RESUMO: O presente artigo tem a finalidade de analisar as teorias sobre o poder de notáveis autores da filosofia, conforme seus ideais políticos e sociais. A discussão proposta tem como objetivo especificar as modalidades de poder no Direito do Trabalho, relacionando-as com os conceitos filosóficos de poder no que for compatível, além de propor o exame das alterações advindas da Reforma Trabalhista instrumentalizada pela Lei 13.467/2017, no que se refere ao poder empregatício. Assim, sem pretender esgotar o tema, o qual ainda ensejará discussões, dada a recente alteração legislativa, será discutido se de fato a Reforma Trabalhista acarretou a intensificação do poder empregatício unilateral. Buscar-se-á por meio deste artigo verificar se a Reforma Trabalhista gera desequilíbrio de poder na relação empregatícia, acarretando, portanto, a ausência de democratização do poder empregatício nas relações trabalhistas.
Palavras-chaves: Poder, Michel Foucault, Norberto Bobbio, Poder Empregatício, Reforma Trabalhista.
ABSTRACT: This article has the aim to analyses the theories about the notable authors’ power of philosophy, according to their political and social ideals. The propose discussion aims to specify the modalities of power in the Labor Law connect them to the philosophical concepts of power in what is compatible beside to propose the examination the changes arising from the Labor Reform instrumentalized by Law 13.467 / 2017, in what refers to employment power. Therefore, without intending to exhaust the topic, which will still realize discussions given the recent legislative change, will be discussed if indeed the Labor Reform has in fact led to the intensification of unilateral employment power. This article will seek to verify if the Labor Reform create some imbalance of power in the employment relationship, thus in the absence of democratization of the employment power in labor relations.
Keywords: Power, Michel Foucault, Norberto Bobbio, Employment Power, Labor Reform.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Teorias Sobre o Poder; 2.1 Por Nicolau Maquiavel 2.2 Por Michel Foucault; 2.3 Por Norberto Bobbio; 3 Formas de Poder no Direito do Trabalho; 4 A Intensificação do Poder Empregatício Pós Reforma Trabalhista; 5 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A temática do poder não é inédita. Na realidade, a busca pela definição, pelo tangível significado, pela compreensão da extensão e dos limites perpetua há séculos, de modo que, renomados autores, ao longo do tempo, trouxeram expressivas definições, tendo sido destacado, no presente artigo, a concepção de poder por Nicolau Maquiavel, por Michel Foucault e por Norberto Bobbio, como será visto a diante.
Bem assim, ressalta-se que às definições e às discussões sobre o poder não pairam apenas na Filosofia do Direito, áreas como a Sociologia, o Direito Administrativo, o Direito Constitucional, entre outras, também traçam diretrizes sobre o poder, tendo sido selecionado neste trabalho, o Direito Laboral, tendo em vista às significativas alterações advindas da Reforma Trabalhista no que se refere ao Poder Empregatício.
Destarte, trataremos das acepções concebidas pelos notáveis pensadores contemporâneos e, ainda, será traçado as definições e as modalidades do Poder Empregatício, traçando um paralelo entre as duas áreas, quais sejam: Filosofia do Direito e Direito do Trabalho, esta última, com base na Lei 13.467 de 2017. Portanto, o presente trabalho se debruça na contribuição teórica dos notáveis filósofos, relacionando às convicções dos mesmos com o poder na esfera trabalhista.
Outrossim, o artigo apresenta a finalidade de analisar à intensificação do poder empregatício e os respectivos desdobramentos legais oriundos da Reforma Trabalhista.
Portanto, no primeiro capítulo será exposta a visão de poder na Filosofia, por intermédio de dois autores que muito contribuíram no estudo do tema e, nos demais capítulos, o estudo do poder encontrar-se-à pautado no Direito do Trabalho.
2 TEORIAS SOBRE PODER
A palavra poder deriva do latim potum/potere e a sua definição está relacionada à autoridade, ao comando, ao domínio sobre uma coisa, uma pessoa ou um grupo de pessoas.
O poder por si só é a capacidade de agir e produzir efeitos, e, na maioria das vezes, o envolve uma relação de pessoas, sendo considerando um exercício. Portanto, consiste na probabilidade de compelir alguém a agir de acordo com às vontades daquele que detém o poderio.
Na Sociologia, Max Weber (2003, p. 33) ensina “(…) o poder é a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos. Quando alguém tenta, pela força física, legal ou de autoridade, impor a sua vontade sobre indivíduos, essa pessoa está exercendo o poder.
Outrossim, a Filosofia apresenta formas e teorias sobre o poder, revelando diversas definições ao longo do tempo, conforme a conjuntura política e social de cada período, na perspectiva de cada autor. A diante, será analisada às concepção de Nicolau Maquiavel, de Michel Foucaut e de Norberto Bobbio.
2.1 POR NICOLAU MAQUIAVEL
Nicolau Maquiavel nasceu em 1469 na cidade de Florença, na Itália e, viveu durante o renascimento italiano. Na política, exerceu o cargo de secretário, posteriormente passou a assumir relevantes missões diplomáticas. Na época, os embates políticos e a competição pelo poder conferiram às suas obras o notável realismo.
O filósofo foi um dos grandes responsáveis pela ideia moderna de poder. Nesse aspecto, a teoria política criada por ele acarretou uma série de discussões e questionamentos, principalmente pela interpretação impetuosa, que inúmeras vezes se fez de seu pensamento. O autor sempre foi interpretado como um indivíduo desprovido de moral e ética e, por esta razão, a acepção do termo maquiavélico é sempre pejorativa.
Repara-se que o poder é um desígnio que persevera nas relações sociais desde o início da sociedade humana, acarretando uma série de conflitos e fato é que, Maquiavel viveu em um momento na Itália com expressivos alvoroços pela busca do poderio.
A obra O Príncipe, além de ter um escopo prático, inspira um significativo estudo sobre as condições de aquisição e de manutenção do poder num principado. O intuito do autor era, por intermédio do governo, unificar a Itália, inclusive, na época, ofereceu tal obra a Lourenço de Medice, para que colocassem em prática seus objetivos.
Para Nicolau Maquiavel, o exercício do poder acarreta embates e se estabelece em confronto com outros poderes. Além disso, frisava que todo e qualquer poder vem do povo, transmitindo o pensamento de que para se manter no poder, o soberano deveria estar de acordo com as pretensões populares, porque a autoridade e o domínio perduram se os subordinados assim quiserem. Sobre a afirmação, dizia o autor, em “ O Príncipe” que “a um príncipe é necessário ter o povo como amigo pois, de outro modo, não terá possibilidades na adversidade”. (Maquiavel, 2006, p. 38)
Importante destacar que o filósofo, na referida obra, aponta dois modos capazes de se conquistar o poder, quais sejam: por intermédio da fortuna ou pela virtú. A fortuna era considerada a sorte, a qual não advém dos deuses, isto é, vantagens que determinadas pessoas apresentavam e que muitas não valorizavam. Já a virtú seria a vontade assídua de alcançar o poder, de forma que o homem virtuoso não aguarda as coisas ocorrerem, mas sim se empenha na busca de seus objetivos.
Sendo assim, Maquiavel deixa evidente o seu pensamento de que o poder emana do povo e, por esta razão, a política é conduzida por intermédio da luta pela conquista e pela manutenção do poder.
2.2 POR MICHEL FOUCAUT
Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo e pesquisador do College de France, nasceu na cidade de Poitiers, em 15 de outubro de 1926, e faleceu em 26 de junho de 1984, aos 57 anos. O prestigiado autor dedicou seus estudos para investigar temas como as relações do poder e o processo de subjetivação.
Dessa forma, nota-se que as teorias de Foucault tratam mormente sobre a relação entre o poder e o saber, e como elas podem ser utilizadas para que se obtenha o controle social por intermédio das instituições. Embora citado como estruturalista e pós-modernista, Foucault repeliu esse estereótipo, optando por apresentar seu ideias como uma história crítica da modernidade.
Em sua notável obra “Microfísica do Poder”, publicada em 1979, concluiu que o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade. Ao tratar da aplicabilidade, o filósofo afirmava que o poder está em todo local e se embasa em discursos e em conhecimentos: “Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir” (FOUCAULT, 2013, p. 8)
O que se vislumbra de maneira evidente na obra é que, diferente das teorias clássicas de poder, as quais conferem ao Estado uma espécie de domínio exclusivo do poder, Foucault analisa o poder retirando o Estado do centro da pesquisa, dando ênfase nos “micro-poderes” e, a partir disso, denota que o poder se encontra em todas as estruturas sociais.
Nota-se que o pensador deixa nítida a ideia de que o efeito do poder não se restringe a repressão e, quando o faz, trata-se de uma concepção puramente jurídica.
Quando se define os efeitos do poder pela repressão, tem−se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica−se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora, creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. (FOUCAULT, 2013, p. 8)
Além de notável filósofo, Foucault era pscicóloco, o que explica a sua profunda sensibilidade para falar das relações humanas e dos sentimentos, evidentemente demonstrada em sua obra Microfísica do Poder:
Há anos, os historiadores ficaram muito orgulhosos quando descobriram que podiam fazer não somente a história das batalhas, dos reis e das instituições, mas também a história da economia. Ei−los todos estupefatos por terem os mais maliciosos dentre eles mostrado que também se podia fazer a história dos sentimentos, dos comportamentos, dos corpos. Que a história do Ocidente não seja dissociável da maneira pela qual a "verdade" é produzida e assinala seus efeitos, eles logo compreenderão. (FOUCAULT, 2013, p. 128)
Segundo Foucault, o poder não é homogêneo e não pode ser compreendido como um bem. Para o autor, o poder opera e se executa em rede, não se aplica às pessoas, mas sim passa por elas, pois se estabelece no meio dos saberes. Ainda, para o filósofo o poder não é formado por ideologias, mas por um conjunto de técnicas que foram se refinando como uma ciência de forma a alcançar os objetivos do poder que é a dominação.
O autor tratou de algumas questões relacionadas ao poder soberano, o qual é exercido pelo Estado. Para o filósofo, o poder concentrado nas mãos daquele que detém soberania poder pode levar à morte ou deixar o súdito viver. Nesse aspecto, trata-se de um poder exercido por intermédio de penalidades, o qual pode ensejar sofrimentos e até mesmo a morte.
Outrossim, merece destaque a obra Vigiar e Punir, a qual se deu ênfase ao estudo do poder disciplinar, definido nos seguintes termos:
O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] (FOUCAULT, 2014, p.143)
Percebe-se que, para o filósofo, o poder disciplinar não se traduz em punições e em proibições, a finalidade é o adestramento do indíviduo, tornando-o justo. Ele atua sobre o povo e segrega, observa, classifica, diferencia e individualiza cada membro da sociedade, por intermédio de uma visão hierárquica (vigília hierárquica) e por meio de regras e normas.
Examinou, ainda, outras modalidades de poder, revelando-se um celébre autor no estudo do tema, destacando-se o Biopoder, traduzido na ideia de exercício do poderio, por intermédio de tecnologia, com a finalidade precípua de aprimorar um estado de vida na população, criando pessoas economicamente ativas, com uma visão coletiva.
Aliás, o poder disciplinar nasce como uma tecnologia que trata o corpo do homem como uma máquina, visando transformá-lo em um instrumento frutífero aos interesses econômicos, com um foco no individual. Por outro lado, o biopoder apresenta um senso coletivo.
Pelo exposto, o filósofo deixou evidente o seu posicionamento no sentido de que o poder não pertence ao Estado ou a um homem específico, mas sim, a todo o povo. Nesse aspecto, o Estado é tão relevante quanto às outras instituições da sociedade, como Escolas, Universidades, núcleo familiar, organizações etc. Assim, o poder deve ser compreendido como uma relação que percorre na sociedade, não concentrando-se nas mãos de uma única instituição ou pessoa.
2.3 POR NORBERTO BOBBIO
Norberto Bobbio foi um historiador, filósofo político contemporâneo e professor, nascido em Turim, na Itália, em 18 de outubro de 1909. Escreveu inúmeras obras de natureza filosófica, jurídica, política e ética que apresentam notável reconhecimento.
Nos anos 1940, com a Itália inserida na Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), Bobbio fez parte do movimento de resistência, afiliando-se a grupos liberais e socialistas que lutavam contra a ditadura do fascismo. O autor por muito tempo defendeu o individualismo diante do Estado, tendo lutado contra qualquer tipo de ditadura, para que a liberdade fosse assegurada e tivesse mais valor que a autoridade governamental.
Sobre o poder, em uma visão restrita, Norberto Bobbio (2000, p. 954-955) o define “como meio utilizado pelos homens para alcançar alguma vantagem para si”. Nessa percepção, o poder está diretamente relacionado a uma relação intersubjetiva e subsiste na hipótese de o indivíduo deter os meios necessários para impor a outrem um determinado comportamento.
A partir de seus ideais de poder, com uma visão política inspirada em Karl Marx, Bobbio identificou três categorias, quais sejam: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político.
O primeiro, relacionado ao exercício por aqueles detentores de riquezas, exteriorizando um conceito de poder de modo que aqueles que possuem menos bens sujeitam-se aqueles que apresentam maior riqueza. Assim, havendo uma situação de desprovimento de recursos, é possível compelir aqueles que se encontram em estado de miserabilidade a manter determinado comportamento ou a realizar algum tipo de trabalho.
O poder econômico se vale da posse de bens necessários, ou considerados como tais, em uma situação de escassez para induzir aqueles que não os possuem a adotar determinado comportamento, como por exemplo a realização de um trabalho útil a coletividade. Em qualquer sociedade onde haja proprietários e não-proprietários, os primeiros controlam com exclusividade um bem de que os segundos necessitam para trabalhar; assim, detêm um poder e podem impor condições. (BOBBIO, 2003, p. 143)
Por outro lado, o poder ideológico representa a aptidão de criar princípios, ideias e ideologias que são capazes de influenciar pessoas. Dessa maneira, enunciava Bobbio que, diverso do poder econômico voltado para bens materiais, o ideológico se exerce “sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra" (Bobbio, 1997, p. 11).
Sobre o poder político, o autor deixou evidente o seu pensamento de que é inviável tratar de política afastando os ideais e conceitos de poder. Nessa seara, por intermédio do poder é conferido ao Estado o direito de utilizar a força física em face do povo.
Ademais, faz-se necessário um poder político uno e universal, capaz de compelir a ordem justa e legítima, por intermédio de normas anteriormente pactuadas entre as partes. Deste modo, o poder político é legítimo, desde que vise alcançar os fins de uma comunidade política.
Via de regra, as referidas formas de poder são exercidas pelos mesmos grupos dentro de uma sociedade, sendo que o poder político do Estado tende a ser comandado por aqueles que têm poder econômico e o poder ideológico.
Sendo assim, para Norberto Bobbio (2000, p.221), existem três formas de poder: o poder econômico, o qual apresenta ampla relevância no contexto do fenômeno contemporâneo da globalização, no qual a sociedade está inserida; o poder ideológico exercido por intermédio dos veículos de comunicação; e, finalmente, o poder político que é a forma mais “eficiente” de poder em razão da possibilidade do uso da força física para o seu pleno exercício.
3 AS FORMAS DE PODER NO DIREITO DO TRABALHO
Como já ressaltado, às discussões sobre o poder pairam em diversas áreas do Direito. Na Filosofia, percebe-se que às concepções de poder variam conforme a conjuntura história, política e social vivida por cada autor, tratando-se de uma discussão que se perpetua no tempo.
Igualmente, no Direito do Trabalho, o debate sobre as dimensões do poder não é inédito, tratando-se de uma temática que se verifica na área laboral desde a sua existência. Isto porque às relações de emprego envolvem o poder empregatício em todas as formas. Além disso, em qualquer relação contínua entre duas ou mais pessoas ou entre grupos sociais mais extensos, o fenômeno do poder emerge como elemento primário e não seria diverso na relação de emprego.
Nesse sentido, o poder empregatício se concentra nas mãos do empregador por intermédio da relação de emprego e, consequentemente, em razão da subordinação jurídica inerente ao vínculo. Logo, a referida subordinação consiste na sujeição do empregado aos poderes do empregador.
Sobre a questão, ensina com Coutinho (1999, p. 71): " (...) vislumbra-se na pactuação do contrato, um trabalho subordinado (…) no contrato de trabalho o empregado é investido em uma situação de inferioridade negocial e, assim, em decorrência lógica desta, o poder de direção e aplicação de sanções é atribuído ao empregador."
Nota-se, nesse aspecto, que o poder empregatício é diretamente ligado ao requisito da subordinação presente no vínculo de emprego, vez que em virtude da sujeição, se verifica a presença dos poderes em suas mais variadas modalidades, como será visto a seguir.
A doutrina trabalhista, em sua maioria, define o poder empregatício como conjunto de prerrogativas relacionado à direção, regulamentação, fiscalização, organização e disciplina no contrato de trabalho. Desse modo, o poder empregatício engloba o poder diretivo, o poder regulamentar, o poder fiscalizatório e, por último, o poder disciplinar.
O poder diretivo, denominado também de poder organizativo, consiste na junção prerrogativas do empregador dirigidas a estrutura empresarial, contemplando orientações contidianas no que se refere à prestação de serviços. Logo, o empregador detém o referido poder para controlar a execução de tarefas, para determinar regras de caráter organizacional
Outrossim, o poder regulamentar consiste em prerrogativas do empregador para à fixação de regras a serem atendidas no âmbito do estabelecimento empresarial. Nesse sentido, trata-se da exteriorização do poder diretivo. A título de exemplo, o referido poder confere ao empregador o direito de criar regulamentos, circulares e ordens de serviços.
Além do mais, o poder regulamentar como exteriorização do poder diretivo, tem o condão de criar cláusulas contratuais, bem como alterá-las unilateralmente, desde que a alteração não seja lesiva ao empregado, sob pena de nulidade, com fundamento no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Inclusive, Vólia Bomfim (2017, p. 237) esclarece que “por ser o dono do empreendimento e correr o risco do negócio, o empregador tem o poder diretivo do contrato de trabalho, podendo variar algumas cláusulas contratuais de acordo com a tendência econômica ou interesse da empresa”.
Sobre o poder fiscalizatório, pode-se defini-lo como o conjunto de ações relacionadas ao acompanhamento ininterrupto da prestação de serviço e, ainda a própria vigília realizada ao no espaço empresarial. Portanto, ações de controle de portaria, as revistas, o circuito de câmeras, o controle de horário e frequência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas consistem na manifestação do poder de controle.
Há que se ressaltar, que o poder fiscalizatório não é ilimitado, sendo vedada, por óbvio, qualquer prática discriminatória ou vexatória que violem os preceitos constitucionais, assegurando-se incessantemente à dignidade da pessoa humana. Ainda, vale salientar a necessidade de se manter a ética no ambiente organizacional, de modo a conservar os preceitos morais na Instituição.
Por último, quanto ao poder disciplinar, evidencia-se a possibilidade do empregador impor sanções aos empregados em razão de descumprimento de obrigações, sendo certo que a legislação permite três hipóteses de sansão: a advertência, a suspensão e a dispensa por justa causa tipificada no artigo 482 da CLT. Destaca-se que a advertência figura como uma penalidade mais leve, a suspensão é mediana e, a justa causa apresenta caráter gravoso.
Na seara dos poderes fiscalizatório e disciplinar, vale traçar um paralelo com a filosofia no que se refere a observação de Michel Foucault (2014, p. 209), em seu livro Vigiar e Punir: “o exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sansão que normaliza. ” Denota-se com esse trecho que o empregador, estando hierarquicamente superior ao empregado, tem a prerrogativa de vigiar e punir o empregado.
Vale ressaltar, obviamente, que a hierarquia está relacionada a subordinação jurídica no Direito do Trabalho, não se tratando de qualquer tipo de submissão que coloque o empregado em posição de dependência econômica ou social e, menos ainda, de inferioridade. Sobre a questão, Godinho leciona (2019, p. 350): “a expressão dependência acentua o vínculo pessoal entre as partes componentes da relação de emprego, correspondendo a uma fase teórica em que não se havia ainda firmado a noção essencialmente jurídica do fenômeno da subordinação”.
Salieta-se que, embora não conste no texto da CLT o termo subordinação de forma expressa, mas sim a palavra dependência, a doutrina acabou por consagrar expressão subordinação, vez que conceito de subordinação jurídica acabou se sobrepondo às noções de dependência econômica, técnica e social. Para que reste claro, compreende-se por subordinação jurídica o dever de obediência e sujeição ás regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador decorrentes do contrato ou da função.
Acentua-se que, embora o empregado esteja sujeito ao poder empregatício nos moldes do que foi exposto, há que se evidenciar a existência do direito de resistência do empregado, como ponto crucial da relação contratual, de modo que o mesmo pode e deve contrapor-se ao Poder Diretivo do empregador, que muita das vezes, excede os limites de controle, de fiscalização, de regulamentação, entre outros.
A face negativa do poder empregatício se verifica quando o empregador exerce poderes como corolário do direito de propriedade, ficando o trabalhador num estado de subordinação e, não raro, de dependência econômica, ferindo, por óbvio, preceitos que envolvem a dignidade da pessoa humana e, nesse contexto, em razão do conflito entre os poderes do empregador e a subordinação do empregado, surgem às ameaças e às lesões aos direitos da personalidade.
A respeito da dependência econômica, pelos próprios fundamentos de Norberto Bobbio, como já exposto neste artigo, por certo, a posição de inferioridade financeira pode fazer com que aquele que se encontra em situação de insuficiência econômica, se submeta a manter determinado comportamento ou a realizar algum tipo de trabalho como moeda de troca. Aliás, denota-se que poder econômico provoca o funcionamento do capitalismo, fazendo-se com que nas relações de emprego ou trabalho, os trabalhadores sujeitem-se ao poder do empregador.
Pelo exposto, verifica-se uma diversa vertente do poder, na ótica do Direito do Trabalho, sendo possível observar, no entanto, que os conceitos e desdobramentos oriundos da Filosofia, por certo, se relacionam e influenciam às concepções atuais de poder na seara dos contratos laborais, sobretudo, quando abordamos o poder fiscalizatório e o disciplinar.
4.A INTENSIFICAÇÃO DO PODER EMPREGATÍCIO PÓS REFORMA TRABALHISTA
A reforma trabalhista instrumentalizada pela Lei n. 13.467, de 13.7.2017 ensejou significativas alterações na legislação do trabalho. Por certo, a nova lei ampliou a autonomia privada das empresas por intermédio da dos acordos coletivos[1]
Nesse contexto, denota-se uma acentuação do poder unilateral do empregador no controle e no gerenciamento da empresa e, principalmente, no contrato de trabalho, reforçando a sua natureza jurídica de contrato de adesão.
Sobre a questão, observa-se que abrandou-se a impositividade de direitos e garantias trabalhistas, tendo, inclusive, criado outra modalidade de contratação que não apresenta proteção quanto à duração de trabalho e, sobretudo, quanto à fixação de salário, aqui fala-se no Contrato de Trabalho Intermitente. Além disso, ampliou o exercício do trabalho terceirizado, entre outros artifícios que demonstram a reforço do poder empregatício.
Outra questão que merece destaque, é a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado, vez que o art. 611-A da CLT, fruto da nova legislação, possibilitou a transação de direitos de ordem pública, de caráter indisponível, insuscetíveis de negociação, o que, por certo, favorece o empregador, já que o mesmo apresenta o poder de negociação elevadamente superior ao empregado.
Do mesmo modo, a reforma trabalhista, por meio da Lei 13.467/2017, exteriorizou manifestamente o princípio da intervenção mínima do Judiciário nos acordos e negociações coletivas de trabalho nos artigos 8º, § 3º e 611-A, § 1º, da CLT, o que vem acarretando muitas discussões no ramo juslaboral, sobretudo no que concerne ao direito constitucional de amplo acesso à Justiça. Por certo, o referido princípio propõe que no exame da convenção ou acordo coletivo do trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico nos termos do disposto no art. 104 do Código Civil de 20.
Salienta-se que a intervenção do Judiciário se faz imprescindível na proteção dos direitos e garantias e, qualquer limitação de apreciação pelo Judiciário viola o Princípio constitucional do Amplo Acesso à Justiça, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Observa-se, inclusive, que a apreciação pelo Juiz do Trabalho compele o empregador a cumprir às normas trabalhistas, muitas das vezes desconsideradas no decorrer do pacto laboral. Assim, excluir a apreciação do Judiciário, por certo, acentua o poder do empregador no contrato de trabalho.
Por último, mas não menos relevante, à possibilidade de controle do empregado via meio eletrônico, igualmente, acentua o poder empregatício, principalmente o poder fiscalizatório.
Sendo assim, a Reforma Trabalhista advinda da Lei 13.467 de 2017, de fato, ampliou o exercício do poder empregatício nos contratos laborais, o que, por certo, enseja uma preocupação quanto às arbitrariedades que poderão ser praticadas no âmbito empresarial.
5.CONCLUSÃO
O presente artigo revelou à significativa contribuição teórica outorgada pelos filósofos Nicolau Maquiavel, Michel Foucault e Norberto Bobbio na temática do Poder.
Assim, para Nicolau Maquiavel todo poder emana do povo, transmitindo uma imagem de republicano, pelo fato de que para o filósofo o poder o soberano precisa estar em conformidade com os anseios populares.
Por outro lado, Foucault deixa claro que o poder deve ser compreendido como uma relação que percorre na sociedade, não concentrando-se nas mãos de uma única instituição ou pessoa.
Para Bobbio, o poder, essencialmente, representa o meio utilizado pelos homens para alcançar alguma vantagem para si, por meio de uma visão subjetiva.
Ainda, verifica-se que os autores, conceituam modalidades de poder que contribuem para o estudo em outras áreas além da filosofia, tenso sido possível, relacionar conceitos com o Direito do Trabalho atual, o que demonstra a riqueza da pesquisa multidisciplinar e, ainda, o fenômeno atemporal no qual a filosofia encontra-se inserida.
Outrossim, por meio do estudo das dimensões do poder empregatício e, pela análise dos desdobramentos da Reforma Trabalhista, foi possível obsevar que de fato o poder empregatício intensificou-se em razão da nova legislação.
Ademais, evidenciou-se a necessidade de limitação do poder empregatício, a imprescindibilidade da democratização de seu exercício, para a garantia e efetividade dos direitos fundamentais trabalhistas.
Finalmente, a flexibilização de direitos advinda da nova legislação, com a consequente mitigação e exclusão de normas conquistadas pelos trabalhadores ao longo do tempo, possibilitam uma concentração maior de poder nas mãos daquele emprega, gerando um disparidade entre as partes contratantes. Pelo exposto, restou demonstrado que a Reforma vai de encontro ao processo de democratização do exercício do poder empregatício.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. O tempo da memória. De senectute e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
________. Dicionário de política. Brasília: Universidade de Brasília/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.
________. O Filósofo a Política. Tradução César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 14. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2017.
COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2019.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização, introdução e revisão técnica de Renato Machado. 26 ed. São Paulo: Graal, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 42ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. Trad. Raquel Ramalhete.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3ª ed. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, vol. 1.
[1] CTL. Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.
Advogada e Professora. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo IBMEC/RJ e pela Escola de Magistratura de Florianópolis/Amatra12. Pós-graduada em Gestão Jurídica Empresarial pela FGV/RJ. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Bárbara Barbosa. A intensificação do poder empregatício pós reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58239/a-intensificao-do-poder-empregatcio-ps-reforma-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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