DANIEL FERREIRA MARIN
(orientador)
RESUMO: A presente pesquisa tem relevância na conjuntura pátria, pois funda-se em uma decisão inovadora do Supremo Tribunal Federal (STF), deveras bastante discutível, que ocorreu na alçada jurídico tributário. Tem-se como problema de pesquisa: qual é a fundamentação jurídica para a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS? Portanto, a pesquisa em questão se predispôs a explorar a decisão do STF acerca do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR analisando os argumentos construídos ao longo do julgamento desta ação. Assim, ambicionou-se analisar a fundamentação jurídica em cima das decisões do STF acerca da exclusão da incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS ponderando os votos a favor e os votos contrários.
Palavras-chave: direito tributário, RE 574.706/PR, impostos, contribuição social.
Sumário: 1 Introdução. 2 Uma breve análise do sistema tributário brasileiro. 2.1 Competência e espécies tributárias. 2.2 Obrigação tributária. 2.3 Princípios tributários. 2.3.1 Princípio da legalidade tributária. 2.3.2 Princípio da anterioridade tributária. 2.3.3 Princípio da irretroatividade. 2.3.4 Princípio da capacidade contributiva. 2.3.5 Princípio de vedação ao confisco. 2.3.6 Princípio da uniformidade geográfica. 3 Tributos. 3.1 Icms. 3.2 Pis-pasep e Cofins. 4 Análise do recurso extraordinário 574.706/PR. 4.1 Fundamentos da exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis/Cofins. 4.1.1 Análise dos votos a favor da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. 4.1.2 Análise dos votos contra a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. 4.3 Modulação dos efeitos da decisão do RE 574.706/PR. 5 Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Todo país, de acordo com as leis por ele instituídas, tem o poder de criar e cobrar impostos para poder manter a sua ordem social e econômica, até mesmo porque é por meio dos impostos que são pagos pelos contribuintes que se torna possível sustentar a máquina estatal de forma que atenda as garantias que a legislação oferece a população, como a seguridade social.
Dessa forma, o direito tributário contribui para que essa instituição de impostos ocorra conforme a constituição federal e as demais leis pertinentes, fiscalizando a arrecadação dos tributos e determinando os deveres e obrigações do Estado e dos contribuintes. Neste sentido, é importante ressaltar que existe um devido processo legal para que possam ser realizadas as cobranças, o qual deve ser observado.
No Brasil, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, tem-se uma das mais altas cargas tributárias do mundo e por essa razão a legislação não deixa a desejar, sendo deveras complexa. Por meio dos tributos podem-se cobrar impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Todavia, neste caso, a abordagem gira em torno de três tributos, quais sejam: o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação), o PIS (Programa de Integração Social) e o COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
O ICMS é um imposto de competência dos Estados membros ou pelo Distrito Federal, devendo contribuir para tanto toda pessoa que movimente produtos ou serviços de transporte de modo habitual ou em grande quantidade, de forma que caracterize uma ação comercial. Já o PIS/CONFINS trata-se de contribuições sociais não cumulativas de recolhimento mensal que são de competência da União Federal, que tem como finalidade o financiamento da seguridade social e que incidem sobre a totalidade das receitas do contribuinte.
Na última década, houve grande discussão acerca da incidência no ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS para solução de controvérsias de receita e faturamento para determinar a base de cálculo dos tributos em questão, e, não obstante, o STF tem tido papel importante ao definir a competência constitucional para o financiamento da seguridade social, que se encontra positivado no artigo 195, da Constituição Federal e é regulamentado pela lei complementar nº 70/1991. Já o ICMS regulamentado pela lei nº 87/1996 – Lei Kandir.
Em razão disso, a pesquisa se volta para o estudo de uma atual e iminente decisão por parte do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário 574.706/PR. Destarte, tem-se por delimitação do tema desta pesquisa a incidência da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições sociais PIS e COFINS neste RE.
Assim, justifica-se a presente pesquisa em assentar-se na compatibilidade com o ramo do direito tributário e a importância que a exclusão da incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS, traz para o mundo jurídico na seara tributária. Destarte, entendendo sobre as consequências positivas e negativas que a decisão inovadora do STF acarreta, emerge a responsabilidade de transmitir esclarecimentos para os contribuintes, integrantes da sociedade.
Neste ínterim, o problema de pesquisa definido para se debater é: qual a fundamentação jurídica para a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS?
Ademais, tem-se como objetivo apreciar, analisar e compreender a fundamentação jurídica em cima das decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) acerca da exclusão da incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS verificando os votos a favor e os votos contrários, bem como as repercussões positivas e negativas.
A metodologia desta pesquisa se desenrola por meio de pesquisa bibliográfica, análises jurisprudenciais e legislativas com abordagem dedutiva, tendo em vista a colheita de ideias de vários autores diferentes que serão filtradas e aprimoradas, para trazer informações acerca dos princípios tributários, bem como a competência tributária, as espécies de tributo, a obrigação tributária, os impostos ICMS, PIS e COFINS.
Contudo, para uma melhor compreensão da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, impende-se pautar a pesquisa acerca dos seus fatos geradores, suas especificidades e a forma como estes impostos são constituídos, bem como sobre a inconstitucionalidade de sua incidência, analisando os fundamentos inclusos no RE n° 574.706/PR, comparando os votos contra e os votos a favor dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
2 UMA DISCUSSÃO A RESPEITO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
O Sistema Tributário Brasileiro foi organizado nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal de 1988. O capítulo I, que faz parte do título VI do dispositivo supra, foi fracionado em seis seções, a primeira delas dedicada aos princípios gerais. A seção II do capítulo do sistema tributário nacional determina os refreamentos constitucionais ao poder de tributar atribuído aos entes federados, assegurando alguns princípios dos quais serão tratados adiante. As seções III. IV e V se dedicam a determinar os impostos a serem instituídos e cobrados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Por fim, a seção VI prescreve acerca das repartições das receitas tributárias, em que estão determinados quais produtos pertencem a cada ente tributante.
2.1 Competência e espécies tributárias
Seguindo o posicionamento de Jardim (2019, p. 409), “Competência tributária é a aptidão para legislar sobre matéria tributária. É o meio pelo qual o constituinte outorgou às pessoas políticas a faculdade de versar leis sobre tributação”. Entende-se, dessa forma, que por uso da competência tributária é dada aptidão aos entes federados, quais sejam, União, Estados, Distrito Federal e Municípios de elaborar leis para cobrar tributos ou alterar a lei que o instituiu. Ou seja, os mencionados entes políticos desempenham sua competência tributária outorgando a deliberadas ocorrências, sejam elas fatos, atos ou negócios, o impacto de gerar a obrigação de pagar tributos (PAULSEN, 2021).
A seguir, é mister que se faça a enumeração dos tributos que podem ser instituídos e cobrados mediante lei autorizada pela competência tributária. Aquém de adentrar no conteúdo de espécies tributárias, convém discutir acerca do conceito de tributo. Conforme Carneiro (2020, p.409), “tributo não é uma terminologia moderna, ao contrário, deriva do latim tribuere, que significa repartir, dividir”. Assim, o Código Tributário Nacional define tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Partindo da essência dada pelo Código Tributário Nacional, o tributo tem natureza jurídica de obrigação de dar coisa certa, isto é, pagamento em dinheiro, prevista por determinada lei, sendo que o tributo a ser pago pelo sujeito passivo está especificado desde a sua constituição. Nesse sentido, é importante evidenciar, que a despeito da prenuncia manifesta em lei quanto ao aspecto monetário da prestação, não há objeção ao recebimento de tal prestação por meio de bem díspar a moeda (CARNEIRO, 2020).
Além disso, o tributo não pode ter como fato gerador algo que seja pena derivada da prática de crime ou por descumprimento de mandamento legal, como as multas e as receitas que dela derivam (SCHOUER, 2021). E, deve ser cobrado por meio de atividade administrativa plenamente vinculada, isso quer dizer que o Fisco não tem liberdade de escolha no momento da cobrança do tributo, pois o lançamento tributário é um ato administrativo vinculado que deve obediência a lei instituidora do tributo.
Diante do esclarecimento acerca da noção do que é o tributo, passa-se à enumeração das espécies tributárias. No ordenamento jurídico tributário brasileiro, seguindo a teoria pentapartite adotada pelo STF, através do RE 138.284-8/CE, em 1º de julho de 1992, temos as seguintes espécies de tributos: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e as contribuições sociais (CARNEIRO, 2020).
Algumas das espécies tributárias estão enumeradas no art. 145, nos incisos I, II e III, da Constituição Federal, sendo eles os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, respectivamente. Segundo Nunes (2020), os impostos são categorias tributárias das quais a possibilidade de tributação propõe a ser indício de capacidade contributiva (justificativa para a imposição), não se vinculando, pois, a atividade estatal; excetuados os casos previstos na Constituição Federal, a receita dos impostos não se afeta a qualquer órgão, fundo ou despesa, servindo, portanto, para cobrir os gastos gerais do ente tributante.
Conforme Barreto (2019), as taxas são uma espécie tributária que se vincula a uma atuação estatal diretamente ligada ao contribuinte, podendo ser cobrada em corolário do aproveitamento de serviço público típico e decomponível, concedido ou posto ao dispor do usufrutuário ou em virtude do funcionamento do poder de polícia.
Ademais, de acordo com o artigo 148, da CRFB/88, a União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios, outra espécie de tributo, para satisfazer dispêndios excepcionais, resultantes de calamidade pública impossíveis de serem supridos com os recursos disponíveis, de guerra externa ou sua iminência e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Assim, a destinação do empréstimo compulsório, nesse entremeio, indica propósito consagrado constitucionalmente, do qual a sua inexistência bloqueia a viabilidade de sua cobrança e, havendo motivo apto a efetuar tal cobrança existe um regime jurídico formal próprio a ser seguido (SCHOUER, 2021).
Ainda, têm-se como espécies de tributo as contribuições de melhoria que acordo com Caparroz e Lenza (2021, p. 250) “são tributos destinados a ressarcir gastos públicos na realização de obras e aprimoramento de infraestrutura”. O foco da contribuição de melhoria, conforme o Código Tributário Nacional (Art. 81), é fazer os preparativos ao valor das obras construídas pelo Poder Público, na ocasião que em decorrência de tais obras suceder o aumento no valor dos imóveis adjacentes. Acarretando, em razão disso, na exigência do mencionado tributo dos donos dos imóveis que estiverem lotados no perímetro que direta ou indiretamente obtiveram proveito financeiro por causa da obra pública, tendo como consequência, portanto, a valorização do imóvel (LENZA E CAPARROZ, 2021).
Por último, tem-se as contribuições sociais que têm o condão de financiar a Seguridade Social. Esta seguridade aqui tratada compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa do Poder Público e da sociedade para garantir aos seus beneficiários os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, conforme artigo 194 da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, seguindo o artigo 195 da CF, a seguridade social será financiada da contribuição do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada de acordo com o que dispuser a legislação competente podendo incidir sobrea folha de salários, a receita ou faturamento e o lucro, do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, exceto dos aposentados e pensionistas pelo regime geral de previdência social. Também pode incidir sobre a receita de concursos prognósticos ou do importador de bens ou serviços do exterior, ou a quem a ele se equipara.
Conforme Mazza (2022), são exemplos de contribuições sociais o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), a COFINS-Importação, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição Social do Trabalhador.
2.2 Obrigação tributária
Como discutido em competência tributária, esta tem como consequência a obrigação tributária, isto é, quando os entes tributantes exercem seu papel de criadores e cobradores de tributos, por meio de legislação competente, geram, por consequência, a obrigação de pagar tais tributos. Ademais, em conformidade com o que explica Costa (2022) as normas que se dediquem a versar sobre obrigação tributária somente podem ser instituídas por meio de legislação complementar e tal lei se trata do Código Tributário Nacional, que aborda sobre o tema em seu artigo 113.
O seu caput determina que existem a obrigação principal e a obrigação acessória. Portanto, observa-se que o legislador trata a obrigação como gênero que se ramifica em duas espécies. De acordo com o parágrafo primeiro do dispositivo supra, a obrigação principal é aquela que emerge com a perpetração do fato gerador e tem como objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, no caso de multa, e, extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
De outro ângulo, a obrigação acessória é aquela que tem por fundamento “as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. No mesmo raciocínio, o artigo 115 dispõe que o “fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal” (COSTA, 2022).
Assim, as obrigações acessórias consistem em atos resultantes de uma ação, comissivos, ou atos decorrentes de uma abstenção, omissivas, que são reivindicados dos contribuintes com o escopo de garantir a efetivação da obrigação principal. Envolvem, continuamente, um ato de fazer ou não fazer, canalizados para incumbências de controle e arrecadação tributária.
2.3 Princípios tributários
2.3.1 Princípio da legalidade tributária
Em consonância com o artigo 150, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil, os entes federados ou tributante, União, Estados, Distrito Federal e Municípios são proibidos de instituir, cobrar ou aumentar tributos sem que haja lei prévia autorizando tal ato. Ademais, o parágrafo 6º do dispositivo supracitado estabelece ser indispensável lei específica para qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições.
Nesse sentido, assevera Sabbag (2017, p. 110):
É fato que o preceptivo em epígrafe é a franca especificação do indigitado art. 5º, II, da CF/88, permitindose a adoção do importante aforismo nullum tributum sine lege. Em outras palavras, o tributo depende de lei para ser instituído e para ser majorado. Se o tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal atrelamento, no trinômio “tributoleipovo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei.
Diante do ensinamento, percebe-se que o princípio da legalidade tributária protege o contribuinte de ter seu patrimônio invadido por parte do Estado, através da cobrança de tributos, sem que haja alguma lei que estabeleça os limites de atuação estatal, evitando que ocorram abusos na cobrança. Assim, há segurança jurídica, bem como torna salubre a relação entre contribuinte (devedor) e o Estado (credor).
2.3.2 Princípio da anterioridade tributária
O princípio da anterioridade tributária se encontra exposto no art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, dividindo-se, portanto em duas vertentes. A alínea “b” remete-se ao princípio da anterioridade anual que determina ser vedado à União, Estado, Distrito Federal e Municípios cobre tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
Ao se tratar de exercício financeiro o legislador está se referindo ao ano fiscal, que tem seu início em 1º de janeiro e finda em 31 de dezembro. Portanto, o membro legislativo constitucional notifica acerca da viabilidade de se gerar novo tributo ou altear tal tributo quando lhe aprouver, no entanto decreta que a vigência da lei que criou ou aumentou o tributo permaneça sobrestada até a entrada do ano consecutivo (SABBAG, 2017).
Em contrapartida, a alínea “c” diz respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal que determina ser defeso aos entes federados-tributantes a cobrança de tributos cuja a lei que os instituiu ou os aumentou não tenha transcorrido pelo menos 90 dias a contar da data de publicação. Este complemento ao princípio da anterioridade anual surgiu com o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003.
2.3.3 Princípio da irretroatividade
Em conformidade com o artigo 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, os entes federativos não podem cobrar tributos em cima de fatos geradores ocorridos antes da vigência de determinada lei que institua ou aumente os tributos em questão. Assim, a irretroatividade, com alicerce nos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito, salvaguarda a confiabilidade do vínculo entre o contribuinte e o Estado, assegurando ao devedor de crédito tributário, o direito de não ser aturdido em razão de criação de novo tributo ou aumento de tributo já existente que gerem efeitos retroativos em fatos geradores acontecidos antes do advento da lei (COSTA SOUZA, 2013).
2.3.4 Princípio da capacidade contributiva
Em consonância com a Lei Maior, em seu artigo 145, parágrafo 1º, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Assim, no início da redação dada ao primeiro parágrafo pelo legislador, ele usa a expressão “sempre que possível”, o que dá sentido de enfraquecimento da regra estabelecida e abre brecha para o não cumprimento do princípio da capacidade contributiva.
Nesse sentido, em conformidade com o que lecionam Lenza e Caparroz (2021, p. 653) “graduar a tributação de acordo com a real capacidade de os contribuintes suportarem o ônus que lhes é imposto pela lei não somente é norma salutar, mas, sobretudo, indica a razão de ser de todas as garantias do direito tributário”.
Não obstante, convém destacar que ao tributar determinado contribuinte se deve levar em consideração a renda que ele aufere, bem como as despesas realizadas por ele, para fins de deduções no valor do tributo, cobrando um montante realmente justo e de acordo com a capacidade contributiva do devedor. Contudo, “a capacidade contributiva exige o reconhecimento de despesas necessárias, que devem ser deduzidas da base de cálculo do tributo. Nesse contexto, se fosse editada uma lei que acabasse com todas as deduções, ela seria inconstitucional, porque impediria a aplicação do princípio” (LENZA E CAPARROZ, 2021, p. 664).
2.3.5 Princípio de vedação ao confisco
Em concordância com o artigo 150, IV, da Constituição Federal, “é vedado a União, Estados, distrito federal e Municípios instituir tributo com efeito confiscatório”. Nesse sentido, de acordo com o posicionamento de Novais (2018, p. 138):
O dever de colaborar com a manutenção da máquina pública não pode ser utilizado como fundamento para conceder aos entes políticos o direito de retirar riquezas da população sem respeito a parâmetros mínimos. Um absurdo seria o trabalhador entregar quase a totalidade de suas receitas ao estado e passar necessidades e privações com sua família.
Com base nisso, o princípio de vedação ao confisco tem como objetivo impedir que os entes tributantes ultrapassem os limites, retirando mais do que devia dos contribuintes. Todavia, por mais que esteja o referido princípio presente na Lei que se encontra no topo da pirâmide hierárquica do direito, este é ignorado, especialmente por parte dos órgãos administrativos e do Poder Judiciário (DA SILVA, 2020).
O Poder Público utiliza como explicação para frustrar a aplicação do princípio de vedação ao confisco, a característica de conceito jurídico indefinido, tendo em vista que hipoteticamente, não detém de critérios valorativos claros para a representação do efeito de confiscar traçado na redação da Constituição, atribuindo ao intérprete a avaliação e a extensão do conceito (DA SILVA, 2020).
2.3.6 Princípio da uniformidade geográfica
Conforme o artigo 151, inciso I, os tributos instituídos e cobrados pela União devem ser iguais em toda a extensão do território nacional, não podendo haver disparidades entre os Estados, portanto, o tratamento tributário às unidades federativas deve ser idêntico. Caso a União se privasse de obediência seria uma ofensa aos princípios da isonomia e uniformidade geográfica (CREPALDI, 2012).
3 TRIBUTOS
3.1 Icms
De acordo com o que dispõe o artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988, o ICMS é um imposto de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal. Assim, conforme assevera Sabbag (2017, p. 3500):
“O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da EC n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. É gravame plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo--se ao princípio da não cumulatividade – art. 155, § 2º, I, CF), real (as condições da pessoa são irrelevantes) e proporcional, tendo, predominantemente, um caráter fiscal. Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, da CF, robustecido pela LC n. 87/96, que substituiu o Decreto--lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariarem a Constituição Federal."
Neste sentido, em obediência ao art. 155, §2º, foi instituída a Lei Complementar nº 87/96, que tem como competência dispor sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, conhecida também como Lei Kandir.
Assim, conforme supracitada legislação, em seu art. 4º, o sujeito passivo contribuinte do ICMS é qualquer pessoa física ou jurídica que proceda com operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação de forma constante ou em dimensão que evidencie o propósito de comercialização, mesmo que tais operações e prestações de serviços se iniciem no exterior. Incorrendo como contribuinte, do mesmo modo, quem importa mercadorias, bens independentemente da finalidade, e/ou é destinatário de serviços prestados no exterior ou que se iniciem no exterior, e/ou obtenha por meio de licitações mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados, e/ou adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
O ICMS tem como fato gerador (SABBAG, 2017) a circulação de mercadorias, a prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e a prestação de serviço de comunicação, consoante art. 2º, da Lei Kandir. Quanto à circulação de mercadoria, ou seja, o objeto de uma venda, trata-se de circulação jurídica do bem em que ocorre a alteração na titularidade, que passa de uma pessoa para outra definitivamente, tanto que, conforme súmula 166, do STJ, o imposto não incide sobre mercadoria que passa de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte.
No tocante aos transportes intermunicipais e interestaduais, a prestação de serviço de transporte que ocorre entre Município do mesmo Estado-membro, denominado intermunicipal, ou de um Estado-membro para outro, denominado interestadual, configura-se como fato gerador de ICMS, mesmo que tenham dado início no exterior. E, por fim, no que se refere aos serviços de comunicação, também são fato gerador do ICMS, conforme art. 2º, inciso III, da Lei Kandir.
Ademais, no que concerne à base de cálculo do ICMS, encontra-se disposta no art. 13, da Lei Kandir, e, de modo geral, conforme Souza (2002), se trata do valor da operação de que decorre a saída da mercadoria, sendo que tal valor corresponde ao âmbito pecuniário sobre o qual incide o tributo, embora estando integrada a carga fiscal que encarece o preço do objeto disposto à venda, levando em consideração que o valor do ICMS se encontra embutido no preço do produto.
Por esse entendimento, verifica-se que o valor do ICMS integra a nota fiscal de cada produto que será destinado à venda por determinado estabelecimento. E, por conseguinte, esta nota fiscal vai integrar o faturamento da empresa. Partindo dessa premissa, para melhor elucidação de conteúdo, cabe-se apontar que a definição de faturamento é o montante da receita auferida por meio da venda de mercadorias, bem como de prestação de serviços, ou seja, entende-se por faturamento o somatório do valor de todas as notas fiscais emitidas decorrentes dos produtos vendidos e/ou serviços prestados.
Neste diapasão, entende-se que o faturamento faz parte da receita bruta das vendas e serviços do estabelecimento, sendo nele incluído tanto o valor dos produtos como os impostos incidentes sobre eles (ANDRADE JUNIOR; CUNHA, 2018). Diferindo, assim, da receita líquida, que é o resultado da receita bruta menos as deduções, sendo que nestas deduções estão incluídos cancelamentos, despesas e impostos (ANDRADE JUNIOR; CUNHA, 2018). Diante dessa discussão, infere-se que todo faturamento é receita, porém nem toda receita é faturamento.
Contudo, compreende-se que o ICMS vai integrar a receita bruta ou o faturamento da empresa apenas por um determinado tempo, tendo em vista que este não permanece nas contas da empresa, e sim, é repassado aos cofres públicos. Portanto, restará incluído nas deduções a serem feitas da receita bruta.
3.2 Pis-Pasep e Cofins
O PIS-PASEP e a COFINS são contribuições sociais de competência da União Federal destinadas ao financiamento da seguridade social, que incidem sobre a receita ou o faturamento das empresas, nos termos do art. 195, I, “b” da Constituição Federal. Tratam-se, portanto, de tributos cuja receita não é compartilha da com estados, Distrito Federal e municípios. A sua arrecadação ocorre mensalmente, antes do advento das novas leis elas recaiam sobre o faturamento, o resultado da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, agora incidem sobre o total das receitas do contribuinte (FRASCINO; MOURA, 2021).
A tributação por meio da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS é regulamentada pela Lei nº 9.718/98, Lei n° 10.637/02 (PIS não cumulativo) e Lei n° 10.833/03 (COFINS não cumulativa), que define que tais impostos são devidos por pessoas jurídicas de direito privado, sendo calculado em cima de seu faturamento mensal, isto é sua receita bruta, que corresponde a somatória das receitas colhidas, não interessando para tanto a atividade que a pessoa jurídica desempenha, tampouco a categoria contábil utilizada para tais receitas. A somatória das receitas diz respeito a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo o valor da receita bruta, o faturamento, sua base de cálculo.
Conforme Barreni (2017, p. 6), a Lei n. 12.973/2014 alterou, por intermédio de seu art. 2º, a redação do art. 12 do Decreto-lei n. 1.598/1977, determinando, que se incluem na receita bruta os tributos sobre ela incidentes. Também, a mencionada lei modificou art. 3º, da Lei nº 9.718/98, que dispõe sobre a base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS. Assim, a legislação vigente prevê que as contribuições ao PIS/PASEP e a COFINS devem ser recolhidas levando-se em conta todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica (BARRENI, 2017, p. 7).
De acordo com o que ensinam Frascino e Moura (2021), de modo geral o PIS e a COFINS são tributos não cumulativos, consoante as disposições das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03. Assim, para os sujeitos pagadores beneficiários da apuração não cumulativa, a alíquota da contribuição ao PIS é de 1,65%, enquanto a da COFINS é de 7,6%. Os percentuais que integram o cálculo do tributo podem sofrer alteração de acordo com o modo em que forem apuradas as contribuições do sujeito pagador (FRASCINO; MOURA, 2021).
4 ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 574.706/PR
O episódio iniciou-se em virtude de mandado de segurança preventivo impetrado contra a delegacia da Receita Federal de Curitiba/PR, com o propósito de afugentar a incidência do ICMS da base de cálculo das contribuições PIS e COFINS. O magistrado responsável pelo julgamento em primeira instância depreendeu ser inadequada a cobrança, outorgando, dessa forma, a retirada e a viabilidade de ressarcimento dos montantes arrecadados.
Não obstante, a decisão prolatada por meio de sentença do juízo singular foi suprimida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que ao examinar o recurso de apelação interposto pela Fazenda Nacional, deliberou seguindo a fundamentação de que, como o ICMS constitui a sua própria base de cálculo, poderia, portanto, integrar a base de cálculo de outros tributos.
Em 2008, o recurso extraordinário 574.706/PR fora submetido à análise de repercussão geral com mais de dez mil processos aguardando seu julgamento, tendo o Supremo Tribunal Federal concluído pela sua existência, principalmente por versarem o Recurso Extraordinário 240.785, com julgamento já iniciado, e a Ação Declaratória de Constitucionalidade Nº18, sobre o mesmo do recurso extraordinário analisado. O entendimento pela exclusão começou a ser construído no RE 240.785/MG e restou consolidado no RE 574.706/PR, este julgado em março de 2017. Cuida-se do Tema 69 de repercussão geral.
Diante disso, passa-se à análise do Recurso Extraordinário 574.706/PR:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
A tese dominante que se sobressai no julgamento é concernente à definição de faturamento exposta no art. 195, inciso I, “b” da CRFB/88, tencionando assimilar se os conceitos de faturamento manifestos na Carta Maior tangeriam aos tais difundidos no art.12, § 5º da Lei 12.973/14. Assim, a tese sustentada pela recorrente, Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda., é de que, considerando o faturamento como a totalidade da receita alcançada com a venda de mercadorias ou a prestação de serviços, é inadmissível o englobamento de outras parcelas que fogem à sua estrutura, o que aconteceria com a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS, tendo em vista que o ICMS não constitui o patrimônio da empresa, tratando-se apenas de ônus fiscal ao qual está sujeita.
Os contribuintes sustentam que o fato de incluir o ICMS na base de cálculo da COFINS amplia a definição de faturamento que está delineada na Constituição Federal, lesando, dessa maneira, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Utilizando outros termos, a União estaria se apropriando injustamente de valores que não se encontram disponíveis financeiramente, tendo em vista que o valor correspondente ao ICMS é repassado aos Estados, não integrando, portanto, a receita das empresas.
Todavia, a União, ora recorrida, argumentou acerca da pacificação da jurisprudência pátria que concorda com a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-PASEP e da COFINS. Neste sentido, alegou que o ICMS por ter parte no valor atribuído à mercadoria vendida ou ao serviço prestado deve compor a receita bruta da pessoa jurídica de direito privado, considerada a base de cálculo da COFINS, por mais que o ICMS venha a ser recolhido aos cofres públicos, não tendo relevância jurídica tal recolhimento.
Portanto, após discutidos os autos do RE 574.706/PR, acordaram os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Cármen Lúcia, por maioria, e deram provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora, proferido na Sessão de 09 de março de 2017. Vencida a tese sustentada pelos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Em seguida, verifica-se a argumentação dos ministros do STF ao acolher a tese da recorrente, excluindo, portanto, o ICMS da base de cálculo do PIS-PASEP e da COFINS.
Concluídos, os votos e os debates a tese vencedora foi a de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Tendo como partidários da tese a Ministra Carmém Lúcia, Ministra Rosa Weber, Ministro Luiz Fux, Ministro Ricardo Lewandowiski, Ministro Marco Aurélio, Ministro Celso de Mello. Por outro lado, a tese teve como opositores os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Observa-se que presentes neste julgamento estiveram apenas dez ministros. Isto ocorreu em razão do falecimento do saudoso Ex-ministro do STF Teori Zavascki, datado em 19 de janeiro de 2017. Seguindo a linha do tempo, o RE 574.706 PR foi julgado na data de 15 de março de 2021. Todavia, somente no dia 22 de março de 2017 aconteceu a posse do então ministro Alexandre de Morais, ou seja, após o julgamento do mencionado recurso extraordinário.
4.1 Fundamentos da exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis/Cofins
4.1.1 Análise dos votos a favor da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins
Segundo o voto da relatora Ministra Cármen Lúcia e considerando a discussão acerca da possibilidade jurídica de se incluir o valor do ICMS na definição de faturamento para definição de base de cálculo do PIS e da COFINS, defende que, apesar de haver determinações que dizem ser recolhidas aos cofres públicos, de forma imediata, apenas uma parte do ICMS e a outra é aproveitada pelo contribuinte integrando a sua receita, esta parte aproveitada também será recolhida em algum momento, de forma mediata, ele será recolhido, portanto, não integraria o faturamento do contribuinte. Isto é, pelo fato do ICMS ter recolhidas suas partes em momentos diferentes, este não deve ser considerado como base de cálculo do Pis-Pasep e da Cofins, tendo em vista que não integra a receita bruta do contribuinte, pois, afinal, tem como destinatário fiscal os cofres da Fazenda Pública, para os quais será transladado. Neste sentido, depreende-se a Ministra Carmen Lúcia:
O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços. Esta é a chamada análise contábil ou escritural do ICMS. [...] É igualmente verdadeiro que também o momento das diferentes operações não pode alterar o regime de aplicação de tributação, num sistema que, quanto a esse caso, se caracteriza pela compensação para se chegar à inacumulatividade constitucionalmente qualificadora do tributo.
Assim, entende-se que o recolhimento do ICMS é recolhido da empresa na entrada da mercadoria e na saída da mercadoria, e esse tempo entre a entrada e a saída é que o ICMS transita pelos cofres da empresa, mas com destino final aos cofres da Fazenda Pública. Portanto, de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, pelo fato dessa passagem rápida pelos cofres da empresa o ICMS não integra o faturamento, não podendo, então, compor a base de cálculo para fins de incidência do Pis-Cofins.
De acordo com a Ministra Rosa Weber (2017), o conceito de receita trazido pelo artigo 195, da Constituição Federal, difere-se daquele discutido na área contábil, pois as próprias leis que regulamentam o PIS/PASEP e a COFINS não cumulativos (lei nº 10.637/02 e nº 10.833/03, respectivamente) determinam a incidência das contribuições sobre o total das receitas “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Dessa forma, assevera que não tem como buscar “equivalência absoluta entre os conceitos contábil e tributário”. Ademais acrescentou no que diz respeito “ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.
Consoante Ministro Luiz Fux (2017, p. 82):
Então, essa primeira premissa realmente me conduz a uma exegese do artigo 195, inciso I, no que concerne à expressão "faturamento". Onde é que vou buscar essa expressão "faturamento"? Eu vou buscá-la no Direito que regula o faturamento das empresas, que é o Direito Comercial, que, ao regular o faturamento das empresas, menciona - como Vossa Excelência citou no seu voto fazendo remissão ao Ministro Cezar Peluso - o artigo da Lei nº 6.404, a Lei das Sociedades Anônimas, que prevê a exclusão de impostos para se entrever faturamento. Essa - digamos assim - recepção, pelo Direito Tributário, dos conceitos derivados de outras ciências é comuníssimo: compra e venda, inúmeros institutos de Direito Privado, transmissão causa mortis, transmissão inter vivos. Toda essa tributação se vale de conceitos privador.
Além disso, o Ministro Luiz Fux (2017), acompanhou o posicionamento da ministra relatora, asseverando que o ICMS não integra o faturamento da empresa, uma vez que seu destino final são os cofres do poder público. “O que nós estamos analisando aqui é como se faz a exegese de uma expressão constitucional, a ponto de respeitar-se os limites do poder tributário do Estado” (FUX, 2017, p. 85).
Em consonância com o Ministro Ricardo Lewandowisk (2017, p. 99):
O faturamento sempre foi entendido pela doutrina, e mesmo pela prática comercial, como receita oriunda da venda de mercadorias ou da prestação de serviços. É isso que é, singelamente, faturamento. Basta perguntar para qualquer pessoa que passa na rua, qualquer indivíduo que se dedique à mercancia. Singelamente compreendido, faturamento, ou receita, é simplesmente isso.
Ainda, explicou que “não se pode considerar como ingresso tributável uma verba que é recebida pelo contribuinte apenas com o propósito de pronto repasse a terceiro, ou seja, ao Estado”. E, citando o tributarista Roque Carrazza que denomina a presença do ICMS nos cofres da empresa como "mero trânsito contábil", declara ser a passagem do ICMS pela empresa um “simples trânsito contábil” que “não ingressa no patrimônio da empresa, do contribuinte”. Então, considera que a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS corrompe o conceito de faturamento ou de receita.
Conforme Ministro Marco Aurélio (2017), dá no mesmo considerar o faturamento conforme transcrito no texto do artigo 195, inciso I, da CF/88, como receita bruta, pois “o contribuinte não fatura e não tem como receita bruta, tributo, ou seja, o ICMS”. Também, considera não ser o ICMS fato gerador da contribuição e que o valor do imposto não integra o faturamento em receita bruta da empresa, tendo em vista que o valor é repassado ao Estado-membro ou Distrito Federal e que a empresa não é titular dele. Portanto, explica que para ser configurada como receita os valores que ingressam na empresa, devem ser consideradas duas condições (2017, p. 185): “a) que a incorporação dos valores faça-se positivamente, importando em acréscimo patrimonial; e b) que essa incorporação revista-se de caráter definitivo”.
4.1.2 Análise dos votos contra a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS
Em contrapartida aos que defendem a exlusão, se posiciona o Ministro Edson Fachin (2017, p. 40):
Logo, embora não haja incremento patrimonial, o valor relativo ao ICMS destacado e recolhido referente a uma operação concreta integrará a receita efetiva do contribuinte, pois gerará oscilação patrimonial positiva, independentemente da motivação do surgimento da obrigação tributária ou da destinação final desse numerário ao Estado em termos parcial ou integral, após devida compensação não automática na qual se considera a técnica da não cumulatividade, como, por exemplo, pela metodologia de conta gráfica, por sua vez expressamente referida no libelo da demanda veiculado no mandado de segurança impetrado pela parte Recorrente.
Em suma, foi firmada a opinião firme no aspecto “de que o faturamento, espécie do gênero receita bruta, engloba a totalidade do valor auferido com a venda de mercadorias e a prestação de serviços, inclusive o quantum de ICMS destacado na nota fiscal”.
No mesmo sentido, assevera o Ministro Luís Roberto Barroso, “É constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS”, pois alega que “a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS tem um potencial de desequilíbrio sistêmico”, tendo em vista que o julgamento pode acarretar em “efeitos cascatas imprevisíveis”. Com base nisso, pondera que não há definição constitucional para faturamento e, também, não há vedação constitucional à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como considera não ser direito fundamental do contribuinte a exclusão discutida no Recurso Extraordinário em questão.
Ademais, adotando a inclusão do ICMS, segue o posicionamento do Ministro Dias Toffoli:
Ocorrendo o fato gerador do ICMS, como uma operação relativa à venda de mercadoria ou à prestação de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal, surge para o contribuinte (parte recorrente) o dever de pagar a exação, o que é reconhecido como despesa nas suas escritas. Dependendo das condições, poderá ele repassar para o adquirente da mercadoria ou do serviço (consumidor final) o ônus financeiro do tributo (e não o tributo), assim como o pode fazer com parte ou mesmo a integralidade do ônus financeiro de vários gastos próprios da exploração da atividade econômica, como o custo da mão de obra (isto é, os salários de seus empregados) e o custo da energia elétrica utilizada na industrialização da mercadoria (ou seja, a tarifa de energia elétrica).
Ainda, assevera que ao retirar da base de cálculo do PIS/Cofins o encargo monetário do ICMS que provavelmente fora repassado pelo contribuinte legal para o “contribuinte de fato”, que seria o consumidor final da mercadoria, através do valor estabelecido resulta em converter essas contribuições em não cumulativas com o imposto, proporção essa que não foi idealizada nem pelo constituinte nem pelo legislador.
Por fim, de acordo com o Ministro Gilmar Mendes, “o montante relativo ao ICMS incorpora-se ao preço, de forma que é pago pelo comprador e é recebido pelo vendedor ou pelo prestador de serviço, ingressando em seu domínio, em consequência da respectiva operação”. Em seguida destaca, que o valor total do ICMS recebido pelo contribuinte não é repassado ao Estado sempre, pois em determinados casos tem crédito de operações antecedentes a serem apurados ou o “fenômeno da substituição tributária” pode ter ordenado o recolhimento do tributo de forma anterior.
Depois, relata que o ICMS constitui “disponibilidade econômica” que faz parte do valor da mercadoria, sendo fixado de acordo com discricionariedade do vendedor, ainda que eventualmente seja contabilizado o ônus tributário, após consideração dos respectivos créditos no período de apuração. Dessa forma, aduz que o deferimento de medidas tortuosas para reduzir o encargo da COFINS, de acordo com a pretensão da recorrente, apenas implicará na comutação por novas modalidades de financiamento da seguridade social, uma vez que o Estado deve, por mandamento constitucional, encarregar-se dos custos dela decorrentes.
4.2 Modulação dos efeitos da decisão do RE 574.706 PR
Logo que exarada a decisão, via acórdão, que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opôs Embargos de Declaração, alegando obscuridades e contradições sobre qual o montante do ICMS que deve ser considerado para efeitos de exclusão do referido imposto (ZAGO; DA SILVA; RIGO, 2022).
Assim, requereu que o ICMS a ser excluído teria que ser o efetivamente recolhido na operação e não o que se salienta na nota fiscal da venda realizada pelo contribuinte. Ademais, solicitou que a modulação dos efeitos da decisão discutida ocorresse somente após o julgamento dos embargos de declaração (MONGUILOD; GUEIROS NETO, 2022).
Diante do julgamento dos referidos embargos opostos pela fazenda pública ficou concluído pelo Supremo Tribunal Federal que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é o que se encontra presente na nota fiscal que representa a venda, e não tão somente o que foi efetivamente recolhido, bem como determinou a modulação dos efeitos da decisão a partir do dia 15 de março de 2017, data esta em que ocorreu o julgamento da tese primordial.
Destarte, aqueles que ingressaram com ação até o dia 15 de março de 2017, poderiam deixar de recolher o PIS e a COFINS ou readquirir o que fora pago a mais nas datas antecedentes, considerando para tanto as datas até os cinco anos que precederam ao ajuizamento da ação de cada litigante. Em contrapartida, para os que não proporam ações até a data do julgamento do recurso extraordinário em questão não era mais compelido a recolher o PIS e a COFINS incluindo o ICMS, bem como poderiam requerer o que foi pago a maior a partir do dia do julgamento (MONGUILOD; GUEIROS NETO, 2022).
Diante das discussões trazidas à baila, pagantes das contribuições sociais PIS e COFINS conquistaram a vitória em sua ambição. Conquanto que ao apreciar o RE nº 574.706/PR em 15 de março de 2017, o STF concluiu em seu acórdão pela exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, tornando a inclusão, portanto, inconstitucional, estabelecendo a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”.
Nesse sentido, a tese vencedora foi a de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros que aderiram a tese foram a Ministra Carmém Lúcia, Ministra Rosa Weber, Ministro Luiz Fux, Ministro Ricardo Lewandowiski, Ministro Marco Aurélio, Ministro Celso de Mello. Em contrapartida, os ministros que não aderiram a tese foram os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Diante disso, concluíram que por mais que o ICMS seja embutido no valor da mercadoria, como se pode constatar por meio da leitura do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, e o contribuinte devedor ICMS seja a empresa, o STF, em seguida a prolongada mesa-redonda, deliberou na perspectiva de que o ICMS justaposto no preço dos produtos objetos de venda carece de retirada do faturamento para fins de cálculo das contribuições sobre a receita, sobrepujando as Súmulas 69 e 94 do STJ, as quais seguiam fundamentos em sentido díspar.
Assim, a Suprema Corte entendeu que o ICMS corresponde a valores passageiros nas contas das pessoas jurídicas devedoras e que, em seu epílogo, tais valores são repassados para o Poder Público, ora Estado arrecadador. Portanto, a fração do ICMS de modo algum toleraria ser compreendida como faturamento ou receita bruta e, por conseguinte, não poderia se conformar com sua incidência na base de cálculo do PIS e da COFINS. Por fim, para fixação, frisa-se que em consonância com o posicionamento validado pelo Supremo Tribunal Federal, o ICMS é receita do Estado e de forma alguma dos contribuintes.
Diante disso, os contribuintes que proporam ação antes da data do julgamento, 15 de março de 2017, podem reaver o valor pago a maior, em até cinco anos anteriores ao ingresso da ação
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Antonia Joseneide da Costa Cruz. O STF e os fundamentos jurídicos para a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58664/o-stf-e-os-fundamentos-jurdicos-para-a-excluso-do-icms-da-base-de-clculo-do-pis-e-da-cofins. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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