LELAND BARROSO DE SOUZA
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise ao estudo do conflito entre a obrigatoriedade da vacina no Brasil versus o direito à saúde e o direito à autonomia do paciente. É importante destacar que as vacinas fazem parte da medicina que estabelece medidas preventivas para a preservação da saúde da população, e são d suma relevância para a sociedade, dessa forma, o surgimento rápido da vacina contra a covid-19 preveniu que a doença se tornar cada vez mais mortal para o ser humano. No entanto, para aplicá-la, o Estado deve respeitar os direitos fundamentais dos indivíduos. Sendo assim, a metodologia utilizada no presente trabalho foi a de revisão de literatura através de conteúdo (livros, artigos, doutrina, lei e jurisprudência), nos quais foram colhidos do acervo de livros pessoais do autor, bem como das plataformas online SciELO, Google Acadêmico e DATASUS. Desta forma, pode ser possível demonstrar a possibilidade de vacinação compulsória, mas a pesquisa sobre os instrumentos legais para a vacinação compulsória ainda é dificultada.
Palavras-chave: Vacina; Covid-19. Direito à Autonomia do Paciente. Direito à Saúde.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa fazer um estudo sobre a obrigatoriedade das vacinas, conflito entre o direito à liberdade e o princípio da autonomia versus o direito a saúde recentemente discutidas em âmbito nacional, em contraste com a liberdade e autonomia individual, particularmente a liberdade do indivíduo de optar por não ser vacinado. Para tanto, busca demonstrar as diversas áreas dessas duas posições e a base legal vigente no país.
A priori, é necessário expor os aspectos envolvidos na vacinação. Esta é uma das medidas mais eficazes para promover a saúde pública e pessoal de forma a evitar o surgimento de doenças imunopreveníveis. Nesse sentido, surge uma discussão entre proteção pessoal e autodeterminação ou não adesão aos planos nacionais de imunização.
Por sua vez, de acordo com o artigo 5º, é garantido a todos o direito à saúde, que é obrigação do Estado e direito fundamental do indivíduo 196, CF, “A saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”. De acordo com a classificação de Silva (2021) a saúde revela-se como uma clara obrigação não autônoma nos termos dos artigos 196 e 198 da Constituição Federal para o estabelecimento de um sistema único de saúde.
Assim, na Constituição, a liberdade individual e o autogoverno, também vinculados pela Constituição Federal, garantem ao Estado o direito à liberdade de escolha e de não intervenção na vida privada, conforme mencionado no art. 5, incisos II, VI e VIII. Por outro lado, há um direito que busca garantir a proteção coletiva como um todo, portanto o Estado tem o dever de proteger a coletividade, e não apenas a pessoa isolada, criando assim um conflito entre direitos fundamentais, autonomia e direito à saúde. Além disso, o Ministro Luís Roberto Barroso, Relator da ARE 1267879, destacou que enquanto a Constituição Federal protege o direito de todo cidadão de defender sua filosofia, religião, moral e crenças existenciais, os direitos sociais devem prevalecer sobre os direitos individuais, especialmente, no contexto da atual pandemia.
Assim, vê-se que, por um lado, há a questão do poder e da responsabilidade do Estado em prover saúde à sociedade pelos meios necessários para garantir a proteção individual e coletiva dentro da lei. Nesse viés, por sobrevir o debate em momento pandêmico e após as decisões do STF gerarem inúmeras discussões acerca do acolhimento a assegurar o interesse a coletividade, intenta demonstrar as prerrogativas do direito à saúde e o direito à liberdade de forma a equiponderar ambos.
2. HISTÓRICO DA PANDEMIA DE COVID-19
Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada para um número alarmante de casos de pneumonia na cidade chinesa de Wuhan. Este é um novo tipo de coronavírus que não foi encontrado em humanos antes. No mês seguinte, as autoridades chinesas confirmaram que haviam descoberto um novo coronavírus, então conhecido como Sars-CoV-2.
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde:
O coronavírus está em todo lugar. Eles são a segunda causa mais comum do resfriado comum (depois dos rinovírus), e até as últimas décadas raramente causavam doenças mais graves do que o resfriado comum em humanos. Ao todo, sete coronavírus humanos (HCoVs) já foram identificados: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-COV (que causa síndrome respiratória do Oriente Médio) e o, mais atual, novo coronavírus (iniciou-se temporariamente nomeado 2019-nCoV e, em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-CoV-2). Esse novo coronavírus é responsável por causar a doença COVID-19 (SILVA, 2021).
No trabalho atual, o Sars-CoV-2, causador da doença Covid-19, será referenciado quando termos como coronavírus ou novo coronavírus forem usados. No final de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde designou o surto do novo coronavírus como Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII), o nível mais alto de alerta da organização internacional (CALDEIRAS, 2021).
Esse status ajuda a informar o mundo sobre a gravidade da pandemia e facilita a coordenação entre os países para combater a propagação do vírus. De acordo com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), uma ESPII é considerada um evento extraordinário que, devido à disseminação internacional da doença, pode representar um risco para a saúde pública de outros países e exigir uma resposta internacional imediata e coordenada. Um comitê de especialistas convocado pelo Diretor-Geral da OMS para preparar pareceres sobre as medidas de emergência propostas. Antes da pandemia relacionada ao Covid-19, a OMS havia declarado apenas cinco eventos como ESPII: a pandemia de H1N1 em 2009; a disseminação internacional do poliovírus em 2014; o surto de Ebola na África Ocidental em 2014; eventos de vírus cardíacos que levaram ao aumento de casos de microcefalia e outras malformações congênitas; e surto de Ebola em 2018 na República Democrática do Congo (SILVA, 2021, p. 19).
2.1. Histórico da vacina
As vacinas são caracterizadas por intervenções bem estabelecidas que estimulam o sistema imunológico através da produção de anticorpos para prevenir e ocasionalmente reduzir doenças imunopreveníveis. Definido pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) como a maior conquista de saúde do século 20, “a vacina primariamente remonta a técnicas ancestrais que aconteciam na Índia com a inoculação de matéria natural pelo nariz. Entretanto, o formato mais próximo ao atual advém do inglês Edward Jenner, criado em 1796 que estudou a inoculação de material extraído da lesão pústula humana de varíola bovina” (RESENDE, ALVES, 2020).
Como a maioria dos países, o Brasil adota “imunização de rebanho”, essa abordagem envolve proteger aqueles que foram vacinados, ao mesmo tempo em que protege aqueles que não foram vacinados. A vacinação deu seus primeiros passos em 1811 com a criação da Comissão de Vacinas da Corte e, posteriormente, em 1892, a prática se estabeleceu no Rio de Janeiro, criando o Instituto Municipal de Vacinas. O período que se seguiu foi marcado pelo levante vacinal que ocorreu como resultado da soma de vários problemas ocorridos na época. O gatilho, no entanto, foi a Lei 1261/1904, promulgada pelo presidente Rodríguez Alves, que tornou obrigatória a vacinação e a revacinação. Se não fossem as medidas violentas e até cruéis, seria apenas mais uma atitude em prol da saúde da população, daí as prisões arbitrárias, violência policial e restrições aos direitos fundamentais (BARROS, 2021).
Logo depois o caos, insatisfação popular e os conflitos entre o direito ao governo e o direito a saúde da Lei n° 6.259 que entrou em vigência no ano de 1975 que padroniza os programas nacionais de imunização, redesenhar completamente e designar a saúde pública. A implementação do programa validou a erradicação da varíola, a redução da propagação do vírus do sarampo e da rubéola e a redução da incidência de doenças como coqueluche, meningite etc., que estão atualmente disponíveis nos calendários de crianças e adultos, cobrindo dezenove das vinte doenças em cada região vacina.
Sendo assim, graças a medidas de saúde como as vacinas, muitas doenças deixaram de representar alta mortalidade e perigo para as populações, reacendendo assim um movimento antivacinação estruturado por meio de notícias sem base científica, crenças religiosas, filosóficas e argumentos baseados na liberdade e nos direitos fundamentais na constituição da república. As alegações de que as vacinas são ineficazes e inseguras vêm da retórica do movimento de manipular lucros, controlar governos e, mais importante, temer efeitos adversos. Como resultado, muitas doenças antes consideradas erradicadas retornaram e causaram surtos preocupantes de doenças como o sarampo nos Estados Unidos e no Brasil.
Ocorre que a grande problemática, seria a obrigatoriedade da vacina aos brasileiros, tendo em vista que muitos foram contra a vacina, e veem a não vacinação como forma de manifestação política.
2.2. Vacina do Covid-19
Em 2020, três meses após a descoberta de um novo vírus registrado na China, o Brasil e o mundo passam por uma emergência inesperada, uma pandemia global causada pelo vírus SARS-COV-2, que causa a doença da síndrome respiratória. Causada pelo coronavírus 2, isso afeta não apenas vidas, indivíduos em todo o mundo, mas também padrões políticos, sistemas econômicos e circunstâncias sociais.
No entanto, hipotetiza-se que há uma corrida contra o tempo para desenvolver uma vacina eficaz que possa resgatar e reduzir o nível de mortalidade. Com medidas draconianas, como alto número de mortos, fechamento de negócios, distanciamento social e uso obrigatório de máscaras, a pandemia expôs fragilidades nos sistemas de saúde em todo o mundo, muitos dos quais entraram em colapso. “Logo se começou uma busca científica incessante sobre as melhores maneiras de conter o alastramento do SARS-COV-2, bem como os melhores tratamentos, uma possibilidade de cura e uma vacina contra o COVID-19. Essa busca, no entanto, precisou do aval interno de cada nação e do apoio internacional em termos de compartilhamento de dados, informações e pesquisas” (MOREIRA, 2021)
A corrida para produzir e licenciar vacinas revelou a indústria farmacêutica, institutos de pesquisa e países com os maiores gastos, com países como China, Rússia e Reino Unido liderando os registros de vacinas em 2020. No final do mesmo ano, em caráter emergencial, após meses de pesquisas e ensaios clínicos, espera-se que 18 vacinas cheguem ao mundo de acordo com a capacidade de produção e cronogramas de distribuição, além de acordos firmados pelos países. Dessa forma, são utilizados como forma de evitar e diminuir a letalidade das vítimas, prevenindo novas cepas e mutações que surgiram e que causam mais danos à população.
Desta vez, as vacinas estão sendo disponibilizadas para todos ao redor do mundo, promovendo debate sobre efeitos colaterais e eficácia devido ao seu curto tempo de criação. No entanto, mesmo que a vacinação esteja diretamente ligada à imunidade individual, é indiscutível que seu impacto reflete em escala coletiva, uma vez que populações vacinadas implicam em populações protegidas. Por outro lado, populações não vacinadas ficam vulneráveis a doenças que podem se espalhar, levando a epidemias e ao retorno de doenças erradicadas, ou mesmo pandemias, como o coronavírus. (MURRER, FERRAZ, 2020).
3. AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À PROPAGAÇÃO DA COVID-19
Uma vez determinada a gravidade da pandemia de COVID-19 e a facilidade com que a doença poderia se espalhar, agências de saúde e pesquisadores de saúde em todo o mundo emitiram informações e conselhos sobre métodos preventivos para impedir a propagação do Covid-19. O foco inicial foi maior em pacientes com comorbidades e idosos, e onde mais atenção é necessária são hospitais e outras unidades de saúde que tratam pacientes com Covid-19. (BARBOSA; FERNANDES, 2020, p. 41). Em pouco tempo, no entanto, as precauções foram recomendadas e às vezes aplicadas à população em geral.
Para doenças respiratórias que são principalmente transmitidas pelo ar, o uso de máscaras e coberturas faciais é um dos meios mais básicos de proteção. Além das máscaras, a higienização das mãos e o uso de álcool gel 70% são amplamente incentivados para evitar a transmissão por contato superficial.
Muitos especialistas apontam que a maneira mais eficaz de promover o controle do vírus é o distanciamento ou isolamento social. Trata-se de restringir o movimento de pessoas, proibir reuniões e contato com pessoas fora das famílias e grupos de convivência. A estratégia visa retardar a propagação, evitando múltiplos casos ao mesmo tempo e superlotando hospitais e unidades de terapia intensiva, o que é conhecido como achatamento da curva epidêmica.
Para avaliar a evolução inicial de uma determinada doença e planejar ações para enfrentá-la, as curvas epidêmicas, também conhecidas como “curvas de contágio” na pandemia de Covid-19, são amplamente utilizadas como importante ferramenta de controle governamental. Luta contra a doença várias patologias (SCHUCHMANN, 2020, p. 3562). Achatar a curva significa alocar casos de doenças graves ao longo do tempo para evitar sobrecarga de saúde e potencial colapso. Diante de graves crises de saúde pública, a vacinação em massa é uma medida preventiva comumente utilizada, sempre que possível, para aumentar a imunidade e reduzir a mortalidade por doenças, especialmente entre as populações mais vulneráveis. Em todo o mundo, pesquisas para produzir e distribuir uma vacina contra o Covid-19 aguardam ansiosamente.
A pandemia de Covid-19 não é a primeira experiência recente que exigiu pesquisas urgentes para desenvolver uma vacina. “Nos últimos anos, a indústria e a comunidade científica foram solicitadas para produzir vacinas de forma rápida e eficaz frente às epidemias de H1N1, Ebola, Zika e, atualmente, contra o vírus SARS-CoV-2”.11 Segunda Silva (2020, p. 149) o desenvolvimento de uma vacina é um processo que requer recursos financeiros e humanos significativos e consiste em várias etapas. Pode levar anos, se não décadas, para produzir uma vacina comprovadamente eficaz e licenciada para comercialização.
A consciência da gravidade da doença e a necessidade de uma resposta rápida são motivos para investir em pesquisa e desenvolvimento de vacinas nos estágios iniciais de uma pandemia. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em dezembro de 2020, mais de 200 tipos diferentes de vacinas Covid-19 foram desenvolvidos, 52 dos quais testados em humanos. Até junho de 2021, a OMS aprovou e autorizou a vacinação com vacinas desenvolvidas pelos seguintes laboratórios: Pfizer/BioNTech, AstraZeneca/Oxford, Janssen, Moderna, Sinopharm e Sinovac (BRASIL, 2021, p. 7). Portanto, o surgimento da vacina no mundo se deu de forma extremamente rápido, pois era necessário ações imediatas no combate e controle do vírus, por este motivo, todas as indústrias farmacêuticas investiram bilhões na criação de uma vacina eficaz para o vírus da covid-19, demonstrando que o mundo atual pode agir de forma rápida e eficaz no combate de epidemias.
Mas a criação da vacina, não foi a única medida de proteção, ao contrário, ela foi a última, antes de surgir a vacina, diversas medidas foram tomadas pelos governos no Brasil, senão vejamos.
3.1. Nova legislativa como resposta de enfrentamento a covid-19
Além do próprio protocolo de prevenção, é importante revelar o arcabouço legislativo no Brasil no que diz respeito ao combate à pandemia de Covid-19 e à questão da vacinação, tanto em geral (antes da pandemia de Covid-19) quanto a posterior resposta legislativa a crise, em particular combater esta doença.
O Brasil é conhecido por suas campanhas de vacinação por meio de um sistema único de saúde. De acordo com o Ministério da Saúde:
Criado em 18 de setembro de 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é responsável pelo desenvolvimento da política nacional de imunização com a missão de reduzir a morbimortalidade por doenças imunopreveníveis e fortalecer as ações integrais de vigilância em saúde para promoção, proteção e prevenção a saúde da população brasileira. É um dos maiores programas de vacinação do mundo e é reconhecido nacional e internacionalmente. Atendendo a toda a população brasileira, atualmente estimada em 211,8 milhões de pessoas, o PNI é patrimônio da nação brasileira, mantido pelo empenho e dedicação dos profissionais de saúde, gestores e toda a população. Possui 47 anos de ampla experiência em vacinação em massa e está pronta para promover a vacinação contra o Covid-19 (BRASIL, 2021, p. 7).
O PNI foi criado pela Lei 6.259/75 e regulamenta as competências de cada órgão em relação à vacinação. Para os propósitos deste trabalho, é importante enfatizar o art. 3°, que determina “cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório” (BRASIL, 1975). Dito isto, a existência de vacinas obrigatórias foi compreendida já em 1975, quando se falava em vacinação.
Em 1976 foi editado o Decreto nº 78.231/76, que regulamenta a Lei nº 6.259/75 e detalha questões relacionadas ao PNI e vacinação obrigatória no Título II. Dispõe que o Ministério da Saúde determinará quais vacinas serão obrigatórias e disponíveis na técnica com base em critérios técnicos. 29 Todo cidadão é obrigado a submeter-se a si e aos menores sob sua tutela ou responsabilidade às vacinas obrigatórias.
Podemos citar também a Lei nº 6.360/76 como legislação relacionada ao tema da vacinação, que regulamenta a fiscalização de higiene a que devem obedecer a medicamentos, as drogas e insumos afins, cosméticos, produtos desinfetantes e demais produtos, e dispõe outras Leis das Providências 9.782/99 define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e dá outras providências.
3.2. Legislação específica de combate à Covid-19
A pandemia global causada pelo coronavírus exige regulamentações específicas por parte do poder público. A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, é a resposta da UE a essa emergência. Além da legislação federal, além do tema da vacinação, surgiram novos instrumentos legais voltados especificamente para o combate à pandemia do coronavírus. Nesse sentido, envolvem outras formas de prevenção já citadas acima, como o distanciamento social e o uso de máscaras.
Em relação ao uso de máscaras, o Serviço Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recomenda:
a) As máscaras são pessoais e não devem ser compartilhadas com ninguém.
b) A máscara deve ser substituída quando estiver úmida ou com sujeira aparente. Use a mesma máscara por no máximo três horas.
c) Como é uma barreira física aos vírus, é melhor ter pelo menos duas camadas de pano.
d) Você precisa usá-la quando sair, lembre-se de trazer a reservada e bolsa para guardar a máscara usada quando precisar substitui-la.
e) Deve cobrir o nariz e a boca e ser usado permanentemente no rosto, por exemplo, não pode ser manipulado até o queixo ou pendurado sobre uma das orelhas.
Nesse sentido, os governos federal, estadual e municipal passaram a regulamentar o uso obrigatório de máscaras em circulação em espaços públicos e espaços privados acessíveis ao público. A título de exemplo, destacam-se alguns trechos da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional causada pelo surto de coronavírus de 2019:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual;
[...] Art. 3º-A. É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos (BRASIL, 2020).
Como se vê, estados e municípios também promulgaram legislação sobre isso, mas o primeiro documento normativo que trata da emergência de saúde pública causada pelo novo coronavírus foi a citada Lei 13.919/20. A ferramenta mencionada trata de aspectos gerais de resposta a uma crise, mas possui alguns dispositivos que são particularmente interessantes em seu trabalho atual. É o caso do art. 3º, inciso III, alínea “d”, que prevê a adoção de vacinação compulsória como medida de combate à doença. Essa natureza coercitiva é objeto de duas ações inconstitucionais diretas, ADI 6.586 e 6.587, que serão exploradas posteriormente.
4. APLICAÇÃO DE MEDIDAS RESTRITIVAS DE ATIVIDADES CIVIS E SOCIAIS À POPULAÇÃO NÃO VACINADA COMO MÉTODO DE ENFRENTAMENTO AO CORONAVÍRUS
Nesta seção, partiremos dos conceitos explorados nas duas seções anteriores e buscaremos compreender melhor a possibilidade de impor restrições à população não vacinada para conter a pandemia de Covid-19 sem violar direitos de personalidade.
A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que previa medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional causada pelo surto de coronavírus em 2019, foi objeto de debate uma vez que foi publicada. Este trabalho concentra a atenção em um dispositivo específico da referida lei, a alínea “d” do Art. 3°. Implica determinar a possibilidade de vacinação obrigatória. As discussões iniciais sobre o assunto giraram em torno das implicações práticas dessa coerção. A questão é tão importante que já foi objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade pelo STF.
Chegaram ao Supremo Tribunal Federal, em 17/12/2020, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade acerca da redação da alínea “d” do inciso III, do art. 3º da Lei 13.919/20. Essas ações foram ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que questionavam a constitucionalidade da prevista compulsoriedade da vacinação.
O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado dos demais ministros, distinguiu o que seria uma vacinação forçada da proposta vacinação compulsória. O ministro discorre que é possível não se fazer necessária a aplicação da compulsoriedade da vacina, ou que pelo menos esse não deve ser o foco do governo ao tratar da vacinação. Lembrando do episódio da Revolta da Vacina43, o ministro entende que “embora a compulsoriedade da vacinação esteja prevista na legislação, a cobertura vacinal mínima necessária pode ser alcançada por meio de outros incentivos, como campanhas de vacinação”, apostando assim na eficácia das campanhas de vacina invés da necessidade de se aplicar sanções aos não vacinados (BRASIL, 2020).
Interpretou o Supremo que a obrigatoriedade da vacinação não resulta em imposição forçada aos cidadãos, de forma contrária à sua vontade, o que caracterizaria violação dos direitos fundamentais. Concluiu que “a obrigatoriedade a que se refere a legislação sanitária brasileira quanto a determinadas vacinas não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano”. Destaca-se ainda que o legislador não previu nenhuma consequência para aqueles que não cumprirem com tal obrigatoriedade (CASTRO, 2020).
O ministro resgatou o quadro histórico e demonstrou que a vacinação obrigatória já era uma realidade no país desde a implementação do PNI, em 1973, como já supracitado, e resgatou a Portaria nº 597 de 2004, que trata dos calendários nacionais de vacinação e que já trazia o funcionamento da obrigatoriedade da vacina. Prevê a Portaria:
Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada.
§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade o comprovante de vacinação deverá ser obrigatório, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória apresentação de comprovante de vacinação atualizado.
§ 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria (BRASIL, 2021, p. 90).
O que resulta disso é que as vacinas obrigatórias não são vacinas obrigatórias, mas medidas indiretas para limitar a implementação e a frequência de certos comportamentos em determinados locais. A portaria afirma que a comprovação de vacinação completa é condição para recebimento de bolsa família, ingresso em unidade de ensino, alistamento militar, acesso a benefícios do governo e até mesmo contrato de trabalho.
Assim, o STF rejeitou a retirada do dispositivo por entender que não violava nenhum dispositivo constitucional, mas enfatizou que a obrigatoriedade não deve ser considerada uma prioridade, mas sim um investimento na aprovação de uma política de saúde pública que dê ênfase à educação e à informação.
Não parece razoável atribuir valor absoluto a um direito, e eles são igualmente relevantes no ordenamento jurídico. No entanto, a caso, os juristas às vezes são colocados em situações em que alguns desses direitos devem ser ponderados para decidir qual deles deve prevalecer em determinada situação. Os conflitos entre direitos surgem quando o exercício de um direito impede ou interfere no exercício de outro direito por outra pessoa ou grupo. Em um estudo do trabalho atual, o dilema conflitante entre o indivíduo ter o direito de escolher e decidir seu próprio corpo, a escolha de ser vacinado contra a Covid-19 ou não, o respeito às próprias crenças e aos direitos dos outros. As pessoas a serem vacinadas ficam expostas a um ambiente saudável e protegem sua vida, sem falar na erradicação de todos os outros benefícios indiretos proporcionados por uma pandemia como a causada pelo coronavírus Sars-Cov-2.
5. CONFLITO ENTRE O DIREITO À LIBERDADE E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA VERSUS O DIREITO A SAÚDE
Deve-se notar inicialmente que o termo direito pode receber diferentes significados dependendo do contexto em que é utilizado. No sentido mais amplo, é [...] ordem social dotada de coerção e, ao mesmo tempo como fórmula de garantia da liberdade [...] (NADER, 2014, p. 35), ou seja, refere-se à busca de ferramentas para regular a vida social.
Esse entendimento decorre das chamadas origens jurídicas que servem de base para sua criação. Nesse sentido, como entende Paul Nader (2014), as fontes do direito podem ser: históricas, materiais e formais. As origens históricas são a essência dos conceitos jurídicos modernos, pois traduzem valores sociais ao longo do tempo de acordo com os costumes das pessoas (NADER, 2014). Fontes de materiais de guia [...] pelos fatos sociais, pelos problemas que emergem na sociedade e que são condicionados pelos chamados fatores do Direito, como a Moral, a Economia, a Geografia, entre outros. (NADER, 2014, p. 149).
Além disso, as fontes oficiais consistem em instrumentos que conferem aplicabilidade à lei, a saber: leis, costumes, precedentes, doutrinas e princípios (GARCIA, 2020). Vale destacar que os conceitos de direito e jurisprudência serão posteriormente processados para um completo entendimento.
No que diz respeito aos costumes, são comportamentos que a sociedade produz diante da prática cotidiana que podem levar ao surgimento de normas jurídicas. A doutrina, por sua vez, refere-se à atividade científica jurídica produzida por juristas que analisam, interpretam e sistematizam normas jurídicas (GARCIA, 2020).
Em sequência, esses princípios representam as normas básicas que sustentam e orientam as normas do ordenamento jurídico. Portanto, entende-se como princípio, por exemplo, a presunção de inocência, que entende que não há provas para criminalizar ninguém (GARCIA, 2020).
O termo lei ainda pode assumir a qualidade de ciência. Nesse sentido, constitui dogma jurídico, pois remete ao campo da pesquisa normativa - a ferramenta coercitiva - e às interpretações que dela decorrem (NADER, 2014).
Além disso, a ciência jurídica busca sistematizar e definir o conjunto de normas que o Estado impõe à sociedade para organizar as relações que se desenvolvem na sociedade (GRINOVER, 2015). Assim como outras ciências, o direito possui ramos em campos de estudo, como: filosofia do direito, sociologia do direito e história do direito (NADER, 2014).
Além disso, vale lembrar que ainda existem os chamados ramos do direito na ciência jurídica. Referem-se a classificações de disciplinas jurídicas destinadas a analisar um conjunto de instrumentos jurídicos de uma mesma área temática, tais como: direito civil, direito penal, direito comercial, direito do trabalho e direito tributário (NADER, 2014).
Como conclusão, vale destacar que o termo norma jurídico abrange todas as ferramentas capazes de regular a sociedade, à medida que se torna a expressão do direito como ciência. Assim, as normas legais podem ser obrigatórias, proibitivas ou permissivas, desde que implementadas por meio de leis, tratados, decretos e regulamentos (NADER, 2014).
Nessa dança, uma norma jurídica, para completar seu processo de formação e ter caráter coercitivo, deve possuir 03 requisitos básicos: fundamento, validade e eficácia (JÚNIOR, 2011). O fundamento trata do estabelecimento de correspondências lógicas entre os valores considerados importantes para a sociedade e as normas destinadas a protegê-los. A validade é consistente com a existência de regras em um ordenamento jurídico, a partir da coexistência de outra norma preexistente. A eficácia, por outro lado, inclui os efeitos que a produção de normas pode produzir (JÚNIOR. 2011). Ainda em relação ao requisito de validade, cabe destacar que nosso ordenamento jurídico possui leis para formalizá-lo. Esta é a lei introdutória das normas jurídicas brasileiras (Decreto nº 4.657), que estabelece as regras pelas quais a lei deve ser aplicada.
Para isso, o artigo 1º da referida lei estabelece que a vigência de qualquer lei terá lugar 45 dias após a sua publicação, se a lei promulgada não tiver prazo diferente. Assim, segundo o Prof. Dr. Alberto do Amaral Júnior, as normas jurídicas só são válidas se previamente verificadas, pois ―[...] a partir do momento em que foi publicada, ela será válida, mas não vigente, ou seja, completou-se o seu processo de formação, contudo ela não poderá ser invocada para produzir efeitos. (JÚNIOR, 2011, p. 7)
Para Villoro Toranzo, a obrigação normativa existe no ordenamento jurídico porque existe no [...] na vontade dos homens de forma intuitiva, evidente e inata [...]‖ (TORANZO, 1966, p. 7) organize-se socialmente. Nessa perspectiva, Júnior (2011) também aponta que a natureza imperativa do direito decorre do chamado contrato social.
O contrato social é um conceito proposto por Jean-Jacques Rousseau em 1762, que propôs que a liberdade humana só pode ser mantida se um contrato for estabelecido com base na renúncia à vontade privada em troca da igualdade de todas as pessoas. Desta vez, Rousseau (1762) nos faz a pergunta da seguinte maneira:
Agora, uma vez que é possível que as pessoas tenham novos poderes, mas apenas para unir e dirigir os existentes, elas não têm outra maneira de se protegerem senão agregar-se em uma soma de poderes que as arrastará sobre a resistência, levá-los a agir. De uma única maneira, faça com que eles ajam em uníssono. (Rousseau, 2014, p. 29)
Nessa perspectiva, Rousseau também esclarece que a aceitação do contrato social ocorre quando se forma o Estado de Direito, e no momento em que se forma o público a república ou instituição política - emerge como o representante de todos os cidadãos. Portanto, todos os que pertencem a uma política devem cumprir o contrato social, porque [...] quem se recusar a obedecer à vontade geral será constrangido pelo corpo em conjunto, o que significa apenas que será forçado a ser livre. (ROUSSEAU, 2014, p. 34).
Além disso, vale destacar que, para que um Estado exerça sua jurisdição, deve ter um instrumento que a legalize. Nesse viés, leis, tratados, estatutos, precedentes são partes integrantes das normas jurídicas (JÚNIOR, 2011).
Sendo assim, o precedente ainda pode ser classificado como precedente vinculante após repetidas decisões sobre a constituição por uma decisão de dois terços do Supremo Tribunal Federal (PARK, 2017).
Diante de todo o exposto, os tópicos a seguir discutirão especificamente todos os instrumentos legais relacionados ao direito à saúde e à autonomia privada para analisar a forma como os países lidam com as vacinas obrigatórias.
5.1. Direito à saúde
Ao longo da história humana, houve uma busca pelas origens das doenças que assolam a humanidade. Anteriormente, antes dos avanços da pesquisa e da medicina, os indivíduos afirmavam ser o castigo ou o poder divino da doença humana. Posteriormente, apreendeu-se que o ambiente pode influenciar no surgimento de doenças, utilizando insumos encontrados na natureza, por meio da inoculação.
Foi somente durante a Revolução Industrial que o Estado deu o primeiro passo em sua obrigação de assumir o papel de segurança da saúde pública. No entanto, foi somente com a criação das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde, no século XX, que o Estado assumiu a responsabilidade primordial pela promoção da saúde pública, direito social fundamental.
No Brasil, a garantia do direito à saúde aparece apenas na terceira constituição, a constituição anterior só se preocupava com a assistência à saúde dos trabalhadores do sistema previdenciário. Os artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 estabelecem que a saúde é um direito social fundamental, direito de todas as pessoas e obrigação do Estado, além de conferir outros direitos sociais. Além disso, outras leis garantem o regime de direito à saúde, como a Lei nº 8.080/90, relativa à promoção, proteção e recuperação da saúde e funcionamento dos serviços correspondentes. Lei nº 8.142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão de um sistema único de saúde e o repasse de recursos financeiros intergovernamentais na área da saúde. (PEREIRA NOBRE JÚNIOR, 2013)
Assim, o direito à saúde caracteriza-se como um direito público subjetivo, pode e deve, portanto, ser reivindicado contra o Estado de acordo com o disposto no artigo 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Obviamente, a Constituição da República elenca o direito à saúde como um direito social e, portanto, um direito fundamental, e se caracteriza por “seja formalmente, por se tratar de posição jurídica subjetiva explicitamente reconhecida no texto da Lei Fundamental ou sob o prisma material, por não ser concebível negar que o direito à saúde se cuida de direito inerente à pessoa humana” (PEREIRA NOBRE JÚNIOR, 2013)
No entanto, por sua natureza jurídica, Flávia Bahia destaca “direito à saúde é qualificado como direito fundamental do homem, garantido pelo art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 nos dizeres: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”.( MARTINS, MORAES, 2008)
Sendo esse direito inato ao indivíduo, o Estado deve garantir sua efetivação por meio de interesses positivos voltados ao bem coletivo, devendo, portanto, garantir à população um mínimo de dignidade de existência. Assim como se caracteriza pelo direito a interesses negativos, tanto os Estados quanto os indivíduos têm a obrigação legal de não afetar a saúde das pessoas e, portanto, nada fazem para evitar prejudicá-la. (COSTA, FORTES, DIEHL, 2014)
O direito à saúde é um direito fundamental, respaldado por uma dignidade que ninguém pode tirar e deve ser observada como condição de existência de todos. (MARTINS, MORAES, 2008). “Caracterizado por ser idôneo para justificar a restrição de outros direitos fundamentais, não é possível que esteja sujeito a limites. Desse modo, a solução do seu confronto com outros direitos fundamentais dependerá sempre de ponderação à luz do caso concreto”. (PEREIRA NOBRE JÚNIOR, 2013)
A julgar pela inserção da vacina contra a covid-19 e pelo que se expressa, há a obrigação legal de proteger a saúde de cada vacinado, para que seu objetivo seja viver uma vida pautada em direitos. Dessa forma, o objetivo é proteger as comunidades, reduzindo significativamente os medicamentos que causam doenças imunopreveníveis. A proteção do direito fundamental à saúde tem, portanto, um caráter não apenas individual, mas também coletivo.
5.2. Direito à autonomia e liberdade
O autogoverno é um princípio e um direito na perspectiva da política de saúde de um país e, como tal, deve ser estabelecido e reivindicado como íntegro e legítimo. Em sentido amplo, a autonomia “se refere à capacidade de participação nas decisões pessoais, de forma responsável e informada, e decisões na vida em sociedade pelo exercício da cidadania” (DALLARI, 2018). Dessa forma, eles exercem a escolha sobre uma variedade de questões principalmente relacionadas à saúde, como quais serviços de saúde desejam usar e quais atendem às suas necessidades. Pode-se ver que quando somos movidos pela vontade do mundo externo, nos acostumamos a uma mistura de autonomia e heteronomia impulsionada pela vontade própria.
“A cláusula constitucional genérica que expõe o que é liberdade encontra -se no artigo 5º, inciso II, CF, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, A liberdade, portanto, consiste em não ter que se submeter a nenhuma vontade, desde que seja constitucional na forma e na substância. (BARROSO,2010). Portanto, exerça o direito à liberdade individual para garantir que você opte por não arriscar reações adversas à vacina (DALLARI, 2018).
Por outro lado, a própria Constituição impõe limitações, respeitando a orientação e a racionalidade, levando em conta os direitos. (BARROSO, 2010) Entendendo o conceito de ser humano como agente moral, dotado de razão, deve ser capaz de decidir o que é bom ou ruim para ele, com a liberdade de se orientar de acordo com essas escolhas, desde que não violem os direitos de terceiros. (SARMENTO, 2003)
Dado que o surgimento da Constituição de 1988 está intrinsecamente ligado à proteção da dignidade humana, o valor do autogoverno privado não é apenas uma ferramenta da democracia. Pode ser inferido “a liberdade que ela pretende assegurar não é a mera liberdade formal ou negativa, circunscrita à ausência de constrangimentos externos ao comportamento dos agentes”. Percebe-se que, para a Constituição, a preocupação é com a validade das liberdades, e as garantias assim obtidas, como se reflete no generoso preâmbulo, que incorpora um extenso rol de direitos sociais, e os princípios norteadores da aceitação.
Assim, observou-se que as pessoas podem se recusar a cumprir suas obrigações, não apenas por suas crenças políticas e filosóficas, mas também por suas crenças religiosas e outras liberdades conferidas (o que chamamos de desculpas de consciência). Ainda que haja previsão legal, há possibilidade de descumprimento da obrigação, desde que a pessoa esteja exercendo o benefício substitutivo levando em consideração o que lhe é concedido, o indivíduo pode se recusar a não tomar a vacina para reivindicar sua liberdade, porém, o benefício substitutivo poderá ser imposto pelas medidas legais já previstas.
5.3. O conflito entre direito à saúde e à liberdade
A Constituição Federal garante o direito à autodeterminação como um direito fundamental. A liberdade pessoal é uma conquista humana sem paralelo. Tem o valor fundamental de realizar os direitos e garantias individuais. Considerando a saúde coletiva em risco, a declaração de pandemia do COVID-19 demonstra uma situação que potencializa restrições à liberdade e autonomia individual.
A resolução de conflitos entre garantias e direitos fundamentais requer uma abordagem proporcional “Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve suceder em três fases. Na primeira fase deve ser determinada a intensidade da intervenção. Na segunda fase se trata, então, da importância das razões que justificam a intervenção. Somente na terceira fase sucede, então, a ponderação no sentido estrito e próprio”. (ALEXY, 1999).
Para Robert Alexey (1999), equilibrar o conflito de direitos ou princípios é determinar o que pesa mais na avaliação de casos específicos, não um invalidando o outro. Além disso, é compreensível que um direito apenas limite as possibilidades jurídicas de outro direito, conceito que é do interesse coletivo de equilibrar o direito à saúde com liberdade e autonomia e validar que ser STF beneficia a maioria da população vacinada.
Portanto, a partir das teorias aqui elencadas, o equilíbrio entre os direitos fundamentais estabelecidos pela constituição é claramente inconsistente, em que o direito coletivo à saúde não pode ser colocado diante dos direitos individuais de proteção do indivíduo. Assim também os ministros do STF entenderam em discussões recentes, quando votaram pela restrição das liberdades individuais em detrimento da salvaguarda do direito coletivo à saúde. No entanto, discernir os limites e pesos para não violar a Lei Maior.
Para abordar essa questão, é necessário esclarecer que algumas situações reconhecem a restrição de direitos, não que violam os direitos humanos. “A busca pelo bem comum é uma das formas de restringir a capacidade de se autodeterminar” (ABUD, PEREIRA DE SOUZA,2021).
Lembre-se, ao considerar a segurança da comunidade e a integridade pessoal, prevalecerá o direito de apoiar a saúde de todos. Medidas restritivas de liberdade individual para implementar vacinações em benefício da comunidade reafirmam a oposição entre autogoverno privado e tomada de decisão coletiva, legitimam o Estado como fiador que equipara o conflito e tomam medidas para fazer cumprir a vacinação contra a COVID-19 desde que como eles foram refutados em lei (PEREIRA DE SOUZA, 2021).
CONCLUSÃO
Em conjunto, fica claro que as vacinas são uma das ferramentas mais importantes para a prevenção de doenças infecciosas no mundo (ORENSTEIN, 2015). Nos últimos anos, fatores como a propagação de notícias falsas e a falta de atenção às doenças que se acreditam terem sido erradicadas/controladas têm dificultado sua persistência na imunização. Além disso, devido ao declínio das taxas de vacinação, muitas pessoas morreram de sarampo e, posteriormente, de Covid-19, que é altamente contagiosa e se espalha rapidamente. As vacinas são, portanto, extremamente importantes para a garantia do direito fundamental à saúde.
Sob esse ponto de vista, é viável avaliar a possibilidade de países promoverem a vacinação obrigatória na população com base nos dados analisados, leis, decretos e jurisprudência. Então, não há dúvida de que o poder público pode se sobrepor ao direito à saúde sobre a autonomia individual para promover a saúde e o bem-estar de todos. Essa conclusão decorre do predomínio do prejuízo aos interesses coletivos das pessoas físicas, conforme apontado na análise dos Apelações do Tribunal de Justiça de São Paulo nº 1003284-83.2017.8.26.0428 e Recurso Especial nº 1.267.879 e 979.742. No entanto, o sistema legal precisa de ferramentas para obrigar a vacinação.
Isso porque o ordenamento jurídico nacional carece de uma ferramenta viável para a obrigatoriedade de vacinação individual, respeitando os titulares de direitos que conferem a dignidade humana. Assim, o Poder Judiciário, por meio do Recurso Especial nº 1.267.879, concluiu que a vacinação é obrigatória, mas deve ser voluntária ou sujeita a certos direitos.
No mais, não há regulamentação suficiente para colocar esse conceito em prática. Todavia, a implementação dessa medida coercitiva continua prejudicada pela falta de meios para torná-la viável, e os futuros instrumentos legais precisam fornecer as bases para a legalização da ação estatal. Em conjunto, fica cristalino que o conflito entre a liberdade individual e o direito à saúde continuará sendo extensamente debatido, considerando o coletivo, mesmo que haja posicionamentos claros para garantir que o coletivo seja protegido. Ao expor a natureza jurídica e a resolução de cada conflito de direitos, ainda ocorrem negações de vacinas por uma parcela da população, os efeitos de longo prazo ao surgimento de novos imunizantes trarão novos conflitos de defesa sobre a liberdade e autonomia individual.
Desta forma, chega-se à consideração final, que não há uma resposta exata, e mesmo que se concorde com a vacinação obrigatória aceita pela maioria no mais alto nível e a defenda nesse sentido, pode-se compreender a limitação de um direito a outro e não há em conflito de direitos como não limitar e mitigar os privilégios de um direito. O direito à saúde, como obrigação e direito, é exercido em detrimento dos interesses individuais por meio da segurança coletiva, preservação da dignidade humana e da vida. Portando, tais restrições devem obedecer à legalidade e às regras e não devem violar a lei, especialmente a Constituição Federal.
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