Resumo: O presente artigo pretende abordar de forma sucinta e imparcial a exclusividade da posse como requisito para a usucapião entre herdeiros de imóvel objeto de herança. O tema é recente e demonstra relevância por abranger importantes áreas do Direito Civil, tais como o Direito Sucessório, Direito das coisas, Direito condominial, dentre outros. Assim, por meio de breves considerações, o trabalho tratará da possibilidade de usucapião nas circunstâncias mencionadas, mas sem pretender esgotar o tema, tendo em vista a sua complexidade.
Palavras-chave: Usucapião - Posse exclusiva - Herança
Abstract: This article aims to briefly and impartially address the exclusivity of possession as a requirement for adverse possession between heirs of property object of inheritance. The theme is recent and shows relevance for covering important areas of Civil Law, such as Succession Law, Law of Things, Condominium Law, among others. Thus, through brief considerations, the work will address the possibility of adverse possession in the aforementioned circumstances, but without intending to exhaust the subject, in view of its complexity.
Key-words: Adverse possession - Exclusive possession – Inheritance
1 INTRODUÇÃO
A usucapião é uma das formas de aquisição de propriedade de bens móveis e imóveis pelo seu uso prolongado no tempo, evidentemente, mediante a presença de alguns requisitos e circunstâncias previamente delimitados pela Lei.
Nada mais é do que um instituto criado a fim de regularizar uma situação de fato já existente, punindo aquele que não faz uso da propriedade conforme os fundamentos do nosso Direito, e, em contrapartida, privilegiando aquele que o faz.
A princípio pode parecer injusto que alguém deixe de ser dono de algo apenas pelo uso do outro, mas é importante lembrar que a Constituição Federal consagra como princípio a Função Social da Propriedade, que significa que os bens devem ser utilizados com fins que favoreçam à toda coletividade, e não apenas os seus respectivos proprietários.
Dessa forma, percebe-se que o instituto da usucapião tem importância inegável no que se refere a efetivação de direitos fundamentais, como o direito à propriedade, a moradia e ao mínimo existencial, na medida que estimula a função social da propriedade.
Entretanto, a controvérsia reside na possibilidade da aplicação do instituto quando as partes envolvidas são herdeiros e o bem que se pretende usucapir for imóvel objeto de herança.
Como exemplo, imagine a situação em que dois irmãos herdem do pai uma casa, tornando-se cada um deles proprietários de metade do bem, embora apenas um resida no imóvel. Nessa hipótese, seria possível a usucapião da parte do irmão que não exerce a posse do imóvel pelo irmão que a exerce? Consoante entendimento do STJ a resposta é sim, desde que haja conjuntamente aos demais requisitos legais, a exclusividade da posse do usucapiente.
Mas o que seria essa “posse exclusiva”? Para entender o requisito imposto pelo tribunal superior, primeiramente faz-se necessário entendermos alguns conceitos afetos ao tema das sucessões, do direito das coisas e do direito condominial.
2 DESENVOLVIMENTO
É sabido que a herança transmite-se automaticamente aos herdeiros pelo princípio da saisine, isto é, antes mesmo da formalização da transmissão da titularidade do patrimônio do falecido, havendo o óbito, os bens do falecido passam de forma instantânea para a propriedade dos herdeiros, nesse sentido, dispõe o Código Civil em seu artigo 1.784
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. (BRASIL, 2002, art. 1.784):
A finalidade do princípio é impedir que o patrimônio que pertencia ao falecido fique sem titular, considerando que a formalização da partilha com a realização do inventário pode demorar bastante tempo, o que justifica a transmissão automática no exato momento da morte. Nesse sentido explica Rosenvald:
Efetivamente, com a abertura da sucessão (= morte da pessoa humana ), todas as suas relações patrimoniais (ativas e passivas) são transmitidas automática e imediatamente para os seus herdeiros. É como se o próprio autor da herança, em seu último suspiro de vida, no limiar de sua morte, estivesse, com as próprias mãos, transmitindo o seu patrimônio. (CHAVES, ROSENVALD, 2021, p.122).
Dessa forma, uma vez transmitida de forma automática a propriedade de um imóvel para dois ou mais herdeiros, temos a incidência de outro importante instituto para a devida compreensão do tema, que será explicado no parágrafo seguinte.
Em regra, a propriedade é titulada apenas por uma pessoa, no entanto, em situações específicas a propriedade pode pertencer à duas ou mais pessoas simultaneamente, caracterizando, dentre outros institutos, a figura do condomínio.
No caso de transmissão da propriedade por sucessão hereditária o condomínio formado é classificado como eventual ou incidental, pois se origina de motivos estranhos à vontade dos condôminos.
Importante aclarar que o condomínio que justifica a usucapião entre herdeiros é o pro indiviso, que é aquele em que as partes não se localizaram faticamente, isto é, quando o imóvel não fora dividido em partes, como por exemplo uma casa em que não se delimitou fração da área para um herdeiro e a outra fração para o outro.
Por fim, uma vez “preparado o terreno” com as explicações dos institutos acima, convém entender o que seria a posse exclusiva no contexto da usucapião entre herdeiros.
A posse é classificada de várias maneiras, podendo haver composses, posses paralelas, e além de outras a posse exclusiva, que pode ser conceituada como aquela exercida por um único possuidor, sem a oposição dos demais condôminos, isto é, todos os atos inerentes a posse são realizados unicamente por um possuidor.
Portanto, uma vez caracterizado o condomínio eventual em razão da transmissão automática da herança do bem, e havendo posse exclusiva de um dos herdeiros, em razão da conduta desidiosa dos outros herdeiros/condôminos, que nada fazem ou não se importam com a posse sendo exercida de forma exclusiva por um deles, tem-se a possibilidade de o bem ser usucapido, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Resp. nº 1.631.859, vejamos um trecho da decisão:
O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.
Importante mencionar que a posse exclusiva deve ser inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, nesse sentido o acórdão menciona:
Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobre a coisa comum.
Ainda, no mesmo sentido Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves nos explicam:
todavia, em caráter completamente excepcional, o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a ocorrência de usucapião sobre um bem integrante da herança por um dos coerdeiros quando houver o estabelecimento da posse com exclusividade, alijando todos os demais do exercício da posse, sem oposição dos demais interessados. Seria o exemplo da fazenda que é transmitida a cinco herdeiros, mas que somente um deles exerce a posse, colhe os frutos, custeia as despesas de manutenção, sem qualquer prestação de contas aos demais.(CHAVES, ROSENVALD, 2021, p.125)
Dessa forma, resta claro, antes os recentes precedentes e entendimentos doutrinários, que é possível o usucapião entre herdeiros de imóvel objeto de herança, desde que presente a posse exclusiva, sem oposição, com animus domini e pelo prazo de 15 (quinze) anos do usucapião extraordinário, além dos outros requisitos atinentes ao instituto.
3 CONCLUSÃO
Conflitos que envolvem o direito das sucessões e a posse são mais comuns do que podemos imaginar, muito pelo desconhecimento das pessoas acerca de seus direitos hereditários e possessórios.
A posse se trata de uma situação fática protegida pelo nosso ordenamento jurídico e a sua proteção não pode ser abrandada levianamente, mesmo em situações que envolvam conflitos com outras áreas do direito, até mesmo com o direito das sucessões.
Assim, conforme exposto na introdução, o artigo pretendeu apenas tecer breves considerações sobre o tema, sem esgotá-lo, considerando que, conforme já dito, os conflitos que envolvem a temática são imprevisíveis, exigindo dos nossos juristas um aprofundamento contínuo.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1631859 SP 2016/0072937-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2018).Disponívelem:https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=RESP+1631859+SP&b=ACOR&p=false&l=10&i=10&operador=e&tipo_visualizacao=RESUMO
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Brasília: Congresso Nacional, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm Acesso em: 28 fev. 2022).
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. 17. Ed. Ver., ampl. E atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2021.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões. 7. Ed. Ver., ampl. E atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2021 V. 7.
Advogado inscrito na OAB sob o número 207.129. Formação Acadêmica: Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNA / Conclusão: 12/2020. Pós-graduado em Advocacia Cível pelo Centro Universitário UNA de Belo Horizonte/MG / Conclusão 01/2022. Experiência Profissional; TRE – Tribunal Regional Eleitoral (22/02/2017 a 28/04/2018). Cargo de Estagiário - Atividades desenvolvidas: cadastro biométrico dos eleitores de Contagem e cadastramento de novos eleitores. TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Fórum Contagem – 1º Vara de Fazenda Pública (05/2018 a 05/2019). Cargo de estagiário - Atividades desenvolvidas: análise processual, pesquisa de doutrina e jurisprudências, redação de despachos judiciais e sentenças. TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Fórum Contagem – 1º Vara Cível (05/2019 a 04/2020). Cargo de estagiário - Atividades desenvolvidas: análise processual, pesquisa de doutrina e jurisprudências, redação de despachos judiciais e sentenças.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Pedro Henrique de Oliveira. A posse exclusiva como requisito para a usucapião entre herdeiros de imóvel objeto de herança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2022, 04:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58429/a-posse-exclusiva-como-requisito-para-a-usucapio-entre-herdeiros-de-imvel-objeto-de-herana. Acesso em: 22 nov 2024.
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