ELZIVAN MANOEL DA ROCHA TELES[1]
(coautor)
FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA[2]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa cientifica, tem como objetivo apresentar um estudo acerca da reintegração de posse em invasões coletivas contrapondo o direito à propriedade frente o direito à moradia e identificar sob a ótica constitucional e legal a relação do conflito entre esses direitos fundamentais, visto que, a problemática da pesquisa é aferir a legitimidade, ou seja, quem terá razão, e seu direito proferido, no presente conflito; de um lado temos proprietários de terras ocupadas, que possuem direito de serem reintegrados à posse. Por outro lado, há aqueles que postulam o direito à moradia ao invadirem a propriedade privada rural, para construir suas casas, e exercer seu direito amparado constitucionalmente. Para a melhor discussão da ideia, tem-se a abordagem de institutos como função social da propriedade, ação de reintegração de posse, reforma agrária e a propriedade privada rural. Ademais foi realizada análises jurisprudenciais, com a finalidade de perceber como os tribunais vêm lidando com tais conflitos. Com relação ao levantamento de dados, o material utilizado no presente artigo, foi pesquisa bibliográfica jurisprudencial, entendimentos doutrinários e efeitos jurídicos provocados pelo litígio entre o direito à moradia e o direito à propriedade privada.
Palavras-chave: Reintegração, invasões legitimidade, direito, posse.
ABSTRACT: The present scientific research aims to present a study about the reintegration of possession in collective invasions opposing the right to property against the right to housing and to identify from the constitutional and legal point of view the relationship of the conflict between these fundamental rights, since, the research problem is to assess the legitimacy, who will be right, and their stated right, in the present conflict; On the one hand, we have invaded land owners who have the right to be repossessed and on the other hand, those who claim the right to housing by invading rural private property, to build housing, and exercise their constitutionally supported right. For a better discussion of the idea, we have the approach of institutes as the social function of property, action of reintegration of possession, agrarian reform and rural private property. In addition, jurisprudential analyzes were carried out, in order to understand how the courts have been dealing with such conflicts.Regarding the data collection, the material used in this article was bibliographic research, jurisprudence, doctrinal understandings and legal effects caused by the dispute between the right to house and the right to private property.
Keywords: Reintegration, invasions, legitimacy, right, possession.
A presente pesquisa tem o intuito de analisar sob a ótica constitucional e legal o balizamento entre o direito à moradia frente ao direito de propriedade, de um lado estão pessoas, que diante da posse, defendem com eloquência seu direito à moradia, e do outro lado estão proprietários que defendem sua propriedade adquirida, conforme os ditames do código civil.
Desse modo, a delimitação do tema está em aferir os danos provocados por este conflito de direitos, bem como, a possível solução, para as partes, com relação aos postulados de reintegração de posse em invasões coletivas, e a possível reforma agrária da propriedade privada.
Portanto, a problemática da pesquisa: as invasões dos movimentos sociais a propriedade privada devem ser legitimadas e terem seu direito proferido?
No que concerne ao desenvolvimento da pesquisa, apresentara a revisão bibliográfica do meio legal, referente a usucapião rural coletiva, as ações de reintegração de posse, a reforma agrária, assim, identificando o problema das invasões coletivas na propriedade privada, com o objetivo de definir os meios processuais e demais dispositivos legais que versem sobre o conflito, e possíveis soluções.
Para a realização do presente estudo, a pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, foi a escolhida como principal metodologia para a persecução dos objetivos dispostos anteriormente.
Para pressupostos de considerações finais, a relevância no tema está em mensurar os prejuízos advindos pela invasão coletiva para o dono da propriedade, o conflito entre o direito de propriedade versus o direito de moradia, tratando também da legitimidade dos movimentos sociais em busca de seus direitos.
Objetiva-se, assim, analisar os princípios constitucionais referentes a moradia e a propriedade, tomando por base os conflitos, o período de tramite do processo de reintegração de posse, e como este tempo que se espera desde a invasão até o parecer judicial, possa estar prejudicando a posse do proprietário, vindo a causar, a possível degradação das benfeitorias localizadas na propriedade.
A pesquisa em questão ainda não está concluída, visto que, é preciso fazer mais levantamentos de dados na prática, principalmente na área onde ocorre o conflito entre proprietários de terras e os movimentos sociais.
2 A ENGLOBAÇÃO AXIOLÓGICA E DOUTRINÁRIA NA PROPRIEDADE
Antes de se abordar a função social da propriedade, conceito que foi introduzido tardiamente no ordenamento pátrio, é necessário expor algumas informações necessárias para se compreender as nuances jurídicas presentes nos primórdios da propriedade brasileira.
No Brasil Colônia, o direito de propriedade estava diretamente atrelado ao regime de sesmaria que vigorava no Brasil por conta do sistema colonial implementada pela Coroa Portuguesa e imposta aos primeiros colonizadores que vieram ao Brasil. Deste modo, o regime de sesmaria que vigorou no Brasil na época colonial era o mesmo que havia sido promulgado nas terras lusitanas a partir do ano de 1375 (Lei do Pão, ou Lei das Sesmarias). Em Portugal, este regime de propriedade tinha sido inicialmente estabelecido com a finalidade de que as terras do interior do país que se encontravam inutilizadas recebessem fazendeiros (SARAIVA, 2017, p. 3).
Além da Lei das Sesmarias de 1375, Saraiva (2017) afirma que também existem registros históricos das sesmarias inicialmente nas Ordenações Manuelinas (que vigorou entre 1521 e 1603), e posteriormente, nas Ordenações Filipinas (que vigorou entre 1603-1867).
Todavia, existem uma série de diferenças acerca do modo como as sesmarias evoluíram em Portugal e no Brasil. Saraiva (2017) explica que em Portugal, as sesmarias foram criadas com o propósito de oferecer terras remotas e inocupadas para cidadãos que quisessem trabalhar por conta própria independente da classe social e econômica dele; no Brasil, de modo diferente, as sesmarias eram concedidas majoritariamente à escravistas e latifundiários que já possuíam algum tipo de prestígio econômico prévio, desenvolvendo as terras adquiridas em decorrência da exploração alheia. Assim, enquanto o regime sesmarial português beneficiava indivíduos sem oportunidade, o latifundiaríssimo brasileiro beneficiava apenas quem já possuía algum tipo de condição econômica prévia.
Prosseguindo no assunto, embora o direito de propriedade possa ser algo que possua majoritariamente nuances jurídicas, também é necessário entender como as sesmarias foram implementadas de maneira estratégica por parte da coroa portuguesa. Assim, não obstante a esfera jurídica, existem fatores extrajurídicos que devem ser abordados para a total compreensão deste antigo regime no brasil.
Saraiva (2017) afirma que um dos principais problemas que a Coroa Portuguesa tinha de enfrentar no Brasil era a vastidão deste novo mundo. Por conta das dimensões geográficas do Brasil, a Coroa Portuguesa possuía a fraqueza estratégica de não conseguir controlar toda a extensão territorial. Com isso, as sesmarias se fizeram necessárias como um modo de proteger as novas terras contra a invasão de outros países e da pirataria francesa que vigorava na época.
Segundo Saraiva (2017) o regime de sesmaria recebeu seus primeiros contornos jurídicos no contexto brasileiro a partir da constituição das capitanias hereditárias no ano de 1534. Assim, o autor afirma que o primeiro “sesmeiro” no Brasil foi o nobre e militar, Martim Afonso de Souza. As capitanias hereditárias, além de possuírem a estratégia mencionada acima, foram fundadas com o estímulo motivacional do fato de serem “hereditárias”, sendo deixadas para os futuros herdeiros do Sesmeiro. Entretanto, não obstante as vantagens e dos bônus oferecidos pela Coroa Portuguesa, é possível afirmar que o ônus foi concomitante aos benefícios concedidos.
Sá (2018) que existiam condições inerentes à obtenção dessas capitanias. Para que os sesmeiros pudessem manter as suas terras de maneira legal, eles tinham que cumprir uma série de condições impostas pela coroa portuguesa. Essas condições estavam geralmente associadas ao cultivo contínuo das terras possuídas, o cumprimento do ônus tributário estabelecido pela Coroa Portuguesa, dentre outras condições. Em caso de descumprimento por parte do Sesmeiro, as terras concedidas retornariam ao domínio da Coroa Portuguesa para que, posteriormente, um novo Sesmeiro fosse escolhido para a manutenção da terra.
Sá (2018) afirma que, entretanto, a estratégia implementada pela Coroa Portuguesa não logrou sucesso por uma série de fatores. Dentre estes, é possível citar que na maioria dos casos, a Coroa Portuguesa possuía um alcance limitado quanto ao controle das terras oferecidas aos Sesmeiros. Com isso, diversas terras, malgrado todas as regras e condições impostas, continuaram improdutivas, causando problemas produtivos/agrários ao longo dos anos em que o regime das sesmarias vigorou.
Junto a isto, Sá (2018) também citou que as terras que estavam ao alcance da fiscalização da Coroa eram devolvidas na grande maioria dos casos por conta das condições adversas enfrentadas no processo de colonização. Como é cediço, a colonização do Brasil foi feita à muito custo por aventureiros que atravessavam o oceano para ir viver num local completamente remoto, esperando de sorte que, num futuro distante, estas terras pudessem servir de sustento para os seus herdeiros póstumos.
2.2 DA PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Através de uma breve análise da Constituição Federal, é possível observar que a função social da propriedade é um princípio estruturador da ordem econômica, fato este que será demonstrado ao longo do presente tópico. De maneira mais específica, Sá (2021, p. 2) afirma que o direito de propriedade está sob a égide daquilo que é conhecido como “Constituição Econômica”.
Explicando de maneira mais complexa, Sá (2021, p.2) aponta que conforme as constituições dos Estados evoluíram ao longo do século XX, não era comum que elas recebessem de maneira passiva uma estruturação econômica prévia; ao contrário disto, o ordinário era que as constituições passassem a positivar tarefas que devem ser realizadas no domínio econômico e social para a persecução de determinadas metas, fato é que o Direito de Propriedade se circunscreve a esta concepção.
Portanto, salienta-se que estas constituições buscam, de maneira geral, “dirigir”, isto é, destacar o nexo causal existente entre a política e as esferas sociais e econômicas presentes em um determinado país. A constituição busca, deste modo, trazer à tona as atuações políticas que devem ser realizadas pelo Estado nas áreas políticas, sociais e econômicas, buscando tornar mais clara a correlação entre essas diferentes esferas. Por conta disto, Sarlet (2017, p. 38) apontam que a Constituição Federal elevou ao status de “Direito Econômico Fundamental” a função social da propriedade, já que este instituto possui uma correlação quase que direta com a harmonia econômica de uma sociedade.
Esse ramo do Direito regulamenta juridicamente a política econômica que deve estar sujeita à ideologia constitucionalmente adotada; portanto, em uma Constituição que, como a de 1988, estabelece como princípios fundamentais o respeito à dignidade humana, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, a prevalência dos direitos humanos, o Direito Econômico se transforma em importante e fundamental mecanismo de transformação da realidade econômica e social, através de uma política econômica adequada aos princípios constitucionais citados.
Estes princípios elencados por Sá (2021) no trecho destacado estão presentes no Título I, art. 3º da Carta Magna, estabelecendo que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: I -construir uma sociedade livre, justa e solidária; II -garantir o desenvolvimento nacional; III -erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Conforme apontado por Sá (2021), esta cláusula transformadora da Constituição é um elemento fundamental para se entender como a função social da propriedade se insere dentro da ordem econômica do Brasil. É necessário se compreender o seguinte: a partir daquilo que está disposto no Título I, art. 3º, depreende-se que a Constituição Federal deixou, de antemão, os rumos e objetivos que a República deve aspirar e perseguir independente do Presidente, Deputados ou Senadores. Embora as ideologias políticas (liberais, conservadoras, comunistas, socialistas, centristas, e suas demais gradações) divirjam quanto aos meios que devem ser utilizados, todas elas devem propor soluções para àquilo que está disposto no art. 3º.
Dentro deste raio de atuação política, a função social da propriedade entra justamente como um dos princípios constitucionais que devem ser levados em considerações no momento da elaboração de planos de ordem econômica para a nação. De maneira mais clara, a política econômica traçada pelo Estado deve ter como um dos pressupostos a função social da propriedade. Uma exemplificação disto é dada por Gagliano e Pamplona Filho (2022), que apontam que a garantia da propriedade privada dos bens de produção balanceados em conjunto com a função social da propriedade é uma condição sinequa non para a ordem econômica nacional.
Deste modo, a propriedade privada, quando pensada de uma maneira política, é um elemento que não possui um fim em si mesmo: ao contrário disto, o seu objetivo é a justiça social; o seu exercício deve visar a asseguração de uma existência digna a todos os cidadãos da nação.
2.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
É possível afirmar que no Brasil Império, a função social da propriedade, embora presente de maneira embrionária, possuía relações complexas com o absolutismo do direito de propriedade conforme o Direito Romano prezava. Diz-se isso porque ao mesmo tempo em que se preconizava o direito absoluto da propriedade como princípio constitucional, a Coroa Brasileira se reservava o direito de anexar propriedades ao patrimônio público de maneira indiscriminada, mesmo que houvesse presença de verba indenizatória ao proprietário. De certa maneira, isto denota que a Coroa Brasileira já possuía a ideia de que determinadas propriedades, mesmo que privadas, deveriam ter um fim que fosse destinado ao bem comum da população.
Junto ao que foi afirmado anteriormente, a Coroa Brasileira, ao permitir a existência de posseiros que ocupassem terras inóspitas ou que estivessem inutilizadas por um longo tempo (isto é, que não estivessem de algum modo servindo para o cumprimento de uma determinada função social), também denotou um certo entendimento acerca da essencialidade da função social da propriedade.
Quanto à função social da propriedade urbana, é possível afirmar que tanto a doutrina quanto os acontecimentos jurisprudenciais acerca deste tema são extremamente intensos, sendo impossível de serem abordados em toda a sua extensão no presente trabalho. Sendo assim, prezar-se-á apenas os aspectos mais básicos e elementares para a compreensão do tema. Constitucionalmente, o art. 182 é o principal responsável pela regulação da função social da propriedade urbana.
Ipse litteris, o art. 182 estabelece as seguintes condições para a função social da propriedade urbana:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (Regulamento) (Vide Lei nº 13.311, de 11 de julho de 2016)
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
A partir do parágrafo quatro, nota-se que a Constituição reservou ao Poder Municipal o direito de reclamar propriedades em solos urbanos não edificados que estejam em estado de inutilização (ou de utilização inadequada), dando à respectiva propriedade destinação que atenda ao bem comum. Ao reclamar a propriedade, também é reservado ao Poder Municipal o direito de impor penas de parcelamento compulsórios de impostos que crescem de maneira progressiva no tempo. Junto a isto, a desapropriação acontece com o devido pagamento através de títulos de dívida pública que são pré-aprovados pelo Senado Federal, possuindo resgate de até dez anos.
Assim, a Constituição Federal, quanto à função social da propriedade e a sua incidência nas políticas urbanas, manteve aquilo que já existia no Brasil Império, ressalvando-se apenas algumas pequenas alterações. O art. 183 da Constituição Federal elenca o seguinte:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Regulamento)
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (BRASIL, 1988).
Junto a isto, soma-se também o que foi disposto no art. 191:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (BRASIL, 1988).
Embora presente na constituição, a função social da propriedade conforme estabelecida nas diretrizes do art. 182 e 183 recebeu regulamentações posteriores a partir do Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001), que visava coordenar os esforços de crescimento urbano em função do bem comum da sociedade.
2.4 A BOA FÉ NA PROPRIEDADE PRIVADA
A Constituição, ao sagrar a dignidade da pessoa humana como base fundamental do ordenamento jurídico, denota uma valoração dos valores existenciais como algo superior aos valores patrimoniais, sendo este o conceito que deve ser utilizado para compreender a fundo a função social da propriedade.
No caso específico da função social, os valores existenciais que a regem estão diretamente relacionados ao bem público e ao interesse social como um todo, malgrado estes conceitos não estejam imprimidos diretamente nos artigos que regem a utilização das propriedades urbanas. Todavia, quando se analisa as decisões jurisprudenciais que aconteceram no Brasil ao longo dos anos, Silva (2003) aponta que é possível perceber a presença destes valores de maneira menos tácita.
Quanto à jurisprudência, é possível notar que a função social da propriedade transcende os aspectos que estão descritos na Constituição, indo para além do uso que é empregado pelo proprietário. Isto pode ser ilustrado através do Agravo de Instrumento nº 598.360.402 de 1998, onde o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decretou a desapropriação de uma propriedade agrária que, embora tivesse o seu uso empregado de maneira “correta” (para fins produtivos), possuía uma série de contas a serem prestadas quanto ao Imposto de Renda e outros tipos de débitos federais. Conforme elenca o referido documento: “Inobstante ser produtiva a área, não cumpre ela sua função social, circunstância esta demonstrada pelos débitos fiscais que a empresa proprietária tem perante a união” (BRASIL, 1998).
A título de exemplo, também é possível citar a sentença proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, impondo a instalação de sanitários e bebedouros em bancos comerciais como uma condição sinequa non para o cumprimento da função social deste tipo de estabelecimento, conforme se observa na Apelação Cível 79.573-5:
Cabe ao município a política de desenvolvimento urbano e a propriedade urbana exerce função social em obediência às exigências fundamentais do plano diretor da cidade. A imposição de sanitários abertos à clientela dos bancos atende ao fim social da propriedade (BRASIL, 1999).
A partir dos dois casos analisados, é possível notar que a função social da propriedade possui aspectos muito mais complexos do que a mera habitação ou inabitação de uma propriedade urbana. Mais do que isso, existem uma série de casos concretos onde o indivíduo pode evocar a função social como justificativa para a resolução de determinados problemas presente na propriedade, conforme é possível observar na jurisprudência exposta.
2.5 SUPREMACIA DO INTERESSE PUBLICO VERSUS A PROPRIEDADE PRIVADA
O direito de propriedade está elencado no artigo 5º da CFRB/88, tido como direito fundamental, e o direito a moradia esta previsto no artigo 6º CFRB/88, como um direito social; ambos são considerados direitos basilares para o ordenamento jurídico.
A supremacia do interesse público é um princípio inato na constituição federal de 1988, onde prevê que nos conflitos em que há um particular de um lado e do outro lado estiver a coletividade, o direito da coletividade deve prevalecer.
Já em relação a propriedade privada, os requisitos postulativos estão vinculados a sua posse de boa fé, que segundo:
"Art. 1.201: Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé́ do possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse." (GAGLIANO, 2020, p.128)
Porém, as problemáticas sociais entre esses dois direitos, ocorrem num choque de princípios, e vertentes doutrinarias, como quando se contrapõe um proprietário, devidamente regularizado, com área demarcada, registro no cartório e no INCRA, pagando os tributos inerentes a ela, com suas benfeitorias, exerce seu direito constitucional a propriedade privada, e, do outro lado um movimento social, “sem terra” prestes a invadir essa propriedade, com o argumento de que estão desamparados e querem invadir a propriedade mencionada, para construir moradias, e exercer seu direito a moradia amparado constitucionalmente. Nesse sentido:
“Todos são, juridicamente, obrigados a abster-se de qualquer ato que impeça o titular do direito real de agir perante a coisa como detentor do poder direto que promana de sua especial situação. E à medida que alguém age de forma contrária ao direito do detentor do ius in re, vai especificando a figura do sujeito passivo, contra quem o sujeito ativo terá a faculdade de fazer atuar o seu direito subjetivo real”. (HUMBERTO, 2018, p.45)
Decorrendo sobre o litígio entre os direitos, com embasamento no artigo 1.228 do CC/02, o doutrinador, dispõe sobre a propriedade possuir poder de gozo e disposição e direito de reaver, considerando também no caso das benfeitorias e função social, porque, se o dono da terra, vive do que ela produz, a iminente invasão estaria fora dos pressupostos, e se viesse à acontecer, o dono se valeria do instituto de defesa da posse, ou seja, neste caso a relação de legitimidade alegada pelas invasões coletivas ao aferir o princípio da supremacia do interesse público está fora dos requisitos previstos na lei 8.629/1993.
A lei 8.629/1993, traz em seu ato normativo, que as invasões coletivas têm suas hipóteses de tutela amparadas pelo poder público, ou seja, para que um movimento social possa invadir determinada terra, ele deve seguir a supremacia do interesse público.
Martins (2018, p. 50), ensina que para aferir tal princípio jurídico de coletividade não basta apenas ter à vontade ou âmbito, deve-se seguir requisitos, onde, o legislador atribui a causa postulados, que devem ser aferidos e averiguados, presumindo-se a boa Fé, de acordo com os institutos normativos da lei.
Conforme averiguado pela lei 8.629/1993, no que tange os pressupostos de admissibilidade para a possível tomada de terras para fins de reforma agrária, não basta só invadir a terra, e permear moradia, é preciso olhar para os ditames previsto no CC/02.
“Como a função da posse não se vincula necessariamente à do domínio, torna-se objeto de valoração (e, conseguintemente, de disciplina jurídica) autônoma por parte do ordenamento [...] Se a estrutura do direito determina os poderes do possuidor, a função estabelece sua legitimidade e limites, isto é, a justificativa finalística desses poderes em razão das exigências suscitadas por outros interesses tutelados pelo ordenamento na concreta utilização dos bens jurídicos”. (GAGLIANO, 2020, p.1024)
De acordo com o exposto, para efeitos de posse não basta só ela se fazer presente como condição para a posse emitir direitos de propriedade privada, é preciso ter função para assim, ter legitimidade, como por exemplo, se na posse exercida existe a função social da terra, sua legitimidade estará amparada pelo ordenamento jurídico.
Resta, ao julgador, balizar, a tradução fiel da lei, através dos mecanismos de solução de conflitos, previstos no CPC/15, quando se questiona preceito de legitimidade, abrangida, nesses dois direitos (direito a propriedade privada X direito a moradia). A partir daí, questiona-se qual objeto tutelado na prática terá razão, e seu direito proferido.
2.6 PRESSUPOSTOS DE MÁ FÉ NAS INVASÕES COLETIVAS
Conforme mencionado anteriormente, agora relativo ao artigo 2º da lei 8.629/1993, o doutrinador atribui a função social da propriedade requisito fundamental, para a propriedade privada seja ou não desapropriada.
A lei menciona as razões para um proprietário perde seu direito de posse a propriedade privada rural, e uma dessas premissas está ligada a função social, onde não sendo atribuída, é passível de desapropriação.
Contudo, fica o seguinte questionamento, e se a propriedade privada rural estiver exercendo função social, esta legalizada conforme os ditames do CC/02, ela pode ser desapropriada por uma invasão coletiva?
Em tese a resposta seria não, pois, de acordo com os ditames da própria lei (8.629/1993), e do CC/02, isso não é um requisito presente, porém, na prática, no caso concreto, muitas propriedades rurais privadas que exercem função social, são invadidas por movimentos sociais.
A lei é clara, porém, as invasões coletivas utilizam da má fé para entrarem na terra, assim, ferem veemente o princípio da supremacia do interesse público, para retirar seus “direitos”.
O código civil de 2002 atribui ao fato o chamado esbulho possessório, onde o proprietário é esbulhado (retirado) de sua posse na propriedade privada. Esse esbulho pode ocorrer por meio de violência, ameaça.
Segundo Gagliano (2020, p. 42):
"Para os direitos reais, o sujeito passivo e a sua correspondente obrigação somente surgem quando há a efetiva violação ou ameaça concreta de lesão (ex.: esbulho de propriedade, séria ameaça de invasão). Nesses casos, surge para o infrator o dever de restabelecer o status quo ante, ou, não tendo havido efetiva lesão, de abster-se da prática de qualquer ato danoso, sob pena de ser civilmente responsabilizado."
Visto a presente abordagem, o artigo 1.210 do CC/02, prevê que o proprietário tem direito de ser restituído de sua posse caso a tenha perdido por esbulho, porém, com o passar dos anos, as invasões coletivas, vão adquirindo estabilidade na região até o ponto em que aquela invasão se torna tão grande que o Estado ou município não podem mais desapropriar aquela terra, causando transtorno e indignação para quem é proprietário e possuidor de boa Fé. Gagliano (2020, p.357)
“ainda que não haja pedido explícito nesse sentido, diante da impossibilidade de devolução da posse à autora, sendo descabido o ajuizamento de outra ação quando uma parte do imóvel já foi afetada ao domínio público” [...]
No que tange a análise do trecho abordado, uma invasão coletiva pode perdurar no tempo, visto que mesmo com uma resposta do legislador baseada em lei, é preciso esperar pelo tramite judicial. Que por conta de sua morosidade judicial, fica o proprietário do terreno sendo o maior prejudicado.
2.7 USUCAPIÃO RURAL COLETIVA: DIREITO POTESTATIVO?
A Usucapião Rural Coletiva, está prevista no artigo 191 da CF/88: "Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade." (MENDES, 2017, p.10931)
O artigo prevê os requisitos da usucapião rural ou urbana, sendo que a área passível de usucapião tem que ser de posse ininterrupta de 5 anos, sem oposição (precedida de boa-fé), sendo não superior a 50 hectares, sendo que a parte legitima para reivindicar este ato normativo, esta vinculada a função social da terra, (atividade rural), cujo possuidor não possua outra propriedade, e a utilize para moradia sua e de sua família.
Já no CC/02, art. 1.228, §§ 4º e 5º, estabelece hipóteses semelhantes à do artigo 191 da CF/88, que estabelece a perca da propriedade privada, total ou parcial, para tanto, faz-se necessários requisitos, neste sentido, Gagliano (2020, p. 345):
“O § 4.o do art. 1.228 do Código Civil dispõe que o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Trata-se de instituto jurídico muito peculiar, e que, se analisado com bastante atenção, poderá causar-nos uma desagradável sensação de desconforto, provocada por contundentes indagações. E “tal inquietude ganha fôlego em face dos desencontros doutrinários que se seguiram à entrada em vigor do referido dispositivo”.
Segundo o autor, o legislador atribui como requisito, as obras e serviços econômicos exercidos naquele local, se as pessoas aplicam e apresentam função social naquele terreno, bem como, sua essência presidir de uma necessidade relevante (a moradia, por exemplo), essa propriedade pode ser passível de usucapião.
O CC/02, nos artigos 1.253 ao 1.259, aduz que quando uma pessoa usa a terra alheia para plantar ou edificar, se as benfeitorias alterarem veemente o valor do terreno, caso aquela pessoa tenha sido complacente com a boa Fé, este poderá adquirir a propriedade, desde que indenize o real proprietário da terra, por meio de indenização fixada judicialmente, de acordo com os pressupostos de Gagliano (2020, p.353)
"Ademais, valorizando a posse, chegaríamos à conclusão de que o legislador pretendeu criar, por meio desse instituto, um instrumento de socialização da terra, previsto para aquelas situações em que o descaso do proprietário justificaria a perda do seu imóvel, em favor dos efetivos possuidores da área. Nota-se, ademais, a utilização de inúmeros conceitos abertos ou indeterminados (como extensa área de terra, boa-fé, interesse social e econômico), que deverão ser devidamente preenchidos pelo magistrado, no caso concreto, com cautela e diligência, a fim de evitar a indesejável insegurança jurídica. Encarando o instituto como modalidade de usucapião, não se deixaria de atender, também, ao princípio constitucional da função social da posse e da propriedade, compensando aqueles que dão destinação útil ao imóvel, e minimizando-se (ao menos no plano legal) os conflitos possessórios coletivos242."
Entretanto, conforme o exposto, a lei é antagônica a realidade, as invasões de terras são conflituosas, os reivindicantes usam de má fé, há casos em que os invasores ameaçam o dono da propriedade, não atribuem função social a terra, apenas á ocupam, e no caso de uma passível indenização, a maioria dessas pessoas não teria condições de arca com as despesas indenizatórias, pois, se caracterizam como baixa renda e necessitados.
Ocorre que quando falamos de propriedade privada com função social, regularizada, persuadida de boa fé, o legislador atribui pressupostos de guarnição doutrinaria, como podem ser vistos nos ditames do CC/02 e CPC/15, apesar disso, ao ser feita uma análise pratica, pegando o viés de uma propriedade privada com função, invadida por movimentos sociais, após esbulhar o proprietário de sua terra, se utilizam do instituto da usucapião para proferir seu direito.
Vejamos:
"Hipótese em que a parte autora, a despeito de ter conseguido ordem judicial de reintegração de posse desde 1991, encontra-se privada de suas terras até hoje, ou seja, há mais de 2 (duas) décadas, sem que tenha sido adotada qualquer medida concreta para obstar a constante invasão do seu imóvel, seja por ausencia de força policial para o cumprimento do mandado reintegratório, seja em decorrência dos inúmeros incidentes processuais ocorridos nos autos ou em face da constante ocupação coletiva ocorrida na área, por milhares de famílias de baixa renda." (GAGLIANO, 2020, p.357)
Em vista disso, a perspectiva de eclosão da usucapião rural dar-se-ia obrigatoriamente, ou seja, o proprietário não teria direito a recusa, seria obrigado a aceitar, e isso se tornaria um direito potestativo (incontroverso), como afere:
“A concepção de que tal instituto seria um “contradireito” está justamente no fato de que tal aquisição se daria compulsoriamente, sem direito à recusa pelo proprietário, o que é uma característica de um direito potestativo. Tal corrente de pensamento, embora muito bem fundamentada, dado o brilhantismo de seus defensores, não encontrou ampla guarida no restante da doutrina especializada”. (GAGLIANO, 2020, p.350)
Tamanha arbitrariedade é muito comum de ver, em casos concretos, a perspectiva da usucapião coletiva se torna um direito potestativo, não dando brecha para a democracia, e o que se vê quando um movimento social invade propriedade privada legal, são proprietários desesperados e até mesmo desamparados por terem seu patrimônio invadido, ficando a propriedade privada em déficit, dando ônus a aqueles que reclamam injustamente.
3 DA AÇÃO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE
A ação de reintegração de posse está prevista nos artigos 560 ao 566 do CPC/15, junto com a manutenção de posse, estabelecem os procedimentos para que o proprietário da terra ocupada possa reaver sua posse, no caso na manutenção de posse, essa ação é proposta no caso de turbação.
Já a reintegração de posse só é válida no caso de esbulho, quando o proprietário é expulso da sua propriedade (perca da posse), por exemplo, na hipótese em que uma propriedade privada rural com função social é invadida por uma invasão coletiva, é possível o cabimento da presente ação para que o proprietário tenha sua posse reintegrada, ato este somente possível por decisão judicial.
O conceito de reintegração de posse é introduzido pelo artigo 560 do CPC/15, segundo Figueiredo (2016, p.1657)
"Trata-se de norma de caráter predominantemente material, pois estabelece a proteção a ser dada ao possuidor. Há, no caso, tutela do direito de posse (ius possessionis), que pode ser perdido pelo esbulho, afetado pela turbação, ou, ainda, ameaçado de lesão."
Como visto anteriormente, nas discussões elencadas entre supremacia do interesse versus a propriedade privada, neste tópico a reintegração de posse vai ser o ponto chave para a resolução do conflito, meio procedente por via judicial, para aquele proprietário que teve sua posse esbulhada.
Os pressupostos de propositura da ação de reintegração de posse estão elencados no artigo 561 do CPC/15, como mostra:
“Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III – a data da turbação ou do esbulho;
IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.”
Em comento ao exposto, sempre é importante ressaltar a posse do autor e os motivos que o levam a propositura da ação de manutenção ou de reintegração de posse, pois, dependendo do caso o diploma legal estabelece pressupostos fixando a turbação ou o esbulho praticado.
“Nesse caso, o possuidor está totalmente despojado do poder de exercício de fato sobre a coisa. Os requisitos estão estampados em conjunto com os da manutenção no art. 561 da lei processual. Além de sua posse, o autor deve provar o esbulho, a data de seu início e a perda da posse. Aplica-se tudo o que foi dito a respeito das ações possessórias em geral.” (SALVO, 2018, p. 200)
O autor pondera como requisitos, a comprovação de esbulho possessório, ocorrência de algum ato violento sofrido pelo proprietário da terra, a ação tem como prazo legal para ser proposta: 1 ano e 1 dia do esbulho. Em média o prazo prescricional da reintegração de posse é de dez anos, fato este mencionado em âmbito legal pelo CPC/15.
Em suma a importância da ação de reintegração de posse é ser complacente com a democracia, e com o direito postulado em questão, o ordenamento jurídico brasileiro elenca, por exemplo, no artigo 1.210 do CC/02:
"Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1.º. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2.º. Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
O legislador ao conceituar o artigo 1.210 do CC/02, afere algumas hipóteses em que o proprietário legal possa sofrer a perca de sua posse e, a sua tutela, como o próprio ordenamento jurídico explicita, o proprietário se for o caso poderá utilizar do instituto da legitima defesa no caso da turbação, e do desforço imediato no caso de esbulho.
"Como delimitação do marco cronológico da resposta defensiva, o legislador utilizou a expressão “contanto que o faça logo”, a qual deverá ser interpretada com razoabilidade.
Isso porque tal expressão é muito mais abrangente do que a ideia de resposta imediata, como delimitação temporal, devendo ser entendida como uma manifestação no primeiro momento possível." (GAGLIANO, 2022, p.172)
Porém, o próprio ordenamento deixa brecha para interpretações “ilusórias”, omitindo-se da presente responsabilidade, pois, de acordo com o referido artigo, o próprio proprietário deverá colocar sua “conta em risco” para defender sua propriedade durante a turbação ou o esbulho sofrido.
"Nessa linha, se o sujeito se encontra em outra cidade e, imediatamente após tomar ciência de que o seu imóvel foi invadido, desloca-se para o local do esbulho, ainda poderá praticar atos de desforço, pois, diante das circunstâncias, reagiu com a esperada brevidade." (GAGLIANO, 2022, p.172)
Ademais, o questionamento aferido sobre o fato social, é, será que o proprietário poderá conflitar uma invasão coletiva com centenas, dezenas, de pessoas como ocorre na prática?
No caso concreto o que se vê é muito diferente da teoria, como visto, no subtópico “pressupostos de má fé nas invasões coletivas”, o proprietário não tem condições de defender sua posse, até porque, não há outra maneira a não ser com força policial, todavia, somente é realizada pelo meio jurídico.
Além disso, se for para o proprietário recorrer para os moldes do parágrafo 1º do artigo 1.210 do CC/02, certamente recorrera a meios ilícitos, tornando essa medida antidemocrática, e fora dos preceitos, como os atribuídos pelo princípio dignidade da pessoa humana, pois, ao fazer uma análise dos recorrentes conflitos, normalmente o embate fora do âmbito judiciário entre o proprietário e uma invasão coletiva, acaba ocasionando uma espécie de “expurgo social”, o que causa a morte desnecessária de muitas pessoas.
"Nota-se, com isso, que o legislador pretendeu consagrar um sistema normativo dotado de eficiência e efetividade, visando a recompor, no bojo do mesmo procedimento, o direito daquele que, de fato, teve a sua posse agredida.
Quanto ao pedido de “condenação em perdas e danos”, trata-se de uma providência justa, que aproxima a tutela possessória dos princípios e normas da responsabilidade civil." (GAGLIANO, 2022, p.177)
Outrossim, ressaltando a importância da ação de reintegração de posse, principal meio lícito para o proprietário reaver sua posse que foi esbulhada, em sua propriedade, a mesma garante ao autor “ônus” pelas benfeitorias e todo dano moral sofrido no fim do tramite processual.
Substabelece que esse “ônus”, é ter seu direito proferido, de acordo com a legitimidade, que a parte autora tem para propor a ação, deve ser seguido requisitos como ter boa fé, propriedade ter função social, ser legalizada conforme os atributos do CC/02.
3.4 A REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM INVASÕES COLETIVAS
Antes de introduzir a conjuntura da ação de reintegração de posse em invasões coletivas, vale salientar, Gagliano (2022, p. 174)
"Reintegração de Posse” (arts. 560 a 566) e “Do Interdito Proibitório” (arts. 567 a 568).
“Todavia, parece-nos relevante traçar, para o nosso leitor, um panorama geral da tutela processual a respeito do assunto.
“Assim, fundamentalmente, temos três demandas possessórias mais frequentes101:
“a) a ação de reintegração de posse – em caso de esbulho (privação ou perda da posse);
“b) a ação de manutenção de posse – em caso de turbação (embaraço ou perturbação da posse);
“c) o interdito proibitório – em caso de ameaça à posse”.
De acordo com o autor as premissas de cada ação estão estabelecidas no artigo 554 do CPC/15, sendo a legalidade para impetrar determinada ação sua fungibilidade aferindo assim, a tutela da posse, e suas hipóteses de perca. No caso, na presente pesquisa será discutido o esbulho sofrido pelo proprietário legal que atribui a sua propriedade privada rural uma função social.
"Em nosso pensar, se o sujeito, por exemplo, com indesejável frequência, “entra e sai” do meu imóvel ou circula com as suas cabeças de gado, contra a minha vontade, está turbando, (perturbando, embaraçando a minha posse); mas, se ingressa e se apodera, exercendo posse exclusiva em parte ou em todo o meu imóvel, está esbulhando (privando-me do meu legítimo direito)." (GAGLIANO, 2022, p.177)
O exemplo em questão mostra um pouco de como ocorre à turbação e o esbulho, em uma propriedade privada, porém, a problemática em questão é o uso da violência, e da ameaça presente no esbulho, normalmente seguido de grande número de pessoas; o autor Aguirre (2020, p.299), explica como ocorre a citação presente no artigo 554 § 1º do CPC/15:
"No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública (art. 554, § 1º, do CPC/2015);".
Neste caso, se a posse esbulhada for precedida de um grande número de pessoas, a lei determina que sejam citados nos autos do processo, os ocupantes que forem encontrados no local, tendo os demais que não forem encontrados de imediato, a autorização para serem citados em edital. Como é um conflito coletivo, o Ministério Público deve ser chamado bem como a intimação da defensoria pública.
Em relação ao artigo 565 do CPC/15, a doutrina questiona seus pressupostos de eficácia, pois a lei estabelece que o esbulho ou turbação ocorrido a mais de um ano e um dia, o juiz devera instaurar audiência de mediação, para ser realizada no prazo de 30 dias. Em comento ao artigo:
"Percebe-se, pois, com clareza, o relevante viés socializante da interpretação empregada na análise da questão possessória.
Sobre tal aspecto, vale mencionar, ainda, a inovadora previsão do art. 565 do Código de Processo Civil de 2015" (GAGLIANO, 2022, p.193)
A ação de reintegração de posse tem suas hipóteses de tutela no artigo 560 ao 566 do CPC/15. Trazendo para a conjuntura do conflito, uma propriedade rural com função social invadida por um movimento social, onde a posse do proprietário for esbulhada.
Essa propriedade não deve ser pleiteada para fins de reforma agrária, devendo o dono se valer do instituto da reintegração de posse, conforme explica:
"Há, no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no próprio Código de Processo Civil como em legislações extravagantes, hipóteses que são nitidamente antecipatórias, sem a exigência do requisito do perigo de dano. Assim, por exemplo, a liminar na reintegração de posse dispensa a urgência, desde que presentes os requisitos legalmente previstos. É uma tutela de evidência, prevista em lei, mas não constante do art. 311 do CPC." (BUENO, 2018, p.937).
Conforme o trecho abordado, na ação de reintegração de posse o pedido de liminar, para discorrê-lo do processo com urgência, já é dado ao serem atingidos os requisitos previstos em lei como: a posse ser precedida de boa Fe, propriedade ser legal, possuir função social lícita.
"Por fim, caso haja área invadida, a sentença “determinará a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos” (NCPC, art. 581, parágrafo único).
Segundo a doutrina, atualmente, “não se condiciona determinar a restituição de área invadida a pedido do autor”, trata-se de consequência natural da demarcatória. Essa decisão é executiva, razão pela qual aplica-se “o que dispõe o Código em relação à reintegração de posse (arts. 560 ss. do CPC/2015) e ao cumprimento de decisão relativa a deveres de entregar coisa (cf. art. 538 do CPC/2015)”853. Tal eficácia é inerente à natureza da causa, de modo que ocorrerá haja ou não pedido explícito da parte, na fase de postulação." (JÚNIOR, 2018, p.599).
Visto o entendimento doutrinário acerca da ação de reintegração de posse em invasões coletivas, a eficácia da ação se dá no momento em que são validados os seus requisitos, sendo a sua eficácia inerente a natureza da causa.
Vale ressaltar também questões presentes no emblema do conflito. Por exemplo, no caso de omissão do poder público, para responder judicialmente sobre o litígio em discussão.
"Sobre o pedido de conversão em desapropriação indireta, o relator salientou que o fato de a área não cumprir plenamente sua função social, antes da ocupação, também decorreu da inércia do Poder Público, considerando a iniciativa dos autores em regularizar o empreendimento imobiliário.
“Assim, em prestígio aos princípios da celeridade e da economia processual, bem como considerando que a ocupação também decorreu da omissão do Estado, de rigor dar provimento ao recurso, acolhendo o pedido alternativo de conversão da ação possessória para ação indenizatória por desapropriação indireta”115.
Percebe-se, pois, com clareza, o relevante viés socializante da interpretação empregada na análise da questão possessória." (GAGLIANO, 2022, p.193).
O poder público no caso explicitado pelo autor, se omitiu a dar um parecer sobre uma terra que estava sendo invadida, e hoje não é mais passível para a reintegração de posse, porque, não é possível desapropriar a terra, pois, o terreno já se encontra como bairro vinculado a cidade. O argumento pela utilizada autoridade pública foi, o de que a propriedade não tinha uma função social eloquente, e por isso deu se a morosidade no processo.
O resultado foi um proprietário prejudicado vendo seus direitos a propriedade privada ficarem em déficit, sem restituição pecuniária, e totalmente desprovido de qualquer resultado perante o Estado.
Como visto a lei é antagônica a realidade, o descaso do poder público acarreta prejuízos a proprietários, fora que mesmo tendo direito de ser ressarcido de sua posse, existem entendimentos que são antidemocráticos, danos ônus a aqueles que reclamam injustamente, dando lugar a posses de má Fe, e indo totalmente contra os preceitos presentes na CF/88.
Por fim, a previsão conflituosa é incontroversa, restando ao magistrado uma árdua responsabilidade, para julgar e interpretar, quem de fato merece ter sua legitimidade posta em questão e seu direito proferido.
4 A REFORMA AGRÁRIA E A PROPRIEDADE PRIVADA
De acordo com o estatuto da terra (Lei 4.504/1964), a reforma agrária trata-se de política pública, responsável por regular a distribuição de terras, com o fim de fazer justiça social, e aumentar a produtividade do país, de acordo, com o preceito legal:
“Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.
“§ 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.
A reforma agrária é importante instituto brasileiro, como fala o artigo 1º da lei 4.504/1964, o estatuto da terra prever essa medida, para as propriedades privadas rurais que não desempenham função social, critério este importantíssimo no ordenamento jurídico brasileiro, como foi explicitado anteriormente.
"A propriedade deve cumprir sua função econômico-social (como dizem os arts. 170, III, e 184 da Constituição de 1988 e art. 2º do ET), sob pena de ser desapropriada, porque é de interesse social o aproveitamento de toda a propriedade rural improdutiva ou explorada sem manter níveis satisfatórios de produtividade." (OPITZ, 2017, p.89)
Um dos pressupostos apontados pelos movimentos sociais, ao querer invadir propriedade privada rural, é alegar que aquela terra não cumpre com sua função social, e por isso a invadem para dar futuro a essa propriedade, de acordo com princípio da supremacia do interesse público, esse é um critério de legitimidade.
Conforme estabelece o estatuto da terra, o autor Opitz (2017, p.91), comenta:
"A propriedade rural desempenha sua função social quando: “favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias” (ET, art. 2º, a)."
Em todo o decorrer da presente pesquisa sempre foi frisado, o quanto é importante a propriedade ter sua função social, principalmente a propriedade rural, pois, a propositura de uma função social traz renda às populações além de ser uma das principais matrizes econômica brasileira, no que tange o setor do agronegócio.
O art. 24 da Lei 4.504/1964, aduz há quem podem ser distribuídas as terras, e estabelece a renda como requisito, podendo ser destinada àqueles comprovadamente insuficientes de renda, sendo a terra para seu sustento próprio ou de sua família, in verbis:
“Art. 24. As terras desapropriadas para os fins da Reforma Agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, respeitada a ocupação de terras devolutas federais manifestada em cultura efetiva e moradia habitual, só poderão ser distribuídas:
“I - sob a forma de propriedade familiar, nos termos das normas aprovadas pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária”;
“II - a agricultores cujos imóveis rurais sejam comprovadamente insuficientes para o sustento próprio e o de sua família;”
“III - para a formação de glebas destinadas à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, por associações de agricultores organizadas sob regime cooperativo”
No que tange a propriedade privada rural, para fins de reforma agrária, a condição atributiva está ligada a função social da propriedade, esta diretamente proporcional à sua posse e domínio útil.
Por exemplo, uma grande propriedade rural que estar cultivando produto ilícito; nesta hipótese, se for de conhecimento do ente público, a medida judicial será a desapropriação, pois, a destinação dessa propriedade está indo contra as regras do dispositivo legal, e por isso, pode ser feita a reforma agrária para a população, e o dono passível a isto perde os direitos sobre a propriedade privada rural.
"O acesso à propriedade rural será promovido mediante a distribuição ou a redistribuição de terras (ET, art. 17)." (OPITZ, 2017, p.91)
Em tese a reforma agrária, deve ocorrer conforme os pressupostos a ilegalidade da propriedade rural, a não função social atribuída a terra, par só assim ser possível sua reforma agrária.
"É da tradição de nosso direito agrário o respeito a todos os direitos adquiridos, de modo que pela atual legislação (ET, art. 11), o INCRA fica com autoridade para reconhecer as posses legítimas manifestadas por meio de cultura efetiva e morada habitual, bem como para incorporar ao patrimônio público as terras devolutas federais ilegalmente ocupadas e as que se encontrarem desocupadas." (OPITZ, 2017, p.99)
Em comentário ao artigo 11 da lei 4.504/1964, o autor explica que ao INCRA, é atribuída a responsabilidade para cadastrar, reconhecer, ou incorporar ao patrimônio público, as terras desocupadas e aquelas devolutas da união que estão ilegalmente ocupadas.
No panorama conflituoso mostrado, entre o direito à propriedade e o direito à moradia, está em xeque as principais vertentes: De um lado está o proprietário que dá a terra uma função social, a propriedade rural é legal, atribui a ela todos os requisitos de validade presente nos ditames do CC/02(possuidor de boa-fé, propriedade registrada legalmente, função social, benfeitorias).
No outro sentido está um movimento social, que no exemplo em questão, utiliza os pressupostos de legitimidade contemplados pela supremacia do interesse público, ou seja, busca invadir a terra para construir moradias, dar função laboral a terra, tirar seu sustento dela.
Na prática pegando os dois lados, o que se vê é uma espécie “ponderação” entre direitos, porém, no caso dos movimentos sociais que invadem propriedade privada rural com função social, a invasão está fora dos pressupostos presentes tanto na supremacia do interesse público quanto das hipóteses de reforma agrária abrangidas pelo estatuto da terra (lei 4.504/1964).
4.1 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS SOBRE A REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM INVASÕES COLETIVAS
As jurisprudências no caso da reintegração de posse em invasões coletivas divergem de entendimentos, pois, cada caso é precedido de vários fatos diferentes, como por exemplo, se a reintegração de posse é sobre uma usucapião presente na terra litigada, vão ser vistos os requisitos presentes na posse e na propriedade conforme a eloquência atribuída ao CC/02 e ao CPC/15.
Outro caso que pode ser analisado, é quando uma invasão coletiva acaba de esbulhar o proprietário de sua posse.
Ambas vão seguir caminhos diferentes em seus entendimentos. Em relação ao número de pessoas que estão reivindicando a terra, se nela produziram ou fizeram algum tipo de benfeitoria, também é motivo por se analisar entendimento divergente no caso em que figure a essência da ação reintegratoria de posse em invasões coletivas.
Postula-se assim, diversos entendimentos acerca do assunto, porém, o viés jurisprudencial debatido é, se determinada invasão coletiva, é feita sem violência, com boa fé, poderá se valer dos pressupostos da supremacia do interesse público ou do contrário se a mesma impregna má fé, poderá se valer do mencionado princípio e ter seu direito declamado, ou seja, dando um exemplo acerca de um caso comum na prática:
Objeto litigado que ensejou a má fé foi o esbulho sofrido por um proprietário em uma propriedade rural com função social lícita, sendo assim, o julgador tende a analisar o caso concreto.
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CASO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE. INVASÃO DO IMÓVEL POR MILHARES DE FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA. OMISSÃO DO ESTADO EM FORNECER FORÇA POLICIAL PARA O CUMPRIMENTO DO MANDADO JUDICIAL. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO E OCUPAÇÃO CONSOLIDADA. AÇÃO REINTEGRATÓRIA. CONVERSÃO EM INDENIZATÓRIA. POSTERIOR EXAME COMO DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL SOBRE O PARTICULAR. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DO MUNICÍPIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. JUSTO PREÇO. PARÂMETROS PARA A AVALIAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CÁLCULO DO VALOR. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA." (GAGLIANO, 2022, p.357)
Na decisão em questão, foi um julgado do STJ, onde saiu a liminar para a reintegração de posse da autora sobre a propriedade, porém, ao chegar no local foi impossível cumprir o mandado do juiz, porque, a ocupação da terra foi feita por várias famílias de baixa renda e a outra parte do imóvel sendo utilizada pelo domínio público, por meio de apossamento administrativo.
No caso a parte autora desde 1991 conseguiu a reintegração de posse, porém, o mandado nunca foi cumprido.
"Constatada, no caso concreto, a impossibilidade de devolução da posse à proprietária, o Juiz de primeiro grau converteu, de ofício, a ação reintegratória em indenizatória (desapropriação indireta), determinando a emenda da inicial, a fim de promover a citação do Estado e do Município para apresentar contestação e, em consequência, incluí-los no polo passivo da demanda." (GAGLIANO, 2022, p.359)
O juiz se achar necessário também pode vincular a responsabilidade para o Estado e município, no presente caso, foram omissos, e foram eles que implantaram toda a infraestrutura básica no local. O STJ entendeu, por causa da impossibilidade de devolver o bem citado a autora, converteu a ação possessória em indenizatória.
"Situação em que tal orientação não se aplica ao caso estudado, pois, diante dos fatos delineados no acórdão recorrido, não há dúvida de que os danos causados à proprietária do imóvel decorreram de atos omissivos e comissivos da administração pública, tendo em conta que deixou de fornecer a força policial necessária para o cumprimento do mandado reintegratório, ainda na fase inicial da invasão, permanecendo omissa quanto ao surgimento de novas habitações irregulares, além de ter realizado obras de infraestrutura no local, com o objetivo de garantir a função social da propriedade, circunstâncias que ocasionaram o desenvolvimento urbano da área e a desapropriação direta de parte do bem." (GAGLIANO, 2022, p.362)
Por causa da omissão e comissão da administração pública a referida invasão coletiva, a posse da autora se tornou impossível de ser reintegrada, por causa das inúmeras pessoas no local, com o tempo aquela área se tornou um bairro.
"11. O Município de Rio Branco, juntamente com o Estado do Acre, constitui sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art. 1.228, § 5.º, do CC/2002, visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel (ex vi do Enunciado 308 Conselho da Justiça Federal)." (GAGLIANO, 2022, p.362)
O enunciado 308 do conselho da justiça federal prevê os possuidores que tiverem melhores condições econômicas é que devem arcar com a indenização do juiz caso não se posse mais fizer a reintegração de posse daquela propriedade, no que tange ao caso, o Estado e município é que foram eleitos sujeitos passivos, pois, os que ocupam a terra são pessoas hipossuficientes economicamente. Ainda sobre o caso:
"A solução da controvérsia exige que sejam levados em consideração os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica, em face das situações jurídicas já consolidadas no tempo, de modo a não piorar uma situação em relação à qual se busca a pacificação social, visto que “é fato público e notório que a área sob julgamento, atualmente, corresponde a pelo menos quatro bairros dessa cidade (Rio Branco), onde vivem milhares de famílias, as quais concedem função social às terras em litígio, exercendo seu direito fundamental social à moradia”." (GAGLIANO, 2022, p.362)
Conforme o exemplo, o princípio da supremacia do interesse público teve suas hipóteses de legitimidade proferida pela decisão judicial, em que, permitiu o interesse da coletividade ser superior ao interesse do dono da propriedade, já que a posse ensejada ocupa grande área de terra que inviabiliza a desocupação.
As considerações finais acerca da presente pesquisa são: ainda é preciso fazer um maior levantamento de dados no local onde ocorre o conflito entre proprietários de terras e os movimentos sociais, visto que, somente pelo meio dos instrumentos utilizados não se conseguira expressar toda a vertente do conflito, pois, estão contrapostos de um lado proprietários e do outro o interesse da coletividade.
Cada uma das hipóteses mencionadas na pesquisa precisa ser averiguada na prática, para que assim, possam ter seguridade, além disso, as questões problemáticas levantadas necessitam de uma especial atenção, pois, o legislador precisa observar os critérios alçados, porque, a não observância deles pode distinguir, cessar, e até mesmo contrariar direitos legítimos (líquido e certo).
Com relação a reintegração de posse em invasões coletivas, o conflito entre o direito à propriedade versus o direito à moradia, tem que ser dado atenção especial, para evitar casos como os mencionados, pois, muitas vidas dependem do parecer judicial, este que deve ser dado celeridade, boa-fé, e o conhecimento de ofício da autoridade judicial, para assim, ser complacente com a democracia brasileira. Já a legislação citada deve ser reanalisada visto que, não pode dar vez a desencontros normativos, que por meio deles, pessoas más intencionadas reclamem injustamente por seus direitos.
Ademais, o presente trabalho, visa torna uma pátria melhor e mais justa para todos os brasileiros, pois, buscou-se a solução do conflito, procurando mensurar os prejuízos causado pelo conflito entre esses dois direitos.
AGUIRRE, J.; SÁ, R. M. D. Prática civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Apelação Cível e Reexame Necessário: APCVREEX 795735. Relator: DES. Fleury Fernandes. DJ: 28/09/1999. 1999. Disponível em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4327897/apelacao-civel-e-reexame-necessario-apcvreex-795735-pr-apelacao-civel-e-reexame-necessario-0079573-5/inteiro-teor-11131277?ref=juris-tabs>. Acesso em: 04 de abr. 2022.
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[1] Graduando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA
[2]. Prof. Ma. E-mail: ([email protected])
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Milena Costa. Reintegração de posse em invasões coletiva: direito de propriedade contra o direito de moradia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58600/reintegrao-de-posse-em-invases-coletiva-direito-de-propriedade-contra-o-direito-de-moradia. Acesso em: 22 nov 2024.
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