RESUMO: O direito encontra-se em constantes avanços, mormente no direito de família, dada a necessidade de evolução da sociedade. Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça na busca para inovação e agilizar procedimentos de anotações no registro civil de nascimento em decorrência de filiação socioafetiva buscou mecanismos para o aprimoramento do procedimento de reconhecimento da filiação socioafetiva. Desta busca surge a relevância do presente trabalho, com o objetivo de analisar se o provimento 63/2017 alterado pelo provimento 83/2019, ambos do CNJ, que disciplina o processo de reconhecimento de filiação socioafetiva, ferramenta de desburocratização e torna a possibilidade de processamento perante os oficiais de registro tira a morosidade em sendo a demanda tratada judicialmente, bem como se mantém a segurança jurídica. Para tal fim, como metodologia de pesquisa será a pesquisa jurídica e método dedutivo, através da coleta de dados e pesquisa exploratória. Logo, o provimento n° 83 do CNJ se mostrou útil na desburocratização do processo de reconhecimento de filiação socioafetiva, cerceando a morosidade na realização pela via judicial, conferindo celeridade e a razoável duração do processo.
Palavras-chave: Parentesco; Registro civil; Afetividade.
ABSTRACT: The law is constantly advancing, especially in family law, given the need for society's evolution. In turn, the National Council of Justice, in the search for innovation and speeding up procedures for recording birth records as a result of socio-affective affiliation, sought mechanisms to improve the procedure for recognizing socio-affective affiliation. From this search, the relevance of the present work arises, with the objective of analyzing whether provision 63/2017 amended by provision 83/2019, both of the CNJ, which disciplines the process of recognition of socio-affective affiliation, a tool for reducing bureaucracy and makes the possibility of processing before the registry officers, it takes the sluggishness in being the demand dealt with judicially, as well as maintaining legal certainty. To this end, the research methodology will be the legal research and deductive method, through data collection and exploratory research. Therefore, provision No. 83 of the CNJ proved to be useful in reducing the bureaucracy of the process of recognition of socio-affective affiliation, limiting the delay in carrying out the judicial process, providing speed and reasonable duration of the process.
Keywords: Kinship; Civil registration; Affectivity.
1 INTRODUÇÃO
O objeto do presente trabalho consiste no estudo do provimento n° 83 do CNJ como ferramenta de desburocratização do processo de reconhecimento de filiação socioafetiva, tirando a morosidade caso fosse realizado na via judicial, e se mantém a segurança jurídica nesses registros.
O interesse pelo tema surgiu da curiosidade de se realizar uma análise no provimento de número 83 de 2019 do Conselho Nacional de Justiça, sobre a filiação socioafetiva e o reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade autorizado pelo conselho nacional de justiça perante os oficiais de registro civil de pessoas naturais, ou seja, a nova forma de registro de crianças com mais de 12 anos, direto com o oficial do cartório de registros civis, observando ainda sobre a óbice do que os doutrinadores discutem a respeito do tema, bem como a carata magna brasileira.
O provimento nº 83 do Conselho Nacional de Justiça, o qual versa sobre a filiação socioafetiva e o reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade socioafetiva, perante os oficiais de registro civil de pessoas naturais, desburocratiza o moroso processo judicial brasileiro, bem como demandas relativas ao registro civil, haja vista a possibilidade de realização na via extrajudicial e garante a efetiva segurança jurídica.
Para isso, discute-se a entidade familiar de forma ampla, a fim de abordar especificamente o assunto da filiação socioafetiva no Brasil, para que possa chegar até ao assunto. Sendo assim, o estudo do provimento anteriormente mencionado se presta a compreender se através dele pode-se comprovar que o reconhecimento de filiação socioafetiva no Brasil ficará menos burocrática.
Não só, mas no presente trabalho será abordado casos práticos em que envolvam o Provimento nº 83 CNJ e demonstre a desburocratização do processo de filiação socioafetiva, inclusive se há casos concretos desse novo modelo no cartório de pessoas naturais da cidade de Paraíso do Tocantins.
Trata-se de um tema novo, com grande repercussão na esfera acadêmica, sociedade em geral, bem como na seara judicial, haja vista a previsão de desburocratização do processo de reconhecimento de filiação socioafetiva. Dessa forma, uma vez que reste comprovado que o provimento nº 83 do Conselho Nacional de Justiça desacentua o enfadonho caminho até o reconhecimento da entidade familiar, a temática por si só ganha status de relevância em nosso ordenamento jurídico.
Assim, em vista da contemporaneidade do tema e a necessidade de abordagem do assunto, o presente trabalho usará de linhas teóricas de doutrinadores de renome no mundo do direito e na abordagem desse percurso de construção do direito de família, como Flávio Tartuce e Ricardo Lucas Calderon.
Vale destacar que há a necessidade de garantia do direito de reconhecimento das diversas formas de entidades familiares, servindo presente provimento como fonte que liga o avanço, bem como a vontade das partes.
Como método de abordagem teórica será usado o dedutivo, partindo de concepções gerais e realizando a utilização de conceitos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais, para que se possa chegar à conclusão se a correta aplicação dos critérios para a efetivação do registro em cartório civil, para pessoas com mais de doze anos de idade.
2 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
Na presente seção será abordado conceitos gerais acerca da extrajudicialização do processo de reconhecimento da filiação socioafetiva, os efeitos práticos entre o direito e à afetividade, caminho este percorrido para a chegada até onde se está hoje, bem como, abordagem geral acerca da existência de regulamentação acerca do mecanismo simplificado de reconhecimento e constatação no registro civil.
2.1 EFEITOS PRÁTICOS ENTRE O DIREITO E A AFETIVIDADE
O direito como regulador das relações humanas necessita de constantes mudanças e evoluções na medida em que a sociedade vai evoluindo, e com essas constantes mudanças, o direito também a acompanha.
No que tange ao direito e a afetividade, cumpre esclarecer que o termo afeto não vem expressamente abordado dentro da legislação constitucional e infraconstitucional, todavia, sendo tratado no curso do tempo de forma a suprir essa necessidade de abordagem do tema.
Como visto, a afetividade, sentimento experimentado entre seres quanto às relações de convivência e familiares está implícito no texto legal, servindo como elemento inspirador e agregador da família, trazendo a comunhão de vidas e relações afetivas estabilizadas. (CARVALHO, 2020)
Complementa o doutrinador acima referenciado:
Engloba o princípio da comunhão plena de vida, que é apresentado na doutrina tradicional envolvendo os cônjuges com fundamentos no art. 1.511 do Código Civil. O princípio da afetividade é amplo, pois envolve não apenas os cônjuges, mas todos os membros nos diversos modelos de família" (CARVALHO, 2020, p.166)
Diz se isso porque o código civil ao tratar do parentesco usa um termo além da consanguinidade, veja-se:
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. (BRASIL, 2002)
Assim, manifestamente o texto legal reconhece que o parentesco é natural ou civil, resultando ele de consanguinidade ou outra origem, este último termo foi tido como vago, em branco, uma vez que o legislador constituinte não se desincumbiu de abordar o que seria o elemento “outra origem”.
Vale menção a abertura de espaço para o reconhecimento da paternidade socioafetiva diante da lacuna existente no termo, uma vez que a despeito da inexistência de vínculo consanguíneo, presente está a afetividade que atualmente encontra conhecimento e valorização pela sociedade, não mais importando a existência ou não de vínculos consanguíneos. (MAL e MALUF, 2021)
Prontamente, o assunto já foi abordado pela jornada de direito civil brasileiro, onde no enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil (2002):
O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho. (BRASIL, 2002)
Não obstante, o enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil: “A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil” (BRASIL, 2004).
A doutrina considera a filiação socioafetiva, esta decorrente da afetividade como filiação civil diversa da biológica, em seus avanços e mudanças trazendo conceitos, in verbis:
A filiação civil, por outra origem, diversa da biológica, vem sofrendo constante valorização, reconhecendo que a paternidade/maternidade natural é insuficiente se, ao mesmo tempo, não existir afeto, ou seja, a relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética, mas na relação socioafetiva, que deve prevalecer, a qual supre o indivíduo em suas necessidades elementares de alimentos, lazer, educação, sem desconsiderar o afeto e o amor. (CARVALHO, 2020, p.1169)
Desde a codificação de 1916 a afetividade já era reconhecida por meio da adoção, todavia, o afeto não tinha tanta repercussão ou pelo menos nas relações familiares, dada a existência de desigualdades entre filhos havidos por meio da adoção comparados aos filhos naturais, bem como a sucessão daqueles dos direitos sucessórios em caso de possuir a pessoa adotante filhos naturais. (CARVALHO, 2020)
Dessa forma, tem se considerado que é requisito das relações socioafetivas do parentesco a posse do estado de filho, independentemente da origem biológica em favor daquele que está tendo o seu parentesco reconhecido.
Por isso, esclarece Carvalho:
A paternidade socioafetiva é um ato de opção fundado no afeto e no amor de quem escolhe ser pai, materializando-se, em uma de suas formas, na posse do estado de filho, que nada mais é do que o tratamento recíproco paterno-filial, reconhecidos como tais publicamente, sendo o filho socioafetivo, denominado popularmente em algumas regiões de filho de criação, criado e educado pelo pai afetivo como próprio. (CARVALHO, 2020, p.1173)
Sobre a definição do termo filiação socioafetiva, extrai-se o seguinte: “Filiação socioafetiva é a filiação decorrente do afeto, ou seja, aquela que não resulta necessariamente do vínculo genético, mas principalmente de um forte vínculo afetivo. Pai é quem cria e não necessariamente quem procria”. (PEREIRA, 2020, p. 377)
Importante mencionar o entendimento de Lecionam Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva ao considerar que
O direito canônico sempre reconheceu a existência de outra espécie de parentesco, o parentesco espiritual, derivado das qualidades de padrinho ou madrinha e afilhado, e que até constituía impedimento matrimonial. Mas nosso direito positivo nenhuma importância dava a esse suposto parentesco, que era insuscetível de produzir qualquer efeito jurídico”" (monteiro, p. 413-416, Apud MAL e Maluf, 2021, p. 861)
Todavia, cumpre ainda ponderar que quando se trata da socioafetividade, não pode se falar em supremacia da parentalidade, seja ela biológica ou afetiva, promulgando-se a chamada multiparentalidade. (MAL e MALUF, 2021)
Em razão da existência do afeto e da constante evolução da sociedade, a família moderna (atual) deixou de ser sustentada por motivações econômicas, passando o laço a ser preponderantemente por questões afetivas e solidariedade recíproca. (CARVALHO, 2020)
A instituição familiar deixou, por diretriz da própria constituição, a priorização da personalidade na assistência de cada membro que a compõe e não a entidade familiar como um todo. Dessa forma, a família só tem sentido como um veículo que promove dignidade aos seus membros e se sustenta por vínculos afetivos. (CARVALHO, 2020)
A afetividade toma fundamento na estabilidade do direito de família quanto às relações afetivas e na comunhão de vida, ocasião em que sempre há de prevalecer nas questões de caráter patrimonial ou biológico, fazendo prevalecer e ponderar a igualdade entre os familiares, independentemente da forma de vínculo. (LÔBO, p. 47-48, Apud CARVALHO, 2020, p.173)
Outro não é o entendimento firmado por Lobô:
O princípio da afetividade está implícito na Constituição na igualdade de todos os filhos independentemente da origem (art. 227, § 6º); na adoção como escolha afetiva e alçada integralmente ao plano de igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); na comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes como família constitucionalmente protegida, incluindo os adotivos; e no direito à convivência familiar (mesmo sem origem biológica) assegurado com prioridade absoluta à criança e ao adolescente. (LÔBO, p. 47-48, Apud CARVALHO, 2020, p.173)
Assim, pode se considerar que a socioafetividade tida como espécie de filiação é caracterizada pela convivência, estabilidade das relações familiares e afetividade, sendo ponto marcante na evolução do direito de família, considerando a doutrina como fator primordial o filho poder gozar da posse do estado de filho, provando-se o vínculo parental civil de outras origens da consanguínea. (CARVALHO, 2020)
Sobre o tema, já manifestou o Superior Tribunal de Justiça, por meio do voto do Ministro Luis Felipe Salomão nos autos do Recurso Especial n 945.283/RN, ao considerar:
O que deve balizar o conceito de ‘família’ é, sobretudo, o princípio da afetividade, que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. (STJ, REsp 945.283/RN, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 15-9-2009).
Visto isso, vale dizer que o afeto diante desse cenário de convivência familiar gera eficácia jurídica e produz efeitos para o reconhecimento da entidade familiar e relação paterna, enraizados nos princípios da afetividade, solidariedade, respeito e preservação de uma forma digna humana. (CARVALHO, 2020)
“Entretanto, é a forma que deve prevalecer diante da evolução e nova concepção do direito de família, que dá maior valor aos laços afetivos, especialmente para a solução dos conflitos de paternidade". (CARVALHO, 2020, p.1186)
2.2 A AFETIVIDADE E O RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE ACORDO NOVO PROVIMENTO
Visto o relatado acima, é possível extrair ensinamentos de que a afetividade está presente nas relações familiares, reconhecida tacitamente na legislação constitucional e infraconstitucional, bem como, bem abordada pela doutrina.
Tendo visto ainda que cabe o reconhecimento da filiação socioafetiva dos filhos havidos por meios não biológicos, necessário o início da abordagem acerca da forma de declaração do vínculo para que se torne a declaração de vontade pública e exprima a verdadeira intenção daqueles que a buscam.
Como forma de desburocratização e desacumulo das demandas que atrasam a prestação jurisdicional, sempre há a busca da melhor forma na resolução do problema, ou até mesmo a solução da controvérsia por meio da autocomposição.
Com o reconhecimento da filiação socioafetiva não poderia ser diferente, ocasião em que será nesta seção abordada acerca da possibilidade de reconhecimento da filiação de forma extrajudicial e o caminho percorrido para chegar até o provimento 83/2019.
A Corregedoria Nacional de Justiça através do Provimento n. 63, editado em 14 de novembro de 2017, posteriormente atualizada pelo Provimento n. 83/2019, disciplinou o reconhecimento voluntário e a averbação da filiação socioafetiva
A intenção maior foi a uniformização dos vários provimentos editados pelas diversas corregedorias dos tribunais dos Estados, que já haviam disciplinado o tema. (CARVALHO, 2020, p.1174)
Como certo, os provimentos ora editados estavam carentes de uniformização por órgão nacional, impondo-se a necessidade de edição de Provimento para esclarecer e orientar os serviços extrajudiciais sobre a matéria em questão.
Essa possibilidade de realização do reconhecimento de paternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil foi considerada como um marco importante da extrajudicialização do direito de família, pois, seguindo os princípios norteadores do processo civil, a resolução dos conflitos por meios não contundentes tem sido prática louvável na seara processual. (TARTUCE, 2017)
Complementa Flávio Tartuce:
Entre as suas normas fundamentais, preceitua o Estatuto Processual emergente que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Além disso, enuncia-se que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC/2015). (TARTUCE, 2017, não paginado)
Tal sistemática se justifica dada a necessidade de ajuizamento de uma demanda para que fosse viabilizado o registro do vínculo, não podendo a demanda ser tratada na via extrajudicial, não sendo dada às partes a opção pelo método mais célere perante os oficiais dos cartórios de registro de pessoas. (FRANCO e JUNIOR, 2018)
Todavia, o fenômeno da extrajudicialização do direito como um todo é patente, tendo o CNJ em tempo acolhido a manifestação no sentido de determinar que fossem uniformizadas a regulamentação da filiação socioafetiva perante os oficiais de registro, sendo, para tanto, editado o provimento de número 63.
Vale mencionar que a decisão da corregedoria nacional de justiça acompanha a constante evolução do direito de família, mormente no que tange aos conceitos doutrinários e jurisprudenciais, tomando por base o princípio constitucional de que os filhos recebem o mesmo tratamento entre si, sem qualquer distinção. (FRANCO e JUNIOR, 2018)
Desse modo, segue abaixo trecho da decisão:
“Deste modo, admitida a possibilidade de se estabelecer filiação socioafetiva, é de rigor assentar as bases para o seu reconhecimento e posterior registro em cartório. Conforme relatado, vários estados já elaboraram suas próprias normativas com vistas a regulamentar, no âmbito de seus limites territoriais, o registro civil da paternidade socioafetiva. A sua regulamentação uniforme em todo território nacional é medida que se impõe”. (CNJ, 2017, não paginado)
A decisão do pedido de uniformização ainda estabelece que "a filiação decorrente de vínculo exclusivamente socioafetivo é questão que encontra amparo na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente”. (CNJ, 2017, não paginado)
Ademais, de rigor estabelecer que a jurisprudência dos tribunais dos estados e tribunais superiores já vinham admitindo a possibilidade do registro do parentesco socioafetivo, todavia, pendente de regulamentação na modalidade extrajudicial. (TARTUCE, 2017)
O marco inicial para a edição do provimento se deu também pela necessidade de uniformização do procedimento adotado para o registro, como bem esclarece Flávio Tartuce:
Por sua vez, a existência de diversos provimentos editados pelos Tribunais de Justiça dos estados da federação, sem a respectiva orientação geral por parte dessa Corregedoria Nacional de Justiça, pode suscitar dúvidas e ameaçar a segurança jurídica dos atos de reconhecimento de paternidade registrados perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais. (TARTUCE, 2017, não paginado)
Por fim, assim concluiu a corregedoria nacional de justiça (CNJ):
Ante o exposto, encaminhe-se cópia da presente decisão ao grupo de trabalho para que, sendo possível, inclua a proposta provimento para regulamentar o registro civil voluntário da paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais na normativa mínima. Determino a suspensão do presente expediente pelo prazo de 90 (noventa) dias. Transcorrido o prazo, voltem conclusos. Cumpra-se. (CNJ, 2017, não paginado)
Sobre o objetivo da norma administrativa, ainda leciona FRANCO e JUNIOR que trata de “uma perspectiva de desburocratização do direito das famílias, cuja origem se deu em função da socioafetividade existente entre pai/mãe e filho pela posse de estado de filho que gera esse vínculo”. (FRANCO e JUNIOR, 2018, p. 227)
Demais disso, o ato se baseou em decisão já proferida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento dos autos do Recurso Extraordinário n° 898.060, reconhecendo a parentalidade socioafetiva e a multiparentalidade, seguindo a ementa ipsis litteris abaixo:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO- POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, §3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, §4º, CRFB). VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, §6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, §7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo.3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, §3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada ‘família monoparental' (art. 226, §4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, §6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011).10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, §7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de ‘dupla paternidade' (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, §7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: ‘A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.
Nesse sentido, importante salutar que o pedido de providência, seguido da determinação de estudo e elaboração do provimento hoje em vigor foi de importante valia para o marco do processo de demandas extrajudiciais, que sejam capazes de entregar os mesmos serviços que ora seria determinado em um processo judicial, de uma forma mais célere.
Não se nega o fato de que a desnecessidade de seguimento de uma ação judicial providencia a quebra de vários fatores burocráticos que impedem a prestação jurisdicional e a difícil aplicação dos princípios da celeridade e efetiva entrega da prestação jurisdicional.
3 ANÁLISE DOS PROVIMENTOS CONJUNTOS N° 63 E 83 DO CNJ.
Na presente seção será abordado os termos concernentes aos requisitos e formas de aplicação da filiação socioafetiva de acordo como o provimento ajustado pelo Conselho Nacional de Justiça, bem como o registro perante os oficiais de registro civil dessa forma de reconhecimento de parentesco civil.
3.1 REQUISITOS E FORMA DE APLICAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA VOLUNTÁRIA DE ACORDO COM O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
De rigor esclarecer pontos importantes acerca dos provimentos que regulam o reconhecimento de filiação socioafetivas e editados pelo CNJ. O primeiro provimento, 63 do CNJ, dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva e dá outras providências, enquanto o provimento de n° 83 do mesmo órgão alterou a seção II do anteriormente citado para fins de regulamentação acerca do procedimento e requisitos necessários para o reconhecimento dessa modalidade de filiação.
A seção II do provimento 63 se presta a tratar acerca da paternidade socioafetiva, ocasião em que os requisitos serão abordados a seguir:
Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. (Redação dada pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)
§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.
§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.
§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.
§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido. (CNJ, 2017, não paginado)
O primeiro requisito imposto é do que de a pessoa só pode ser autorizado pelos oficiais de registro civil a efetuarem o reconhecimento de filiação sendo a pessoa maior de 12 (doze) anos, conforme de infere do caput do artigo acima transcrito. Ademais, trata-se de medida irrevogável, devendo nos casos em que ficar constatado o vício de vontade consistente em Fraude ou simulação, a realização do procedimento na via judicial, nos termos do § 1° do mesmo dispositivo.
O acima disposto não é mais que uma condição imposta na decisão dos autos do pedido de providência exarado pelo Conselho Nacional de Justiça, in verbis:
Indispensável, ademais, que a filiação registral esteja respaldada pela livre, despida de vícios de vontade (erro, dolo, coação, fraude ou simulação) e consciente que o ato de reconhecimento de paternidade socioafetiva é incondicional e irrevogável, conferindo ao filho e ao pai todos os deveres e direitos, inclusive patrimoniais previstos na lei. (CNJ, 2017, não paginado)
Cabe mencionar que o provimento permite o reconhecimento de paternidade ou maternidade de filho maior de dezoito anos independentemente do estado civil em que se encontra, inteligência do § 2º do artigo 10.
No tocante à constatação da situação socioafetiva, fez incluir o artigo 10-A e seus parágrafos, aduzindo que deve ser estável e exteriorizada socialmente, devendo o registrador atestar a existência dos vínculos afetivos por aferição objetiva de elementos concretos, podendo ser demonstrada por todos os meios admitidos. Veja-se o texto legal:
Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.
§ 1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.
§ 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade - casamento ou união estável - com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.
§ 3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo.
§ 4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento. (CNJ, 2019, não paginado)
Sobre as questões procedimentais, extrai-se o seguinte:
Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
§ 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.
§ 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.
§ 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.
§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.
§ 4º Se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento. (Redação dada pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)
§ 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.
§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.
§ 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).
§ 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.
§ 9º Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer. (Incluído pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)
I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo registrador após o parecer favorável do Ministério Público. (Incluído pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)
II - Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da paternidade ou maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente, arquivando-se o expediente. (Incluído pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)
III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente para dirimí-la. (CNJ, 2019, não paginado)
Cinge consignar que o oficial de registro civil não está vinculado ao aceite do pedido em quaisquer casos, pois, em caso de suspeita de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a constatação do estado da posse de filho, poderá fundamentar a recusa, encaminhando o ato para o juízo competente para análise do petitório, consoante artigo 12 do referido provimento:
Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local. (CNJ, 2019, não paginado)
Por ser considerado procedimento simplificado e mais célere que o judicial, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral, não implicando no registro de mais de dois pais ou mães simultaneamente, devendo os pedidos de inclusão de mais de um tramitar judicialmente, nos termos do artigo 14 e seus parágrafos.
3.2 REGISTRO CIVIL RELATIVOS À FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
O registro civil tem natureza pública e a atividade registral é exercida em caráter privado por pessoa cuja delegação de outorga se deu por intermédio de concurso público de notas e títulos, nos termos que preceitua a norma cogente do artigo 236 da Constituição da República Federativa do Brasil.
A presente seção abordará questões concernentes ao registro civil da filiação socioafetiva, tratando acerca da sua essencialidade no assento de nascimento como forma de garantia dos direitos humanos, fundamentais e os direitos elencados pelo próprio direito de família.
Quando se trata do direito elencado pelo direito de família, remete-se a premissa para o que aduz a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, ao serem taxativos acerca da vedação na diferenciação dos filhos, independentemente da origem e da forma de reconhecimento do vínculo parental.
Nesse sentido, esclarece ARTONI (2019) que é razoável considerar que a filiação socioafetiva deve receber o mesmo tratamento dispensado em favor dos filhos ligados pelo vínculo consanguíneo, logo, prosperando a inserção nos assentos de nascimento.
Tal premissa, repisa-se da necessidade de não diferenciação entre os filhos e as formas de parentalidade, na medida em que o direito se adequa para a entrega da efetiva prestação ao garantir que não haja a distinção entre os filhos.
Portanto, os filhos havidos pelo estado de posse de filho, cuja medida é o reconhecimento de filiação socioafetiva, tem seus registros lavrados junto ao assentamento de nascimento, sem qualquer distinção.
Sobre a não inserção, vale ponderar o seguinte:
A não inserção da filiação socioafetiva no assento de nascimento é atitude discriminatória, inconstitucional, tolhe a construção da identidade do registrando e, indiscutivelmente, viola exercício de direitos fundamentais dos pais e filhos que vivenciam a socioafetividade. Afinal, sem estar vinculados na certidão de nascimento, referidos sujeitos ficam impedidos de exercer os direitos inerentes à filiação (tais como guarda, alimentos e direitos sucessórios, por exemplo) e à nacionalidade. (ARTONI, 2019, pág. 68)
Quanto às questões atinentes ao registro no assentamento, por tratar de medida que será disposta em documento público, logo, acarreado de fé pública, imperioso rememorar o disposto no artigo 12 do provimento 63 de 2017 do CNJ, ao estatuir que cumpre ao oficial registrador aferir a presença da socioafetividade, ou em caso de apresentação de vício, o encaminhamento dos autos do pedido para apreciação judicial.
Assim, pode se considerar e ponderar acerca da benesse patente com a edição do provimento e da dotação de fé pública do registro de filiação socioafetiva, pois repleto de requisitos a serem seguidos pelos oficiais de registro.
3.3. SEGURANÇA JURÍDICA NOS PROCEDIMENTOS REGISTRAIS
A intenção aqui consiste na abordagem acerca da segurança jurídica nos procedimentos registrais, estritamente acerca da confiança e presunção de veracidade dos atos praticados por notariais de registro.
Em trecho no pedido de providência pelo qual originou a resolução do reconhecimento de filiação socioafetiva, ponderou o seguinte:
Em suma, cabe ao oficial de registro constatar no caso a configuração da clássica tríade tractus (o tratamento de pai e filho), reputatio ou fama (reconhecimento geral do vínculo de parentalidade) e o nomen (quando o filho utiliza o sobrenome daquele a quem considera pai). (CNJ, 2017, não paginado)
Para Mario de Carvalho Camargo Neto e Marcelo Salaroli de Oliveira (2014, p. 54, Apud PANCIONI, não paginado) a segurança jurídica consiste no seguinte:
A Segurança Jurídica é o princípio que decorre do artigo 1º da CF, na medida em que este estabelece que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, do que também se extrai que tal segurança deve permear todo o ordenamento jurídico nacional. Assim, a CF sustenta a segurança jurídica por diversos institutos e sistemas, dentre os quais os Registros Públicos. Pode-se afirmar que a segurança jurídica é, a um tempo, o objetivo do sistema registral e o valor que permeia todo o trabalho do registrador.
Ademais, os atos notariais e de registros são regidos pela lei n° 8.935 de 18 de novembro de 1994, cuja finalidade foi de regulamentar o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, conhecida também como lei dos cartórios.
Em seu artigo 1º estatui a norma legal que os “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. (BRASIL, 1994, não paginado)
Não só, mas o artigo 4º torna a tratar acerca da eficiência do serviço prestado, oferecendo segurança para o arquivamento de livros e documentos, in verbis:
Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos. (BRASIL, 1994, não paginado)
Assim sendo, os atos praticados pelos oficiais de registro civil são dotados de segurança jurídica e veracidade, quanto aos atos de registro, sendo considerados como documentos públicos. Nesse sentido, tanto o registro como a constatação acerca do necessário para reconhecimento da posse do estado de filho são dotados de segurança jurídica, pois atestado por pessoa plenamente investida no cargo e com as prerrogativas concedidas legalmente.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse toar, o reconhecimento de filiação socioafetiva perante os oficiais de registro de pessoas naturais e seus requisitos para a aplicabilidade foram abordados de forma a saber os parâmetros e possibilidades da análise dos parâmetros da utilização da via para o reconhecimento da filiação socioafetiva.
Mostrou-se que o provimento n° 83 do CNJ é ferramenta útil na desburocratização do processo de reconhecimento de filiação socioafetiva, tirando a morosidade na realização pela via judicial, dada a celeridade do procedimento em face da razoável duração do processo. Desse prisma, considera-se uma grande inovação introduzida por meio do provimento.
Observou-se que o tema é incipiente, e a doutrina vem debatendo os contornos do provimento, trazendo reflexões acerca do tema.
Aferiu-se que o benefício trazido pelo referido provimento é indiscutível, auxiliando na realização de boas-práticas e de forma mais célere, obedecendo as diretrizes normativas do direito brasileiro e acompanhando as leis e princípios que regem o direito. Especificamente ao caso, o direito de família que vem abraçando diversas modalidades de reconhecimento de entidades familiares e diversificadas formas de filiação.
No final, o provimento exauriu as lacunas dos tribunais estaduais que ainda não tinham regulamentado o tema, bem como, extinguiu as divergências entre as normativas dos Estados em que já aplicavam o referido procedimento, uniformizando a forma de procedibilidade, afirmando-se ter a normativa da Corregedoria Nacional de Justiça garantido a aplicação dos princípios norteadores do direito de família concernentes ao vínculo parental socioafetivo.
REFERÊNCIAS
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MALUF, Carlos Alberto Dabus; MAL, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. 4º edição. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book. Disponível em: https://bibliotecadigital.saraivaeducacao.com.br/epub/774379?title=Curso%20de%20direito%20de%20fam%C3%ADlia Acesso em: 01/03/2022
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Graduanda do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Fernanda Rocha. A filiação socioafetiva e o reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça perante os oficiais de registro civil de pessoas naturais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58341/a-filiao-socioafetiva-e-o-reconhecimento-voluntrio-de-paternidade-e-maternidade-autorizado-pelo-conselho-nacional-de-justia-perante-os-oficiais-de-registro-civil-de-pessoas-naturais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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