vício que impeça o seu usufruto na maneira esperada.
Nessas relações, importa destacar que impera o Princípio da Garantia que, nos dizeres de Sílvio Venosa (2016, p. 190), consiste na imputação de um dever ao alienante de “garantir ao adquirente que ele possa usufruir da coisa conforme sua natureza e destinação. Essa obrigação resulta do princípio da boa-fé que deve nortear a conduta dos contratantes”. Assim, constatada a presença de um vício ante o dever universal de garantir o perfeito estado do objeto ou serviço que foi entregue ou prestado, ter-se-á, por conseguinte, uma violação ao princípio da garantia.
Esses vícios, a teor do que dispõe o Código Civilista em seus artigos 441 a 446, são denominados ‘vícios redibitórios’ e correspondem àqueles constantes na coisa entregue ao tempo da sua transmissão, em virtude de um contrato oneroso comutativo firmado entre os particulares. Prescreve o art. 441 do CC que a coisa recebida, por sua vez dotada de vícios ou defeitos ocultos que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor, pode ser enjeitada (via ação redibitória) ou ter seu preço abatido (via ação estimatória, ex vi art. 442).
Nesse contexto, aduz Venosa (2016, p. 191) que “o vício redibitório decorre da própria coisa, que é a verdadeiramente desejada pela parte, e o adquirente não toma conhecimento do defeito, porque está oculto”. O vício, portanto, é oculto, sendo imperceptível no momento da tradição.
Com efeito, à luz dos fundamentos retro expostos, torna-se salutar tecer duas considerações. A primeira delas refere-se aos requisitos para a configuração do vício redibitório. É que, como evidencia Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 347), “para que se configure o vício redibitório é ainda necessário que a coisa seja recebida em virtude de relação contratual, que o defeito seja grave e contemporâneo à celebração do contrato”.
Logo, é preciso que para além do vício, este seja grave ao ponto de atingir a função da coisa, tornando-a imprópria para uso, ou que tenha o seu valor afetado. Para tanto, Paulo Lôbo (2017, p. 153) explica que “o vício atinge a função da coisa, seja a que se extrai de sua própria natureza seja a manifestada pelo adquirente, envolvendo a prestabilidade, a aptidão ou a utilidade que dela se espera”, não se confundindo, todavia, com a sua inutilização, pois “a coisa pode manter seus atributos e qualidades inerentes, mas não se presta ao uso cuja destinação emerge da natureza do contrato ou da que foi dada pelo adquirente”. Não obstante, conclui o referido autor que, por seu turno, “a diminuição do valor é dado objetivo. A existência de defeito acarreta inevitavelmente a diminuição de valor da coisa, segundo as vicissitudes do tráfico negocial”.
Vislumbra-se, ainda, a necessidade de que o vício oculto e grave, seja anterior ou contemporâneo à entrega da coisa, sendo, com base em Lôbo (2017, p. 152), “o momento da tradição marca a admissibilidade da tutela do adquirente da coisa”.
A segunda consideração consiste na indiferença, pelo legislador pátrio, em precisar os limites do que seriam os defeitos e os vícios, respectivamente. Optou-se por equiparar ambas as hipóteses quando, em verdade, denota-se que os conceitos configuram situações fáticas distintas. Essa conclusão decorre, sobretudo, da análise das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o qual expressamente destinou um regime jurídico diferente para cada hipótese (vide art. 12 e art. 18 CDC). Como bem observa Cavalieri (2014, p. 346),
(defeito) é vício grave que compromete a segurança do produto ou do serviço e causa dano ao consumidor, como o automóvel que colide com outro por falta de freio e fere os ocupantes de ambos os veículos; o segundo (vício) é defeito menos grave, circunscrito ao produto ou serviço, que apenas causa o seu mau funcionamento, como a televisão que não funciona ou que não produz boa imagem, a geladeira que não gela etc. (grifos nossos)
Nesta direção complementa Paulo Khouri (2013, p. 216), em que
não se confunde a responsabilidade pelo fato (arts. 12 e 14) com a responsabilidade por vício do produto ou serviço. Enquanto na primeira há potencialidade danosa, na segunda esta inexiste, verificando-se apenas anomalias que afetam a funcionalidade do produto ou serviço.
Desta feita, ocorre que quando se está sob a ótica de uma relação de consumo, depreende-se que o tratamento legal conferido pelo legislador é diferenciado, muito em função dos esforços destinados à proteção do consumidor, por sua vez hipossuficiente. Com isso, os requisitos outrora elencados como essenciais à configuração do vício redibitório, onde as relações são paritárias, com vistas às lições de Cavalieri (2014, p. 347), não são relevantes “para a configuração do vício do produto, uma vez que o CDC não faz qualquer distinção quanto à gravidade do vício, quanto a ser ele anterior, contemporâneo ou posterior a entrega do bem, e nem se esta se deu em razão de contrato”.
Como bem explica Paulo Lôbo (2017, p. 157),
O modelo da legislação civil da responsabilidade por vícios da coisa está orientado para o valor de troca e não para o valor de uso ou consumo, tratando igualmente relações desiguais, sem contemplar a evidente vulnerabilidade e inferioridade jurídica do adquirente ou usuário de bens e serviços de consumo.
Dessa forma, é evidente que em eventual comparação ao que estipula o Código Civil, constata-se uma dilação legal das hipóteses que podem configurar o vício em si mesmo, como é o caso do reconhecimento dos vícios de qualidade, quantidade e de informação, sejam estes de produtos ou de serviços, bem como a possibilidade de tutela diante dos casos em que o vício apresente-se de forma aparente. No que se refere à responsabilidade civil, essas são as principais diferenças provenientes do código consumerista e, à luz disso, importa, no presente estudo, observar as singularidades de cada caso. Vejamos.
3.1 DOS VÍCIOS DE QUALIDADE, QUANTIDADE E INFORMAÇÃO
O vício de qualidade, seja o produto durável ou não durável, conforme expõe Cavalieri (2014, p. 349), gira em torno de um dever jurídico imposto ao fornecedor de “só introduzir no mercado produtos inteiramente adequados ao consumo a que se destinam”. Nessa hipótese, o que se visa é a compatibilidade entre o desempenho apresentado para com aquele convencionado no instrumento contratual, de maneira a evitar com que o produto se torne inadequado ao consumo ou tenha seu valor reduzido. Paralelamente a isso, ressalte-se ainda a observação lançada por Lôbo (2017, p. 161), a qual “pode inexistir defeito físico ou tangível do objeto, como nas hipóteses de peças do equipamento, e ainda assim ter-se vício de qualidade”, de modo que como o vício de qualidade pode apresentar-se de diversas maneiras, o que interessa é analisar a compatibilidade de desempenhos.
Já o vício de quantidade que, peculiarmente, restringe-se apenas às hipóteses de fornecimento de produtos, nos dizeres de Lôbo (2017, p. 161), corresponde ao fato de que “a quantidade encontrada deve ser equivalente às indicações constantes do anunciado em publicidade ou do continente do produto (recipiente, embalagem”. Assim, “deve haver simetria entre a quantidade do continente (anunciada) e a do conteúdo (concreto)”.
Deduz-se do texto legal, nessas duas hipóteses (vício de qualidade e quantidade), a disponibilização em favor do consumidor de diferentes formas de se lidar para com os referidos vícios, a partir das quais se deve adequar uma à luz das especialidades do caso concreto. São elas: a possibilidade de exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (inciso I do art. 18 do CDC); a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos (inciso II do art. 18 do CDC do CDC); bem como o abatimento proporcional do preço (inciso III do art. 18 do CDC). Sem embargo, destaque-se que em razão da natureza do vício, o legislador conferiu àquele produto que apresenta assimetria na sua quantidade ainda a possibilidade do consumidor optar pela possibilidade de complementar o peso ou medida ausente (inciso II do art. 19 do CDC).
No que lhe concerne, o vício de informação, assenta Lôbo (2017, p. 161), “resulta da desconformidade com as qualidades anunciadas. Relaciona-se a dados extrínsecos ao produto ou serviço, ou seja, a elementos de indução ao consumo”. Compreende, a exemplo, as divergências entre as informações contidas nas tabelas nutricionais de alimentos que se dizem ser mais benéficos à saúde, e o que efetivamente se encontra substancialmente naquele produto.
Nesse interim, à vista do exposto e a teor do que prescreve o CDC, cumpre mencionar que o objeto contratual passível de vício pode até então ser um serviço (que encontra fundamentação legal no art. 20 do CDC), demonstrando, portanto, uma preocupação do estatuto consumerista em proteger a parte hipossuficiente que faça uso de serviços prestados. A título de exemplo, tem-se o caso de interrupção de fornecimento de energia nas residências que, in casu, ensejou reparação civil e teve acórdão proferido no julgamento do processo n.º APL 02119395620108040001 AM confirmando a eficácia condenatória:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIO DO SERVIÇO. INTERRUPÇÃO INJUSTIFICADA NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONSEQUENTE PERDA DOS PRODUTOS DA EMPRESA DA RECORRENTE. DANOS MATERIAIS. VIOLAÇÃO À HONRA OBJETIVA. BOM NOME E REPUTAÇÃO NO MERCADO CONSUMIDOR. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS. ARTIGO 333, I, DO CPC. NECESSIDADE DE UM MÍNIMO DE INDÍCIOS DA VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO ALEGADO. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-AM - APL: 02119395620108040001 AM 0211939-56.2010.8.04.0001, Relator: Wellington José de Araújo, Data de Julgamento: 08/06/2015, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 09/06/2015). (grifos nossos)
Discorre Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 82) que estar-se-á diante de vício “de serviços, quando se verifique prejuízo decorrente da “disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária” (art. 20, caput, in fine)”. Nestes, observa-se que dispõe o consumidor do poder de exigir a reexecução dos serviços (inciso I, art. 20); a restituição do preço corrigido, sem prejuízo de eventuais perdas e danos (inciso II, art. 20); e o abatimento proporcional do preço (inciso III, art. 20).
Por fim e não menos importante, insta registrar outra inovação proveniente do CDC, qual seja o reconhecimento legal dos casos em que o vício se apresente de modo aparente. Lôbo (2017, p. 159) harmoniza que
nas relações de consumo, mercê de seu caráter impessoal, desigual e massificado, a inclusão do vício aparente é necessária para que se efetive o princípio de defesa do consumidor. Se assim não fosse, o consumidor individual estaria à mercê de intermináveis discussões judiciais acerca de seu desconhecimento do vício (...).
Nessa perspectiva, juridicizou-se os casos em que o vício for de fácil constatação, de maneira que “mesmo que o vício seja aparente, no momento da entrega do produto ou do serviço, cabe a responsabilidade do fornecedor”, conforme preceitua Lôbo (2017, p. 159). Exemplo disso é o da compra de veículos que, in casu, demonstrou tratar-se de vício aparente – muito embora em razão da jurisprudência dominante do STJ, a qual entende que o mero inadimplemento contratual, em regra, não enseja compensação por danos morais, restou pelo improvimento do agravo. Vejamos a ementa do Acórdão:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIO APARENTE OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. ART. 26 DO CDC. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL NÃO ENSEJA, EM REGRA, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Quando se tratar de responsabilidade civil por vícios do produto aparentes ou de fácil constatação, o prazo decadencial é de 30 ou 90 dias para a reclamação por parte do consumidor, conforme se trate de produtos ou serviços não duráveis ou duráveis, nos termos do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. 2. A jurisprudência desta Corte entende que o simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável nos negócios contratados. 3. A Corte de origem, analisando o acervo fático-probatório dos autos, consignou que os vícios no veículo representam mero inadimplemento contratual, o que afasta a ocorrência de dano moral indenizável. 4. A alteração do contexto fático delineado pelo acórdão recorrido demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 5. Agravo interno não provido. (PROCESSO: AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – 1476632. RELATOR: RAUL ARAÚJO. SIGLA DO ÓRGÃO: STJ, QUARTA TURMA, DJE: DATA:08/09/2017) (grifos nossos)
3.3 DECADÊNCIA
Da análise do que foi comentado no presente estudo, depreendeu-se que nas relações em que um dos polos é o consumidor, a legislação optou por agasalhar os casos em que os vícios são ocultos, mas como também aparentes, ou seja, aqueles que sua percepção seja de fácil notoriedade. Nesse sentido, cumpre especificar qual é a implicação prática de cada hipótese no que se corresponde ao direito de reclamar diante de um vício constatado.
Assevera Venosa (2016, p. 209), que “o fato de o defeito ser facilmente percebido influirá somente nos prazos de reclamação, e isto fica bem nítido na lei, mesmo porque em qualquer situação será responsável o fornecedor”. Assim sendo, a teor do que dispõe o art. 26 do CDC, caso esteja-se diante de vício aparente, o que difere é o prazo, por sua vez contado a partir da entrega efetiva do produto ou término da execução dos serviços.
Logo, em se tratando de serviços ou produtos não duráveis, terá o consumidor o prazo de 30 dias para reclamar, ao tempo em que em se configurada hipótese de serviços ou produtos duráveis, o prazo altera-se para 90 dias, sempre a contar da entrega efetiva do produto ou término dos serviços. Noutra seara, caso o vício seja oculto, prescreve o § 3º do art. 26 que o prazo começa a correr a partir do momento em que o vício ficar evidenciado, pautando-se, nesses casos, pelo critério da vida útil do produto. Para tanto, Cavalieri (2014, p. 364) mostra que
Atentando-se para a vida útil do produto, ter-se-á que apurar, em cada caso, através de perícia, qual é a verdadeira causa do defeito. Em princípio, quanto mais distante estiver o produto ou serviço do final da sua vida útil, maior será a possibilidade de se tratar de um vício de qualidade. Se o bem é novo ou recém-adquirido, pode-se, até, falar em presunção relativa da anterioridade do vício.
Não obstante, o § 2º do art. 26 explicita as situações em que o prazo decadencial retro exposto é obstado, ou seja, impedido de começar a correr. Interessante que, de acordo com as lições de Venosa (2016, p. 210),
Um prazo começa a transcorrer desde a entrega da coisa, mas a reclamação faz com que outro novamente se inicie. Não devemos ver aí uma interrupção, porque a decadência não o permite. Para que se harmonizem os princípios da caducidade, entendamos que há dois momentos em que surge o direito do consumidor: quando da entrega e quando da reclamação. Se o consumidor não reclamar no prazo fixado a partir da entrega efetiva, decai do direito. Se reclamar nesse prazo, e até a resposta negativa do fornecedor, o prazo de caducidade que decorre dessa reclamação, que é de direito material, não se inicia.
Daí que, sob pena se desconfigurar o instituto da decadência, o qual não se interrompe nem suspende, optou-se por uma interpretação que reza a viabilização de dois espaços para que o consumidor possa reclamar do que lhe é de direito, quais sejam da entrega efetiva e, caso aquele opte pela reclamação, o prazo será desde a negativa do fornecedor; ou a instauração de inquérito civil. E se o vício for oculto,
Sempre que o consumidor reclama “administrativamente”, provoca o início do prazo de caducidade, com a resposta negativa do fornecedor. Nada impede, porém, que o consumidor ingresse com a ação independentemente da reclamação, em qualquer situação (VENOSA, 2016, p. 211).
Resta caracterizar, por conseguinte, a modalidade de responsabilidade civil com a qual se está diante, bem como suas peculiaridades.
3.4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC
Flávio Tartuce (2016, p.70) diz que “para justificar a incidência do Código de Defesa do Consumidor, é preciso estudar a estrutura da relação jurídica de consumo, na perspectiva de seus elementos subjetivos e objetivos, ou seja, das partes relacionadas e o seu conteúdo”.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2°, define a figura do consumidor como sendo toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Para Cláudia Lima Marques (2007), uma das maiores doutrinadoras brasileiras acerca do Direito do Consumidor, o destinatário final seria o reconhecido como vulnerável numa relação contratual, asseverando que
Realmente, depois da entrada em vigor do CC/2002 a visão maximalista diminuiu em força, tendo sido muito importante para ,j isto a atuação do STJ. Desde a entrada em vigor do CC/2002, parece-me crescer uma tendência nova da jurisprudência, concentrada na noção de consumidor final imediato (Endverbraucher), e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de finalismo aprofundado [...] (TARTUCE, 2016, p.79).
Assim, a referida autora adota a teoria finalista mitigada ou aprofundada, admitindo exceções quando a pessoa física ou jurídica estiver em condição de vulnerabilidade.
Ademais, em seu art.3°, aduz o CDC que
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Vale ressaltar que, a palavra fornecedor está em sentido amplo, a englobar o fornecedor de produtos – em sentido estrito – e o prestador de serviços. (TARTUCE, 2016, p. 71).
Tal entendimento também é encontrado na jurisprudência pátria, a qual estipula “[...] que para qualificar-se uma pessoa como fornecedor de acordo com o regime jurídico especial previsto pela Lei nº 8078/90, é necessário que essa pessoa física ou jurídica exerça a atividade econômica com profissionalidade, ou seja, continuamente" (AGI656396, Acórdão nº 89902, Relator Hermenegildo Gonçalves, 2ª Turma Cível, julgado em 21/10/1996, DJ 27/11/1996 p. 21.905).
Por fim, tem-se ainda como elemento da relação de consumo o produto ou serviço. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3°, §1°, do CDC). Já o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (Art. 3°, §2°, do CDC).
3.4.1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA
No próprio Código Civil não se encontra referência à culpa nos vícios redibitórios, sendo inclusive um equívoco tentar este requisito no CDC, o qual tem a função de dar proteção e igualdade de condições nas suas relações. Assim, assevera Sérgio Cavalieri Filho, que não há dúvida de o vício do produto ou serviços gerar responsabilidade objetiva, visto que, até mesmo no regime do Código Civil, os vícios redibitórios não são tratados como casos de responsabilidade por culpa. Seria, então, um intolerável retrocesso submeter os vícios do produto e do serviço disciplinados pelo CDC à exigência de culpa do fornecedor, quando esse estatuto tutelar reconhecidamente adota o sistema da responsabilidade objetiva. (THEODORO, 2017, p.81).
Entretanto, assevera Theodoro (2017, p.82) que, o fato de a responsabilidade do fornecedor ser, em qualquer das hipóteses, objetiva, não retira do consumidor o dever de comprovar o vício ou defeito (ou ao menos indícios de sua ocorrência para justificar a inversão), o nexo causal e o dano. Assim, caberá ao fornecedor, neste caso, comprovar que não havia vício ou defeito no produto ou serviço.
Outrossim, aduz Flávio Tartuce e Daniel Amorim (2016, p.121) que o Código de Defesa do Consumidor, ao adotar a premissa geral de responsabilidade objetiva, quebra a regra da responsabilidade subjetiva prevista pelo Código Civil de 2002, fundada na culpa lato sensu, que engloba o dolo (intenção de causar prejuízo por ação ou omissão voluntária) e a culpa stricto sensu (desrespeito a um dever preexistente, seja ele legal, contratual ou social).
Desse modo, o Código Civil de 2002, adota como regra a responsabilidade civil subjetiva, fundada na culpa em sentido amplo (arts. 186 e 927 § único do CC). Todavia, adota como exceção, a responsabilidade civil objetiva, quando presente a atividade de risco ou nos casos especificados em lei, como nas hipóteses de ato de terceiro (arts. 932 e 933), fato do animal (art. 936) e fato da coisa (arts. 937 e 938), por exemplo.
Já o Código de Defesa do Consumidor adota como regra a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços (arts.12, 14, 18, 19 e 20 do CDC). A exceção fica no campo dos profissionais liberais (art. 14, §4º, CDC), onde é adotada a responsabilidade subjetiva, só respondendo mediante prova de culpa. (TARTUCE, 2016, p. 122).
Ademais, afirma o CDC que, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo (art. 7°, parágrafo único, do CDC). Tal linha de pensamento também é encontrada no art.18, CDC, aqui já exposto, no qual será aplicado nos casos de vícios nos produtos, definindo a responsabilidade dos fornecedores como solidária.
De acordo com a doutrina majoritária, o termo fornecedor é o gênero daqueles que desenvolvem atividades no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC se refere a “fornecedor” está envolvendo todos os participantes que desenvolvem atividades, sem nenhuma distinção. E esses fornecedores, diz a norma, respondem “solidariamente”. (MALHEIROS, 2007)
Desse modo, assevera Nunes (2005, p.170) que
A norma do caput do art. 18 coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo seus direitos.
Outrossim, Cláudia Lima Marques entende que devem se responsabilizar todos aqueles que ajudaram a colocar o produto no mercado, iniciando-se do fabricante, passando pelo distribuidor e finalizando pelo comerciante. Todavia, cabe a cada um deles a responsabilidade pela garantia do produto (MARQUES, 1999. p. 450).
A jurisprudência pátria também entende que a lei possibilita a responsabilização do comerciante para sanar o vício do produto ou serviço, vejamos:
CIVIL - CDC - COMPUTADOR - DEFEITO NA PLACA MÃE - VÍCIO DO PRODUTO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FABRICANTE E O FORNECEDOR DO PRODUTO. 1. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Preliminar de ilegitimidade passiva que se rejeita em razão da solidariedade entre o fabricante do produto e a empresa que o revende. 2. Demonstrado nos autos o vício de qualidade do produto, cabe ao consumidor a escolha entre a troca ou a restituição do valor pago. 3. Não sanado o vício no prazo de trinta dias, a empresa que vende computador que apresenta defeito na placa mãe, deve restituir o valor recebido. 4. Multas aplicadas pelo Procon/DF não afastam o dever de restituição que recai sobre o fornecedor, uma vez que possuem fundamento fático e legal distintos. Recurso improvido. (20050110940580ACJ, Relator ESDRAS NEVES, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 06/06/2006, DJ 03/07/2006 p. 129). (grifos nossos)
Ademais, uma exceção à responsabilidade solidária pode ser encontrada no art. 18, §5º, em que o Código de Defesa do Consumidor aduz que será responsável, no caso dos produtos in natura, o fornecedor imediato do produto, a não ser quando for possível identificar claramente o seu produtor. Assim como, será também responsável o fornecedor imediato quando ele próprio fizer a “pesagem ou medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais” (MELO, Liana Holanda de).
Sendo assim, conclui-se que nosso ordenamento jurídico como um todo entende, em regra, pelo conceito amplo de fornecedor, não devendo os comerciantes se eximirem da responsabilidade de sanar os vícios dos produtos, colocando toda a responsabilidade nos fabricantes.
3.4.2 CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor se diferencia do Código Civil porque tem em sua essência a proteção e presunção de vulnerabilidade do consumidor, de forma que amplia consideravelmente o próprio conceito deste para enquadrar também a ideia de consumidor equiparado, por equiparação ou bystander. O art. 17 do CDC é expresso em dizer que o consumidor é todo aquele que venha a se prejudicar pelos eventos do contrato, mesmo que participe indiretamente, sendo assim equiparados para a condição de pleitear uma ação de reparação civil. Ou seja, trata-se do terceiro ou do expectador, daquele que não interveio na relação de consumo, mas é vítima e, por isso, é equiparado ao consumidor. Assim, as relações de consumo se regem por uma situação que, por vezes, ignora a concepção padrão de responsabilidade civil e amplia o nexo causal, a fim de acomodar um terceiro prejudicado, como ilustra esta decisão do STJ ao determinar ser consumidor equiparado o proprietário de uma residência sobre a qual caiu um avião:
Código de Defesa do Consumidor. Acidente aéreo. Transporte de malotes. Relação de consumo. Caracterização. Responsabilidade pelo fato do serviço. Vítima do evento. Equiparação a consumidor. Art. 17 do CDC. I. Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, aindaque pessoa jurídica, uma vez que o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção,definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei, ‘... toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’. Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II. Em decorrência, pela aplicação conjugada com o art. 17 do mesmo diploma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor. Recurso especial provido” (STJ – REsp 540.235/TO – Terceira Turma – Rel. Min.Castro Filho – DJ 06.03.2006). (grifos nossos).
Assim como, em uma situação hipotética, onde um aparelho de ar-condicionado recém adquirido explode dentro de uma sala de aula onde funciona instituição de ensino e no presente momento estão cinquenta alunos em aula. Ora, não se pode entender que o dano causado pelo defeito do produto será ressarcível somente à instituição, mas sim, a todos os estudantes que se feriram devido ao acidente.
O parágrafo único do art.2°, CDC, também considera consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que posteriormente venha a sobrevir na relação de consumo. Logo, se de alguma forma, a sociedade interveio na relação de consumo, ela será considerada consumidora.
Aduz também, o art. 29, CDC, que é considerado consumidor todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou contratuais abusivas, como uma coletividade exposta a uma determinada propaganda enganosa por exemplo. Na visão de Cláudia Lima Marques, o art. 29 supera os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política legislativa. Estas, mesmo não sendo "consumidores stricto sensu", poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas (RODRIGUES, 2017).
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DIANTE DE PRODUTOS EM LOJAS FÍSICAS
De acordo com o artigo 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Em decorrência disso, o Código de Defesa do Consumidor buscou proteger o consumidor devido a sua vulnerabilidade, evitando arbitrariedades e reparando os abusos cometidos pelos fornecedores e comerciantes. Contudo, a compra do produto em lojas físicas possui algumas particularidades que serão destrinchadas a seguir. Conforme consta no art. 49º do Código de Defesa do Consumidor:
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Logo, depreende-se que se a compra é feita em loja física, o consumidor não tem direito a troca assim que concluir a compra, salvo se a loja tiver a política expressa de troca, pois o Superior Tribunal de Justiça entende que esta cláusula não fere o art. 49, CDC.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. ASSISTÊNCIA TÉCNICA. FORNECEDOR. INTERMEDIAÇÃO. DESNECESSIDADE. ARTIGO 18, § 1º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBSERVÂNCIA. 1. Há julgamento extra petita quando decidida a causa fora dos contornos da lide, que são estabelecidos a partir do exame da causa de pedir eleita pela parte autora da demanda e dos limites do pedido veiculado em sua petição inicial. 2. Ausência de norma cogente no CDC, que confira ao consumidor um direito potestativo de ter o produto trocado antes do prazo legal. Não se colhe dos autos nenhum comportamento abusivo da empresa recorrente, que permite a troca da mercadoria no prazo de 3 (dias) para beneficiar o consumidor diligente. 3. Na hipótese, não sendo reparado o vício pela assistência técnica no prazo de 30 (trinta) dias, o consumidor poderá exigir do fornecedor, à sua escolha, as três alternativas constantes dos incisos I, II e III do § 1º do artigo 18 do CDC. 4. No caso concreto, o Tribunal local, ao determinar que a empresa, a fim de sanar suposto vício, tivesse que enviar, de forma direta e autônoma, o produto supostamente viciado à assistência técnica, bem como retirar os produtos de difícil remoção da residência do consumidor ou onde se encontrasse a mercadoria, encaminhando, se necessário, técnico ao local, de fato extrapolou os limites do pedido. 5. A Terceira Turma já concluiu que a disponibilização de serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade do estabelecimento do comerciante, afasta o dever do fornecedor de intermediar o serviço, sob pena de acarretar delongas e acréscimo de custos. 6. Recurso especial da Lojas Americanas S.A. provido, prejudicado o recurso especial do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. (STJ - REsp: 1.459.555 – RJ (2014⁄0139034-0), Relator: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 14/02/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/02/2017) (grifos nossos)
Outra possibilidade de troca é por vício do produto ou defeito, devido ao fato do produto estar impróprio ao uso e ao consumo, como enfatiza Humberto Theodoro Junior (2017, p.91)
É de se ressaltar, que impróprio ao uso e consumo são: a) os produtos: cujos prazos de validade estejam vencidos; deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; ou os que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam (art. 18, § 6º); b) os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade (art. 19, § 2º).
Sendo o caso de vício, deve o consumidor procurar assistência técnica para que sane o vício em trinta dias, conforme o art. 18, CDC, e, em caso de extrapolação, tem o direito de exigir a substituição do produto por outro de mesma espécie; a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos ou o abatimento do preço. Com base nisso, a jurisprudência entende por configurado o dano moral quando o consumidor necessita retornar diversas vezes à concessionária para reparo de defeitos apresentados no veículo adquirido.
RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. VEÍCULO ZERO. VÍCIOS DE QUALIDADE. NÃO SANADOS NO PRAZO. OPÇÕES ASSEGURADAS AO CONSUMIDOR. SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE. ESCOLHA QUE CABE AO CONSUMIDOR. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. 1. Ação ajuizada em 07/12/2009. Recursos especiais interpostos em 05/02/2014 e atribuídos a este gabinete em 25/08/2016. 2. Não é possível alterar a conclusão assentada pelo Tribunal local com base na análise das provas nos autos, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 3. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem afirmou de forma categórica a existência de vício no produto, tendo sido o veículo encaminhado diversas vezes para conserto e não sanado o defeito no prazo de 30 (trinta) dias. Rever essa conclusão esbarra no óbice supramencionado. 4. Configura dano moral, suscetível de indenização, quando o consumidor de veículo zero quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparo de defeitos apresentados no veículo adquirido. 5. O valor fixado a título de danos morais, quando razoável e proporcional, não enseja a possibilidade de revisão, no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 6. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa parte, não providos.(STJ - REsp: 1632762 AP 2014/0165496-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/03/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2017) (grifos nossos)
É que o vício ou defeito de um produto novo, mas sanado pelo fornecedor, tende a ser considerado como um mero aborrecimento, o qual não gera dano moral ao consumidor. Porém, conforme a relatório da Ministra Nancy Andrighi (STJ, 2013), quanto o vício ou o defeito extrapola o razoável que se pode imputar ao consumidor, estar-se-á diante não mais de um transtorno ou inconveniente corriqueiro, mas sim, de um dano que causa frustração, constrangimento e angústia, que supera a esfera do mero dissabor para invadir a seara do efetivo abalo psicológico. É nesse entendimento que o Superior Tribunal interpreta o CDC em ampliação do polo passivo da demanda a fim de também alcançar o produtor:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. VÍCIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CONCESSIONÁRIA E DO FABRICANTE DE AUTOMÓVEIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não ficou caracterizada a violação dos arts. 489, § 1º, e 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem se manifestou de forma fundamentada sobre todas as questões necessárias para o deslinde da controvérsia. O mero inconformismo da parte com o julgamento contrário à sua pretensão não caracteriza falta de prestação jurisdicional. 2. O entendimento desta Corte é no sentido de que a concessionária (fornecedora) e o fabricante de automóveis possuem responsabilidade solidária em relação ao vício do produto. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - REsp: 1.640.789 - PR (2016/0310311-7), Relator: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 24/10/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/10/2017) (grifos nossos)
Porém, quando o vício não for aparente ou de fácil constatação, assim como finalizado o prazo, começa-se a contar a garantia contratual. O STJ tinha o entendimento de que as lojas não eram obrigadas a receber o produto defeituoso quando existisse assistência técnica especializada no local, exceto se já houvesse decorrido 30 dias e a assistência não tivesse purgado o problema.
PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. VÍCIO DO PRODUTO. REPARAÇÃO EM 30 DIAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO COMERCIANTE. 1. Ação civil pública ajuizada em 07/01/2013, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 08/06/2015 e concluso ao Gabinete em 25/08/2016. Julgamento pelo CPC/73. 2. Cinge-se a controvérsia a decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional (art. 535, II, do CPC/73); (ii) a preclusão operada quanto à produção de prova (arts. 462 e 517 do CPC/73); (iii) a responsabilidade do comerciante no que tange à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica (art. 18, caput e § 1º, do CDC). 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 535, II, do CPC/73. 4. Esta Corte admite a juntada de documentos, que não apenas os produzidos após a inicial e a contestação, inclusive na via recursal, desde que observado o contraditório e ausente a má-fé. 5. À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado - ou, ao menos, atenuado - se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. 6. À luz do princípio da boa-fé objetiva, se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor. Incidência dos princípios que regem a política nacional das relações de consumo, em especial o da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, do CDC) e o da garantia de adequação, a cargo do fornecedor (art. 4º, V, do CDC), e observância do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele (art. 6º, VI, do CDC). 7. Como a defesa do consumidor foi erigida a princípio geral da atividade econômica pelo art. 170, V, da Constituição Federal, é ele - consumidor - quem deve escolher a alternativa que lhe parece menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o vício em 30 dias - levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante -, não cabendo ao fornecedor impor-lhe a opção que mais convém. 8. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1634851 RJ 2015/0226273-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2018) (grifos nossos)
Conforme o julgado de 2017 supracitado, o Tribunal Superior confere ao consumidor o direito procurar sanar ao vício junto ao fornecedor, produtor ou assistência, ficando a sua escolha qual deles procurar, pois se configura uma responsabilidade objetiva que se justifica pelo risco da atividade comercial praticada. Pois bem, não é o consumidor, parte hipossuficiente, que deverá arcar pelo mau funcionamento do produto ou serviço ao qual não deu causa.
Muito elucidativo foi o voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi (STJ, 2018), embasada no princípio da boa-fé objetiva, de forma que prescreve que “se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor”.
5 A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DIANTE DAS RELAÇÕES VIRTUAIS DE CONSUMO
As relações de consumos que ocorrem eletronicamente são aquelas em que as partes se utilizam de meios informáticos para realizarem um contrato, sem que tenham contatos físicos e pessoais. Logo, sua principal caraterística é de que os contratos celebram e concluem-se através da rede mundial de computadores. O princípio da confiança é imprescindível neste tipo de contrato, pois também representa a intenção dos contratantes em constituir uma segurança jurídica e a transparência, dificultada pela imaterialidade da formação do contrato.
O princípio da confiança foi criado pela jurisprudência alemã e desenvolvido pela doutrina como a defesa da legitimidade das expectativas que nascem com os contratantes, pois estes assumem mutuamente suas obrigações (CASTRO FERREIRA, p. 166). Ademais, se manifesta nos contratos como a perspectiva subjetiva do segurança e mantém íntima relação com a transparência porque fornece credibilidade ao vínculo formado pelos contratantes (CASTRO FERREIRA, p. 167).
Destarte, é importante ter-se em mente que há uma infinidade de contratos virtuais possíveis, os quais a legislação e a jurisprudência ainda não conseguiram acompanhar e prever os deveres e responsabilidades que se aplicam a cada um. A verdade é que o conteúdo de responsabilidade civil nos contratos eletrônicos ainda está se desenvolvendo, seja pelos projetos de lei que tramitam perante o Congresso Nacional, doutrina ou jurisprudência. Diante disso, o que se vê é um sistema de responsabilidade civil muito casuístico, pois ainda está se moldando e se adequando a esse novo paradigma, o qual se caracteriza por um conjunto de relações efêmeras e instantâneas.
Assim, de forma geral, a jurisprudência brasileira tem buscado indenizar o consumidor e protege-lo dos eventuais danos materiais que venha a sofrer pela má ou falta de prestação do serviço ou vício do produto. As lojas virtuais ou parte intermediária têm a responsabilidade objetiva quanto à execução de suas obrigações no contrato, não devendo o consumidor que realizou o contrato por confiança sofrer o dano do inadimplemento. E quando se fala da prestação, deve-se levar em conta também a segurança do meio eletrônico em que o contrato se forma.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INTERMEDIAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE PRODUTOS "ON-LINE". COMPRAS EFETUADAS POR TERCEIRO NÃO AUTORIZADO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE REPARAÇÃO DO PREJUÍZO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA PARCIAL RECONHECIDA. RECURSO DAS RÉS PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICADO O APELO DO AUTOR. 1. O conjunto probatório não possibilita afirmar a culpa exclusiva do consumidor pela falha no sistema de segurança disponibilizado pelas corrés Mercadopago.com e Mercadolivre.com, de onde decorre a responsabilidade dos demandados pelos danos materiais constatados, pois na hipótese a responsabilidade deles é objetiva. 2. Não se tratando de situação em que o dano moral se presume "in re ipsa", faz-se necessária a demonstração efetiva de sua ocorrência para justificar o reconhecimento do direito à reparação. No caso, os transtornos vividos pelo autor não chegaram a caracterizar verdadeira situação de dano moral, o que afasta a possibilidade de cogitar de reparação nesse aspecto. (TJ-SP - APL: 00032317820138260196 SP 0003231-78.2013.8.26.0196, Relator: AntonioRigolin, Data de Julgamento: 15/09/2015, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/09/2015) (grifos nossos).
Outra questão importante que se extrai da jurisprudência acima é a dificuldade sobre a configuração do dano extrapatrimonial no comércio eletrônico. Tal espécie de dano é de difícil apreciação e quantificação, pois não se pode aferir em aspectos materiais, devendo-se extrair sua configuração de uma análise minuciosa sobre os direitos de personalidade e do princípio da dignidade humana. Igualmente, o dano será presumido in reipsa, o qual será visto tomando-se em conta a capacidade de produzir efeitos no homem médio, em tentativa de não se banalizar todo julgamento ao casuístico e ao sofrimento interno, o qual é demasiadamente pessoal e abstrato. É um entendimento de que a responsabilidade civil não é para gerar lucro pelos meros aborrecimentos, mas sim, para sanar toda e, somente ela, a avaria causada.
RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPRA DE PRODUTO MEDIANTE PÁGINA ELETRÔNICA. MERCADORIA NÃO ENTREGUE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. (TJ-RS - Recurso Cível: 71005137880 RS, Relator: Silvia Muradas Fiori, Data de Julgamento: 06/11/2014, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/11/2014) (grifos nossos)
É também lógico que as lojas virtuais têm responsabilidade pelo produto não entregue, pelo contrato não cumprido e pelos vícios que o produto ou o serviço vier a ter, pois o CDC tem um viés de proteção ao consumidor, parte presumidamente enfraquecida dentro da relação. Tanto é verdade que os serviços de busca têm a responsabilidade solidária desde que intermedeiem o contrato, independente de auferir lucro, o que se configura como uma extensão do entendimento de quem é o vendedor e da responsabilidade sobre o caso concreto. O serviço de busca na internet tem papel decisivo no marketing digital, visto que concentram anúncios, cupons de desconto e fornecimento de informações, caracterizando um serviço de grande utilidade na escolha dos produtos. Porém, vale ressaltar que a escolha final quanto à contratação de um produto ou serviço cabe ao consumidor, de forma que o STJ entende que o provedor de buscas não é responsável se não for parte intermediária.
CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA VOLTADA, AO COMÉRCIO ELETRÔNICO. INTERMEDIAÇÃO. AUSÊNCIA. FORNECEDOR. NÃO CONFIGURADO. 1. Ação ajuizada em 17/09/2007. Recurso especial interposto em 28/10/2013 e distribuído a este Gabinete em 26/08/2016. 2. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 3. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo. 4. Existência de múltiplas formas de atuação no comércio eletrônico. 5. O provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1.444.008 RS 2014/0064646-0, Relator: Ministro NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/10/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/11/2016) (Grifos nossos)
Porém, é importante aplicar o conceito de consumidor por equiparação também aos contratos virtuais, tendo em vista que este é todo aquele que venha a se prejudicar pelos eventos do contrato, mesmo que participe indiretamente e, pode sim, pleitear uma reparação civil em seu nome. Nesse contexto de revolução tecnológica onde a informação de se propaga de forma instantânea, não se pode descuidar da possibilidade vir a atingir terceiro estranho à relação contratual.
Interessante é o caso concreto publicado no Informativo n. 500, STJ, o qual demonstra uma violação ao direito de personalidade e à imagem do ofendido, cuja responsabilidade recai solidariamente tanto àquele que fornece informações com intenção de denegrir a vítima quanto ao site provedor de anúncios eróticos. E mais, tal responsabilidade do sítio não pode ser afastada por cláusula contratual, já que se configura de forma abusiva ao transferir o dano à vítima que não participa da formação do contrato, além de que esta tem o direito de personalidade, que é imprescritível e irrenunciável.
CDC. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROVEDOR DE INTERNET. ANÚNCIO ERÓTICO. O recorrente ajuizou ação de indenização por danos morais contra a primeira recorrida por ter-se utilizado do seu sítio eletrônico, na rede mundial de computadores, para veicular anúncio erótico no qual aquele ofereceria serviços sexuais, constando para contato o seu nome e endereço de trabalho. A primeira recorrida, em contestação, alegou que não disseminou o anúncio, pois assinara contrato de fornecimento de conteúdo com a segunda recorrida, empresa de publicidade, no qual ficou estipulado que aquela hospedaria, no seu sítio eletrônico, o site desta, entabulando cláusula de isenção de responsabilidade sobre todas as informações divulgadas. Para a Turma, o recorrente deve ser considerado consumidor por equiparação, art. 17 do CDC, tendo em vista se tratar de terceiro atingido pela relação de consumo estabelecida entre o provedor de internet e os seus usuários. Segundo o CDC, existe solidariedade entre todos os fornecedores que participaram da cadeia de prestação de serviço, comprovando-se a responsabilidade da segunda recorrida, que divulgou o anúncio de cunho erótico e homossexual, também está configurada a responsabilidade da primeira recorrida, site hospedeiro, por imputação legal decorrente da cadeia de consumo ou pela culpa in eligendo, em razão da parceria comercial. Ademais, é inócua a limitação de responsabilidade civil prevista contratualmente, pois não possui força de revogar lei em sentido formal. (STJ - REsp: 997993 MG 2007/0247635-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 21/06/2012, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/08/2012) (Grifos nossos)
De mais a mais, o consumo virtual é extremamente casuístico, não dispondo de maiores análises legislativas ou doutrinárias, cabendo, deste modo, à jurisprudência a elucidação dos casos concretos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das particularidades que o direito do consumidor apresenta, até mesmo pelo tratamento jurídico diferenciado quando comparado aos negócios meramente civis, da demasiada quantidade de relações consumeristas travadas e da paralela – e simultaneamente convergente – associação do consumo com a constância tecnológica, a análise da responsabilidade civil nesta seara deve ser pautada com observação a todos esses pressupostos.
Além do mais, a responsabilidade dos fornecedores de bens e serviços contempla o consumidor enquanto parte vulnerável, motivo pelo qual, por si só, é suficiente para a análise da responsabilidade civil autonomamente.
Como se não bastasse, as transições tecnológicas nas relações virtuais – avassaladoras em muitos aspectos – exigem dos operadores do direito também transições, estas que quase nunca conseguem acompanhar aquelas. A dificuldade, na hipótese, reside em considerar não somente a responsabilidade civil na relação de consumo, e, consequentemente, todas as suas singularidades, mas também aliá-la à mutabilidade virtual, a fim de, casuisticamente – vez que inexistentem parâmetros prévios gerais –, aferir a responsabilidade do consumidor.
A bem da verdade, ainda há muito para ser apreciado no que diz respeito à responsabilidade civil nas relações consumeristas, vez que estas não se resumem a avenças de relativa “facilidade jurídica”, sendo possível, inclusive, repercussão na esfera extrapatrimonial, o que estimula ainda mais a necessidade de maiores aprofundamentos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 02. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 05/02/2022.
CASTRO FERREIRA, Ana Amélia Mena Barreto de. Revista da EMERJ. Volume 11, nº 42, 2008.
FILHO, Cavalieri, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 4ª edição. Atlas, 2014.
Jr., THEODORO, Humberto. Direitos do Consumidor. 9ª edição. Forense, 2017
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 6ª edição. Atlas, 2013.
LOBO, Paulo. Direito civil – Contratos. 3ª edição, 3rd edição. Editora Saraiva, 2017.
MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Contexto prático do art. 18 do CDC e da responsabilidade solidária dos comerciantes pelos vícios dos produtos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 40, abr 2007. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3945>. Acesso em 05/02/2022.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V; BESSA, Leonardo Medeiros. Direito do consumidor. 3. ed. Niterói: Impetus, 2007.
MELO, Liana Holanda de. Responsabilidade civil nas relações de Consumo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8371>. Acesso em 05/02/2022.
O Globo. Ações de consumo somam quase metade dos 90 milhões de processos no judiciário. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/acoes-de-consumo-somam-quase-metade-dos-90-milhoes-de-processos-no-judiciario-10266371> Acesso em 05/02/2022.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
RODRIGUES, Eliandro. Os vários conceitos de Consumidor à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Disponível em: <https://eliandroegr.jusbrasil.com.br/artigos/417649195/os-varios-conceitos-de-consumidor-a-luz-da-doutrina-e-da-jurisprudencia> Acesso em 06/02/2022.
STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1395285 SP 2013/0147396-1. Relator: Ministro Nancy Andrighi. DJ: 12/12/2013. STJ, 2013. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=%20REsp%201395285>. Acesso em: 06/02/2022.
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TARTUCE, F; NEVES, D. A. A; Manual de Direito do Consumidor. 5ª edição. Ed. Método, 2016.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17. Ed. São Paulo: Atlas, 2017.
VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil - Vol. 3 – Contratos. 17ª edição. Atlas, 2016.
Assessor no Ministério Público Federal em Alagoas. Pós-graduando em Direito Constitucional. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Lucas Medeiros de Moura Barreto. A responsabilidade civil nas relações de consumo físicas e virtuais diante dos vícios de produto e serviço Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58111/a-responsabilidade-civil-nas-relaes-de-consumo-fsicas-e-virtuais-diante-dos-vcios-de-produto-e-servio. Acesso em: 22 nov 2024.
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