RESUMO: Este artigo analisa as implicâncias jurídicas nas relações de consumo das instituições financeiras de concessão de crédito à pessoa idosa que culminam em práticas abusivas dessas instituições em decorrência da hipervulnerabilidade e hipossuficiência do idoso, que tem reconhecido pelo Estado como aquele mais frágil nas relações de consumo, e por essa razão, recebe tutela protetiva através de legislação específica para assegurar seus direitos fundamentais e vida digna. A escolha temática da pesquisa é justificada pela necessidade do entendimento jurídico sobre os contratos de consignação e empréstimos financeiros para um público muito específico: a pessoa idosa. A metodologia utilizada é a da pesquisa bibliográfica com leituras de obras de autores renomados e consubstanciada pela leitura e análise da jurisprudência e doutrina que abordam a temática escolhida. Almeja-se que este seja um trabalho de pesquisa que sirva de fonte de consulta para outros trabalhos vindouros ou que simplesmente busque compreender à vulnerabilidade do consumidor idoso.
Palavras-chave: Relações de Consumo. Pessoa Idosa. Tutela Protetiva do Estado. Superendividamento.
ABSTRACT: This article analyzes the legal implications in the consumer relations of financial institutions granting credit to the elderly that culminate in abusive practices of these institutions due to the hypervulnerability and hyposufficiency of the elderly, who has recognized by the State as the weakest in consumer relations, and for this reason, receives protection protection through specific legislation to ensure their fundamental rights and dignified life. The thematic choice of the research is justified by the need for legal understanding about consignment contracts and financial loans for a very specific audience: the old person. The methodology used is that of bibliographic research with readings of works by renowned authors and embodied by reading and analyzing the jurisprudence and doctrine that address the chosen theme. It is intended that this is a research work that serves as a source of consultation for other work to come or that simply seeks to understand the vulnerability of the elderly consumer.4
Keywords: Consumer Relations. Old person. Protective Protection of the State. Over-indebtedness.
A pessoa idosa, definição dada pela Lei n.10. 741/2003 (BRASIL, [2021]), fisicamente tem suas limitações, todavia, enquanto consumidor expresso pela Lei n. 8.079/1990 (BRASIL, 1990), tais limitações não implicam em limitar seus direitos. No entanto, não raras as vezes que o consumidor idoso se torna vítima do voraz mercado de consumo, pois sua condição de vulnerabilidade é atrativo para fornecedores ávidos por clientes que lhes garantem alta lucratividade no mundo dos negócios, sobretudo o campo financeiro dos empréstimos.
De acordo com o Banco Central (BRASIL,2021), os idosos são a segunda categoria que mais deve no crédito consignado, chegando a 32 % dos aposentados de baixa renda, que ganham até dois salários-mínimos, estão superendividados. No dia 1º de julho de 2021, entrou em vigor a Lei n. 14.181/2021, conhecida como lei do superendividamento, que alterou o Código de defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso para disciplinamento do crédito ao consumidor e criação de mecanismos que visem tratar do superendividamento (BRASIL, 2021).
Diante disso, os contratos de empréstimos das instituições financeiras ou credoras, estariam submetendo a pessoa idosa a cláusulas contratuais abusivas, incorrendo em violação dos direitos do consumidor e contribuindo para o endividamento através da concessão de crédito aos consumidores idosos?
A pesquisa empreendida se propõe a examinar mais detalhadamente se os consumidores idosos são vítimas do mercado de consumo diante de sua condição de vulnerabilidade no âmbito das lojas credoras de empréstimos, não por menos, busca-se compreender a dinâmica dos processos de contratação de empréstimos à pessoa idosa e se os fornecedores de cessões dão as informações adequadas sobre todos os detalhamentos do contrato e do negócio jurídico, para que não impliquem em violação dos direitos do consumidor tampouco possa vir a contribuir para o endividamento através da concessão de crédito aos consumidores idosos.
O artigo apresenta uma pesquisa cujo objetivo é demonstrar que há violação dos direitos do consumidor idoso quando da celebração de contratos de empréstimos junto às instituições financeiras que ofertam crédito à pessoa idosa. Para tanto, se propõe a analisar o Código de Defesa do Consumidor e sua aplicabilidade aos contratos firmados entre as instituições financeiras e as pessoas idosas, examinar a possibilidade de anulação do contrato de empréstimo à pessoa idosa diante de sua vulnerabilidade e hipossuficiência na relação de consumo e averiguar os fatores ensejadores e agravantes do crédito consignado que culminam no superendividamento da pessoa idosa.
A escolha temática da pesquisa é justificada pela necessidade do entendimento jurídico sobre os contratos de consignação e empréstimos financeiros para um público muito específico: a pessoa idosa. O que pode incorrer em violação dos direitos do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a pessoa idosa figura como de extrema vulnerabilidade diante do comportamento aguerrido de fornecedores, sobretudo instituições financeiras ou credoras.
Acredita-se que o consumidor idoso não recebe com clareza todas as informações e o detalhamento das cláusulas contratuais no momento da aquisição do crédito ou do empréstimo. Desse modo, o mesmo não se tem o devido entendimento das consequências que aquele empréstimo ou crédito poderá a vir causar em sua renda mensal, e que isso pode vir a culminar em superendividamento. Se constatado esse fato, deve-se, por conseguinte, discorrer sobre as implicâncias jurídicas que isso pode vir a acarretar de acordo com o ordenamento jurídico pátrio.
Por esta razão, ao discutir nesta pesquisa, as causas do superendividamento da pessoa idosa e levantar elementos jurídicos que assinala haver possível abuso das instituições financeiras ou de crédito nas cláusulas contratuais de empréstimos, a presente pesquisa promove o Direito como escudo de proteção e instrumento usado para a prevalência dos direitos dos cidadãos previstos no Código de Defesa do Consumidor.
O artigo tem como marco teórico o contexto socioeconômico e cenário demográfico da população idosa brasileira, população essa que tem sido abarcada pelas rápidas e profundas mudanças nas áreas da economia, do social, da política e, por que não dizer, jurídica. Pois desde o surgimento do crédito consignado para aposentados e pensionistas no ano de 2003, as formas de créditos têm passado por inúmeras mudanças e adaptações.
Quanto aos aspectos metodológicos da pesquisa, esta é uma pesquisa exploratória, de natureza teórico-crítica, com abordagem qualitativa, cujos dados e informações serão coletados por meio de revisão bibliográfica e pesquisas documental.
A literatura teórico-crítica permite a compreensão da vulnerabilidade do consumidor idoso, bem como, suas limitações e direitos, buscando-se os fundamentos teóricos a respeito do endividamento do idoso e a natureza teórico-crítica do superendividamento. Para tanto, se faz necessário a revisão de artigos e publicações que se reportam ao tema abordado na pesquisa e ainda criteriosa análise dos textos normativos, leis, doutrina e jurisprudência e decisões jurídicas que abrangem o tema da pesquisa.
O presente artigo está estruturado em três tópicos primários, sendo que o primeiro deles discorre sobre o Código de Defesa do Consumidor e sua abrangência protetiva do consumidor, nesse capitulo busca-se compreender o superendividamento e quais elementos lhe são provocadores; o segundo tópico aborda sobre os vícios do negócio jurídico a que são submetidos os idosos diante da celebração de contrato de empréstimos junto às instituições credoras, condicionando-o a contrair mais e mais empréstimos, neste mesmo capitulo discute-se a importância social da revisão dos contratos de créditos em decorrência das práticas abusivas do credor diante da condição de vulnerabilidade do consumidor idoso; o quarto e último tópico, analisa o direito tutelado ao idoso pela Estado, e correlaciona as diversas diretrizes normativas que objetivam assegurar os direitos da pessoa idosa e a prevalência do Estado Democrático de Direito, discorrendo-se sobre os fundamentos que preceituam a efetiva proteção à pessoa idosa diante de um mercado consumidor agressivo e de práticas inescrupulosa no momento da concessão de crédito.
2. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS À PESSOA IDOSA: UMA ANÁLISE SOBRE AS NORMAS JURÍDICAS PROTETIVAS NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE EMPRÉSTIMO
O Código de Defesa do Consumidor foi criado pela Lei n.8.078, de 11 de setembro de 1990, surgindo quase dois anos depois da Promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes disso, os direitos do consumidor eram garantidos pelos dispositivos constantes no Código Civil de 1916, que regulavam então as relações de consumo. Com o advento da Constituição, a defesa do consumidor passou a ser responsabilidade do Estado, sendo inserido como direito fundamental no artigo 5º., inciso XXXIII e no artigo 170, que estabelece os princípios da ordem econômica e no artigo 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias a determinação do prazo de 120 dias para a criação do Código de Defesa do Consumidor, apresentando-se os seus dispositivos constitucionais como cláusulas pétreas (OLIVEIRA, 2016).
A natureza jurídica do CDC considera o consumidor como elemento frágil na relação de consumerista e por isso predispõe uma gama de regras de direitos de outros ramos tais como direito penal, civil, processo civil, administrativo, constitucional (OLIVEIRA, 2016).
O Código de Defesa do Consumidor guarda aspectos que são imprescindíveis à sua eficácia de proteção ao consumidor, pois trata-se de uma Lei principiológica – dotada de disposições fundamentais, que objetivam a equidade na relação jurídica do negócio, munindo-se de prerrogativas exclusivas para o consumidor como forma de equilibrar a relação de consumo.
Alguns desses princípios, de acordo com Oliveira (2016), podem assim serem elencados:
À Dignidade da pessoa humana - princípio fundamental da ordem jurídica e por isso toda legislação deve respeitar esse preceito;
Da Proteção à vida, a saúde e à segurança – de acordo com o qual, o fornecedor quando coloca um produto no mercado de consumo, ele deverá preservar pela, vida, saúde e a segurança do consumidor;
Da Transparência/Dever de Informar – não só sobre as qualidades e características do produto e do serviço, mas como também as cláusulas contratuais;
Da Harmonia na relação de consumo – há harmonia quando houver a boa-fé objetiva, gerando mais equilíbrio, caracterizando pela cooperação, informação e a proteção;
Do Equilíbrio - somado à boa-fé, realiza a harmonização na relação de consumo;
Da Vulnerabilidade – de acordo com esse princípio o consumidor é parte mais fraca na relação de consumo, no aspecto técnico, econômico, jurídico ou científico;
Da Conservação dos contratos – por esse princípio, ainda que no contrato tenha cláusula nociva à relação de consumo e sendo possível a sua retirada, o contrato permanecerá válido;
Da Responsabilidade solidária – se mais de um sujeito da relação de consumo contribui para causar o dano, todos responderão de forma solidária;
Da Inversão do Ônus da Prova – significa que, em determinados casos, basta que o consumidor prove o vínculo com o fornecedor e a este caberá provar que não causou o dano, pois, poderá ser condenado a repará-lo;
Da Efetiva prevenção e reparação de danos materiais e morais, individuais e coletivos – esse princípio significa que não se pode limitar a indenização, delimitar o valor da indenização em um contrato ou qualquer forma de ajuste;
Da Boa-fé objetiva – objetivo primordial de conduta, exigência de respeito, lealdade, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial, devendo prevalecer deste a formação inicial da relação de consumo (OLIVEIRA, 2016).
Ressalta-se que para a finalidade do presente Projeto de Pesquisa, alguns dos princípios elencados serão adiante melhor examinados com o devido aprofundamento que o tema pautado assim o exigir.
O artigo 4º, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor – CDC, prescreve os princípios da transparência e informação para o consumo, imperando que os direitos e deveres do consumidor além de mantidos, sejam de fácil compreensão por parte desse consumidor:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:[...]
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo [...] (BRASIL, [2022]).
Denotar -se que o Código de Defesa do Consumidor prepõe o consumidor como sendo aquele individuo vulnerável diante das práticas mercadológicas. Há de se compreender diante disso, que a vulnerabilidade é o elemento primordial do aludido Código, que busca impor-se como defensor da eminente fragilidade do consumidor diante de práticas lesivas do mercado.
No entanto, na abrangência das relações de consumo, deve-se ter o cuidado para que se identifique clara e objetivamente quem é o consumidor e quais são as relações de consumo estabelecidas para que possa então imperar o Código de Defesa do Consumidor (SANTOS, 2011).
Assim, o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, define que toda pessoa física ou jurídica qualifica-se como consumidor bastando para isso adquirir ou utilizar produto ou serviço na condição de destinatário final. O mesmo Código, em seu artigo 51(caput), impera que são nulos de pleno direito as cláusulas abusivas contratuais que incidam desvantagens sobre o consumidor ou que maculem a boa-fé do negócio jurídico (inciso IV), (BRASIL, [2022]).
Nesse sentido, o Código Civil em voga, preconiza em seu artigo 421 que “a liberdade econômica será exercida nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2020). No entanto, essa função social do contrato é uma das facetas da funcionalização das situações jurídicas subjetivas e também da funcionalização dos negócios jurídicos. Rosenvald (2020), explica que o atual Código Civil buscou superar a antiga forma neutra do negócio jurídico, donde preocupava-se tão somente com a identificação dos contratantes e do objeto do contrato para que se fizesse suficiente a concretude da relação obrigacional de atendimento às regras, às licitudes e à possibilidade da prestação. Hodiernamente, o direito privado passa a abarcar a noção de causa. Assim, a função social é tida como a razão de qualquer ato de autonomia privada que torna-se um limite que qualifica a disciplina da relação obrigacional a partir de suas finalidades. (ROSENVALD, 2020).
É imperioso que se ressalte que a Lei 13.874/2019 – Lei da Liberdade Econômica, acrescentou ao Código Civil/2002, diversas alterações sobre os contratos, dentre outros, acresceu o artigo 421-A, que determina que os contratos civis e empresariais sejam paritários e simétricos, subtendendo assim, a conduta de boa-fé das partes negociantes. Os inciso I e II do supracitado artigo, presume os pressupostos da revisão ou de resolução contratual, o respeito e a definição de riscos perfeitamente entendido pelas partes, e o inciso III por sua vez garante que a revisão contratual ocorrerá de modo excepcional e limitada (BRASIL, 2020).
Rosenvald (2020), leciona que em cada contrato, as circunstâncias constituirão o filtro pelo qual serão sopesados os princípios e as regras contratuais, em face dos papéis desempenhados pelas partes contratantes. Porém, segundo esse autor, o Código Civil de 2002, disciplina as relações civis e empresariais mas negligencia ou resigna-se de cuidar das relações entre consumidores e fornecedores, que são tidos por desiguais, justificando-se por esta razão todo o escopo legislativos do Código de Defesa do Consumidor, que a doutrina denomina de microssistema legislativo consumerista, desse modo:
O Código Civil de 2002, ocupa o posto de centralidade do direito privado e o microssistema consumerista atua de forma especial, podendo se servir do atual Código Civil em caráter de complementaridade [...] se existe discrepância de força econômica entre as partes, a tendência é que a mais forte redija as cláusulas do contrato de adesão. Nesse caso uma das partes imporá o conteúdo contratual, sujeitando a outra a previsão abusivas (ROSENVALD, 2020, p. 448).
Posto que retoma-se aqui a explicitação do princípio da boa-fé, elemento já mencionado e cuja presunção assenta-se no artigo 422 do supracitado Código Civil, que expressa a obrigatoriedade da observância dos princípios da probidade e boa-fé pelos contratantes tanto na conclusão quanto na execução do contrato.
O princípio da boa-fé é um fator de limitação da autonomia da vontade na fase pré-contratual e pós-contratual e mesmo durante a execução do contrato. Isso porque ele é uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências, na busca de coibir abusos e de contribui para um comportamento adequado e ético nas relações jurídicas (ROSENVALD, 2020).
A doutrina esclarece que há duas definições de boa-fé: a boa-fé subjetiva - que não se configura um princípio e, sim, uma crença de que a pessoa é detentora de um direito aparente, pois o sujeito encontra-se em estado de ausência de conhecimento sobre a realidade dos fatos e desconhece a lesão ao direito alheio, no entanto, essa boa-fé subjetivo tem previsão legal nos artigos 1.201, 1.214 e 1.219 do Código Civil de 2002; e a boa-fé objetiva – presente na abrangência dos direitos das obrigações, que assenta-se na consciência do direito alheio, permeia-se pela ética da conduta social e regramento jurídico de acordo honesto de modo a prevalecer a lisura e a legitima confiança da outra parte (ROSENVALD, 2020).
Na seara discursiva da relação consumerista entre pessoa idosa e instituição credora, mais um instrumento legislativo entre em cena: trata-se da Lei 14.181 de 01 de julho de 2021 – Lei do Superendividamento. Obvio que esta é uma Lei cujo marco legal é a prevenção e o tratamento do superendividamento de consumidores que ficaram com suas dívidas impagáveis, não sendo, pois, uma legislação específica para o consumidor idoso superendividado, mas que com certeza se aplica a este termo.
A aludida Lei visa combater a falta de transparência e às práticas comerciais abusivas do mercado de crédito. Adiante será dado mais atenção analítica a esta norma.
2.1 SUPERENDIVIDAMENTO DA PESSOA IDOSA
O superendividamento acontece por que a pessoa física de boa-fé contrai excesso de dívidas, consumindo ou gastando muito além de suas receitas. O consumidor gasta o que não tem e então é forçado pelas circunstâncias do endividaimento a contrair empréstimos (SANTOS, 2011).
Denomina-se consumidor hipervulnerável qualquer pessoa física \que deseja adquirir um produto ou serviço tão somente para satisfazer seus interesses particulares, ou seja, sem qualquer intenção de obter lucro. Logo essa hipervulnerabilidade na relação consumerista pode ser a principal causa do superendividamento sobretudo da pessoa idosa (ALVES, 2012).
Compreende-se que toda pessoa que não toma os devidos cuidados ao firmar contrato de consumo está sujeita ao superendividamento. Há, no entanto, pessoas que são muito mais propicias a esse tipo de problema em face de diversos fatores sociais, etários, étnicos, tais como por exemplo grau de escolaridade ou idade avançada (pessoa idosa), crianças, adolescentes, índios, dentre outros. Almeida (2014), denomina esse grupo de hipervulneráveis. Sobre a hipervulnerabilidade o citado autor explica:
Isto é, se já existe uma presunção legal de que os consumidores não profissionais são os vulneráveis da relação jurídica de consumo, foi identificada mais recentemente uma nova categoria de pessoas que se encontram na condição de hipervulneráveis, ou seja, aqueles cuja fragilidade se apresenta em maior grau de relevância ou de forma agravada (ALMEIDA, 2014, p. 297).
Nesse sentido, há o entendimento de que todas as pessoas possuem características consumeristas, logo, todos são consumidores vulneráveis. Não obstante, a pessoa idosa, na visão de Almeida (2014), devido a fatores e características biológicas, são os mais vulneráveis.
Notadamente, uma informação é mais bem processada numa pessoa jovem que numa idosa. Uma pessoa idosa quando submetida à situações vexatórias ou a fortes emoções provocadas por fatores externos, tende a sofrer transtornos que em alguns casos podem resultar em consequências fatais. Daí, o seu estado de hipervulnerabilidade (ALMEIDA, 2014).
O bom senso permite arguir que não se deve exigir e tampouco esperar que uma pessoa idosa, no sentido latu de ser, se adapte a uma condição comercial, antes, espera-se e exige-se que seja essa condição adaptada à pessoa idosa. (NUNES, 2012).
Segundo Verbicaro e Arruda (2019), o direito é individualista e prioriza a vontade como principal fonte obrigacional, não obstante, é incapaz de reconhecer no plano normativo as desigualdades econômicas e sociais que impedem a manifestação de vontade livre do consumidor vulnerável, que em virtude da coação econômica sofrida, é levado a renunciar aos seus direitos básicos.
O superendividamento dos consumidores, sobretudo de idosos, tornou-se um fenômeno social relevante que foi necessário a edição de legislação específica para seu tratamento, como é o caso da promulgação da Lei 14. 181/202, já mencionada anteriormente, e que traz consigo alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, com vistas a promover a prática de crédito responsável e menos danosa à pessoa idosa, buscando evitar o superendividamento que consiste numa situação em que a pessoa de boa-fé não tem condições de pagar suas dívidas, pondo a si mesmo em situação de comprometimento nocivo de sua renda necessária à sobrevivência (GALIANO; OLIVEIRA, 2021).
Um rápido exame da legislação em vigor, denota-se que o consumidor idoso, antes pouco considerado nas relações de consumo, tem ganhado especial atenção na seara do Direito do Consumidor. Pois se de um lado, a pessoa idosa adquiriu acesso ao crédito rápido e fácil por meio de pagamento consignado, satisfazendo ainda que momentaneamente suas necessidades, por outro, esse mesmo crédito consignado deixa a pessoa idosa vulnerável e sujeita à exploração dos intermediários das instituições financeiras (GALIANO; OLIVEIRA, 2021).
O superendividamento da pessoa idosa pode provocar consequências de ordem multidisciplinar, atingindo suas respectivas famílias, na medida em que o sentimento de incapacidade de sanar suas pendências com os credores afeta a estrutura e rotina familiar como um todo, pois é notório que ao usar o crédito consignado como se fosse parte dos rendimentos pessoais, agrava ainda mais o já apertado orçamento das despesas mensais necessárias.
Sabe-se que o superendividamento é causador de muitos dos problemas financeiros hoje existentes. Constitui, com efeito, fonte de tensões no cotidiano da pessoa idosa, agravando a situação de endividamento. Ele pode conduzir o idoso superendividado a evitar despesas de tratamentos, mesmo essenciais, ou ainda a negligenciar o seu bem-estar social. E, na medida em que a situação é tal, que a moradia não pode ser assegurada, é dado um passo na direção da exclusão social (BRASIL, 2010).
O indivíduo superendividado isola-se, marginaliza-se. O superendividamento contribui para o aniquilamento social do indivíduo. Quanto mais este fenômeno aumenta, mais seu custo social se eleva e mais a necessidade de combatê-lo se impõe. A muito se espera uma norma legal que viesse coibir as situações de superendividamento. A Lei 14.181/2021, não tem como premissa combater o desenvolvimento do crédito, até porque o crédito é um estímulo necessário à economia, gerando renda e emprego. Antes, busca tão somente moralizar, conscientizar e educar tanto os consumidores quanto as instituições concedentes de crédito para o seu uso responsável.
3. DOS VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO E SUA INCIDÊNCIA NAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS COM AS PESSOAS IDOSAS
Dos estudos até aqui empreendido, resta claro que o consumidor idoso é hipervunerável e como tal, o Código de Defesa do Consumidor deve protegê-lo. Diante da constatação de que pessoas idosas são mais suscetíveis a fraudes e práticas abusivas, não raro que empresas se aproveitam dessa vulnerabilidade dos idosos para venderem seus produtos sob condições nocivas ao consumidor idoso. (TARTUCE, 2019).
Não se quer aqui apregoar que a pessoa idosa não pode contrair empréstimos ou fazer quaisquer negócios jurídicos, mas, ressaltar que as pessoas com idade mais avançadas desconhecem quase que totalmente questões jurídicas, contratuais e financeiras. Logo, empresas que atuam no ramo de empréstimos e financiamento, tem predileção por esse público consumidor e lhes impõe produtos e serviços exageradamente, caracterizando-se como práticas abusivas obviamente vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (TARTUCE, 2019).
Conforme o artigo 39 do mencionado Código, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, práticas abusivas, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviço (BRASIL, [2022]).
Ademais, por serem muito presentes na vida cotidiana das pessoas, os contratos de consumo, sobretudo aqueles relacionados à concessão de créditos, passam a ter revisão cuidadosa com a vigência da Lei nº 14.181/2021. Isso por que esta norma introduziu no Código de Defesa do Consumidor novos institutos de controle, prevenção e tratamento do superendividamento a partir de nova práticas abusivas presentes nesses e em outros tipos de contratos consumeristas (NUNES, 2021).
De fato, o artigo 54-G explicita que “sem incorrer em prejuízo do disposto no artigo 39 do CDC e na legislação aplicável à matéria, é vedado ao fornecedor de crédito”:
I - realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar (...);
II - recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato;
III - impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos (BRASIL, [2022]).
Observa-se que o disposto nos incisos elencados objetiva a plena transparência nas operações de crédito ao consumidor, e também censuram as práticas abusivas desse negócio jurídico. Importa ressaltar que os elementos causadores de lides, como por exemplo a cobrança indevida no cartão de crédito (inciso I), ou a recusa de entregar cópia do contrato firmado ao consumidor (inciso II), ou ainda dificultar a anulação do contrato (inciso III), são conflitos que são devido a sua natureza e razoabilidade da demanda, são resolvidos por órgãos de proteção ao credor e por via judicial, não obstante, ter uma lei que expressamente estabeleça essas garantias, enseja maior segurança jurídica ao consumidor (Nunes, 2021).
3.1 A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA REVISÃO DOS CONTRATOS DE CRÉDITOS EM FACE DAS PRÁTICAS ABUSIVAS MEDIANTE O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Não raras as vezes em que uma pessoa adulta em algum momento da vida necessitou de acesso ao crédito. Os empréstimos são por vezes necessários pois permitem a realização de um empreendimento, viabiliza a aquisição de um bem ou atenuam uma crise financeira momentânea provocada por tratamento de saúde, enfim, inúmeras são as razões, porém, quase todas são por extrema necessidade. Contudo, existem instituições credoras que são insensíveis diante da precisão financeira da pessoa e de maneira inescrupulosa violam as normas que disciplinam as operações financeiras e as respectivas relações de consumo, sem se importar, a título de exemplo, com o uso de juros abusivos, taxas diversas desnecessárias, venda casada de seguros, cobranças de tarifas e taxas que em sua maioria são inconvenientes (QUEIROZ, 2016).
O consumidor na hora de assinar contratos de empréstimos, não se apercebe das cláusulas que infringem as normas financeiras e por conseguinte afrontam ou minguam os seus direitos diante das relações de consumo.
Queiroz (2016), explica que após a realização de uma operação de crédito, o creditado encontra-se diante de obrigações de pagamento do valor do empréstimo contraído que ao término dessa relação contratual, o valor pago é muito superior ao capital concedido. Nesse aspecto, diante da evidente existência abusiva das taxas de juros e de outras situações já mencionadas, judicialmente tais indícios podem ser objetos de nulidade desses contratos celebrados.
Com a promulgação da Lei 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor, o superendividamento é então conceitualmente definido, delineando requisitos que o distinguem. Posto que se os juros aplicados no contrato de empréstimo à pessoa física ou jurídica, configurarem teor de abusividade, o devedor poderá legalmente propor a revisão judicial do montante devido, almejando-se a possibilidade de redução do valor carecido, sendo esta uma ação legitima de viabilizar o pagamento da dívida contraída e assim, sanar o superendividamento (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2021).
Taddei e Queiroz (2014), esclarece que o instituto contrato é definido pela doutrina e não pelo Código Civil em voga. Segundo essa autora, é possível conceituar o contrato como sendo o negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa criar, modificar ou extinguir direitos e deveres com conteúdo patrimonial em colaboração reciproca entre as partes contratantes. Logo, é o contrato, independente de sua natureza, um instrumento de pacto social (TADDEI; QUEIROZ, 2014).
Discutir sobre os diversos tipos de contrato no ordenamento jurídico pátrio, foge ao propósito do presente trabalho, pois interessa unicamente apontar que os contratos de crédito ao consumidor idoso, devem ser submetidos às regras de legislação consumerista, e assim, questionar se os contratos de empréstimos pessoais aos idosos cumprem a função social do bem-estar conforme direcionamento de aplicação das normas de direito do consumidor, ou seja, procede-se a análise das normas consumeristas em Doutrina e Legislação que obviamente devem ser observadas e por sua vez cumpridas pelas instituições financeiras de todo país
Ao editar uma lei que trata o endividamento com exclusividade, o Estado toma para si a responsabilização pela tutela de proteção do consumidor diante de sua vulnerabilidade econômica e consumerista (DONIZETTI; QUINTELLA, 2016).
Doutrinadores como Gonçalves (2013), leciona que com o atual Código Civil, em seu artigo 317, consagrou a teoria da imprevisão, que consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato, quando por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa:
Art. 317. Quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação (BRASIL, [2022]).
A imprevisibilidade citada no dispositivo do Código Civil, por sua caracterização, não necessariamente é um elemento de resguardo do direito do sujeito superendividado, que ao contrair empréstimo, submeteu-se às cláusulas contratuais abusivas ou por desconhecimento, ou por se encontrar em situação de hipossuficiência que fora desconsiderada no momento da celebração do contrato. O disposto no artigo citado, estabelece requisitos necessários para essa intervenção que deverá ser por decisão judicial sujeita à subjetividade do magistrado que julgar o processo, não obstante, o ponto divergente desse dispositivo é que a imprevisibilidade pode também ser provocada pelo credor, pois segundo a doutrina, a conjugação do aludido dispositivo em questão permite a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da prestação, ou seja a teoria de imprevisão permite a intervenção judicial no reequilíbrio da obrigação (GONÇALVES, 2013).
No âmbito da celebração de contratos de empréstimos, as normas que disciplinam a defesa do consumidor são descumpridas acintosamente pelo credor ou instituição financeira no momento da concessão do crédito. Isso significa que ocorrem inúmeras práticas abusivas por parte dos fornecedores de produtos e serviços. Em virtude disso, antes do surgimento da Lei do superendividamento, o Judiciário, bem como o Ministério Público e os órgãos administrativos promoviam, por exemplo, o controle das cláusulas e práticas abusivas nas relações de consumo, através da aplicação do princípio da boa-fé (art. 422 in verbis – Código Civil) uma vez que aquelas são informadas por este princípio (BRASIL, [2022]).
Ademais, o artigo 4º e incisos I e III do Código de Defesa do Consumidor, conforme já mencionado, sagrou o princípio da vulnerabilidade, reconhecendo o consumidor como a parte mais frágil na relação de consumo, tendo por fundamento a boa-fé objetiva, reconhecendo-se, por esta razão, que o consumidor é a parte que mais se submete ao poder de controle dos titulares dos bens de produção (BRASIL, [2022]).
Nesse sentido, compreende-se que a boa-fé, enquanto cláusula geral, estabelece-se como regra padrão de conduta nos negócios jurídicos, recorrendo-se a este princípio quando da ausência da lei. De imediato há o entendimento de que a aplicação desse princípio deve ser fazer presente nos contratos de empréstimos ofertados ao consumidor, bem como inserindo-a em todas as relações jurídicas de consumo e aqui importa referendar o que dispõe o artigo 51, caput, Inciso IV, combinados ao artigo 6º do mesmo Código e Súmulas 381 e 638 do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (BRASIL, [2022]).
Assim, considerando todo o arcabouço legislativo brasileiro que visam assegurar os direitos do consumidor e equilibrar o Direito das Obrigações, torna-se evidente que a função social do contrato está cada vez mais prestigiada, não por acaso que a liberdade de celebração de contrato encontra respaldo de proteção junto ao Código Civil em vigor, e no consagrado Código de Defesa do Consumidor agora mais agraciado pela Lei 14.181/2021.
4. DA TUTELA JURÍDICA DO IDOSO CONTRA O SUPERENDIVIDAMENTO
Ao tratar dos direitos dos idosos no Brasil, é imperioso que se ressalte que a consolidação da tutela jurídica de proteção à pessoa idosa decorre de processos morosos que se arrastaram quase que estagnados por muito tempo. De sorte que decorrido mais de 130 anos de república e 6 Constituições republicanas depois, a atual Carta Magna consolida a efetivação jurídica dos direitos dos idosos, sendo o hodierno texto constitucional um marco jurídico quando o assunto é proteção dos direitos e garantias fundamentais (EFING et al, 2014).
A atual Constituição Cidadã assegura a prevalência do Estado Democrático de Direito, outrora denominado de Estado de Bem-Estar Social, e que se fundamenta nos preceitos de cidadania e de dignidade da pessoa humana consonante prescreve o artigo 1º da Constituição Federal vigente (BRASIL, [2021]).
A Constituição Federal de 1988, garante amparo específico às pessoas idosas nos artigos 229 e 230, atribuindo ao Estado, à família e à sociedade deveres de proteção e assistência aos seus idosos. A partir do texto constitucional, o legislador preceituou dispositivos normativos específicos de garantia de tutela pelo Estado, dentre as quais a tutela jurídica do idoso em face de sua vulnerabilidade social e hipossuficiência consumerista, dando-lhe proteção especial através do Estatuto do Idoso e outras normas e leis correlatas, num gesto de reconhecimento de que os idosos diante de sua fragilidade, necessita de uma efetiva concretização dos seus direitos fundamentais, em especial aqueles direitos que se reportam à igualdade e à dignidade (EFING et al, 2014).
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 46 e seguintes, tutela de maneira taxativa e expressa os contratos diversos de consumo, dentre eles, os de celebração de empréstimos, em cujo teor de cláusulas seja possível a interpretação contratual de forma clara, adequada e precisa, sem vícios e transparecendo a proteção do vulnerável, conforme esclarece Marimpietri (2014):
Mais uma vez, preocupada com a harmonia do mercado de consumo, a lei estabelece que, caso a leitura ou interpretação de qualquer regra contida no contrato gere duas interpretações igualmente plausíveis e possíveis para a mesma cláusula, prevaleça a que favorecer ao consumidor, na consagração da máxima in dúbio pro consumidor. [...]Os contratos em geral (incluindo os consumeristas) devem ser interpretados como um todo coerente e significativo, no sentido de caber ao ordenamento jurídico atribuir às vontades dos contratantes efeitos jurídicos compatíveis com o tipo de contrato realizado. (MARIMPIETRI, 2014, p. 12).
Nesse sentido, a lei especifica consumerista garante a tutela dos direitos da personalidade do consumidor, pois antes de ser sujeito de uma relação de consumo, qualifica-se como pessoa detentora de direitos e garantias fundamentais decorrentes da presunção constitucional. Assim, o Código de Defesa do Consumidor tutela de forma eficiente a honra do consumidor diante das práticas abusivas cometidas pelo fornecedor de crédito (LEITE, 2011).
4.1 A NECESSIDADE DE UMA TUTELA ESPECIAL À PESSOA IDOSA
A proteção integral da pessoa idosa, consonante ao que prescreve o artigo 230 da Constituição Federal de 1988, passou a ser regulamentada por uma gama de leis especificas, tais como a Lei n.8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso – PNI, da qual deriva o Conselho Nacional do Idoso – CNI. Esses instrumentos normativos objetivam assegurar ao idoso o exercício da sua autonomia e participação efetiva junto à sociedade. Em 2003 é promulgada a Lei n. 10.741/2003, denominada de Estatuto do Idoso, que representa significativo avança no que tange à proteção integral da pessoa idosa, pois traz em seu bojo fundamentos constitucionais consolidados e imperativos em seu texto, como bem explica Costa (2014):
A proteção da pessoa idosa passa a ter como cerne a proteção da sua dignidade, visando, entre outras coisas, à sua inclusão social.[...] Um dos fatores que denotam a importância do reconhecimento da hipervulnerabilidade do idoso, tanto no seu seio familiar, quanto em relação à sociedade em geral, é a sua marginalização, já que, não raro, vê-se fora do ambiente de trabalho, tem sua renda reduzida e comprometida, além da diminuição da sua capacidade física.[...] A Lei em comento tem como algumas das suas finalidades resgatar o respeito ao idoso e viabilizar o exercício da cidadania pela via de novos e significativos direitos (COSTA, 2014, p.76).
É fato que a necessidade de consumo tem se revestido de nova roupagem no pós-modernismo. O mundo ao redor transformou-se em grande vitrine que alimentam sonhos e desejos de consumo. O mercado de consumo tem como meta cotidiana incentivar mais e mais consumidores a consumirem, gerando lucratividade e promovendo o consumo exagerado (COSTA, 2014).
A publicidade sedutora incentiva a busca por novas identidades culturais alicerçadas nas aspirações de consumo, mesmo que isso signifique torna-se um superendividado. O mercado de produtos e serviços aproveita-se dessa contextualização de hipervulnerabilidade dos consumidores superendividados na atualidade, e esta não é uma situação exclusiva dos consumidores idosos (BAUMAN, 2011).
Assim, o Estado, através de sua legislação, cumpre bem o seu papel de tutor e guardião dos consumidores idosos diante de sua hipossuficiência no mercado consumerista. A seguir, será feito rápida alusão a algumas decisões judiciais de revisão e /ou anulação de contratos de empréstimos à pessoa idosa por causa de sua hipervulnerabilidade e também como forma de garantia de prevalência da tutela legal ao consumidor idoso que foi submetido à prática abusiva do mercado de consumo, especialmente aquelas relacionadas à concessão de crédito.
4.2 AS REVISÕES CONTRATUAIS DE EMPRESTIMO AO IDOSO E AS IMPLICÂNCIAS JURIDICAS ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS
Tribunais de Justiça têm firmado entendimento no sentido de que há sim práticas abusivas quando da celebração de contratos entre instituição credora e pessoa idosa. E considerando que a onerosidade das prestações e a existência de vicio nos contratos incorrem no superendividamento do consumidor idoso, as decisões quase sempre são favoráveis à pessoa idosa (QUEIROZ, 2016).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Apelação Cível AC 10327170014614001, de 06 de julho de 2018, que trata de Ação de Repetição do Indébito com reparação de danos morais e materiais, caracterizado por Empréstimo Consignado no cartão de crédito de pessoa idosa, analfabeta. Clara violação do Estatuto do Idoso. O Tribunal anulou o contrato devido divergência contratual, e negou indenização por danos morais em razão da inexistência (TJ-MG, AC, 2018).
Na Apelação Cível em tela, a prática abusiva estava caracterizada por empréstimo consignado à pessoa idosa analfabeta. O instrumento de Apelação consolidou-se numa Sentença Reformada, uma vez que a divergência contratual por si só não implica em dano moral, conforme ressaltou o Relator Cabral Silva.
O julgado seguinte, caracteriza-se por prática contratual abusiva contra idoso diante da taxa de juros aplicada pelo credor está muito acima do índice médio de mercado e venda casada de seguro, logo, constitui prática abusiva na relação contratual.
Nesta Ação Revisional de Contrato, a instituição financeira recorre da decisão anteriormente proferida alegando que a limitação dos juros remuneratórios inferior ao patamar de 12% estipulado no contrato, impossibilita à instituição de capitalização de juros na periodicidade inferior anual caso não conjugue os valores do seguro ofertado, alegando assim, que não se trata de práticas abusivas.
Todavia, o Relator explana que a abusividade do percentual da taxa de juros, aplicado em contratos bancários submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, deve ser apurada considerando as circunstâncias do caso concreto e com base no índice da taxa média de mercado para a mesma operação financeira, divulgado pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão federal que venha substituí-lo para este fim, não obstante é abusiva a cláusula contratual que condicione a obtenção do crédito de financiamento à contratação de seguro prestamista, mormente quando ao consumidor não é dado conhecer a existência de tal exigência por não lhe ser entregue cópia do contrato. Recursos Conhecidos e Improvidos (TJ-BA – APL, 2018).
Melo e Silveira, explicam que o idoso não está imune às práticas abusivas, não somente por causa de suas necessidades elementares como tratamento de saúde ou cuidados medicamentosos, mas também pelo excesso de consumo e insuficiência de seus rendimentos, sendo obrigado por força das circunstâncias requerer empréstimos, o que seguramente o coloca na condição de endividamento e notadamente o financiamento consignado a longa prazo é o principal causador do superendividamento da pessoa idosa (MELO; SILVEIRA, 2019).
Em entendimento similar aos julgados apresentados anteriormente, o Tribunal de Justiça do Tocantins – TJ-TO, julgou ação de Apelação Cível n. 00142678620198270000, referente a Ação Anulatória com Repetição de Indébito e Danos Morais n.0000380-97.2018.2739 – Juízo da 1ª Vara Civil da Comarca de Tocantinia – TO. Trata-se de Apelação interposta por Banco Bradesco S/A diante de suas irresignações com sentença prolatada pelo Juízo da referida Vara.
A decisão da Comarca de primeira entrância, a matéria de fundo assenta-se no fato de que o autor é analfabeto, não possuindo condições para compreender as cláusulas contratuais do empréstimo contraído, inexistindo instrumento público de pactuação ou por procurador de sua confiança legalmente estabelecido. Assim, proferiu-se a nulidade dos contratos do negócio jurídico e não obstante condenou o réu na restituição simples dos valores descontados e ao pagamento de indenização moral de R$ 3.000,00 (três mil reais), apenando ainda o réu ao pagamento das despesas e honorários de 10% do valor da condenação (TJ-TO – AC, 2018).
Por conseguinte, a relatora Desembargadora Dra. Ângela Prudente, defendeu a regularidade das relações jurídicas instituídas entre os litigantes, explanou sobre a não exigência de contratação por instrumento público para analfabetos ou a constituição de procurador para a celebração de contratos de empréstimos, propondo então a reforma da sentença para improcedência da ação. Todavia, o Pleno reconheceu e admitiu Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva – IRDR, advindo da Relatora Angela Maria Ribeiro Prudente, e proveu a Suspensão da Apelação até o julgamento do IRDR (TJ-TO – AC, 2018).
Os Tribunais de Justiça de todo o país têm uma demanda considerável de processos de mesmo teor dos que foram aqui expostos. Diante desse cenário consumerista em que se vive, cada vez mais idosos vão ficar superendividados e continuarão sendo vítimas e reféns de contratos de empréstimos de instituições financeiras que não hesitarão em usar de meios inescrupulosos para aumentar sua lucratividade.
Diante das complexas relações de consumo atualmente existentes na sociedade brasileira, a pessoa idosa figura como sendo aquela que mais está sujeita a sofrer danos e violações de seus direitos fundamentais. Dentre o rol de consumidores, o idoso é reconhecido por sua hipervulnerabilidade e hipossuficiência consumerista, requerendo para sua proteção, a tutela especial concebida através de legislação especifica.
Os estudos empreendidos para a realização deste artigo, possibilitou a compreensão de que a proteção jurídica do consumidor idoso tem marco inicial com a Constituição Federal de 1988, que impõe ao Estado o dever de proteger o consumidor. Essa proteção foi regulamentada pela Lei n.8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, que não mesmo reconhece que o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo.
Dentre os sujeitos ativos e passivos das relações contratuais do negócio jurídico, a pessoa idosa é aquela que atinge a hipervulnerabilidade consumerista e para resguardar a prevalência dos direitos dessas relações, criam-se políticas públicas que visam o fortalecimento dos direitos fundamentais e garantias constitucionais através da instrumentalização das normativas legislativas, integrando e fortalecendo a tutela de proteção à pessoa idosa a Política Nacional do Idoso, o Estatuto do Idoso, e leis correlatas de mesma finalidade.
Em face do consumidor idoso ser hipervulnerável nas relações de consumo, todo e qualquer negócio jurídico deve ser realizado com a máxima transparência e boa-fé pela parte credora ou fornecedora de crédito.
Apesar do Estado não ter tipificado penalmente a conduta do credor que induz ainda que indiretamente o consumidor idoso ao estágio de superendividamento, atingindo sua dignidade quase que irreversivelmente, a via judicial tem concedido a reparação do dano, afastando desse modo a total impunidade.
O exame ainda que superficial de alguns julgados, permite dizer que as decisões judiciais têm garantido a tutela protetiva do consumidor idoso. As Câmaras Cíveis e Tribunais de Justiça, têm decidido por anulação, revisão ou suspensão de contratos de empréstimos ao idoso como forma de garantir seus direitos fundamentais.
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TJ-BA - APL: 05189684720168050001, Relator: Mário Augusto Albiani Alves Junior, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/04/2018).
TJ-TO - AC: 00142678620198270000, Relator: ANGELA MARIA RIBEIRO PRUDENTE. Data da Publicação: 27/06/2019.
Graduando do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraiso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Jacklene Borges de Queiroz. As consequências jurídicas do contrato de empréstimo à pessoa idosa no âmbito da relação de consumo e o risco do superendividamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2022, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58340/as-consequncias-jurdicas-do-contrato-de-emprstimo-pessoa-idosa-no-mbito-da-relao-de-consumo-e-o-risco-do-superendividamento. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Erick Labanca Garcia
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Por: ANNA BEATRIZ MENDES FURIA PAGANOTTI
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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