LUCIANE LIMA COSTA E SILVA PINTO[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar em algumas linhas o instituto da adoção sob o aspecto da união homoafetiva. Ainda nos dias de hoje, carregada de preconceito, a união homoafetiva já ganhou reconhecimento como entidade familiar. Dessa forma, se faz necessário tratar a homoafetividade como escolha consciente e livre do indivíduo, não devendo o Poder Judiciário negar a adoção de uma criança ou adolescente simplesmente com base na orientação sexual do indivíduo, uma vez que tal negativa ofende o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Assegurar aos casais homoafetivos o direito à adoção, é ao mesmo tempo assegurar uma criança ou adolescente o direito à ter uma família, ser amado e de estar inserido na sociedade.
Palavras-chave: Adoção. Homoafetividade. União homoafetiva. Família.
ABSTRACT: The present work aims to analyze in some lines the adoption institute under the aspect of homoaffective union. Even today, loaded with prejudice, homoaffective union has already gained recognition as a family entity. Thus, it is necessary to treat homoaffectivity as a conscious and free choice of the individual, and the Judiciary should not deny the adoption of a child or adolescent simply based on the sexual orientation of the individual, since such a negative offends the constitutional principle of the dignity of the human person. Ensuring homoaffective couples the right to adoption is at the same time to guarantee a child or adolescent the right to have a family, to be loved and to be inserted in society.
Keywords: Adoption. Homoaffectivity. Homoaffective union. Family.
1 INTRODUÇÃO
Segundo Ana Brocanelo (A família homoafetiva, o preconceito e o amor eterno: diversidade sexual, união homoafetiva e adoção, disponível em www.anabrocanelo.com.br/publicacoes, acesso em 17/11/2021), o instituto da adoção sob a ótica da união homoafetiva ainda encontra alguma resistência ao passar pelo crivo do preconceito por parte da sociedade. A alegação de que seria prejudicial ao desenvolvimento psicológico que também prejudica o interesse da criança. A partir de uma reportagem na tv, onde o senador da República, Fabiano Contarato, relatou sua luta e sofrimento com o preconceito que sofreu para que seu filho, que já era por ele adotado, também fosse adotado por seu marido e ouviu do promotor que uma criança não poderia ter dois pais ou duas mães.
Embora não haja óbices à adoção homoafetiva e a união estável homoafetiva seja considerada entidade familiar, a barreira do preconceito se levanta, fazendo com que em alguns casos a pessoa opte por adotara unilateralmente, para escapar do preconceito.
Entretanto, a sociedade vem se deparando com alguns debates de quando, por exemplo, quando duas mulheres resolvem ter um filho, seja por fertilização artificial, através de planejamento familiar, ou pela adoção do filho da companheira, onde a criança terá o nome de duas mulheres na certidão de nascimento, essas barreiras de preconceito precisam ser transpostas para o alcance do bem maior que é o melhor interesse da criança.
Para este debate entende-se que a busca pelo direito de ter uma família, de ser senhor de sua própria vida e de sua própria história, a busca pela felicidade, principio consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos são aspectos que devem ser considerados.
Este trabalho tem como objetivos analisar o instituto da adoção ao longo dos anos, trazendo algumas doutrinas sobre a evolução da adoção e da união estável homoafetiva, sempre à luz da Constituição Federal, bem como analisar o posicionamento dos tribunais em alguns casos concretos onde as partes esbarraram na parede do preconceito quando da adoção por pares homoafetivos.
A partir do momento que determinada conduta da sociedade causa alguma forma de repulsa ou sentimento de injustiça, ou um simples incômodo de que aquilo não é correto, traz o debate e a reflexão, necessários num estado democrático de direito.
Utilizando a doutrina pátria, alguns julgados dos Tribunais de Justiça Estadual, Superior Tribunal de Justiça e do STF, bem como reportagens de televisão e textos de internet, serão traçadas algumas linhas, contudo, sem a pretensão de esgotar o tema.
2 ADOÇÃO
A legislação brasileira já avançou bastante neste sentido, bem como o entendimento do Poder Judiciário de que é possível, de acordo com cada caso concreto, a adoção por pessoas com orientação homoafetiva, uma vez que se leva em conta a supremacia do melhor interesse da criança adotanda, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.
2.1 Aspectos históricos da adoção
A adoção não é uma prática atual. Há relatos de adoção nos códigos antigos, como no Código de Manu (o código dos hindus), onde a adoção tinha natureza de culto doméstico, dando-se a oportunidade para quem não pode ter filhos naturais a chance de adotar alguém para que após a morte do adotante lhe fossem prestados cultos fúnebres. Esta civilização acreditava que após a morte o home só seria feliz de acordo com as oferendas que seus descendentes ofertassem, de forma que quem não tivesse filhos não alcançaria paz depois de morto, porque não teria quem lhes rendesse oferendas e banquetes.
Na bíblia sagrada, o livro de Êxodo, capítulo 2, versículo 10, menciona que Moisés foi adotado pela filha de Faraó, resgatando-o das águas do Rio Nilo, o escondeu para que não fosse morto pelos soldados e o criou: “Quando, pois, o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e lhe chamou Moisés, dizendo: Porque das aguas o tirei.”
No Código de Hamurabi, segundo Gonçalves[2], a adoção tem natureza de contrato, onde a criança que foi adotada recebe o nome do adotante, é criada como se seu filho fosse, não podendo ser reclamada por seu pai biológico. Da mesma forma ocorre com aquele que adotou uma criança, ensinando-lhe uma profissão, onde o adotante gastou dinheiro com sua criação, seu pai biológico também não poderia reclamá-la. Também não poderia o adotado abandonar seu pai adotivo depois de adulto, pois, tal conduta seria considerada ingratidão e injustiça.
Já no Código de Justiniano, segundo Jorge[3], havia dois tipos de adoção: adoptio minus plena, onde o pai biológico não perdia o pátrio poder sob o filho, onde os laços de parentesco eram mantidos e, a adoptio plena, que se dava dentro da mesma família, onde o pátrio poder era concedido a quem não o tinha. Mas foi no Código de Napoleão, o primeiro Código Civil da França, de 1804, que a adoção ganhou as características que tem hoje, onde o filho adotado é igual à filiação natural.
Tal como a adoção, a homossexualidade também é uma prática antiga. Segundo texto disponível na internet[4], há relatos de que na Grécia Antiga a pederastia era aceita normalmente. O culto ao belo e ao amor era personificado de forma que um homem mais velho se aproximava de um menor e o cortejava. Tal procedimento tinha até um certo status social, já que este homem mais velho (erastes), normalmente acima de trinta anos, participava da vida do adolescente, ensinando-lhe filosofia, artes, moral e também as artes do amor.
Bem como ensina Domingues[5], há relatos de que o termo “lésbica” também tem origem na Grécia Antiga, como homenagem à poetisa Safo, que vivia na Ilha de Lesbos e não escondia sua preferência por mulheres. O termo homossexual teve origem grega, onde “homos” significa “igual” e “sexus” significa sexo e representa uma predileção, atração física, estética, emocional ou espiritual por pessoas do mesmo.
Com a expansão do Cristianismo houve uma tendência a abolir da sociedade a pessoa homossexual, como se fosse uma doença. A sociedade tem como cultura de que todo aquele que não é igual é doente, é vergonhoso e deve ser rechaçado. Na decima revisão do Código Internacional de Doenças (CID), em 1995, o homossexualismo deixou de ser considerado doença, com a exclusão do sufixo “ismo” e sua substituição pelo sufixo “ade”, que significa modo de ser ou escolha. Dessa forma, não há que se falar em homossexualismo e sim, homossexualidade, já que se trata de uma escolha ou modo de ser de um indivíduo.
Neste trabalho abordaremos a adoção por casais homoafetivos e algumas questões pertinentes, como a adoção unilateral por casais homoafetivos e o preconceito que permeia estes institutos, de forma que a sociedade e o Direito não podem se esconder deste debate, devendo se debruçar neste assunto como um todo e não de forma isolada.
2.2 Aspectos jurídicos da adoção no brasil
O Código Civil de 1916 regulamentou a adoção nos mesmos moldes e princípios que eram utilizados no Direito Romano, onde a finalidade precípua é de dar filhos a quem não pode tê-los de forma natural, visando apenas atender o interesse dos pais.
A influência do pensamento dominante de que criança pobre significa infância delinquente, ideia influenciada pelos ventos da Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, em 1924 foi fortalecida com criação do Juizado de Menores, instituição que exercia, segundo Facchinetto[6]:
Diversas funções relativas à vigilância, regulamento e intervenção direta sobre parcela da população empobrecida, com ênfase na internação de menores abandonados e delinquente, revelando-se como instrumento de assistência social exercido pela autoridade judiciária.
Com o crescimento da população, este modelo de intervenção demonstrou-se insuficiente para controle por parte do Estado, sendo necessária a criação de outros mecanismos de assistência, já que o sistema estava saturado, com a superlotação das instituições e atendimento precário prestado pelas instituições privadas conveniadas.
Em 1959, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos da Criança, com a consagração do princípio do interesse superior da criança, esse sistema não mais se sustenta. Com a Lei 6.697/1979, que é o Código de Menores e, posteriormente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990 há o redirecionamento do foco, onde o principal interesse é o da criança, com a finalidade de oferecer um lar com afeto, família estruturada e dignidade.
Com o ECA houve a redução da idade mínima para adoção e os solteiros também podem adotar. A Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, traz a responsabilidade para a família, a sociedade e para o Estado no que diz respeito à criança e ao adolescente, cabendo a cada um desses integrantes assegurar o direito à vida, á saúde, alimentação, segurança, educação, lazer, cultura, profissionalização, liberdade, respeito e conivência comunitária, na forma do art. 227 do citado Diploma.
Como princípio basilar do Estado democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana deve prevalecer também no diz respeito à adoção. Por seu caráter solene, a adoção deverá ser feita mediante o Poder Público e concede aos filhos adotados os mesmo direitos e qualificações que teriam os filhos biológicos, incluindo os direitos sucessórios, não sendo permitido qualquer diferenciação entre os filhos advindos ou não da relação de casamento, sendo todos iguais em direitos e deveres, deixando nítido outro direito também consagrado na Constituição Cidadã, o direito a igualdade, conforme determina o artigo 227, § 6º da Constituição Federal.
A família é a base da sociedade. Nas palavras de Coelho Neto[7]:
A família é o núcleo ou gérmen da sociedade. Nela é que se formam todas as virtudes e se amolda o caráter, que é a feição da alma.
É a oficina sagrada onde se prepara, entre o amor e o respeito dos pais e o exemplo dos antepassados, o futuro cidadão.
O que se adquire na infância leva-se até a morte.
Assim como o corpo se desenvolve na sua conformação, a alma dilata-se nos principios em que foi iniciada.
O culto da família, que foi a primeira religião do homem, deve manter-se no coração de todos, porque é ele que estabelece a solidariedade entre os membros da mesma casa, perpetuando a honra de um nome pelos tempos adiante.
As pátrias são agregações de famílias e, quanto mais virtuosos forem os lares, que são elos, mais forte será a cadeia da nacionalidade.
Por sua importância, a família tem a proteção do Estado, onde a Constituição Federal reconhece não apenas o casamento como entidade familiar, mas também a união estável e família monoparental, na forma do artigo 226, caput. Entretanto, há que se ressaltar que outras formas de famílias também existem, como aquela composta apenas por filhos, sem a presença dos pais ou composta pela presença dos avós e netos, que na qualidade de família, também merecem a proteção do Estado.
O poder familiar é o conjunto de atribuições dos pais em relação aos filhos, que, devido à complexidade dos fatores que se apresentam diante deles, devem orientar e proteger os filhos, em razão de seu caráter e personalidade em formação e por falta de capacidade jurídica plena da acriança e do adolescente. Dessa forma, se faz presente também a igualdade entre os cônjuges e o afeto que deve permear as relações em família. Também se verifica que é possível que os pais, mesmo separados, tenham as mesmas responsabilidades em relação aos filhos, sejam biológicos ou adotivos.
Também se verifica que a adoção preenche duas finalidades: a de dar filhos quem não os tem e a de dar pais a crianças que também não os tem e, assim se constituir famílias. Segundo Diniz[8]:
Como se vê, é uma medida de proteção e uma instituição de caráter humanitário, que tem por um lado, por escopo, dar filhos a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado.
Com a Constituição de 1988 a adoção perde o caráter contratual e assume caráter assistencial, implicando ao poder familiar a irrenunciabilidade, indisponibilidade e o poder-dever para com o adotado, extinguindo o poder familiar anterior, sendo o adotado recebido na família do adotante na qualidade de filho, com os mesmos direitos e deveres, desligando os laços com a família consanguínea.
2.3 A lei nacional de adoção
A Lei Nacional de Adoção (Lei 12010/2009), trouxe algumas inovações, alterando o próprio ECA e o Código Civil. O novo Diploma prevê assistência psicológica à gestante e também no período pós-natal, no sentido de minorar os efeitos e as consequências pelas quais passam as parturientes que manifestam intenção ou desejo de entregar seus filhos à adoção, sendo necessário encaminhamento à Justiça da Infância e Juventude. Também houve diminuição no tempo de espera na fila de adoção e a oitiva da criança se fará presente sempre que possível. Já as crianças a partir de 12 (doze) anos serão obrigatoriamente ouvidas.
Outra inovação na Lei é o cadastro de crianças em condições de serem adotadas, bem como de casais e pessoas habilitados a adotar, deixando nítida a celeridade no processo de adoção. O Estado se coloca como interventor nas relações familiares no sentido de orientar, apoiar e promover a família natural e, na impossibilidade desta, traduzir da melhor forma a família substituta e por consequência, a adoção, que passa a ter cada vez mais o caráter humanitário, higiênico e de relevante interesse social, sempre com ênfase na afetividade e no melhor interesse do adotado.
No decorrer deste estudo foram observados alguns documentos internacionais são de grande relevância no que diz respeito à adoção, onde a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) tem participação importante ao traçar diretrizes, propor estudos e a elaboração de documentos. Segundo texto da Universidade Federal do Ceará Faculdade De Direito Curso De direito Mirna Frota Mota[9], disponível na internet:
Em 15/11/1965, foi realizada na cidade de Haia uma conferência sobre adoção internacional, que resultou na Convenção Relativa à Competência das Autoridades, à Lei Aplicável e ao Reconhecimento das Decisões em Matéria de Adoção, cujo tema central versou sobre a lei aplicável, jurisdição e reconhecimento das decisões em matéria de adoção.
O referido texto da rede mundial de computadores dispõe também que um pouco antes da elaboração da Convenção sobre os Direitos das Crianças, houve uma Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, em 1988, onde ficou estabelecido que era preciso elaborar uma nova Convenção sobre a Adoção Internacional e os Estados-membros trabalhando em conjunto formaram, a partir de suas conclusões a Convenção Relativa à Proteção e à Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional, também conhecida como Convenção de Haia de 1993.
2.3.1 Conceito e natureza jurídica da adoção
Segundo a definição simplista do dicionário, adotar significa assumir, aceitar, receber como filho. A palavra deriva do latim adoptio e significa ato ou efeito de adotar.
Dessa forma conclui-se que se trata do ato de uma pessoa receber como filho outra pessoa que lhe é estranha. É sensível a diversidade de conceitos do instituto da adoção por parte da doutrina. Na lição de Venosa[10], “é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade”. Já Diniz[11] reúne os conceitos numa única e extensa definição:
Adoção é ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre o adotante e o adotado. É uma ficção legal que possibilita que se constitua entre o adotante e o adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.
Unânime na doutrina é o reconhecimento de que se trata de uma ficção jurídica, adotar é o ato de se estabelecer, na forma ficção jurídica, os vínculos de paternidade e filiação entre adotado e adotante, onde são criados laços de filiação legal, assim chamados. É fictio iuris que se transforma em vínculo legal e indissociável, uma vez que tem caráter irrevogável. Já Pontes de Miranda[12] diz que “a adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação”.
Inquestionável é o caráter solene da adoção, sendo citado por toda a doutrina, inclusive por Gonçalves[13], quando explicita que “adoção é ato solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”. E Monteiro[14] acrescenta:
Com a evolução do instituto da adoção, verificou-se que desempenha papel de inegável importância. Trata-se de instituto filantrópico, de caráter acentuadamente humanitário, que constitui válvula preciosa para casamentos estéreis, assim dando aos cônjuges os filhos que a natureza lhes negara.
O instituto em tela se trata de modalidade artificial de filiação através da qual se recebe como filho, de maneira legal e voluntária, uma pessoa estranha no seio da família criando um vínculo. Este vínculo tem o fulcro de imitar a filiação natural, aquela que derivada do sangue, biológica ou genética, por isso, conhecida por filiação civil.
Por seu turno, Oliveira[15] assevera:
Se o liame biológico que liga um pai a seu filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade socioafetiva que se capta juridicamente na expressão da posse do estado de filho.
Embora seja imprescindível o chamamento de filho, os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no tratamento, quer em público, quer na intimidade do lar, revelam no comportamento a base da paternidade.
A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética, que deveria pressupor aquela e serem coincidentes.
Apresenta-se então a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, reside antes no serviço e amor que na procriação.
Conforme expõe Bevilaqua[16], “a adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho”. O Estado democrático de Direito define a adoção como uma instituição jurídica de ordem pública que tem a intervenção do órgão jurisdicional, que embora sejam estranhas entre si, cria entre duas pessoas, laços de filiação e paternidade tal como ocorre com a filiação natural, revelando o lado socioafetivo da paternidade.
Sua natureza jurídica é controvertida. No antigo Código Civil a adoção era realizada através de escritura pública, com o consentimento de ambas as partes, configurando-se assim um negócio jurídico solene e bilateral, verificando-se nitidamente seu caráter contratual. Com o advento da Carta Política de 1988, o presente instituto passou a ser matéria de ordem pública e de interesse geral, onde os valores e os vínculos da família foram reestruturados, ressaltada a importância da afetividade entre as relações, bem como a socioafetividade e a dignidade da pessoa humana foi colocada como princípio do Estado democrático de direito que se apresenta no novo contexto político.
Na lição de Bevilaqua[17] (1976, p. 822), acerca da importância do instituto:
O que é preciso, porém, salientar é a ação benéfica, social e individualmente falando, que a adoção pode exercer na sua fase atual. Dando filhos a quem os não tem pela natureza, desenvolve sentimentos afetivos do mais puro quilate, e aumenta, na sociedade, o capital de afeto e de bondade necessário a seu aperfeiçoamento moral; chamando para o aconchego da família e para as doçuras do bem estar filhos privados de arrimo ou de meios idôneos, aproveita e dirige capacidades, que, de outro modo, corriam o risco de se perder, em prejuízo dos indivíduos e do grupo social, a que pertencem.
Por outro lado, o que se revela unânime por parte da doutrina referente ao instituto ora em estudo é a importância da socioafetividade. É o que nos revela Oliveira[18]: “de nada vale um pai reconhecido juridicamente e biologicamente como tal, se lhe é estranho demonstração de sentimentos para com seus filhos”.
Na lição do professor Venosa[19], acerca da natureza jurídica do instituto em tela, explicita: “a adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado”.
3 ADOÇÃO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, preceituado no preâmbulo do Constituição Federal, que na lição do mestre Moraes[20], tal princípio
Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, se somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
O Estado Democrático de Direito, com o advento da Carta política de 1988, passou a garantir os direitos fundamentais, tendo por escopo o princípio da dignidade da pessoa humana para o exercício da cidadania e inseridas nesse contexto estão as crianças e os adolescentes, que embora fossem protegidos pelo antigo Código de Menores, ainda careciam de um Diploma que realmente fizesse em diferencial ao tratar das questões dos pequeninos e assim, por força de determinações constitucionais e documentos internacionais aos quais o Brasil ratificou, é que se editou o Estatuto da Criança e Adolescente, que veio para regulamentar um sistema que se propõe a garantir estes que agora figuram como sujeitos de direitos, inclusive no que diz respeito aos direitos da criança na condição de adotada.
Um importante caráter que se vislumbra no ECA, é a sua envergadura em implementar de medidas com o fito de diminuir a fome, criminalidade e marginalidade das crianças e adolescentes no território doméstico, bem como o combate à violência contra às crianças e adolescentes, propiciando um lar para os desassistidos e retirando das ruas os abandonados, para que possam viver com amor, proteção e educação numa família que substitua suas famílias de origem.
O complexo processo de adoção, até então demorado e burocrático passou a ser regulamentado pelo ECA e a adoção, por força da Lei 8069, de 1990 passou a dirimida na Vara de Infância e Juventude, com o intuito de dar celeridade e simplicidade à sua tramitação. Ainda, por força do Estatuto da Criança e do Adolescente, o julgamento do processo é de acordo com os interesses da adotado, visando o bem-estar do menor, tendo como finalidade precípua dar uma família a essas crianças, que é um direito fundamental, sendo rejeitada a natureza jurídica de contrato na adoção, até mesmo pela importância do seu caráter humanitário e sentido de dar continuidade à família.
É a oportunidade que se dá a uma criança ou a um adolescente de ter uma família, ou a que se dá aos pais que, por motivos biológicos, ou porque optaram por cuidar de crianças com as quais não tem vínculos genéticos.
Visando sempre a proteção da criança e o seu bem-estar, o processo de adoção deve seguir uma dinâmica de várias etapas, incluindo estudos psicossociais dos adotantes, com o objetivo de evitar que a criança passe por situações de abandono ou pela sensação de que não é querida pela família pretensa.
Segundo Farias & Maia[21], “o estudo psicossocial é confiável e há habilidade e competência da equipe para realizá-lo, porque uma boa avaliação pode esclarecer melhor a família sobre os aspectos envolvidos na adoção e aumenta as chances de esta ser bem-sucedida”.
3.1 União homoafetiva como entidade familiar
Anteriormente a união entre homossexuais era tratada como ato inexistente e seus conflitos eram dirimidos na seara dos contratos de sociedade onde seus efeitos eram apenas obrigacionais e não no direito de família. Entretanto, com uma interpretação elástica do artigo 226, parágrafo 3º da Carta Política, que dispõe sobre a união estável entre homem e mulher, sob a égide do caput do artigo e dessa forma, a homossexualidade é uma realidade na sociedade e as questões pertinentes a ela precisam ser dirimidas dentro dos direitos e princípios que norteiam nosso ordenamento jurídico, como a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a não discriminação, o pluralismo, a intimidade, a autodeterminação, a liberdade dentro do Estado Democrático de Direito e a busca da felicidade. Conforme assinala Buzolin[22]:
“Vida sem felicidade não é ter direito à vida de forma plena. Desta forma, a busca pela felicidade só é concretizada quando há a garantia dos direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, etc.”
É o que também nos ensina Lenza[23]:
Tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-juridica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais.
Embora a Constituição Federal não faça previsão explícita acerca do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, reconhecendo apenas o casamento e a união estável entre pessoas de sexos distintos e o presente Código Civil apenas reproduziu o disposto no Texto Maior, não se pode fechar os olhos para algo que ocorre cada vez mais com mais frequência. Prelecionam Farias & Maia[24] que:
Tendo em vista as funções da família, deve-se questionar por que não considerar o casal homossexual como família, visto que ele pode estar apto, como qualquer outro casal, a exercer tais funções, exceto pela obrigação da procriação realizada de forma natural, ou seja, sem a utilização de métodos artificiais. Ainda assim, é importante considerar que, a partir do modelo de família que vivemos atualmente, no qual prevalece a busca constante de satisfação e prazer entre as pessoas que se relacionam, aliado ao desenvolvimento da ciência por meio de técnicas de contracepção, a procriação deixa de ser uma imposição social às relações familiares como um todo, devendo ocorrer de acordo com a escolha livre dos parceiros (...).
Conforme assinala Wambier[25]:
A ‘cara’ da família moderna mudou. O seu principal papel, ao que nos parece, é de suporte emocional do indivíduo. A família não mais se consubstancia num grão de areia, praticamente carente de identidade própria, que vai juntar-se ao grupo familiar mais extenso.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pioneiros na questão, através da jurisprudência, reconhecem a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, para fins de partilhamento de bens, e previdenciários e inclusive para adoção. Não pode o julgador eximir-se da função de apreciar e julgar os litígios que se colocam diante dele, sob o argumento de que não existe lei regulando o assunto, é admitido, conforme o caso, mediante analogia, a integração da norma, com o objetivo de alcançar os casos que não foram contemplados por lei e o núcleo do problema já tenha sido tratado pelo legislador.
Deste modo, pelo princípio da igualdade, consagrado no Texto Magno, onde não cabe fazer distinções entre pessoas em função de sua orientação sexual, idade, etnia, condição social, impende a criação de tratamentos abusivamente diferentes ou diferenciados utilizados a pessoas que vivem em situações idênticas. Neste sentido assinala Moraes[26]:
Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Acredita-se que, o constituinte, ao negar o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, teria consolidado uma contradição na própria Constituição, uma vez que afirma a igualdade entre os sexos, a igualdade de direitos e nega tal união. Neste sentido, Dias[27] explica o porquê de tal contradição:
O repúdio social de que são alvo as uniões homossexuais inibiu o legislador constituinte de enlaçá-las no conceito de entidade familiar. Ainda que afrontando o princípio da igualdade e olvidando a proibição de discriminação que ela mesma consagra como norma fundamental, a Constituição Federal pressupôs, no § 3º do seu art. 226, a diversidade de sexos para a configuração da união estável.
Entretanto, a união homoafetiva foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em razão dos diversos entendimentos sobre o assunto. Uma vez reconhecida como entidade familiar, não há mais óbices à concessão da adoção aos casais homoafetivos. Em 2010, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão considerada inovadora na época, quando permitiu a adoção de duas crianças por um casal de mulheres, segundo Marmelstein[28]:
Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma reafirmou um entendimento já consolidado pelo STJ: nos casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança. " Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças", afirmou.
Uma das mulheres já havia adotado as duas crianças ainda bebês. Sua companheira, com quem vive desde 1998 e que ajuda no sustento e educação dos menores, queria adotá-los por ter melhor condição social e financeira, o que daria mais garantias e benefícios às crianças, como plano de saúde e pensão em caso de separação ou falecimento.
Conforme assinala Wambier[29]:
A ‘cara’ da família moderna mudou. O seu principal papel, ao que nos parece, é de suporte emocional do indivíduo. A família não mais se consubstancia num grão de areia, praticamente carente de identidade própria, que vai juntar-se ao grupo familiar mais extenso.
Segundo texto extraído da rede mundial de computadores, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul saiu na frente ao dar pareceres favoráveis à adoção homoafetiva em conjunto, onde após o trâmite do processo de adoção é possível registrar a criança com os sobrenomes das duas mães, como no exemplo da menor V. M. T, de cinco anos e sua mãe C.T., 42 anos, não escondia de ninguém que vivia com outra mulher há quatro anos, e ficou surpresa e contente diz, ao ver na certidão de adoção de, V.M.T, 5, os sobrenomes das duas mães. A menor é um dos três primeiros casos registrados de adoção homoafetiva conjunta no Rio Grande do Sul e demonstra o "consenso" formado na Justiça gaúcha sobre a adoção por casais homossexuais que vivem em união estável. o pedido será deferido em nome dos dois desde que preenchidos os requisitos e sempre que atender às exigências psicológicas e socioeconômicas e psicológicas comuns aos heterossexuais, com base no princípio da igualdade.
4 ADOÇÃO HOMOAFETIVA
A adoção homoafetiva ainda é um tema que gera polêmica e algumas divergências. Buscando acompanhar as mudanças sociais, o conceito de família teve elasticidade, sobretudo, com o reconhecimento da pluralidade dos tipos de família existentes no Brasil, onde a união estável homoafetiva é uma delas.
Entretanto, embora a união estável homoafetiva já seja reconhecida como entidade familiar, em razão desta polêmica, o deferimento da adoção homoafetiva ainda depende da interpretação do magistrado, uma vez que a legislação não é categórica quanto a este tema.
4.1 Adoção homoafetiva unilateral
A adoção legal por homossexuais, na maioria das vezes, é buscada de maneira individual, em razão do receio de ter o pedido recusado se for feito pelo casal, já que ficaria evidente a questão da homossexualidade do candidato à adoção. Segundo Gorish[30], “o medo de assumir uma relação homoafetiva, em um país extremamente homofóbico como o Brasil, é grande.”
Nestes casos, um deles se propõe a postular a adoção, evitando assim, enfrentar o preconceito. Entretanto, essa atitude pode gerar algumas consequências adversas e prejudiciais. Segundo Adriana Maria Pertiel[31]:
Pode haver uma ação no campo material ocasionando efeitos contrários aos direitos. Isto por que a negação do Direito de adotar conjuntamente conduz estes casais a adotar de forma individual. Esta clivagem pode aduzir a prejuízos de vários matizes aos envolvidos.
Quanto ao adotado, experimenta diversos danos, indo desde a esfera material até emocional. O companheiro do adotante, por sua vez, que não participou formalmente do instituto da adoção e, por vai sinuosa, considerado um estranho jurídico nesta relação. E por fim, o adotante pode experimentar perdas patrimoniais, pois, no caso de separação ou morte do companheiro(a), terá que assumir sozinho as responsabilidades advindas da filiação. Logo, a adoção monoparental acaba por restringir ao adotado, ao adotante e seu companheiro uma serie de direitos.
Um exemplo desse preconceito foi vivenciado pelo senador Fabiano Contarato. Em entrevista ao jornal A Gazeta[32], o parlamentar relata o preconceito vivido na pele quando ao postular a dupla paternidade de seu filho Gabriel, hoje com 7 (sete) anos, se deparou com o preconceito do promotor da Vara da Infância, que deu parecer contrário ao seu pedido, argumentando que filho no Brasil só sendo fruto de relação heterossexual e filho tinha que ter pai e mãe.
A dupla paternidade foi necessária já que o senador tinha que autorizar seu marido a ser responsável pela criança toda vez que precisava viajar para Brasília, bem como o fato e que a criança já chamava o marido do senador de pai.
No seu parecer, contrário ao reconhecimento da dupla paternidade, o promotor de justiça Clovis Barbosa Figueira[33] argumenta: “Não há autorização legal para que um ser humano venha a ter dois pais ou, pior ainda, duas mães.” A adoção foi deferida, entretanto, o ministério público recorreu. A decisão foi mantida.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) puniu com suspensão de cinco dias o promotor daquele processo, em razão de sua conduta visivelmente preconceituosa. Em seu parecer, um dos conselheiros, Bandeira de Mello, afirma que o promotor tem o dever de desempenhar com zelo e presteza suas funções e que o Conselho não poderia fazer vista grossa neste caso.
A defesa do promotor afirma que respeita a decisão do CNMP e que não houve preconceito por parte do promotor, que este apenas cumpriu o que a lei determina, já que a lei não menciona a duplicidade de pais ou mães.
A mudança no padrão da certidão de nascimento, sem dúvida, representou um grande avanço no que diz respeito à adoção por casais homoafetivos, uma vez que retirou os termos “pai” e “mãe”, substituindo-os pelo termo “filiação”, pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009, onde é possível constar o nome de duas mulheres ou de dois homens, possibilitando o registro da criança por pessoas do mesmo sexo e, principalmente, garantindo ao adotado todos os direitos, quer sejam patrimoniais ou sucessórios, inclusive em se tratando de separação ou morte de um dos adotantes.
Na adoção legal se estabelece um vínculo de filiação, vínculo este que é irrevogável e une o adulto adotante e a criança adotada, com todos os direitos e deveres decorrentes da filiação natural.
A mesma realidade ocorre quando um casal de mulheres resolve ter um filho e, em razão do planejamento familiar, por meio de inseminação artificial e com doador desconhecido. Esta criança biologicamente é filha de uma de uma das mulheres, onde neste caso, a outra mulher pode adotar essa criança unilateralmente.
De acordo com este entendimento votou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial (REsp) 1281093 / SP, em que foi reconhecida a possibilidade de adoção unilateral de uma criança pela companheira da mãe biológica, em que viviam e união estável. O Tribunal entendeu que o cenário monoparental não representava a realidade vivenciada pela família, já que a relação ali existente é de dupla parentalidade. No aso daqueles autos também ficou evidenciada a preocupação com a segurança jurídica para a família como um todo, em caso de morte da mãe biológica. Segurança jurídica para a criança por ter no casal sua referência de parentalidade e para a companheira sobrevivente, já que a não existência de vínculo jurídico entre ela e a criança pode acarretar disputas envolvendo a guarda do menor e o patrimônio do falecido.
Uma vez comprovada a união estável e a estabilidade da família, restará superada a questão da diversidade de sexos, conforme já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, é possível a adoção unilateral pela companheira da mãe biológica. O que se verifica é que cabem às Cortes Superiores pacificar a matéria, conforme fez o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1281093 / SP, em 18/12/2012, em que foi relatora a ministra Nancy Andrighi, onde foram observados estes aspectos, além do princípio do melhor interesse do adotado, bem como as questões de afetividade que envolve a família.
Neste sentido julgou o STJ[34]:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDO DE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotando, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V. II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral – que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta - onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado. III.A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. IV. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.
V. Apesar de evidente a possibilidade jurídica do pedido, o pedido de adoção ainda se submete à norma-princípio fixada no art. 43 do ECA, segundo a qual "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando". VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas "(...)têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo". (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76). VII. O avanço na percepção e alcance dos direitos da personalidade, em linha inclusiva, que equipara, em status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva - ou aqueles que têm disforia de gênero - aos heterossexuais, traz como corolário necessário a adequação de todo o ordenamento infraconstitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de proteção ao menor - aqui traduzido pela ampliação do leque de possibilidades à adoção - e, de outro, a extirpação dos últimos resquícios de preconceito jurídico - tirado da conclusão de que casais homoafetivos gozam dos mesmos direitos e deveres daqueles heteroafetivas. VII. A confluência de elementos técnicos e fáticos, tirados da i) óbvia cidadania integral dos adotantes; ii) da ausência de prejuízo comprovado para os adotados e; iii) da evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que longe de quererem discutir a orientação sexual de seus pais, anseiam apenas por um lar, reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral. Recurso especial NÃO PROVIDO.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com aSra. Ministra Relatora.
Ou ainda, no caso de uma mãe solteira que se une à outra mulher, cuja criança não possui o nome do pai na certidão de nascimento. Para estes casos é possível a adoção unilateral pela outra mulher, para que seu nome também conste na certidão de nascimento da criança, gerando todos os consectários da filiação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo não havendo óbices à adoção por pares homoafetivos, ou qualquer proibição legal, ainda é possível nos dias de hoje se deparar com decisões e pareceres no sentido de negar o pedido feito por esses casais, muito em razão em razão do fato de não haver norma positivada e também o do preconceito ainda estar enraizado na sociedade, fazendo com que muitas vezes esses casais venham optar pela adoção unilateral. Tal posicionamento pode, num primeiro momento evitar o preconceito, mas a longo prazo, pode acarretar prejuízos material e emocional.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora e Advogada, Mestre em desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – PPGDRA/UNIR. Analista de Políticas Públicas – IE/UFRJ.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo; Saraiva, 2008, 339.
[3] JORGE, Dilce Rizzo. Histórico e aspectos legais da adoção no Brasil. Disponível em scielo - brasil - histórico e aspectos legais da adoção no brasil histórico e aspectos legais da adoção no Brasil. Acesso em 17/11/2021.
[4] Homossexualidade na Grécia Antiga. Disponível https://pt.wikipedia.org/wiki/homossexualidade_na_Grecia_Antiga. Acesso em 13/11/2021.
[5] DOMINGUES, Joelza Gomes. Ensinar história: a beleza da Grécia Antiga ao século XIX. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/a-beleza-na-grecia-antiga-e-hoje. Acesso em 06/07/2021.
[6] FACHINETTO, Neidemar José. O direito à convivência familiar e comunitária: contextualização com as politicas públicas (in)existentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[7]Neto, Coelho. Breviário Cívico. Disponível em: https://www.pensador.com/frase/MjE2ODAzNw/#:~:text=Coelho%20Neto%3A%20A%20FAM%C3%8DLIA%20%22A%20fam%C3%ADlia%20%C3%A9%20o,adquire%20na%20inf%C3%A2ncia%20leva-se%20at%C3%A9%20a%20morte.%20. Acesso em 13/08/2021.)
[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 449.
[9] UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO MIRNA FROTA MOTA. Documentos internacionais sobre adoção. Disponível em https://1library.org/article/documentos-internacionais-sobre-ado%C3%A7%C3%A3o-da-ado%C3%A7%C3%A3o-internacional.zx5k73nq. Acesso em 13/04/2021.
[10] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 279.
[11] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 484.
[12] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito de Família: parentesco. vol. III. São Paulo: Max Limonad, 1947, p. 177.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 337.
[14] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito de família. 37 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 336.
[15] OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 256.
[16] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Editora Rio, 1976, p. 351.
[17] Id. Ibid., p. 822.
[18] OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 257.
[19]VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, 284.
[20] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 16.
[21]FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Claudia Bortolozzi. Adoção por Homossexuais: a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica. Curitiba: Editora Juruá, 2009, p. 103.
[22] BUZOLIN, Livia Gonçalves. Direito homoafetivo: criação e discussão nos Poderes Judiciário e Legislativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 62.
[23] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 752.
[24]FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Claudia Bortolozzi. Adoção por Homossexuais: a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica. Curitiba: Editora Juruá, 2009.
[25] WAMBIER. Teresa Celina Arruda Alvim. Um Novo Conceito de Família: reflexos doutrinários e análise da jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 83.
[26] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 32),
[27] DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 121.
[28] MARMELSTEIN, George. Uma Importante Decisão do STJ. Disponível em: https://direitosfundamentais.net. Acesso em 25/10/2021.
[29] WAMBIER. Teresa Celina Arruda Alvim. Um Novo Conceito de Família: reflexos doutrinários e análise da jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 83.
[30] GORISH, Patricia. O reconhecimento dos Direitos Humanos LGBT: De Stonewall à ONU. Editora Appris, 2014, p. 103.
[31] PERTIEL, Adriana Maria dos Santos. Adoção monoparental por casais homoafetivos: efeitos à luz dos Direitos Fundamentais. Curitiba: Juruá, 2015, pág. 87.
[32] SILVA, Guilherme. A Gazeta: comportamento. Disponível em: https://www.agazeta.com.br/revista-ag/comportamento/fabiano-contarato-ouvi-de-um-promotor-que-uma-crianca-nao-poderia-ter-dois-pais-0821. Acesso em 13/01/2022.
[33] DINIZ, Iara. A Gazeta: Politica. Disponível em: https://www.agazeta.com.br/es/politica/promotor-do-es-contrario-a-dupla-paternidade-de-filho-de-contarato-e-suspenso-por-5-dias-1220. Acesso em 14/01/2022.
[34] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Processo REsp 1281093 / SP. RECURSO ESPECIAL 2011/0201685-2 Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI (1118). Data do Julgamento: 18/12/2012. Data da Publicação/Fonte DJe 04/02/2013. RBDFS vol. 32 p. 136. RBDFS vol. 34 p. 152. RIOBDF vol. 76 p. 75. RSTJ vol. 229 p. 349. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23042089/recurso-especial-resp-1281093-sp-2011-0201685-2-stj/inteiro-teor-23042090. Acesso em 17/11/2021.
Bacharelando em Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, JONATHAN JONHSON LIRA. Adoção homoafetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58419/adoo-homoafetiva. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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