LUCIANE LIMA COSTA E SILVA PINTO.
RESUMO: O presente artigo científico possui como proposta temática a compreensão da aparente dicotomia entre os direitos fundamentais à saúde e à economia. Portanto, relaciona-se diretamente com os direitos à vida e à liberdade. A presente pesquisa objetiva analisar esse conflito entre direitos fundamentais de igual valor jurídico. Para tanto, utilizou-se a revisão bibliográfica como metodologia de pesquisa, mediante a análise de 7 artigos científicos selecionados, além de fonte doutrinária como referencial teórico. Em análise, constatou-se que o entendimento dos autores se coaduna com a compreensão pela prevalência do direito à vida em detrimento das liberdades individuais. Desta maneira, a utilização da ponderação de direitos fundamentais apresenta-se como técnica jurídica necessária para justificar a limitação dos direitos relacionados à liberdade econômica. Portanto, dicotomia entre a saúde e a economia no Brasil é apenas aparente, pois a pandemia constitui uma situação extraordinária, na qual a limitação de direitos fundamentais trata-se de medida excepcional.
Palavras-chave: Direito. Liberdade. Economia. Saúde. Pandemia.
ABASTRACT: This scientific article has as its thematic proposal the understanding of the apparent dichotomy between the fundamental rights to health and the economy. Therefore, it is directly related to the rights to life and freedom. This research aims to analyze this conflict between fundamental rights of equal legal value. Therefore, the bibliographic review was used as a research methodology, through the analysis of 7 selected scientific articles, in addition to a doctrinal source as a theoretical framework. In analysis, it was found that the authors' understanding is consistent with the understanding of the prevalence of the right to life to the detriment of individual freedoms. In this way, the use of weighting of fundamental rights is presented as a necessary legal technique to justify the limitation of rights related to economic freedom. Therefore, the dichotomy between health and the economy in Brazil is only apparent, as the pandemic is an extraordinary situation, in which the limitation of fundamental rights is an exceptional measure.
Keywords: Right. Freedom. Economy. Health. Pandemic.
Sumário: 1. Introdução. 2. Referencial teórico: 2.1. Conceitos e definições: 2.1.1. Direitos fundamentais à vida e à saúde. 2.2. Aspectos históricos. 2.3. Aspectos sociais. 2.4. Aspectos jurídicos. 2.5. Síntese teórica. 3 resultados e discussão: 3.1. Os direitos fundamentais em colisão em tempos de pandemia. 3.2. A dicotomia dos direitos fundamentais relacionados à saúde e à economia no Brasil em tempos de pandemia. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O surgimento do novo coronavírus e sua proliferação a partir do fim no ano de 2019 e agravamento no primeiro semestre do ano de 2020, mais precisamente em abril desse período, deu origem à pandemia denominada de “Covid-19”. Em razão de seu índice de mortalidade em determinados grupos de indivíduos e seu alto grau de transmissibilidade, essa doença deu origem a diversos efeitos de natureza sanitária, econômica, política e social. Portanto, os Estados e Governos não estavam preparados para os impactos dessa crise sanitária, ensejando diversas celeumas em vários setores.
Especificamente no Brasil, essa pandemia causou sérios impactos nos sistemas públicos e privados de saúde, bem como na economia, fazendo-se necessária adoção de medidas drásticas relacionadas à restrição da liberdade e pagamento de quantias mensais aos hipossuficientes denominadas de “Auxílio Emergencial”. Emerge neste contexto, portanto, a temática da presente pesquisa científica, qual seja, a aparente dicotomia entre a saúde e a economia, resultando no conflito entre os direitos à saúde e à vida em relação à liberdade econômica e locomoção resultantes das medidas de enfrentamento.
Portanto, pergunta-se: “Vislumbra-se a dicotomia entre os direitos fundamentais relacionados à liberdade econômica e à vida e saúde no contexto de pandemia em um Estado Democrático de Direito?”. Diante dessa problemática relacionada aos direitos fundamentais supra descritos, adotam-se as seguintes hipóteses como objeto de análise: a) os direitos à saúde e à vida se sobrepõem às liberdades econômicas e de locomoção no contexto da pandemia; b) as liberdades econômicas se sobrepõem aos direitos à saúde e à vida no contexto da pandemia; e, c) os direitos à saúde e à vida e as liberdades econômicas e de locomoção harmonizam-se no contexto da pandemia.
Como objetivo geral, busca-se a análise do conflito entre os direitos fundamentais específicos relacionados à saúde e à economia em tempos de pandemia, especificamente no período de 2020 a 2021. Em relação aos objetivos específicos, o presente trabalho acadêmico objetiva primeiramente, a análise dos direitos fundamentais que encontram-se em colisão; posteriormente, a análise da pandemia do Brasil e seus reflexos; por fim, a análise da aparente dicotomia entre os direitos fundamentais no contexto da presente crise sanitária.
A fim de lograr êxito, utilizar-se-á da revisão bibliográfica como método de pesquisa, buscando em obras doutrinárias, artigos científicos e fontes oficiais de informações os conteúdos relacionados ao objeto da presente pesquisa acadêmica. Como base de dados para consulta em artigos científicos, teses e dissertações, têm-se o Scientific Electronic Library Online (SciElo), Google Acadêmico, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Catálogo de Teses e Dissertações (CAPES). Foram utilizadas as seguinte palavras-chave: “pandemia”; “direitos fundamentais”; “direito à liberdade”, “direito à vida”. Foram encontrados aproximadamente 425 resultados de pesquisa, dos quais foram selecionados 7 artigos científicos para a presente análise.
Portanto, o presente artigo científico busca contribuir com a comunidade acadêmica acerca da dicotomia entre saúde e economia no cenário específico da pandemia “Covid-19” no que se refere ao seu aspecto jurídico. Assim, o estudo contínuo da aplicação dos direitos fundamentais objeto de análise é essencial para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, principalmente em momentos de imprevisibilidade e instabilidade.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A análise dos impactos causados na sociedade brasileira pela pandemia “Covid-19” obriga o estudo de elementos fundamentais para fins da presente pesquisa acadêmica. Neste sentido, faz-se necessária a compreensão dos direitos fundamentais relacionados à liberdade e à saúde, bem como seus aspectos relacionados ao presente contexto de crise sanitária global. Por conseguinte, a relação desses elementos e seus reflexos proporciona a construção do sopesamento dos direitos em conflito, sobretudo em razão de sua igual natureza fundamental.
2.1 Conceitos e definições
2.1.1 Direitos fundamentais à vida e à saúde
Conforme prescrevem Sarlet, Marinoni e Mitidiero[1], a vida é um dos bens jurídicos mais relevantes para o ser humano, sendo que a sua proteção é considerada essencial para a finalidade e existência do Estado enquanto figura política. Neste sentido, o direito à vida consiste em garantir a todos os indivíduos a proteção a sua integridade física e fisiológica. Conforme Barroso[2], esse direito fundamental apresenta-se em todos os ordenamentos jurídicos e possui especial proteção no Brasil em razão da dignidade humana. Encontra previsão legal no art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988 (CF/88)[3], sendo considerado o direito mais “básico”, pois precede os demais, conforme ensina Tavares[4].
Já o direito à saúde, foi inaugurado no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 196 da CF/88[5], constituindo-se em uma garantia ao indivíduo e à coletividade por meio de políticas públicas e econômicas representado pelo binômio “direito de todos” e “dever do Estado”, conforme prescrevem Mendes e Branco[6]. Trata-se de um direito social decorrente da proteção que se confere à vida, buscando-se o acesso a condições de saúde a todos os integrantes da sociedade, independentemente de sua condição econômica e integra a seguridade social, conforme Moraes[7]. Dessa forma, conforme Mendes e Branco[8]:
Numa visão geral, o direito à saúde há de se efetivar mediante ações específicas (dimensão individual) e mediante amplas políticas públicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (dimensão coletiva). Nessas perspectivas, as pretensões formuladas e formuláveis tanto poderão dizer respeito a atos concretos como a políticas e ações administrativas que contribuam para a melhoria do sistema de saúde, incluídas aqui as normas de organização e procedimento.
No que se refere à liberdade, a sua conceituação movimenta-se na ausência da intervenção de terceiros e do Estado na esfera individual como também pela disponibilidade de meios de atuação interventiva, conforme ensina Masson[9]. Encontra previsão no art. 5º, caput da CF/88[10] com igual proteção conferida à vida. Conforme Barcellos[11], a liberdade é um “status fundamental” mediante cada pessoa pode dirigir suas ações sem a dependência de outrem e tem relação direta com a autonomia individual, ou seja, é o direito de projetar sua vida conforme sua vontade. Ainda, conforme a autora citada, esse direito desdobra-se em diversos direitos considerados “liberdades” de natureza de cláusulas pétreas.
Como vertente do direito à liberdade, o direito de “ir e vir” ou direito à “liberdade de locomoção” possui previsão constitucional no art. 5º, inciso VX da CF/88[12]. Conforme Moraes[13], esse direito decorre da própria natureza humana, pois o indivíduo possui vontade e autodeterminação, podendo locomover-se conforme as suas convicções. Ainda, confere-se à liberdade de locomoção significado amplo, a qual é protegida também diante de qualquer ameaça ou medida indireta, conforme prescrevem Mendes e Branco[14]. Em regra, portanto, é vedada a limitação à liberdade de ir e vir no Brasil.
Neste sentido, prescreve Bulos[15] que:
[...] Tanto os brasileiros natos ou naturalizados como os estrangeiros, residentes ou não no Brasil, podem, observadas as·exigências legais, entrar, permanecer ou sair com seus bens, sem qualquer cerceamento. Locomover significa andar, sair, passear, transitar, parar, ir, vir, ficar, estacionar, correr. Numa acepção ampla, é o mesmo que circular. Consequentemente, o Poder Público não poderá cercear o livre trânsito, salvo em hipóteses excepcionais. [...]
O direito à liberdade econômica ou livre-iniciativa encontra-se previsto nos arts. 1º, inciso IV, e 170, parágrafo único, da CF/88[16]. No entanto, conforme prescreve Bulos[17], a própria norma constitucional possibilita limitações ao seu exercício mediante a expressão “salvo nos casos previstos em lei”. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro o exercício de atividades econômicas é livre, possibilitando-se a sua restrição por meio de norma legal. Ainda, o Estado pode exercer intervenções na economia como agente normativo e regulador, fomentador e agente direto econômico, conforme Bensoussan e Gouvêa[18].
No que se refere à coexistência de direitos fundamentais de igual valor normativo, faz-se necessária a utilização de mecanismos interpretativos para aplicar a norma nos casos concretos. Neste sentido, têm-se a ponderação entre direitos fundamentais, denominando-se de “técnica da ponderação” que, conforme Marmelstein[19], consiste em “solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação as quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes”. Portanto, busca-se a harmonização dos direitos fundamentais em razão da valoração e seus “pesos” nas situações concretamente verificadas pelo julgador, conforme prescreve Alexy[20].
2.2 Aspectos históricos
A garantia à saúde, conforme analisado é um direito recente no ordenamento jurídico brasileiro, possuindo até à promulgação da CF/88 apenas previsões esparsas, conforme Mendes e Branco[21]. Trata-se de um direito social, ou seja, impõe ao Estado determinadas prestações positivas a fim de garantir sua efetividade. Conforme Masson[22], a inserção dos direitos sociais no Brasil iniciou-se por meio da Constituição de 1934, sob forte influência da Constituição de Weimar de 1919 na Alemanha. Esta releva-se como importante marco normativo para a instauração do “caráter social” na construção política dos Estados Modernos. Contudo, o caráter de direito fundamental à saúde somente foi conferido em 1988 por meio da CF/88.
De forma semelhante, o direito à vida somente foi categoricamente objeto de proteção constitucional no Brasil a partir da CF/88, sobretudo correlacionando à liberdade econômica como elemento essencial para uma “existência digna”, conforme prescreve Tavares[23]. Contudo, o âmbito do proteção à vida possui em sua gênese o momento pós-Segunda Guerra Mundial com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, objetivando-se a proteção da dignidade do ser humano, conforme Portela[24]. Neste sentido, a valorização do ser humano e da vida pelos Estados é um fenômeno recente na história da humanidade, resultado da evolução dos direitos humanos.
No que se refere à liberdade propriamente dita, esta revela-se como um valor elementar para a evolução dos direitos fundamentais, pela qual logrou-se afastar a atuação arbitrária e autoritária do Estado em face dos indivíduos. Conforme Mendes e Branco[25], foi a partir dos séculos XVII e XVIII com “a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e sobre a Declaração francesa, de1789” que ocorreu a “positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem”. Dessa forma, a mudança na relação entre o Estado e os indivíduos apresentou-se como indispensável para a garantia do direito à liberdade.
2.3 Aspectos sociais
A crise sanitária “Covid-19” causada pelo novo coronavírus deu origem a um cenário alarmante na sociedade internacional, refletindo não apenas na saúde física, mas também na condição psicológica dos indivíduos, no desenvolvimento econômico dos países e na condução política dos mesmos. Especificamente na sociedade brasileira, grandes conflitos relacionados à liberdade e a preservação da saúde coletiva ensejaram calorosos debates, pois o isolamento social e demais medidas restritivas podem causar danos biopsicossociais, conforme prescrevem Ficanha et al.[26]
No que se refere ao isolamento social como medida enfrentamento à pandemia, Farias[27] prescreve que os reflexos sociais no Brasil não são uniformes e padronizados, pois a vulnerabilidade social de determinados grupos cooperam para o aumento do risco de contágio. Apesar das restrições impostas pelo Governo aos indivíduos em razão desta crise sanitária, verifica-se que existem inúmeros fatores que fogem às regras impostas, causando divergências quanto aos limites da cerceamento da liberdade.
As medidas adotadas não são absolutas e exatas, experimentado certo nível de subjetividade, conforme prescrevem Gonçalves e Dias[28]:
[...] Não há atitudes morais infalíveis, nem princípios morais eternos e absolutos. Não há, também, como não realizar escolhas. Os textos analisados, apresentaram, de maneira geral, preocupação em não aprofundar desigualdades ou injustiças no Brasil. Para tal, em sua maioria, sugerem o critério médico-técnico-científico como o que promoverá o melhor resultado frente à pandemia no Brasil. Demonstramos que, apesar da pretensão a objetividade, mesmo este critério não é neutro e possui consequências morais.
Por conseguinte, coloca-se os parâmetros sociais até então conhecidos em limites mais subjetivos diante da imprevisibilidade da pandemia e suas medidas restritivas, especialmente envolvendo a liberdade. Neste sentido, as controvérsias presente entre os grupos sociais no Brasil apresentam determinado grau de subjetividade, conforme prescrevem os autores supracitados. Ainda, conforme Demenech et al.[29], as taxas de mortalidade relacionadas à Covid-19 foram maiores em regiões com maior desigualdade econômica. Dessa forma, os aspectos sociais e econômicos são fundamentais para determinar as políticas sanitárias de enfrentamento à pandemia.
2.4 Aspectos jurídicos
No que se refere especificamente ao aspecto jurídico, a pandemia causou diversas controvérsias relacionadas aos direitos decorrentes da liberdade. Conforme prescrevem Mendes e Branco[30], em 2020 foram determinadas restrições no Brasil em resposta ao avanço do contágio da doença, as quais atingem diretamente os direitos de reunião “a liberdade de locomoção, bem como outras liberdades relacionadas à integridade física (v. g., compulsoriedade de exames, de testes, de coletas laboratoriais, de vacinação etc.).”. Dessa maneira, alguns direitos fundamentais relevantes para a sociedade brasileira foram restringidos a fim de impedir o progresso da pandemia.
Diante dos conflitos entre direitos fundamentais, buscou-se “administrar” o presente cenário por meio do aspecto jurídico, buscando na primazia da dignidade da pessoa humana em seu contexto coletivo, conforme Fiorillo e Ferreira[31]:
Assim, a saúde ambiental relaciona-se evidentemente à história da comunidade, entendida como um conjunto de pessoas com interesses mútuos que vivem no mesmo local e se organizam dentro dum conjunto de normas e de seus problemas de saúde pública no âmbito da história da civilização. [...] A solução jurídica visando amparar referidas medidas técnicas/científicas em proveito do bem estar da população foi adotar a aplicação dos princípios do direito ambiental constitucional, particularmente os princípios da precaução e da prevenção, dentro de perspectiva doutrinária fundamentada em direito ambiental estruturado em proveito da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, a valorização que se confere ao indivíduo e à coletividade se comunicam, buscando-se a preservação dos direitos fundamentais inerentes às relações sociais constitucionalmente estabelecidas. Dessa maneira, os aspectos jurídicos são indispensáveis para se conferir legitimidade democrática às medidas de enfrentamento à pandemia. Consequentemente, a interpretação e aplicação dos direitos fundamentais possuem como fundamentos os valores que se confere à saúde e à liberdade no que se refere ao objeto da presente pesquisa acadêmica.
2.5 Síntese teórica
Para fins deste artigo científico, compreende-se como o direito à vida a proteção mais fundamental da dignidade da pessoa humana em seu aspecto individual, enquanto que o direito à saúde assume um prisma coletivo, Desta maneira, há uma íntima relação entre esses dois direitos fundamentais, sendo que nesta última predomina a interesse público.
Já no que se refere às liberdades individuais, especialmente a liberdade econômica, esta não possui um fim em si mesma, sendo necessária a sua correlação com as necessidades da sociedade. Portanto, o ordenamento jurídico permite a limitação desses direitos, ou seja, mesmo diante de sua natureza fundamental, o próprio ordenamento jurídico brasileiro impõe a sua restrição.
Consequentemente, compreende-se que determinadas normas necessitam de uma interpretação adequada aos objetivos do Estado Democrático de Direito. Neste sentido, a técnica da ponderação apresenta-se como respostas a determinados conflitos aparentes de normas constitucionais de igual valor jurídico.
No que se refere aos aspectos históricos, sociais e jurídicos compreendem-se como elementos de fundamental importância para a interpretação, contextualização e aplicação das normas constitucionais, especialmente relacionadas aos direitos fundamentais objetos da presente pesquisa científica. Nesta realidade, com a evolução da sociedade, o dicotomia dos direitos abre espaço para uma nova percepção das relações jurídicas, nas quais predomina a complexidade de interesses individuais e coletivos.
Logo, a adequação dos objetivos da norma jurídica constitucional apresenta determinadas nuances que exigem do cientista jurídico a consideração dos aspectos supra descritos. Portanto, a relação conflituosa entre os direitos fundamentais à vida e à saúde em relação às liberdades econômicas reclama apurada análise por meio da presente pesquisa acadêmica.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na presente crise sanitária que atingiu os países, os desafios que os Estados Democráticos enfrentam não se limitam à mortalidade imposta pela doença, mas também refletem na efetivação dos direitos fundamentais, especialmente relacionados à vida e à liberdade. Neste sentido, a liberdade econômica e liberdade de locomoção conflitam diretamente com o direito à vida e à saúde pública. Consequentemente, apresenta-se como um desafio aos pesquisadores da seara jurídica determinar os limites às restrições desses preceitos fundamentais.
Portanto, faz-se necessário analisar a temática em conformidade com produção científica, pois trata-se de uma situação “nova” diante do contexto globalizado, não se limitando à realidade da sociedade brasileira apenas. Diante da pesquisa realizada, foram selecionados 7 artigos científicos para análise, buscando em sua apresentação apontamentos acerca da temática objeto de estudo.
3.1 Os direitos fundamentais em colisão em tempos de pandemia
Conforme Matos e Vieira[32], buscou-se cercear o direito de liberdade econômica e locomoção durante a pandemia com a finalidade de preservar a saúde pública e proteger vidas humanas perante o agravamento das contaminações. Conforme prescreve os autores supracitados, verificam-se restrições de direitos e princípios fundamentais durante a crise sanitária no Brasil causada pelo Covid-19. Adotando o entendimento de Alexy e Marmelstein, compreende-se pela adoção da ponderação dos direitos fundamentais, bem como a ideia de que não existe “direito absoluto” em um ordenamento jurídico.
Em sentido semelhante, Casal, Rebeca e Russo[33] prescrevem que em razão da prevalência do direito à saúde em face da liberdade de locomoção, as relações econômicas e sociais foram profundamente afetadas. Contudo, posterga-se para o futuro a “correção” desses impactos, pois a garantia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana encontram-se interligadas à saúde coletiva e, portanto, à vida coletiva. Conforme os autores, as medidas restritivas de liberdade objetivam evitar a propagação do novo coronavírus. Neste sentido, prescrevem como a melhor alternativa a cooperação internacional a fim de realizar a melhor escolha de políticas públicas de controle da doença.
No mesmo sentido, Ferraro[34]:
[...] a restrição do direito de locomoção é uma forma do Estado reduzir a propagação do vírus e, portanto, cumprir integralmente a exigência do artigo 196 da Constituição Cidadã, que coloca como dever deste ente a redução de doenças. Ademais, o direito à saúde está extremamente relacionado ao direito à vida, também previsto na Carta Magna como direito básico e fundamental a todos.
Portanto, conforme a autora supracitada, compreende-se pela prevalência do direito à vida e, consequentemente, do direito à saúde coletiva em detrimento das liberdades e garantias individuais. A mesma argumenta que a liberdade de locomoção trata-se de um direito fundamental com garantia em tempos de paz, ou seja, em situações extraordinárias é possível a sua restrição. Dessa maneira, a pandemia apresenta-se como uma situação extrema de sobrevivência da humanidade, exigindo-se dos Governos medidas mais radicais de controle sanitário.
No mesmo sentido, Viana e Junior[35] argumentam pela primazia do bem-estar social em face dos interesses individuais, ou seja, a sobrevivência da sociedade brasileira exige a flexibilização dos direitos individuais relacionados à liberdade. Neste contexto, observa-se que a saúde pública e o direito à vida prevalecem sobre os diretos à liberdade econômica e locomoção. Contudo, fundamenta-se a superioridade do interesse coletivo em razão da inviabilidade de se garantir direitos individuais de forma absoluta, pois a continuidade de uma sociedade pressupõe a supressão de determinados interesse individuais em favor da coletividade.
Em igual sentido, prescreve Lopes[36]:
Portanto, nenhum direito, mesmo que fundamental, é absoluto, trata-se de um pilar para um estado democrático de direito: que todos possam ser limitados; até mesmo o limite que os limitam deve ter limitação. As colisões desses direitos e a necessidade eventual de escolher um que deve ser sobreposto a outro, são complexidades presentes em um ordenamento jurídico pluralista.
Com entendimento semelhante, Silva, Schwarz e Lorenzon[37] compreendem que os direitos fundamentais devem ser preservados, mas admitem a sua flexibilização em situações excepcionais a fim de lograr êxito em sua harmonização. Ainda, os autores entendem que o desenvolvimento econômico não é um fim em si mesmo e, portanto, serve ao direito à saúde juntamente com a liberdade para proporcionar ao indivíduo bem estar físico, mental e social. Neste contexto, prescrevem que o direito à saúde é um direito indispensável e, dessa forma, cabe a relativização do direito à liberdade em benefício da vida humana.
Em igual sentido, Freitas, Cândido e Rodrigues[38] entendem que a legislação brasileira respalda o Poder Público em medidas restritivas de direitos fundamentais individuais a fim de proteger bem jurídico mais relevante.
3.2 A dicotomia dos direitos fundamentais relacionados à saúde e à economia no Brasil em tempos de pandemia
Diante desse cenário, surge a aparente oposição entre os direitos fundamentais supra descritos, os quais refletem diretamente no cotidiano do cidadão brasileiro. Dessa forma, os direitos à vida e à saúde pública em seu aspecto individual e coletivo se contrapõem à liberdade econômica e liberdade de locomoção inerentes. Contudo, conforme prescreve Lopes[39], nenhum direito fundamental é absoluto, coadunando-se com os entendimentos teóricos de Marmelstein e Alexy acerca da compatibilidade e flexibilidade dos direitos fundamentais. Portanto, em um sistema jurídico democrático, os preceitos fundamentais servem à união política e jurídica da coletividade. Consequentemente, a técnica da ponderação busca mitigar essa aparente dicotomia entre os referidos preceitos.
No contexto da pandemia, a preservação das vidas humanas apresenta-se como maior objetivo a ser perquirido pelas autoridades públicas, conforme Lopes[40]. Consequentemente, a restrição e limitação dos direitos fundamentais relacionados à liberdade apresenta-se como medida necessária para se manter a segurança do bem jurídico tutelado, qual seja, a vida. Assim, os artigos objeto de pesquisa adotam o mesmo entendimento, ou seja, cabe ao Estado a adoção de medidas necessárias à resolução deste problema sanitário extraordinário.
Neste sentido, Viana e Junior[41]:
Ademais, para que estas garantias sejam devidamente estabelecidas, é necessário que se valorize e respeite a ciência e as recomendações idealizadas, pois, como visto, a pandemia de Covid-19 tem demandado estudos e pesquisas complexas para que se entenda melhor como o vírus atua para que, assim, sejam criados de mecanismos de combate mais eficientes e duradouros.
Logo, a aparente dicotomia não subiste, pois a presente crise sanitária constitui-se em uma situação extraordinária e transitória de proporções incalculáveis. Dessa maneira, as restrições jurídicas aplicadas expressam tão somente essa condição de excepcionalidade. Portanto, não se demonstra justificável conferir proteção absoluta aos direitos à liberdade econômica e de locomoção em detrimento do direito à vida, sendo o mais fundamental e inerente à vida humana e, portanto, à proteção aos demais direitos. Consequentemente, consoante prescreve Ferraro[42], a garantia aos direitos relacionados à liberdade é protegido em sua plenitude prioritariamente em tempos de paz e normalidade, o que não se verifica no atual cenário internacional e nacional. Dessa forma, as limitações aos referido direitos são inerentes às particularidades dos conflitos oriundos da pandemia.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a presente pesquisa acadêmica apresentou relevante construção acerca do assunto objeto de estudo, especificamente em relação à aparente dicotomia entre os direitos à saúde e à vida em face da liberdade, especialmente econômica e de locomoção. Verificou-se que os direitos fundamentais não são absolutos, ou seja, mesmo diante de sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro, esses direitos devem ser harmonizados com as demais normas fundamentais.
Conforme a pesquisa realizada, verificou-se que a garantia à liberdade integra a construção histórica dos direitos fundamentais na história da humanidade. Contudo, no processo evolutivo dos direitos fundamentais, o direito à vida e à dignidade da pessoa humana encontram maior âmbito de proteção. Em condições extraordinárias, como à imposta pela crise “Covid-19”, a restrição de determinados direitos apresenta-se necessária. Dessa maneira, chegou-se como resultado conclusivo da presente pesquisa a prevalência da seguinte hipótese: “a) os direitos à saúde e à vida se sobrepõem às liberdades econômicas e de locomoção no contexto da pandemia”.
Apesar se buscar a compatibilização dos direitos fundamentais descritos na Constituição Federal, pela ponderação de princípios e direitos fundamentais, os direitos à saúde e à vida sempre vão prevalecer sobre os demais em razão da sua relevância para o ser individual e coletivo. Ademais, verifica-se que a proteção à vida é inerente à própria dignidade do ser humano. Portanto, os artigos objeto de pesquisa posicionam-se no mesmo sentido, compreendendo pela necessidade de se buscar a preservação desse bem jurídico por meio de medidas restritivas da liberdade em caráter excecional.
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[1] SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 446.
[2] BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 246.
[4] TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 538.
[5] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
[6] MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 1452.
[9] MASSON, N. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 320.
[12] “IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” e “XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”
[15] BULOS, U. L. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 737.
[16] “Art. 170. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
[18] BENSOUSSAN; F. G.; GOUVÊA, M. F. Manual de Direito Econômico. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. p. 151.
[20] ALEXY, R. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. p. 93-94.
[24] PORTELA, P. H. G. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 9. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 873.
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Graduando de Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, GABRIEL DE OLIVEIRA. A dicotomia entre saúde e economia no Brasil em decorrência da crise sanitária causada pela covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58308/a-dicotomia-entre-sade-e-economia-no-brasil-em-decorrncia-da-crise-sanitria-causada-pela-covid-19. Acesso em: 22 nov 2024.
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