FLÁVIA REGINA PORTO DE AZEVEDO[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo almeja realizar uma pesquisa a fim de esclarecer os benefícios da aprovação da Multiparentalidade para o Direito de Família e as entidades familiares. Dessa forma, visa averiguar como ocorreu o processo para a aprovação da Multiparentalidade no Direito Civil Brasileiro, bem como relatar as mudanças e os benefícios acarretados pela paternidade socioafetiva. Ademais, vale ressaltar se a multiparentalidade é um efeito necessário em face das mudanças nas relações sociais e por fim, verificar se a adoção pode ser reconhecida perante a Multiparentalidade, uma vez que a concepção de família tradicional sofreu diversas modificações ao decorrer do tempo, em decorrência da aprovação da união estável homoafetiva, bem como da possibilidade do divórcio entre casais. Dessa forma, no presente artigo será demonstrado os efeitos jurídicos acarretados pela legalização da Multiparentalidade, bem como de que forma as decisões judiciais auxiliaram e ampararam na quebra de paradigmas relacionados a nova concepção de família, ademais, será abordado como o direito de família alterou a ideia de "família ideal e tradicional” ao decorrer do tempo, para alcançar o objetivo, adotou-se uma pesquisa bibliográfica e descritiva, uma vez que, para averiguar e corroborar os argumentos apresentados, foram utilizados a consulta em artigos, livros, processos de Tribunais Brasileiros e entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre o referido tema.
Palavras-chave: Família. Multiparentalidade. Mudanças. União. Decisão. Concepção. Efeitos. Tradicional.
ABSTRACT: This article aims to carry out a research in order to clarify the benefits of the approval of Multiparentality for Family Law and family entities. In this way, it aims to investigate how the process for the approval of Multiparentality in Brazilian Civil Law took place, as well as to report the changes and benefits brought about by socio-affective paternity. In addition, it is worth mentioning whether multiparenting is a necessary effect in the face of changes in social relations and, finally, verifying whether adoption can be recognized in the face of Multiparenting, since the concept of traditional family has undergone several changes over time, in as a result of the approval of the stable homoaffective union, as well as the possibility of divorce between couples. In this way, in this article, the legal effects caused by the legalization of Multiparenthood will be demonstrated, as well as how judicial decisions helped and supported the breaking of paradigms related to the new concept of family, in addition, it will be discussed how family law changed the idea of "ideal and traditional family" over time, in order to achieve the objective, a bibliographic and descriptive research was adopted, since, to verify and corroborate the arguments presented, consultations were used in articles, books, processes of Brazilian Courts and jurisprudential understanding of the Federal Supreme Court on the aforementioned topic.
Keywords: Family. Multiparenting. Changes. Unity. Decision. Conception. Effects. Traditional.
Sumário: 1. Introdução- 2. Direito de Família Brasileiro- 2.1.Contexto Histórico- 2.2. Mudanças e benefícios da Multiparentalidade- 3. Multiparentalidade é um efeito necessário, em virtude das mudanças na concepção de família no século XXI?- 3.1. Multiparentalidade e o processo de adoção- 4. Considerações Finais- 5. Referências Bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
O Direito de Família tem como base as relações de afeto que são estabelecidas entre os seres humanos na vida em sociedade, conforme encontra-se estabelecido em seus princípios, como por exemplo, o da afetividade. De acordo com o doutrinador Flávio Tartuce (2018, p.1327) “[...] O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares [...]”. Dessa forma, tal direito está ligado à ideia de família e a sua formação, bem como está relacionado e regulamenta os direitos e deveres dos entes familiares entre si através de suas leis.
Na Antiguidade, a concepção de família era composta apenas por um homem, uma mulher e seus filhos. Tal fato era garantido por lei e reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência dos Tribunais. Nesse âmbito, conceitua-se o foco do Direito de Família: criar normas para regulamentar as entidades familiares.
Com o advento de novas formações familiares e com as novas formas de relacionamento amoroso a concepção de família foi modificada, haja vista que no passado, a família era composta apenas pelo genitor, pela genitora e seus filhos. Assim, era conceituada como a família matrimonial, a qual prevalecia a vontade do patriarca da família, segundo os ideais do patriarcado. Segundo o autor Leite (2005, p.23) “[...] Uma coisa é certa, na noção romana de família, que serviu de paradigma ao mundo ocidental. a família representava um conjunto enorme de pessoas que se encontrava subordinada ao pater famílias [...]”.
Nos dias atuais, há diversas formas de construir uma família principalmente devido a existência e a regulamentação de novos meios de constituição de uma entidade familiar, como por exemplo: a família decorrente da regulamentação da união estável, a família monoparental, a família adotiva e a família poliafetiva. Além disso, vale ressaltar que o Direito de Família Brasileiro passou por diversas mudanças estruturais e funcionais no decorrer dos anos. Essas transformações podem ser sentidas pelo estudo dos princípios que auxiliam o Direito de Família Brasileiro e a constituição das entidades familiares, segundo o autor Flávio Tartuce (2019).
A regulamentação da união estável homoafetiva, a qual é composta por pessoas do mesmo sexo, acarretou diversas mudanças para o âmbito jurídico e social da sociedade contemporânea. Tal regulamentação ocorreu em maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homoafetiva no Brasil. No entanto, tal reconhecimento ainda não está presente no Código Civil, ainda que seus efeitos e consequências sejam notórios na sociedade e nas relações de afeto. Dessa forma, é de extrema importância realizar a análise dessa mudança e seus feitos no direito contemporâneo.
Outro fator preponderante que ocasionou diversas mudanças na concepção de família que fora adotada no Código Civil foi a promoção do divórcio, o qual, pode ser realizado pela forma litigiosa ou pela forma consensual, sendo este último introduzido no Direito de Família Brasileiro com a Emenda Constitucional nº 66/2010, batizada de “PEC do Amor” ou “PEC do Divórcio”. Nesse contexto, com a aceitação do rompimento matrimonial, bem como pela dissolução da união estável, as famílias foram se modificando, pois, com o divórcio decretado pelo juiz, as partes estão aptas a contrair novas relações amorosas.
Assim como o reconhecimento da união estável homoafetiva através da decisão do Supremo Tribunal Federal pela ADIn 4277 e a ADPF 132, a regulamentação do divórcio e da dissolução da união estável no direito de família também gerou diversas mudanças na vida da sociedade moderna, com o direito de partilha de bens, o direito a pensão alimentícia e, por fim, o direito ao reconhecimento da paternidade sanguínea, bem como da paternidade afetiva, que em alguns casos ocorrem, quando existem laços de afeto e amor entre padrasto/madrasta e seus enteados.
Uma dessas mudanças é a Multiparentalidade, como foi relatado acima, consiste na possibilidade de o registro de nascimento conter dois pais ou duas mães em virtude da consanguinidade e da socioafetividade. Essa mudança se tornou um marco para o Direito contemporâneo, visto que seus efeitos são inéditos e únicos, uma vez que, antigamente, na época clássica com a influência dos ideais romanos, a única ideia de família era a composta por um genitor, uma genitora e seus filhos, e como consequência, o registro de nascimento dos filhos poderia apenas conter o nome dos pai, da mãe e seus avós paternos e maternos.
Diante dessa nova realidade presente nas relações familiares, a multiparentalidade reconhece o que realmente acontece no mundo fático, ou seja, reconhece a verdadeira estrutura familiar presente no século XXI.
2.DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
O Direito é uma ciência que está relacionada às relações sociais, por meio da edição de normas jurídicas que regulamentam tais relações. Nesse âmbito, esta ciência está marcada pela edição de novas leis e de novas decisões jurídicas que são modificadas em virtude das mudanças que ocorrem nas relações sociais e jurídicas da sociedade e, consequentemente, geram novos efeitos jurídicos. Tal fato foi comprovado pelo jurista Flávio Tartuce, através de seu livro publicado.
Além disso, vale lembrar que nenhuma ciência do Direito evolui tanto quanto o Direito de Família, tendo em vista que o Direito de Família está altamente relacionado às relações sociais e afetivas que são celebradas na sociedade e estas, estão se modificando constantemente e apresentando novas formas de composição, seja através de novas formas de relacionamentos que constituem novas formas de constituição das entidades familiares, as quais são os objetos englobados pelas leis do Direito de Família, seja pela dissolução das entidades familiares. Nesse âmbito, percebe-se que à medida que as relações sociais afetivas e amorosas evoluem e se modificam com o tempo, o Direito de Família também evolui e se modifica para, assim, englobar todas essas relações, mediante a edição de normas que regularizem tais mudanças.
Como fora anteriormente exposto, a Multiparentalidade ou a paternidade socioafetiva é uma mudança nas decisões judiciais, a qual tem sua aprovação relacionada aos princípios que norteiam as relações jurídicas e que estão codificados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, desse modo, estão garantidos em lei. Pode-se citar o princípio da isonomia, o da dignidade da pessoa humana, o do melhor interesse ao menor, bem como o princípio da afetividade, conforme foi relatado no Enunciado nº 9 do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM): “[..]A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade [...]”.
Dessa forma, a aprovação da paternidade socioafetiva acarreta diversas consequências jurídicas, como por exemplo: a inclusão de dois pais ou duas mães no registro, mudanças na forma da guarda de menores, na divisão de uma possível pensão alimentícia e por fim, nos direitos sucessórios, haja vista a possibilidade da inclusão do pai afetivo em comunhão com o pai biológico. Nesse contexto, é extremamente necessário analisar essas mudanças e seus impactos positivos à sociedade.
Partindo desse ponto, de que se faz necessário a avaliação dos efeitos da Multiparentalidade, urge a compreensão de como fora realizada a conquista da aprovação da paternidade socioafetiva, em que contexto está inserida essa mudança no âmbito jurídico, bem como quais foram os motivos e as causas que modificam a concepção de paternidade, visto que, no passado apenas existia a ideia de paternidade pela consanguinidade e, com o advento das novas formas de constituição de família e da introdução de novos princípios na Constituição Federal, introduziram o conceito de paternidade socioafetiva, baseada no afeto das relações que são construídas e consequentemente, a aceitação da alteração de registros. Ademais, exemplifica-se através de casos jurisprudenciais que foram ratificados pelo Supremo Tribunal Federal, o qual corrobora com a incorporação da Multiparentalidade no Direito de Família Brasileiro.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO
Teoricamente, o início das mudanças que ocorreram no Direito de Família do Brasil em relação ao reconhecimento da paternidade foi com a Constituição Federal de 1988, principalmente através do princípio da igualdade entre os cônjuges e de direitos entre os filhos. Diante disso, o casamento deixou de ser o único critério para a obtenção da definição legítima da paternidade no Brasil e começou a ser avaliado o critério dos laços afetivos, ou seja, os laços construídos pela socioafetividade entre as partes.
A Multiparentalidade somente foi aceita no meio jurídico em 2012, entretanto, anterior a esse fato, nota-se que o ordenamento já se encaminhava para a regulamentação da dupla paternidade, como por exemplo, na Lei nº 6.015/1973, a qual tornou lícita a inserção do nome do padrasto ou da madrasta no registro de nascimento dos menores. Desse modo, atualmente, o fenômeno da Multiparentalidade já é uma realidade no Brasil, visto que já foi aceito e sentenciado a favor pelo magistrado em diversos Tribunais, como o do Ceará, Amazonas e Maranhão.
Vale ressaltar que, apesar da Multiparentalidade já estar aprovada no Brasil, alguns doutrinadores ainda são altamente contra a Multiparentalidade, no que tange em relação à regulamentação da dupla paternidade, conforme explica o autor Gramstrup Queiroz (2016). “[...] Mais especificamente, a crítica doutrinária reside no perigo de alterações de registros despropositadas e na eventual ausência de consentimento dos pais biológicos quanto às alterações no estado de filiação de seus filhos [...]”.
Desse modo, percebe-se que o processo para a aprovação da multiparentalidade a requerimento das partes é um processo complexo, em que deve ser demonstrado, por argumentos, testemunhos e provas a “afetividade” real entre as partes e um convívio harmonioso e saudável, principalmente se o filho for menor de idade.
Seguindo esse aspecto, faz-se necessário que o magistrado se certifique de que, de fato, a relação de afetividade e harmonia é verdadeira, para assim, sentenciar e aprovar a dupla paternidade de forma coerente. Por isso, o processo para a aprovação da multiparentalidade precisa ser realizado por meio de audiência entre as partes com a presença de testemunhas, bem como deve ser estabelecido prazo para a resposta do réu. Além disso, deve ser comprovada também pelas oitivas de familiares nos casos em que a multiparentalidade for requerida através do meio judicial, pois, vale ressaltar que a dupla paternidade poderá ser reconhecida tanto pela forma extrajudicial realizada no cartório, a qual foi permitida através do provimento nº 63, como também por via de processo judicial.
No entanto, nos casos em que a dupla paternidade ocorre através da forma extrajudicial, os pais registrais em caso de menores de idade devem estar de acordo com o reconhecimento da paternidade socioafetiva, assim como, nos casos em que o menor for maior de 12 anos, deverá ser manifestada a sua vontade pessoalmente perante o Oficial de Registro Civil. Ademais, o suposto pai socioafetivo deve ser maior de dezoito anos de idade e deverá ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho que será reconhecido com dois pais ou duas mães. Ressalta-se também que a pessoa que pretende ser reconhecida como pai não pode ser irmão, tio ou avô do menor e não pode existir nenhum processo judicial em que se discuta a filiação da criança.
Além desses princípios anteriormente expostos, um dos princípios fundamentais para a aprovação da Multiparentalidade foi o da Afetividade, visto que, conforme declarou a ministra Nancy Andrighi em seu julgado:
A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando a margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas.( RESP.nº1.026.981-RJ)
Nesse contexto, torna-se essencial a aprovação e a modificação da forma de exercer a paternidade no Brasil, tendo em vista que pode ser exercida pela consanguinidade ou pela afetividade, já que, como foi relatado pela referida ministra: nos tempos atuais, há muito mais visibilidade para as relações afetivas e que são consolidadas pelo amor e pelo afeto, sendo do mesmo sangue ou não, pois, o que deve prevalecer e a afetividade das relações. Vale ressaltar que o afeto no Direito não é apenas interpretado como na Psicologia, isto é, pelos sentimentos em si, é visto também através das condutas de responsabilidade do cotidiano entre as partes.
Em primeiro lugar, pode-se citar como uma das causas da aprovação da Multiparentalidade o reconhecimento da união estável homoafetiva no Brasil, tendo em vista que com a união entre pessoas do mesmo sexo, pode-se ter dois pais ou duas mães no registro de nascimento dos filhos, visto que, nesses casos sempre ocorreria a presença de “dois pais” ou de “duas mães". Segundo o autor Dias (2012, p.64) “[...]Em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hétero ou homossexual [...]”.
Nesse contexto, a aprovação da dupla paternidade se torna fundamental para regularizar situações como essas. Tal fato já foi utilizado e regulamentado por diversas famílias, como por exemplo a do, atualmente, viúvo, Thales Bretas, o qual era casado com o autor Paulo Gustavo e os dois registraram seus dois filhos, através da dupla paternidade.
Ademais, verificou-se que outro motivo fundamental para a regularização do fenômeno da Multiparentalidade são os casos de aumento das famílias reconstituídas, ou seja, aquelas famílias compostas por uma das partes que já esteve em um casamento ou em um relacionamento anterior, se relacionam posteriormente com outra pessoa e assim, surge a ideia de “madrasta” e de “padrasto”. Em alguns casos, percebe-se a criação de um vínculo, de um laço socioafetivo entre os filhos, frutos do relacionamento anterior de uma das partes, com a madrasta ou padrasto. Nesses casos, se ambas as partes concordarem e demonstrarem que de fato, existe um laço de afinidade, afetividade, cumplicidade entre as partes, os filhos também poderão ser registrados com o nome de duas mães ou de dois pais, o que corrobora a existência da possibilidade da paternidade socioafetiva.
Diante desses fatos expostos, conclui-se que a Multiparentalidade foi aprovada com princípios basilares o da melhor condição ao menor, da afetividade, da igualdade da pessoa humana e da solidariedade. Além disso, também houve uma associação dos referidos princípios com as mudanças na forma de constituição das entidades familiares, em virtude da aceitação de novas formas de família, pois, as entidades familiares passaram por diversas mudanças ao decorrer do tempo e assim, percebe-se que o vínculo socioafetivo está em paridade com o vínculo cossanguíneo.
Desse modo, a composição patriarcal dos tempos antigos deixou de ser a única forma de composição familiar, visto que, antigamente o conceito de família era apenas composta pelo pai, mãe e filhos.
2.2 MUDANÇAS E BENEFÍCIOS DA MULTIPARENTALIDADE
A Multiparentalidade acarretou diversas mudanças e criou novos efeitos jurídicos nas relações sociais, como por exemplo, todos os direitos são atribuídos aos filhos, de maneira igual para todos, sendo assim, assegura-se que seja respeitado a origem genética e a afetiva, sem a necessidade de retirar o nome biológico. Nesse contexto, pode-se citar como exemplo das modificações: a alteração no registro dos filhos que são submetidos a esse tipo de paternidade, haja vista, que nos registros anteriores à aprovação da dupla paternidade, apenas era reconhecido com um pai e uma mãe e seus avós paternos e maternos.
Com o advento da Multiparentalidade, os filhos que passam por esse processo, tem no seu registro de nascimento a presença de dois pais ou de duas mães, bem como de dois avós paternos ou maternos. Tal mudança acarreta diversos benefícios para as novas espécies de entidade familiar, pois, em casos de relacionamentos homoafetivos, os filhos tem dois pais ou duas mães e para concretizar esse fato, torna-se essencial a mudança no registro para o nome de dois pais ou duas mães, os quais responderão legalmente pelos filhos, quando são menores de idade, bem como prestarão assistência econômica e afetiva a sua prole.
Partindo desse ponto, nota-se que o reconhecimento da dupla paternidade acarretou em um grande benefício para a consolidação de famílias compostas por pessoas do mesmo sexo, visto que, atualmente a união homoafetiva já fora reconhecida no Brasil, sendo assim, se faz cada vez mais presente entidades familiares compostas por pessoas do mesmo sexo.
Com a possibilidade da dupla filiação, os dois pais ou duas mães que integram essa união homoafetiva se tornam responsáveis pelos seus filhos, sendo assim, os filhos recebem maior assistência e amparo. Ademais, outro fator é que, a multiparentalidade influencia na construção de um ambiente menos preconceituoso, em virtude da possível concepção de famílias diferentes das que eram encontradas na época patriarcal.
Dessa forma, prevalece o princípio da isonomia, que já fora codificado e garantido na Constituição Federal, bem como o princípio do melhor interesse ao menor, pois, assim, os filhos obtém uma melhor assistência de seus pais. Tal fato foi bem explicado pelo autor Guassú Cova (2015): “[...]O objetivo da multiparentalidade não é apenas proteger a criança ou adolescente, mas também aquela pessoa que por anos desenvolveu uma relação socioafetiva como se pai ou mãe fosse [...]”
Nesse âmbito, nota-se que é garantido ao filho recorrer a qualquer uma das figuras de paternidade que possui, em virtude de que todos os pais devem participar efetivamente da educação dos filhos e assegurar a garantia de seus direitos. Tal fato demonstra como a Multiparentalidade está de acordo com o princípio do melhor interesse ao menor.
Outro fator preponderante é que a dupla paternidade garante o vínculo de parentesco entre o filho e seus dois pais. Tal fato gera diversas mudanças na vida social e jurídica das partes, uma vez que, o grau de parentesco é fundamental para as regras jurídicas englobadas no Direito de Família, pois, é através do grau de parentesco que as partes adquirem o direito de sucessão, de herança, os impedimentos para contrair matrimônio ou estabelecer união estável, bem como, o direito a possível pensão alimentícia, pois, conforme o autor Barboza:
Embora haja constante menção à paternidade ou maternidade socioafetiva, impõe-se ressaltar que, uma vez criado o vínculo de filiação, igualmente instauradas estarão todas as linhas e graus do parentesco, passando a produzir todos os efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais pertinentes. Em consequência, o eventual reconhecimento judicial de determinada relação de parentesco, como a existente entre dois irmãos, ou entre tio e sobrinho, com fundamento genético ou socioafetivo, implicará, necessariamente na vinculação de outras pessoas, que fazem parte da cadeia familiar, visto que há de se remontar ao ancestral ou tronco comum .(BARBOZA, 2007).
Dessa forma, a multiparentalidade está relacionada ao parentesco criado em relação ao vínculo afetivo entre as partes, visto que, constitui-se o vínculo entre o filho e todos os parentes da família. Portanto, percebe-se que não é justo a restrição de parentesco apenas a laços genéticos. Assim, conclui-se que os filhos concebidos pela paternidade sanguínea, ou seja, de forma natural devem receber o mesmo tratamento e o mesmo grau de parentesco daqueles que são registrados em decorrência da socioafetividade.
Com o advento da dupla paternidade, pode-se destacar que os alimentos devidos aos filhos também sofreram modificações. Primeiramente, vale ressaltar que para o Direito Civil, Alimentos é tudo aquilo que é preciso para viver, como por exemplo: comida, moradia, vestuário, educação, saúde e suas regras estão dispostas no Artigo 1696 do Código Civil Brasileiro.
Desse modo, percebe-se que os alimentos não estão apenas relacionados à " comida” propriamente dita. Partindo desse ponto, nota-se que os alimentos, no âmbito familiar, são devidos em razão do vínculo da paternidade, da afinidade e da solidariedade, ou seja, os pais têm o dever de promover os alimentos a sua prole de forma efetiva, proporcional e razoável. Dessa forma, entende-se que a Multiparentalidade também está relacionada e obriga os pais a promoverem os devidos alimentos aos filhos, como fora definido no Enunciado nº 341 da Jornada de Direito Civil, bem como foi ratificado pelo autor Póvoas (2012, p.95): “[...] Quando se aplica a multiparentalidade, o dever de alimentos é o mesmo da biparentalidade, tanto os pais biológicos quanto os socioafetivos são credores e devedores de alimentos com relação ao filho em comum.[...]”
Ademais, o fenômeno da multiparentalidade também recai sobre a herança, pois, é um direito fundamental garantido no Artigo 5º, XXX da Constituição Federal. Em decorrência disso, a Multiparentalidade também acarretou mudanças vinculadas ao processo de herança dos filhos que foram registradas com dois pais ou duas mães, uma vez que, há a possibilidade da dupla sucessão em decorrência da dupla paternidade no registro. Nesse contexto, os direitos sucessórios da família multiparental devem ser estabelecidos da mesma forma que os da família biparental, ou seja, conforme as regras dispostas no Código Civil acerca da herança. Segundo o autor Póvoas (2012, p. 98): “[...] Para tanto, no caso de o filho ter reconhecida sua múltipla filiação registral, os direitos sucessórios seriam recíprocos entre eles, devendo ser observada a ordem de vocação hereditária [...]”.
3. MULTIPARENTALIDADE É UM EFEITO NECESSÁRIO, EM VIRTUDE DAS MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NO SÉCULO XXI?
As relações contemporâneas passaram e passam por diversas mudanças, uma vez que, as famílias estão cada vez menos estáticas, em virtude da aprovação de novas formas de relacionamento e da possibilidade da dissolução de laços afetivos contraídos pelo matrimônio ou pela declaração da união estável. Nesse âmbito, a forma que a família era constituída e interpretada como “correta” na época patriarcal passou a não ser a única forma aceita pela sociedade.
No entanto, mesmo com a efetivação de entendimentos jurisprudenciais e decisões jurisdicionais a favor das novas formas de constituição da família, cite-se como exemplo o reconhecimento da união estável homoafetiva, bem como da dissolução das mesmas, o preconceito ainda é evidente e notório no dia- a- dia de algumas famílias que são formadas de forma diferente daquela estabelecida nos tempos em que prevalecia o patriarcado.
Nesse contexto, a Multiparentalidade é uma mudança necessária decorrente das mudanças nos relacionamentos amorosos e da dissolução dos mesmos, em virtude da concepção de novas figuras no convívio dos filhos, como por exemplo, a figura da madrasta e do padrasto. Portanto, à medida que a aprovação da dupla paternidade por meio de sentenças judiciais que acolhem a mudança no registro de nascimento, o preconceito poderá ser reduzido na sociedade, visto que quanto mais casos forem aprovados judicialmente, mais famílias serão vistas e aceitas pela sociedade.
Partindo desse ponto, nota-se que a dupla paternidade já é uma realidade nos núcleos familiares atuais e está de acordo com os princípios elencados na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, nas decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e em diversas decisões judiciais dos Tribunais Estaduais pelo país.
Vale ressaltar que o Direito é uma ciência social, que está relacionada à vida em sociedade e tem como função, através dos legisladores e dos entendimentos jurisprudenciais realizar o processo de criação de normas jurídicas que acompanhem as modificações sociais, a fim de regulamentar a vida em sociedade de forma igualitária e estabelecer limites, através da postulação de leis. Nesse aspecto, torna-se extremamente necessário que a ciência jurídica se “transforme com o tempo”, já que, suas leis devem estar de acordo com as mudanças que ocorrem nos setores de sua competência.
Nesse âmbito, como as relações estão menos estáticas e mais propícias a novas formas de constituição de famílias, faz-se necessário a ampliação das normas jurídicas para acompanhar as mudanças, a fim de regulamentar e assegurar tais transformações. Por isso, a aprovação da multiparentalidade e a sua presença no Direito atual demonstra a necessidade do Direito em se adequar com a realidade do novo século.
Apesar da Multiparentalidade não estar codificada no Código Civil, vários entendimentos de Jornada do Direito Civil, entendimentos jurisprudenciais, julgamentos de casos amparam a paternidade socioafetiva e seus efeitos e consequências para as partes que são submetidas a esse processo.
Além disso, a Multiparentalidade insere o novo conceito de família nas relações atuais, pautado nos laços afetivos em consonância com diversos princípios jurídicos, bem como ratifica que as famílias que estão sob o regime da multiparentalidade possuem os mesmos direitos das famílias bilaterais e devem cumprir com os mesmos deveres. Nesse âmbito, os efeitos acarretados pela dupla paternidade são interpretados como essenciais e auxiliam na busca do melhor interesse aos filhos registrados com dois pais. Conforme LOBO:
A paternidade socioafetiva constitui-se em um dos mais elevados fundamentos do direito de família exarado pela Constituição de 1988, pelo fato de abarcar os tipos de famílias existentes naquele momento e de ter dado a possibilidade de proteger outros oriundos da afetividade, por serem inseridos nessa proteção. (LOBO, 2013)
Outro fator fundamental que engloba diretamente as questões relacionadas à Multiparentalidade, é o princípio da proibição de retrocesso social, visto que, este princípio é de vital importância para o direito de família, pois, é através do referido princípio que a importância social da multiparentalidade é ratificada, uma vez que, como fora relatado anteriormente, a multiparentalidade não está prevista em nenhum ordenamento jurídico. Assim, por meio desse princípio, o Estado entende que tem o dever de prestar assistência às famílias que passam pelo processo da Multiparentalidade, pois, por ser um princípio constitucional deve ser cumprido e está de acordo com a Constituição.
Partindo deste aspecto, percebe-se que a Multiparentalidade é fundamental e possui diversos efeitos jurídicos positivos para as relações sociais, para as entidades familiares e para as mudanças e evoluções que aconteceram, em virtude da existência de novas formas de família.
Além disso, a Multiparentalidade também está relacionada aos efeitos sociais que ocorre na sociedade, uma vez que, é uma forma de combater preconceitos e demonstrar o que acontece no mundo real, nas histórias familiares concretas dos tempos atuais, e não apenas demonstrar a família patriarcal com a representatividade masculina exacerbada.
Outro fato preponderante ocorre nos casos em que há uma relação de afeto entre a madrasta ou o padrasto com os filhos de seus companheiros. Em alguns casos, a madrasta ou o padrasto tornam-se mais presentes do que os próprios pais biológicos. Nesses casos, a multiparentalidade é fundamental para garantir o melhor interesse aos filhos, principalmente, se for menor de idade e propor um ambiente saudável, harmônico, bem como, garantir os direitos fundamentais declarados na Constituição, como por exemplo: saúde, alimentação, moradia, lazer.
Nesse aspecto, em alguns casos, a presença da madrasta ou do padrasto torna-se mais reconhecida e presente do que a do próprio pai ou mãe biológicos. Este fato acontece por diversos motivos, como por exemplo, por conflitos internos entre o ex- casal, por conflitos entre os genitores biológicos e seus filhos ou em algumas situações em que o filho tem seu domicílio de referência o de algum dos genitores e este mora em cidade ou país diferente da do outro genitor.
Tais fatores denotam que torna-se possível que o laço construído entre o padrasto e madrasta sejam laços de família pautado pelo afeto e pela cumplicidade entre as partes, bem como com a devida responsabilidade de pai e mãe, cumprindo com os deveres de genitores.
No entanto, mesmo nos casos em que a presença do padrasto e da madrasta é exacerbada na vida de seus enteados, isso não impede que os enteados continuem com seus laços biológicos e afetivos relacionados aos seus genitores consanguíneos. Assim, as partes têm a livre vontade de requerer ao judiciário a inclusão do pai ou mãe socioafetivo sem a exclusão dos pais biológicos.
Diante desses fatos, nota-se que os filhos, em alguns casos, os menores, possuem uma rede de apoio, de cuidados e de amparo muito maior do que se a Multiparentalidade não fosse legalizada e aprovada pelas decisões judiciais, uma vez que, com a aprovação da possível paternidade socioafetiva, tem-se a inclusão dos padrastos e madrastas que por participarem diariamente ou frequentemente da vida de seus enteados podem exercer a guarda dos menores, garantindo um ambiente saudável e acolhedor através da garantia dos seus direitos, vale ressaltar que nada disso seria possível se a dupla paternidade não fosse aceita pelas decisões judiciais e pelos julgados do Supremo Tribunal Federal, tal fato foi corroborado pela autora Maria Berenice Dias. Segundo a autora Maria Berenice Dias (2010) “[...]Não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai ou mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação.” [...]”
Diante do exposto, percebe-se que a Multiparentalidade é extremamente necessária e deve ser aprovada pelos Tribunais para ratificar os princípios constitucionais já codificados e auxiliar na criação de uma sociedade justa e que preze pela isonomia.
3.1. MULTIPARENTALIDADE E O PROCESSO DE ADOÇÃO.
Em primeiro lugar, vale ressaltar qual é a finalidade da Adoção para as entidades familiares. Nesse âmbito, constata-se que adoção é um instituto criado com o objetivo de garantir a dignidade de crianças e adolescentes que sofreram com a violação dos direitos fundamentais, bem como são crianças que tem a vida marcada pela ausência de seus genitores biológicos e pela falta de relações familiares pautadas pelo afeto e pela cumplicidade. Como foi definido pela autora Maria Helena Diniz (2009):
“[...]Adoção é ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha [...]”
A adoção é realizada por um processo jurídico, ou seja, trata-se de um ato jurídico que atribui um estado de filiação e desassocia vínculos ligados à paternidade biológica daqueles que passaram pelo processo de adoção. Tal fato está codificado no Artigo 41 da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
O processo de adoção é realizado de forma solene, pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente, lhe é estranha.
Nesse aspecto, percebe-se que a adoção garante os mesmos direitos dos filhos biológicos ao adotado. Ademais, vale ressaltar que os laços familiares biológicos são totalmente rompidos, prevalecendo apenas os novos laços contraídos, mediante a aprovação da adoção, a fim de que seja assegurada a segurança jurídica na nova relação entre o adotado e seus novos genitores.
Existe algumas diferenças entre o processo de Adoção e o da Multiparentalidade, quais sejam: diferentemente do que ocorre nos casos de Multiparentalidade, em que, como já fora explicado anteriormente, a Multiparentalidade permite que as partes que passam por esse processo mantenham os vínculos jurídicos e sociais, bem como mantenham em seu registro de nascimento o nome de seus genitores biológicos em conjunto com os pais que são constituídos pela relação de afeto, configurando a dupla paternidade no registro de nascimento.
Ademais, nota-se que as duas não se complementam e não estão englobadas na mesma órbita jurídica, visto que, de um lado tem-se a adoção em que os vínculos da família biológica são totalmente desligados e apagados da vida da criança ou do adolescente, para, assim, garantir a segurança jurídica de que a adoção se efetivará, da forma correta e surtirá seus efeitos jurídicos positivos e garantidos nas leis do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por outro lado, a presença da Multiparentalidade permite o fenômeno da “dupla paternidade” isto é, através da multiparentalidade a consolidação dos laços biológicos e afetivos são mantidos, bem como os efeitos jurídicos relacionados a guarda, alimentação e ao direito sucessório também ficam relacionados ao pai biológico e ao pai socioafetivo.
Outra diferença que pode ser citada é que no processo de Adoção, cria-se um laço entre pessoas “estranhas” ou seja, pessoas que ainda não possuem qualquer tipo de vínculo, uma vez que, é durante a Adoção que os laços de afetos serão construídos. Diferente do que ocorre no processo da Multiparentalidade, a qual tem-se o reconhecimento da paternidade, em decorrência de laços de afetos que são reconhecidos e constituídos pelas partes durante a relação, isto é, não são pessoas consideradas “estranhas” entre si.
Além dos fatores explicitados anteriormente, outra distinção entre a adoção e a dupla paternidade é que o processo de adoção está codificado em lei civil, ou seja, está previsto nas leis que auxiliam na decisão do magistrado. Por outro lado, a multiparentalidade, apesar de ser aceita e comprovada, através de sentenças já fixadas a favor desse fenômeno, ainda não fora prevista em lei específica. Entretanto, vale ressaltar que tanto a adoção, como a multiparentalidade são amparadas pelos princípios constitucionais, ou seja, percebe-se que os dois fenômenos estão de acordo com a Constituição Federal.
Acerca da constituição e aprovação do processo de adoção e da multiparentalidade, nota-se algumas diferenças, como por exemplo, no processo de Adoção, a aprovação somente poderá ser realizada, mediante decisão judicial, que ocorre no Poder Judiciário com a sentença favorável do magistrado, ou seja, de forma judicial.
Por outro lado, a Multiparentalidade poderá ser realizada também pelo processo jurisdicional com a decisão do magistrado em casos de menores com o parecer dos membros do Ministério Público, bem como de maneira extrajudicial, a ser realizada diretamente no cartório com a mudança no registro de nascimento.
Diante desses fatores, percebe-se as diferenças entre a Adoção e a Multiparentalidade, uma vez que, a adoção não permite a dupla paternidade, tendo em vista que uma das consequências do processo de adoção é a quebra de vínculos com a família biológica.
No entanto, vale ressaltar também alguns fatores em comum entre a Adoção e a Multiparentalidade, como por exemplo, nos dois casos, tem-se a construção de uma nova entidade familiar, de novos laços de afeto, cumplicidade e amor. Além disso, percebe-se que, em virtude da constituição de tais laços familiares, tem-se a imposição de direitos e deveres aos genitores, tanto os que foram aceitos pelo processo de adoção, como os que foram reconhecidos em decorrência da paternidade socioafetiva ou em casos de casais homoafetivos em que tem-se a presença de dois pais ou duas mães, em razão da união entre casais homoafetivos.
Outro fator em comum é que, quando a adoção acontece com menor maior de doze anos de idade, é necessário o consentimento do menor, ou seja, a partir da oitiva do menor em audiência pelo magistrado e se o menor consentir com a adoção por possuir vínculo de afeto e amor, a adoção será aprovada. Tal fato se repercute na paternidade socioafetiva, uma vez que, deve ser comprovado o laço afetivo através de provas, como fotos, testemunhas, depoimentos das partes, para assim, ser aprovado a dupla paternidade com a retificação de registro.
Nesse âmbito, percebe-se que há uma grande diferença entre o processo da adoção e o da multiparentalidade, contudo, nota-se algumas características em comum. Portanto, constata-se que tanto a adoção como a multiparentalidade modificam a vida social das partes que compõem os dois processos, seja o da adoção, como o da dupla paternidade, através da aquisição de direitos e deveres aos genitores e a sua prole.
Outro ponto fundamental que é de extrema importância é que os dois fenômenos corroboram para o melhor interesse da criança e para a garantia dos direitos fundamentais, através da boa convivência entre os pais e os filhos e assim, garantem qualidade de vida e de afeto entre os entes familiares.
Diante desse contexto, percebe-se que a Multiparentalidade é um fenômeno jurídico que está de acordo com as mudanças que ocorreram na sociedade. Por isso, este fenômeno deve ser aprovado com mais frequência para assim, obtermos um ambiente com menos ou sem preconceitos relacionado às relações sociais, bem como aos meios de constituir um relacionamento amoroso e de consolidar laços familiares.
Outro fator preponderante é que a dupla paternidade oferece um apoio maior e mais digno para aqueles que têm a presença de dois pais em seu registro, haja vista que a paternidade está vinculada ao poder familiar, em casos de filhos menores de idade. Este poder é de extrema importância para as relações familiares, visto que deve ser exercido pelos genitores em relação aos seus filhos e pode ser citado como exemplo da concretização do poder familiar, quando os genitores se responsabilizam pela formação de um ambiente saudável, bem como o da concretização, na prática, dos direitos fundamentais e de atitudes que estejam de acordo com o melhor interesse ao menor. Tal fato encontra-se de acordo com o que está codificado no Artigo 1.631 do Código Civil.
O Poder Familiar cria um vínculo entre as partes e demonstra os deveres que os pais têm em relação aos filhos. Desse modo, conclui-se que a multiparentalidade está relacionada a fatos maiores do que apenas a mudança no registro com a inclusão de mais um pai ou mais uma mãe, ou seja, a Multiparentalidade está ligada aos direitos dos filhos bem como aos deveres que devem ser cumpridos e garantidos pelos seus genitores.
Por isso, a aprovação da dupla paternidade, torna-se fundamental para a garantia dos direitos fundamentais, como por exemplo: o direito à saúde, à educação, ao lazer, à segurança e à vida, tendo em vista que com a presença de mais de um genitor, aqueles que foram registrados através da dupla paternidade obterão dois pais ou duas mães, os quais deverão proporcionar um ambiente saudável e cumprir com os direitos que já estão codificados em leis.
Diante desse contexto e dos fatos expostos anteriormente, nota-se que a paternidade socioafetiva encontra-se relacionada às relações humanas e sendo assim, aos laços afetivos e amorosos que são construídos entre os indivíduos. Nesse aspecto, com o passar dos anos, novos laços foram consolidados e aceitos pelo Direito, uma vez que, esta ciência está vinculada às mudanças sociais que ocorrem na sociedade atual.
Partindo desse ponto, conclui-se que a Multiparentalidade é uma mudança necessária para o judiciário, para as decisões judiciais, para a doutrina, bem como para as partes que integram os casos de multiparentalidade, ou seja, para a sociedade. Vale ressaltar que uma das funções do Direito é a de proporcionar um ambiente igualitário a todos, isto é, sem distinção de cor, raça e gênero. Dessa forma, a Multiparentalidade é uma das formas concretas que a sociedade tem de obter a isonomia entre os cidadãos, já que este fenômeno é visto como um reflexo das novas configurações familiares.
Vale ressaltar que em alguns casos, faz-se extremamente necessário a aprovação da paternidade socioafetiva, a fim de estabelecer privilégios relacionados à guarda e aos alimentos, como por exemplo, há situações em que a mãe ou o pai biológico se mudam de país ou de cidade. Sendo assim, não estarão presentes diariamente na vida de seus filhos, tal fato acarreta na necessidade da aprovação da dupla paternidade, bem como a alteração no registro, principalmente se estiver relacionado a menores de idade, os quais, ainda não possuem sua renda fixa para obter seus mantimentos. Partindo desse ponto, a multiparentalidade é extremamente importante, pois, é através dela que o menor poderá ter uma rede de apoio maior e mais estruturada em seu domicílio de referência.
Outro caso em que a Multiparentalidade deve ser acolhida é quando ocorre a morte da genitora durante o parto de seu filho e posteriormente, o genitor do filho contrai um novo relacionamento amoroso e assim, constitui-se um laço afetivo e um laço como de família entre a madrasta e o enteado. Dessa forma, a fim de manter no registro o nome da mãe biológica e de adicionar o nome da madrasta em virtude da afetividade, adota-se a paternidade socioafetiva. Tal fato aconteceu em São Paulo no ano de 2012:
MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.(TJSP - APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012).
A Multiparentalidade quando for realizada pela via judicial, acontece através de um processo jurisdicional que deve ser proposto pelas partes em petição inicial com a representação de advogado ou da defensoria pública. Partindo desse ponto, na exordial, é de extrema importância que a afetividade seja comprovada através de provas, como por exemplo, fotografias, depoimentos, testemunhas que comprovem que de fato esse vínculo é verdadeiro e existe entre as partes. Posteriormente, o juiz analisa as provas e pauta audiência a fim de ouvir as partes e em caso de menores de idade, é preciso o parecer do Ministério Público favorável ou não para assim, obter a sentença judicial.
Diante desses fatores, percebe-se que a dupla paternidade é uma mudança eficaz e que apenas acarreta benefícios àqueles que são submetidos a esse processo, que pode ser realizado da forma judicial ou da forma extrajudicial. Por isso, conclui-se que a multiparentalidade ou paternidade socioafetiva deve ser aprovada nos casos em que for comprovado que este vínculo é verdadeiro e pautado pelo afeto, pelo amor, pela afinidade e pela cumplicidade, a fim de prevalecer e construir um ambiente saudável, igualitário, justo e que esteja de acordo com os princípios do Direito, como o princípio da isonomia, da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
Acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é considerado um princípio de extrema importância e essencial para a vida em sociedade e está codificado na Constituição Federal, além de ser indiscutível em todos os ramos do Direito, principalmente, no Direito de Família, visto que é um princípio orientador nas relações familiares. Desse modo, a Multiparentalidade está relacionada a este princípio e é extremamente importante, uma vez que, é através dela que se concretiza nas relações sociais o que já fora codificado a respeito da garantia da dignidade da pessoa humana. Tal fato é comprovado segundo Madaleno (2011, p.42),
“[...]a família passou a servir como espaço e instrumento de proteção à dignidade da pessoa, de tal sorte que todas as esparsas disposições pertinentes ao Direito de Família devem ser focadas sob a luz do Direito constitucional[...]”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como fora exposto anteriormente, o Direito é a ciência que está em constante mudança, tendo em vista que, seu objeto são as relações humanas e sociais. No âmbito do Direito de Família, houve diversas modificações, pois, com o passar dos anos, o conceito de família tradicional foi alterado, ou seja, as famílias atualmente, podem ser compostas por: um pai, uma mãe e seus filhos, dois pais e filhos, duas mães e filhos ou um pai e filho, um mãe e filhos.
Dessa forma, tem-se a ideia de que a Multiparentalidade é essencial para as relações atuais, pois, é através dela que as diferentes formas de construir uma família é materializada e colocada em prática. Contudo, vale ressaltar que a dupla paternidade deve ser reconhecida e concedida nos casos em que for comprovado o vínculo socioafetivo entre o pai/mãe e o filho(a), pois, a afinidade é o pré-requisito fundamental para a aprovação da paternidade socioafetiva, ademais a Multiparentalidade proporcionou um grande avanço para a sociedade atual, pois pode ser considerada como uma quebra de paradigmas e de conceitos ultrapassados.
Nesse contexto e diante de tudo que foi exposto anteriormente, conclui-se que a Multiparentalidade gera inúmeros benefícios para a sociedade e por isso, deve ser aprovada e mantida nas relações que almejam esta forma de paternidade, visto que, tal forma é essencial para o melhor convívio em sociedade e para garantir diversos princípios jurídicos, como por exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana e o da isonomia. Ademais, a Multiparentalidade gera diversos benefícios para a criança ou o adolescente, pois, a rede de apoio do menor se torna maior e mais ampla.
Por fim, constata-se que a Multiparentalidade tem diversos benefícios na vida daqueles que se submetem a alteração em seu registro e ficam registrados com dois pais ou duas mães. Vale ressaltar que a dupla paternidade afeta integralmente vários institutos que são englobados pelo Direito de Família, como por exemplo a regularização da guarda, a prestação de alimentos, as questões relacionadas ao direito sucessório.
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[1] Mestre em Educação e Especialista em Direito Penal e Processual pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e chefe do Departamento de Direito Privada da Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]
Discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Carla Pereira. Multiparentalidade e seus efeitos no Direito de Família contemporâneo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58226/multiparentalidade-e-seus-efeitos-no-direito-de-famlia-contemporneo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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