RESUMO: Incentivos fiscais fazem parte do conjunto de políticas econômicas que visam a facilitar o aporte de capitais em uma determinada área da cobrança de menos impostos ou de sua não cobrança, visando ao aquecimento econômico do respectivo território, principalmente com capitais exógenos. Esse instrumento é muito usado em situações de crise, como observado durante a crise provocada pela pandemia do coronavírus, na qual devido a maleabilidade da concessão de alguns benefícios fiscais, muitos setores foram agraciados com alíquotas irrisórias ou até 0%, face a pandemia essas ações pretendem como consequência amenizar e até reverter os danos causados pelo isolamento social, a crise no sistema de saúde e a queda no crescimento da economia brasileira.
Palavras-chaves: Incentivos fiscais, pandemia, tributário, desenvolvimento econômico.
INTRODUÇÃO
Em 2020, o novo coronavírus foi responsável por provocar uma pandemia com consequências catastróficas para o mundo globalizado. Vários Estados no mundo todo lutaram sob circunstâncias adversas para minimizar o avanço e, consequentemente, o dano da SARS-CoV-2, doença causada pelo novo coronavírus de alta contaminação. Após vários sistemas de saúde colapsaram frente a esse inimigo, o mundo de maneira homogênea concentrou esforços para a produção de vacinas que possam erradicar o vírus. No Brasil, o país passa por uma onda de crises sem precedentes, nota-se enorme fragilização nas mais diversas áreas da gestão pública, com ênfase na esfera da saúde, que sofre com insuficiência de leitos e falta de equipamentos hospitalares e EPI’s necessários e adequados.
No campo da economia, o país tem um agravamento de suas crises econômicas pelo isolamento social obrigatório promulgado na lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, art. 3º, e suas consequências, como demissões em larga escala. O aumento do desemprego gera uma reação em cadeia de imediata queda da receita pública, em razão do adiamento do recolhimento de tributos federais e da redução da tributação sobre o consumo, já que os mercados estavam fechados. Além disso, o país se encontra em uma situação de crescente necessidade no aumento de benefícios sociais.
Devido a essa enorme gama de mazelas na sociedade, o Brasil, como um Estado democrático de direito, deve buscar soluções para assistir a população com direitos básicos e contornar os efeitos nefastos da Pandemia. Para isso, algumas jurisdições precisaram ser revistas para mitigar a crise, a redução de taxas de juros e a introdução de estímulos econômicos, são somente uns exemplos da conduta do governo frente à crise econômica. As respostas do Brasil para enfrentamento da crise têm priorizado a utilização de medidas fiscais, seja por meio de prorrogação do vencimento dos tributos federais, ou por meio da redução temporária de alíquotas de impostos que incidem sobre itens de extrema necessidade na área da saúde.
Em Estados democráticos e sociais de direito, como o Brasil, a tributação é instrumento da sociedade para a consequente execução dos objetivos constitucionais. Assim, a importância da tributação não se justifica somete para fins arrecadatórios, mas também possui a finalidade de regulação de comportamentos sociais, políticos e econômicos, principalmente em tempos de crise. O manejo do tributo de finalidades regulatórias, tem na prática o seu uso feito através da concessão de benefícios fiscais, concedidos estrategicamente a setores específicos para uma finalidade de bem comum, constituindo funções distributiva, indutora e estabilizadora. Para a concretização de um governo democrático social de direito, a legislação federal de 1988 preconiza a concessão de créditos, moratória, incentivos fiscais, entre outros instrumentos explorados no presente artigo.
Em face do momento ímpar e desafiador que a sociedade mundial enfrenta na pandemia do coronavírus, o presente artigo faz uma análise das concessões de incentivos fiscais e suas nuances no combate à pandemia e superação da crise econômica, identificando em quais momentos podem ser empregados para promover o desenvolvimento nacional, bem como os parâmetros de constitucionalidade ou inconstitucionalidade que permitem o seu controle.
1.ESTADO E ECONOMIA
O Estado é uma entidade criada e composto por instituições político-administrativas com a intenção de organizar e liderar determinado território, sua atuação é necessária e autorreguladora; é responsável por estabelecer uma estreita correlação entre o sistema político e a economia, tornando-se um regulador de normativas econômicas.
Uma de suas funções é a de intervir de maneira sistemática em situações de calamidade pública afim de reverter o quadro. O Estado pode privilegiar determinadas atividades em detrimento de outras, orientando os agentes econômicos no sentido de adotar aquelas opções que se tornarem economicamente mais vantajosas para o bem-estar social de Direito. Também pode se valer da política fiscal para alcançar finalidades específicas, como, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais setoriais ou regionais, utilizando a maior ou a menor incidência de carga tributária como mecanismo redutor de custos e estimulador de atividades econômicas. Entretanto, o incentivo fiscal tende a ser bastante atrativo por gerar posições de vantagem no mercado para os agentes econômicos agraciados. Por isso, para não haver disparidades nos benefícios, a finalidade do uso deve ter amparo na Constituição.
A ação do Estado sobre o domínio econômico não poderá ignorar a Constituição, que no seu artigo 170 prevê que a ordem econômica deve ser alicerçada na valorização do trabalho de livre iniciativa para assegurar a todos a existência pautada por justiça social, como a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, inciso VII), a busca do pleno emprego (art. 170, inciso VIII) e a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II).
Em suma, a desoneração fiscal pode ser uma eficiente intervenção indutora do Estado para promoção do desenvolvimento econômico ou frear uma crise. No entanto, o uso desse instrumento deve atentar para as molduras traçadas pela Constituição, uma vez que a eficiência econômica, por si só, não legitima as ações estatais.
Além da função de arrecadação para o erário, os tributos apresentam função redistributiva e regulatória, podendo oportunizar a regulação de mercado e a redução de desigualdades sociais, dito isso, muitos tributos brasileiros têm finalidades direcionadas para promover a intervenção estatal na economia privada e meio social. Através da tributação o Estado intervém indiretamente sobre o domínio econômico para induzir determinados comportamentos, esse instrumento de intervenção estatal é chamado de extrafiscalidade, que se configura pelo “emprego deliberado do instrumento tributário para finalidades não financeiras, mas regulatórias de comportamentos sociais, em matéria econômica, social e política” de acordo com Geraldo Ataliba.[1]
Seguindo esta linha de pensamento, a extrafiscalidade pode ser conceituada como um conjunto de normas que tem por finalidade dominante o alcance de resultados econômicos ou sociais democráticos, por meio da utilização do instrumento fiscal, como o aumento ou queda nas alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir contribuintes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa e não através de obtenção de receitas para as despesas. Ou seja, as exações e desonerações tributárias se tornam ferramentas para o incentivo ou coibição de condutas por parte dos destinatários, contribuindo para a realização de finalidades propugnadas pela Constituição Federal justificadas por condutas que promovem a efetivação de objetivos constitucionais com impactos na esfera social sendo esses os objetivos que legitimam a intervenção estatal.
Nota-se que o conceito de extrafiscalidade é de caráter não-arrecadatório, ou seja, sem um padrão da fiscalidade e sim na de assistencialismo. Tributos de cunho fiscal seriam instrumentos de arrecadação, enquanto tributos extrafiscais seriam preponderantemente mecanismos de intervenção na ordem econômica e social. Ambos os tributos ´podem coexistir e até mesmo ser alterado. Por exemplo, tributos de caráter eminentemente arrecadatório, como o Imposto sobre a Renda, podem ser alterados com finalidades extrafiscais.
1.1 Incentivos Fiscais
Incentivos fiscais são medidas que estimulam a realização de determinada conduta através da concessão de benefícios econômicos como instrumento de intervenção no domínio econômico a fim de que se possam concretizar valores norteadores do Estado. No mais, entende-se que os incentivos constituem “medidas fiscais que excluem total ou parcialmente o crédito tributário, aplicadas pelo Governo Central com a finalidade de desenvolver economicamente uma determinada região, ou um determinado setor de atividade” (MOURA)[2].
O Ministro Ricardo Lewandowski expõe que incentivos ou estímulos fiscais são todas as normas jurídicas ditadas com finalidades extrafiscais de promoção do desenvolvimento econômico e social que excluem total ou parcialmente o crédito tributário[3].
Entretanto, configura como incentivo fiscal não somente exclusão de crédito tributário, a redução de alíquotas ou mesmo a postergação do prazo de recolhimento de determinada exação também podem funcionar como incentivo fiscal. A alíquota é o percentual aplicado para o cálculo do valor de um tributo, na teoria a técnica da “alíquota zero” é diversa da isenção, ao se estabelecer a alíquota de 0%, ocorre a nulificação do montante devido a título de tributo. Isso não significa que o produto seja isento, mas apenas que sua alíquota foi fixada em valor 0%. A alíquota zero não funciona como tributo devido, já que no fim o valor do tributo é nulo. Na prática, o resultado financeiro é equivalente a uma isenção, porém a distinção do uso entre a alíquota 0% e a isenção assegura a inaplicabilidade das restrições fixadas no art. 150, §6º, da Constituição Federal.
“art. 150 [...] § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g. (Redação da EC 03/93).”
Ou seja, enquanto a concessão da isenção de tributos depende da lei específica, a alteração de alíquotas pode ser realizada de maneira mais flexível através de simples decretos do Poder Executivo, fazendo com que a regulação econômica através de políticas fiscais atue de maneira mais orgânica. Ainda sobre as alíquotas, o art. 14, §3º, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que versa acerca da concessão de benefícios tributários, exclui alterações das alíquotas dos impostos nos impostos sobre a exportação exterior de produtos nacionais, impostos sobre produtos industrializados e imposto sobre operações de créditos; previsto nos incisos I, II, IV e V do art. 153, que versa acerca da obrigação da União de instituir impostos.
No entanto, não se deve pensar que a concessão de créditos tributários ou o a moratória provoca uma perda de crédito para a União. No caso da moratória, o adiamento do espaço da dívida gera juros e correção monetária assumidos pelo Estado, tal qual a concessão de créditos tributários. É inegável que esses estímulos se assemelham à ideia de incentivo fiscal, já que tanto na redução da alíquota, a produção de crédito e a moratória geram para o beneficiado um saldo menor de despesas a curto prazo.
Pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento, de caráter tributário ou financeiro, que conceda particulares vantagens com finalidades constitucionalmente previstas de bem comum. Essa intervenção estatal pode operar a alíquota sobre impostos provocando subtrações ou exclusões de cargas tributárias; adiar prazos de adimplemento dessas obrigações; e até mesmo autorizar transferências diretas destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas.
A legitimidade da concessão de benefícios fiscais deve estar associada com o amparo constitucional, a verificação das finalidades da medida, e a sua pertinência com relação aos valores da União refletidos no texto constitucional de promoção do bem-estar coletivo. Será ilegítimo o benefício com o intuito de privilegiar pessoas ou situações específicas, devido ao princípio constitucional da igualdade e da intervenção do Estado sobre a economia. Para o monitoramento, parâmetros avaliam a compatibilidade da necessidade e o uso, como por exemplo, o uso da norma tributária indutora não pode ser maior que o objetivo do uso previsto na lei orçamentária e no orçamento da União vigente. Tampouco, deve haver uma análise econômica do potencial da eficiência do benefício fiscal afim de gerar uma estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, como versa o artigo 14 da Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000.
Em suma, o benefício precisa obedecer a regra da proporcionalidade e igualdade na intervenção econômica. A regra da proporcionalidade possui três elementos, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade. Um meio é considerado adequado quando for capacitado para uma ação que visa um resultado necessário; (I) Por implicar restrições aos direitos humanos (II) caso a realização do objetivo não possa ser promovida por meio de outro ato com melhor efetividade. O conceito de proporcionalidade está ligado a um juízo de ponderação acerca do equilíbrio de poderes, onde nenhum poder legislativo, social ou democrático é maior sendo todos de iguais intensidade. É necessário também que haja observância ao princípio da igualdade evocado no art. 5º da Constituição Federal, no qual dispõe que todos são iguais perante a lei que garante a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.[4]
Na prática, as normas tributárias indutoras podem ser utilizadas para induzirem comportamentos positivos ou negativos, sendo sempre necessário um rígido grau de arbitrariedade. Todavia, pode ser bem difícil avaliar a conjuntura de um benefício fiscal, por vezes, normas tributárias indutoras são empregadas embasadas majoritariamente em critérios econômicos.[5]
Em tempo de crise internacional, como o da pandemia do coronavírus, incentivos fiscais são dirigidos a setores específicos, pautados em visões macroeconômicas sobre o comportamento da demanda doméstica e dos investimentos das empresas, e na busca da equidade ou justiça social. Como um exemplo aplicado na pandemia, tem-se os incentivos fiscais para empresas que produziram insumos de biossegurança, esse pautado na alta demanda do mercado erada pela demanda social universal de necessidade universal da sociedade de proteção contra o coronavírus.
2.IMPACTOS ECONÔMICOS DA PANDEMIA
Em abril de 2020 a economia mundial desabou em virtude da pandemia do novo coronavírus. Rapidamente o pânico se alastrou pelo mundo. Muitos governos tropeçaram na luta contra a Covid-19, o que abalou a confiança na solidez dos Estados perante crises. Diante de um cenário de incertezas e isolamento social o consumo caiu, abalando todos os mercados financeiros, a diminuição do consumo das famílias e dos investimentos das empresas abalou o crescimento do PIB de muitos países. Esse temor ocasiona efeitos prejudiciais na concessão de crédito. O resultado: menos dinheiro disponível, menos gastos, menos produção, menos crescimento e menos emprego.
Com esse cenário temeroso, medidas de estímulo à demanda interna devem ser tomadas. Dentre os instrumentos possíveis, a concessão de incentivos fiscais se mostrou muito maleável durante a crise. A sua celeridade se torna uma importante aliada do Poder Executivo para a retomada do crescimento econômico. As normas tributárias indutoras estruturadas judicialmente passam a ter importantes funções em tempos de crise como a do coronavírus, além de estimular o crescimento econômico, por meio da redução do custo de impostos incidentes sobre o consumo, contribuem também para a equalização das distorções provocadas no mercado em virtude da crise de crédito e da retração do consumo.
É importante salientar que mesmo os benefícios concedidos durante a crise devem estar de acordo finalidades constitucionais de promoção do desenvolvimento nacional e não ferir o princípio da igualdade, além disso devem ser destinados em caráter temporário, com objetivos de curto prazo claros e delimitados, aos setores mais prejudicados pela crise e produção de emprego; por último, esses benefícios devem garantir o desenvolvimento econômico nacional de modo harmônico na federação brasileira. Daí porque a correção de assimetrias financeiras negativas, decorrentes do uso de normas tributárias indutoras, se revela indispensável para a preservação da compatibilidade das medidas extrafiscais com as finalidades constitucionais que as lastreiam.
2.1 Brasil frente à crise do Covid-19
A Constituição Federal resguarda a concessão de incentivos fiscais para a garantia de direitos fundamentais, tais como: desenvolvimento, educação, cultura, tecnologia, meio ambiente e saúde. Esta última, se tornou alvo de muitos fomentos do momento da crise de 2020, através da concessão de incentivos fiscais, o país alimentou a economia e combateu o avanço do coronavírus.
Desde que respeitados os princípios constitucionais, exações e desonerações tributárias podem ser colocadas como ferramentas para a concretização de condutas afim de reverter crises. Assim, em 2020, em observância ao princípio do bem-estar social e à pandemia do Covid-19, a receita pública, especialmente neste caso, se viu obrigada a se reinventar em meio a uma crise sem precedentes, embasados pela legislação constituinte do sistema tributário nacional, criou-se inúmeras intervenções do poder executivo afim de realizar o objetivo de bem-estar social e comum frente as mazelas trazidas pela doença SARS-CoV2.
A Constituição Federal dispõe, no §6º do artigo 165 que “o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. Isto é, o orçamento deve estar acompanhado de demonstrativo dos efeitos de todas as renúncias e subvenções, com a finalidade de desmascarar os incentivos camuflados, tudo isso em respeito ao princípio da transparência ou clareza, que impera sobre a lei orçamentária afim de facilitar o manejo do orçamento, até mesmo em momentos de crise. No entanto, justamente por conta desse rebuscado sistema de proteção orçamentária, o Brasil em 2020 se viu perdido em seus próprios protocolos, muitas vezes atrasando ações primordiais para frear a crise. Nesse contexto de combate à crise econômica da Covid-19, o Governo brasileiro acaba utilizando em larga escala os incentivos fiscais justamente pela sua maleabilidade jurídica, que em outros cenários podem ser vistos de forma negativa.
Observa-se no momento da crise de 2020 o setor empresarial como um dos protagonistas no acometimento e enfrentamento da crise atual. Muitas empresas tiveram que revisar seus orçamentos, a fim de conter custos, tomando medidas como renegociação de contratos, ajustes das relações empregatícias, gerando grandes consequências como o aumento do desemprego em 2020 e falências.
Visando se adequar à realidade da crise, as normas jurídicas tributárias apresentam instrumentos aptos para as finalidades do Estado, como os incentivos fiscais de controle de mercado. Nesse viés, a função arrecadatória do tributo assume função secundária, posto que a extrafiscalidade produz medidas mais efetivas de indução econômica no contexto da pandemia de 2020. Assim, os incentivos fiscais tais como a desoneração, redução de alíquotas a zero, o incremento e diminuição de custos de produção de certos materiais necessários à utilização do combate à Covid-19, tornaram-se a principal estratégia política-tributária a fim de solavancar a devastada situação econômica do Brasil.
No entanto, não é somente o setor empresarial afetado com essas regalias, a crise afetou os mais diversos setores econômicos da sociedade, fazendo com que a União levantasse dados acerca da consequência do uso de incentivos fiscais nos mais variados setores. Um exemplo é o setor de turismo fortemente afetado pelo isolamento social, sendo a causa da tramitação no Senado Federal do Projeto de Lei n° 800, de 2020, que visa instituir incentivos fiscais para este setor durante a pandemia.
A postergação do vencimento do pagamento dos tributos federais foi outra estratégia econômica adotada já que contribui na manutenção do fluxo de caixa. Contudo, essas ações de incentivos fiscais, se não adotada de forma estratégica pelas empresas, podem representar um acúmulo de obrigações tributárias na qual a empresa não conseguirá sanar, podendo prejudicar o seu orçamento. Para reverter tal problema, o perdão dos tributos diferidos durante a Pandemia do coronavírus, é uma possibilidade sendo discutida. Ademais, espera-se que as empresas devam investir no desenvolvimento de inovação, a fim de encontrarem alternativas tecnológicas à crise, garantindo-se assim a continuidade do país e a manutenção da competitividade do mercado. Por isso, é necessária a inserção de políticas fiscais como estímulo para o setor de pesquisa, desenvolvimento e inovação, já que demandam atenção diante do cenário de crise.
Uma medida que poderia ser adotada para estímulo do desenvolvimento de inovação como forma de encontrar soluções para sobrevivência no contexto de crise, seria a eliminação do limitador definido na Lei do Bem (Lei 11.196.05), pois a principal lei de incentivo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) exige, para concessão do benefício, que a empresa apresente resultado fiscal positivo. Exigência essa que dificilmente será cumprida por boa parte do setor empresarial diante do cenário econômico atual, ou por ninguém que do incentivo necessite. De acordo com Aldazabal, a eliminação desse condicionante representaria hoje mais uma obrigação do que de fato uma necessidade, visto que esses benefícios são importantes ferramentas de intervenção estatal para impulsionar a manutenção da atividade econômica do Brasil, permitindo contratação, renovação de maquinário e outros fatores indispensáveis para sobrevivência da empresa e o recolhimento de tributos para financiamento do Estado social, principalmente no contexto da crise do coronavírus.
Dito isto, estimular a atividade empresarial, mais precisamente, os setores diretamente abalados pela pandemia, encontra respaldo constitucional, já tendo sido, inclusive, utilizado em crises passadas, fazendo-se como medida urgente para a conservação de empregos, giro econômico social e equilíbrio orçamentário dentro do cenário de crise financeira.[6]
Para a reversão da crise, o Estado utilizou também do fomento à produção de material hospitalar, equipamentos, medicamentos e insumos necessários para a prevenção da covid-19, que deflagrou uma histórica crise na saúde pública brasileira. Por conta de uma reação em cadeia provocada pela insuficiência do número de leitos de UTI, a saúde pública colapsou, expondo outros problemas como a falta de profissionais e suprimentos. Tal quadro demanda da união imediato recurso financeiro eficiente na logística dos entes federados. Nesse contexto, é de interesse a análise da pertinência da concessão de incentivos fiscais com a finalidade de fomentar a produção industrial voltada à prevenção e ao tratamento da Covid-19. Compreendendo assim, a produção de material hospitalar, produtos de limpeza e higiene, máscaras e equipamentos de proteção individual para utilização pelos profissionais da saúde, respiradores, estruturas de leitos hospitalares e de Unidades de Terapia Intensiva, medicamentos a serem incluídos em protocolo para tratamento da doença, matérias primas e demais insumos necessários à produção destes itens, dentre outros ligados à mesma finalidade.
Já houve a concessão pelo Governo Federal, de incentivo fiscal consistente na redução temporária à alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, visando o incremento e a diminuição de custos de produção, em relação a produtos como álcool etílico 70%, desinfetantes sanitários, gel antisséptico à base de álcool etílico 70%, vestuário e seus acessórios de proteção, aparelhos respiratórios, máscaras de proteção contra materiais potencialmente infecciosos, artigos de laboratório ou de farmácia, luvas, termômetros clínicos, e outros equipamentos e aparelhos (BRASIL, 2020). Assim também, a redução temporária da alíquota do Imposto de Importação para zero por cento, implementada pela Resolução nº 17, de 17 de março de 2020, ampliada pela Resolução nº 22, de 25 de março de 2020, do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior, se caracteriza como incentivo fiscal à entrada no mercado interno dos materiais hospitalares que especifica, tendo por objetivo facilitar o combate à Covid-19.
Outro incentivo fiscal concedido pelo Governo Federal, através do Decreto nº 10.318, de 9 de abril de 2020, reduz a zero as alíquotas de PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a venda no mercado interno e sobre a importação de sulfato de zinco para medicamentos utilizados em nutrição parenteral, relacionado ao tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus.[7]
No caso dos respiradores e dos equipamentos de proteção individual (EPI), por exemplo, a maioria deles não é fabricada no Brasil e em outros países, encontrando-se quase totalmente na mão de um único país no mundo: a China. A falta destes equipamentos indispensáveis ao tratamento da COVID-19 chama a atenção. Após transações internacionais frustradas na tentativa de compra de ventiladores mecânicos da China, iniciou-se uma campanha interna para não mais dependermos do mercado internacional, que se encontra saturado, sem disponibilidade para atender a demanda em nosso país. Assim, o Ministério da Saúde vem contratando empresas brasileiras para a produção destes respiradores.
Diante do cenário temeroso, medidas de estímulo à demanda interna são remédios indispensáveis. E dentre os instrumentos possíveis, a concessão de incentivo fiscal para fomentar a produção de tais materiais destaca-se como medida relevante. A solução para o problema dos ventiladores, está na alteração na linha de produção de empresas para fabricar equipamentos ou produtos destinados ao combate da pandemia. Nesta direção, o Ministério da Defesa convocou empresas na ação denominada “Covid-19, Produtos ao Alcance de Todos”, com o objetivo de identificar as empresas que podem fornecer equipamentos para auxiliar no combate ao vírus.
Assim, diante da necessidade de aumento da produção de materiais hospitalares e equipamentos essenciais à prevenção e tratamento da doença, no mercado interno, presente o interesse público, parece justificável no campo jurídico tributário e econômico, a utilização de incentivos fiscais em favor das empresas que modificaram e que pretendem modificar seus meios de produção, em auxílio ao enfrentamento da pandemia, podendo alcançar, também, as fabricantes especializadas como incentivo a novos investimentos e incremento da produção, representando inclusive, uma alternativa para enfrentamento da crise financeira que assola o setor empresarial.
Dessa forma, o fomento à produção de materiais hospitalares à prevenção da pandemia atua como papel promocional de incentivo fiscal, a fim de impulsionar ações e correções do sistema econômico, visando garantir benefícios, em vista de planejamento público previamente motivado.
3.CONCLUSÃO
A presente investigação expressou que, diante de todo o caos instalado pela pandemia da Covid-19, que fragilizou e levou a colapso sistemas públicos de saúde em todo o globo, os países necessitam, com demasiada celeridade, encontrar formas de manter o abastecimento de seus sistemas de saúde, de modo a possibilitar o eficaz enfretamento da disseminação do vírus e a minimização dos óbitos em decorrência do agravamento do quadro causado pela Covid-19. Notou-se também que a paralização compulsória, decretada como medida para conter a propagação do vírus, a fim de melhor estruturar o sistema de saúde para enfretamento da pandemia, apresenta reflexos nefastos, em especial para o setor empresarial, os quais tendem a piorar, sem perspectiva de melhora a curto prazo.
Assim, buscou-se demostrar que os incentivos fiscais já vêm sendo utilizados timidamente pelo governo brasileiro, representam resposta viável a ser adotada para abastecimento do aparato necessário para o enfretamento da doença, representando, inclusive, estímulo para indústrias que atuam em outros setores e se viram fragilizadas na crise instalada, para fomentarem a produção de material hospitalar e equipamentos de suma importância neste momento.
Ademais, como já ocorrido no passado, os benefícios fiscais podem ainda auxiliar na recuperação econômica do país, em especial, na recuperação financeira do setor empresarial, evitando ou diminuindo o número de demissões e encerramento de empresas, que acarretam a diminuição da arrecadação de receita pública. Nesse contexto, verificou-se que, na concessão e regulação de auxílios fiscais adotados durante esta situação extremada, os limites constitucionais e legais vêm sendo respeitados, destacando-se para tanto, a flexibilização da lei de responsabilidade fiscal especificamente com relação ao manejo de programas públicos destinados ao enfrentamento do estado de calamidade gerado pela disseminação da Covid-19, já referendada pelo Supremo Tribunal Federal. Importante consignar, ainda, que as benesses fiscais devem ter prazo determinado, visando evitar os abusos na concessão de incentivos, já combatidos no passado.
As normas tributárias indutoras podem se revelar eficientes instrumentos de estímulo do comportamento dos agentes econômicos, promovendo o aumento da demanda, da produção, dos investimentos internos, e da oferta de emprego. Tais fatores são indispensáveis ao crescimento econômico, componente da equação geradora do desenvolvimento nacional, principalmente em épocas de crise como a de 2020.
Inevitavelmente, toda crise chega ao fim, mas não sem deixar marcas, tanto positivas quanto negativas. Algumas são claramente perceptíveis; outras exigem exames com lupas de maior alcance, não apenas focadas no campo da visão tributária, mas também econômica e financeira.
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[1] Fonte ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. p. 151
[2] MOURA, Maria Aparecida Vera Cruz Bruni de. Incentivos Fiscais Através das Isenções. In: NOGUEIRA, Ruy Barbosa (Coord.). Estudos de Problemas Tributários. São Paulo: José Bushatsky, 1971. p. 135.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 577.348 e Recurso Extraordinário n. 561.485. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento em 13.08.09, Plenário, Informativo n. 555. Disponível a partir de:. Acesso em: 08 set. 2010
[4] Cf. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2009. p. 648.
[5] ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. INCENTIVOS FISCAIS EM TEMPOS DE CRISE: IMPACTOS ECONÔMICOS E REFLEXOS FINANCEIROS. Revista da Pgfn, Sao Paulo. 2010.
[6] ALDAZABAL, Feliciano. O impacto do COVID-19 no processo de inovação das empresas. Panorama Farmacêutico. Publicado em 02 de abr. de 2020.
[7] BARBOZA, Ricardo Augusto Bonotto; et al. INCENTIVOS FISCAIS DIRECIONADOS A SUPRIR DEFICIÊNCIA DA SAÚDE PÚBLICA E IMPULSIONAR O REAQUECIMENTO ECONÔMICO NA PANDEMIA COVID-19. Revista Jurídica, Curitiba, v. 5, n. 62, p. 653-677, dez. 2020.
Bacharelanda em Direito – Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Nicole Santos. A importância dos benefícios fiscais em face da Pandemia de Covid-19: Uma análise sobre os impactos de programas fiscais na economia brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58532/a-importncia-dos-benefcios-fiscais-em-face-da-pandemia-de-covid-19-uma-anlise-sobre-os-impactos-de-programas-fiscais-na-economia-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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