VINICIUS PINHEIRO MARQUES [1]
(orientador)
RESUMO: A investigação proposta busca analisar o impasse existente entre uma realidade nacional costumeira, que é a adoção à brasileira, e os dispositivos legais que a penalizam. Como resultado dessa conjuntura legal-social, torna-se significativo examinar como nossos tribunais estão procedendo frente a este contexto, tendo em vista que a complexidade jurídica e social do ato acabam demandando uma análise mais robusta em detrimento do simples enquadramento desta prática como um crime. Para atingir tal fim, a pesquisa em tela buscou suporte doutrinário, jurisprudencial e legal, utilizando-se de um método de pesquisa dedutivo e de um procedimento bibliográfico. Como produto do presente exame, deduziu-se que o entendimento jurisprudencial dos nossos tribunais tem evoluído no sentido de preservar o vínculo socioafetivo formado entre o adotado e o adotante, desprezando-se assim o caráter ilícito da conduta.
Palavras-chave: Adoção à Brasileira; Jurisprudência; Vínculo Socioafetivo.
ABSTRACT: The investigated proposal seeks the impasse between a customary national reality, which is adopted in the Brazilian way, and the legal provisions that penalize it. As a result of this legal-social conjuncture, it is examined how our courts proceeding in this context, given that the act ends up making the act complex and social ends up requiring a more robust analysis in infamous for the simple framing in the practice of a crime . To achieve this end, an on-screen research sought doctrinal, jurisprudential and legal support, using a deductive research method and a bibliographic procedure. As a product of this examination, the jurisprudential understanding of our courts has evolved in order to preserve the socio-affective bond formed between the binding bond and the adopter, thus disregarding the illicit nature of the conduct.
Keywords: Brazilian-style adoption; Jurisprudence; Socio-affective bond.
Introduz-se o presente artigo com o seguinte questionamento, até que ponto a ilicitude que um ato gera e o propósito altruístico que o leva a ser praticado podem afetar a vida de terceiros? Esta é a indagação que ronda uma prática reiterada nacional, denominada pelos doutrinadores como “adoção à brasileira" tal conduta vem promovendo discussões nos julgados do STJ, isto devido ao fato da prática supramencionada ser tipificada como crime no Código Penal Pátrio, contudo aos olhos da nossa sociedade esse tipo de adoção não representa um ato ilícito, mas sim um ato de benevolência.
Mas então o que seria “adoção à brasileira”? Consoante o art. 242 do Código Penal, incorre nesse crime aquele que “registrar como seu, o filho de outrem”, isto é, quando o adotante busca algum meio de burlar o devido processo legal e registra o adotado como se seu biológico fosse. Esta realidade social gera análises de variadas vertentes, cita-se a título de exemplo o caráter humanitário da conduta, o bem-estar psíquico e físico do menor, o vínculo afetivo formado, a fila de espera com crianças e adolescentes aptos para adoção e devidamente registrados no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) dentre outros fatores que devem ser examinados e condicionar as decisões dos tribunais.
Isto posto, infere-se que a imprescindibilidade desta temática habita no fato dela confrontar dispositivos legais e exigir dos nossos tribunais estudos esmiuçados sobre os casos concretos, uma vez que com a evolução da nossa Carta Magna o afeto passou a ter papel de destaque nas relações familiares e à vista disto muitos adotantes optam por negligenciar a complexidade do trâmite legal e por efetivar a adoção de forma irregular, visto que o essencial eles já possuem: a existência de vínculo afetivo com o adotado.
Neste diapasão, ao longo do artigo serão analisadas as leis do ordenamento jurídico brasileiro que preveem o instituto da adoção e seu procedimento regular, a prática do ato de adoção à brasileira em si, com os possíveis motivos ensejadores e análise jurisprudencial atinente ao tema.
Dado o exposto, a pesquisa em exame propõe-se a perfilhar os posicionamentos dos nossos tribunais evidenciando os efeitos legais e sociais da “adoção à brasileira”. O presente artigo buscará apoio doutrinário, jurisprudencial e legal, utilizando-se de um método de pesquisa dedutivo e de um procedimento bibliográfico com caráter essencialmente qualitativo, com ênfase na observação e estudo documental.
1. ADOÇÃO E SEUS ASPECTOS LEGAIS
A adoção pode ser conceituada segundo Diniz (1996) como: ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.
O Instituto da Adoção vem evoluindo dentro do ordenamento jurídico brasileiro, tendo surgido no Código Civil de 1916, permanecendo quando este foi alterado em 2002 por meio da Lei nº 10.406/02. Todavia, foi com a publicação da Lei Nacional de Adoção (12.010/2009) que alterou o Código Civil vigente, que a adoção de crianças e adolescentes passou a ter tratamento expresso e específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) conforme disposição do art. 1618 do CC/02, enquanto que a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência do poder estatal e também de sentença constitutiva, conforme prevê o art. 1.619 do diploma já mencionado, e quanto a isto somente nos casos que se fizer necessário, as regras do ECA serão utilizadas subsidiariamente.
A Lei Nacional de Adoção trouxe consigo, um fator de extrema importância, o CNA (Cadastro Nacional de Adoção), um sistema que acelerou o processo de adoção, pois une todos que tem o interesse em adotar com todas as crianças e adolescentes que estão aptos para serem adotados e isso demonstra uma grande evolução, considerando que antes de 2009, o cadastro era feito por regiões e após este, passou a ser em âmbito nacional, e segundo Maria Berenice Dias (2013, p. 518) isso amplifica a possibilidade das crianças de um determinado estado serem adotadas por alguém de outro, aumentando a chance da criança obter uma família.
Apesar do avanço supracitado, algumas críticas são traçadas em relação à Lei de Adoção como a não previsão acerca da adoção direta, através da qual o interessado comparecia ao Juizado da Infância e Adolescente com a pessoa que queria adotar e iniciava o processo, o que pode dificultar esse tipo de adoção. Em razão disso, muitos acreditam que foi vontade do legislador coibir a adoção direta.
Outrossim, uma outra alteração implementada pela Lei 12.010/2009 que é alvo de críticas por parte da doutrina é que irmãos não mais poderão ser separados, o que significa que eles deverão ser adotados pela mesma família. Tal fato é criticado, já que pode causar uma dificuldade à adoção, pois nem sempre uma família vai querer adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, além do que com isso há também violação ao princípio da isonomia.
Outra novidade apontada como obstáculo, foi o conceito de família extensa, também chamada de família ampliada, pelo qual o adotando só será encaminhado para uma família substituta se forem esgotadas todas as tentativas de adoção da criança ou adolescente por parentes próximos, como tio, avós, primos e outros, com os quais o adotando mantém vínculos de parentesco. Nunca é demais lembrar que os ascendentes e os irmãos do adotando não o podem adotar
As regras jurídicas específicas da adoção apesar de visarem à prevalência dos interesses, direitos e necessidades do adotando, podem de certo modo dificultar e tornar burocrático e oneroso o processo judicial de adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 39 a 52 determina todo o procedimento para a adoção, pretendendo encontrar uma família adequada à criança, em busca da efetivação da proteção integral. O Código Civil de 2002 trata da adoção nos artigos 1618 a 1629 e extinguiu a distinção entre a adoção restrita e adoção plena, sendo a adoção agora será sempre plena independentemente de o adotando ser maior ou menor de 18 anos.
1.1. Processo de Adoção
O processo de adoção se inicia com a inscrição daquele que quer adotar, o adotante, em juizados de menores ou entidade a eles ligadas, com preenchimento de fichas, entrega de documentos, entrevistas preliminares até que o candidato é chamado ao encontro da criança para o início do processo de adoção que precede de um período de guarda provisória, audiências e provas.
Importante lembrar que para que se aperfeiçoe a adoção, deve passar por dois momentos distintos: o primeiro, de caráter negocial, haverá a manifestação de vontade do adotante e do adotando, dependendo da idade que este possua; e o segundo momento, haverá a intervenção do Estado, que apreciará se a adoção é ou não conveniente para o adotado, nos termos do artigo 1625 do Código Civil (Lei 10.406/2002) e artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
O primeiro ato, que é a realização de um cadastro em que o pretendente se habilita a uma fila de adoção, só ocorrerá após a investigação do candidato com resultado positivo, ou seja, verificado que é apto a adotar. Para ser apto a adotar, além de outras exigências, deverá estar habilitado à prática de todos os atos da vida civil.
Dentre as fases do processo de adoção, está o estudo psicossocial, que é um instrumento de avaliação do contexto familiar no qual o adotando será inserido. Por ser a adoção irrevogável e para garantir a proteção integral com o bom desenvolvimento da criança e do adolescente evitando negligências, abusos, rejeições, maus tratos ou devoluções, este estudo é determinado por lei. O artigo 167 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) dispõe que a autoridade judiciária “determinará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre estágio de convivência.”
Além de um período de preparação psicossocial que será precedido à adoção, no §3ºdo art. 50 do supracitado Estatuto, está disposto deverá haver uma preparação jurídica, sendo ambos orientados pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
A etapa mais longa do processo de adoção é a da aprovação dos adotantes. Depois das entrevistas, da visita às residências dos pretensos adotantes e, depois de esclarecidas todas as dúvidas dos técnicos do Juizado, este processo segue para o Promotor que manifestará sobre a habilitação e, finalmente, o processo segue para o juiz que, encontrando-o satisfatoriamente instruído, poderá deferir a habilitação dos adotantes. Os pretensos adotantes, depois de aprovados pelo juiz, estarão em condições de adotar e passarão a integrar um cadastro ou relação de possíveis adotantes
Certamente o trâmite legal é imprescindível para o atendimento do melhor interesse da criança e à garantia do devido processo legal. Contudo,o processo de adoção é visto como demorado, dispendioso e burocrático, mormente quando se tem que contratar um advogado, além de ser visto por muitos como desvinculado da realidade social. Logo, o direito não pode deixar de regulamentar as práticas sociais (GRANATO, 2012, p.120), por isso existem doutrinas se posicionando sobre a necessidade da regulamentação da adoção à brasileira.
2. ADOÇÃO À BRASILEIRA E ASPECTOS MOTIVADORES
A realidade brasileira é caótica no que tange ao número de menores nas ruas e abrigos e em razão disso e da complexidade do trâmite legal, é que muitos adotantes optam por efetivarem a adoção de forma irregular, visto que o essencial eles já possuem: a existência de vínculo afetivo com o adotado (Moreira, 2011). Nesse sentido, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012) que:
[...] grande passo uma sociedade dá quando verifica que a relação paternofilial é muito mais profunda do que o vínculo de sangue ou a mera marca genética. Com isso, não estamos menoscabando (rebaixando) a paternidade ou a maternidade biológica, não é isso. O fato é que, ser pai ou mãe não é simplesmente gerar, procriar, mas sim, indiscutivelmente, criar, cuidar, dedicar amor. [...] (grifou-se).
Em razão deste vínculo afetivo, da burocratização que envolve o procedimento da adoção legal e outros fatores que muitos optam pela chamada adoção à brasileira. No tocante a esta nomenclatura doutrinária, infere-se que ocorre quando os pais adotivos realizam o registro civil do menor como se seu filho biológico fosse sendo esta informação inverídica, nos termos de Maria Berenice Dias (2013, p. 518). A “adoção à brasileira” é caracterizada pela falta de processo judicial, e esta acontece de forma rotineira dentro da sociedade.
Na verdade, a grande maioria das adoções no Brasil é informal, sendo feitas através da adoção à brasileira, que possui várias determinantes. Outra questão que promove tal instituto é o fato de a adoção legal, além de ter a obrigatoriedade da contratação de um advogado, exige uma grande formalidade a ser seguida em todo o processo como visto no capítulo anterior, devendo aguardar, no final, uma sentença do juiz, que analisará os requisitos e verificando a ausência destes não acolherá o pedido.
Além das particularidades que condicionam a efetivação da adoção regular, outro aspecto que ronda a adoção à brasileira e que é muito questionado sob o ponto de vista social, é sua repercussão na esfera penal, já que é tipificada como ilícito. De fato, a paternidade, a maternidade e a filiação merecem proteção estatal, razão pela qual o estado não pode deixar de tomar medidas cabíveis para reprimir condutas que possam violar o estado de filiação, todavia é razoável prevalecer e permanecer tal repressão sobre condutas revestidas de intenção nobre? Como ocorre em determinados casos de adoção à brasileira.
2.1 Causas e possíveis motivações
Sob o ditame social tal conduta, mesmo estando disposta no Código Penal, como crime, quando revestida de nobreza, amor e solidariedade estará à frente de qualquer tipo de pena. Outro aspecto que corrobora com tal ditame é o histórico de crianças abandonadas no Brasil, que quando individualmente analisado constata-se ser ele frequente e extenso, porém o abandono neste país é um abandono fático e afetivo, mas não jurídico. Há, sim, crianças mal tratadas, mal cuidadas, que passam fome e, às vezes, são exploradas ou vítimas de violências. Mas, nesses casos, há pais ou familiares próximos que não estão dispostos a dar o consentimento que a lei exige para que possam ser adotadas. Com isso, quando se busca o meio legal para a adoção, por vezes, não se encontra uma criança que possa ser adotada.
Legalmente, essas crianças não estão abandonadas e a manutenção da vinculação legal é suficiente para que seja ignorado o abandono gerado pela ruptura gradual dos vínculos causada pelo distanciamento e desinteresse ao desenvolvimento delas.
As crianças que efetivamente estão liberadas para a adoção são aquelas em que os pais são desconhecidos e, isso só determinado depois de cessadas todas as tentativas possíveis de localização, ou que os pais tenham sido destituídos do poder familiar, o que só ocorre após um procedimento judicial. Como se vê, se não houver o consentimento dos pais ou representantes legais, a criança para poder ser adotada terá que aguardar um desses procedimentos, que não são rápidos, o que faz com seja considerada velha para adoção, não se enquadrando na exigência dos candidatos.
Aliás, esse é outro motivo para a prática da adoção à brasileira e, talvez, o mais recorrente. Os candidatos à adoção, na maioria das vezes, querem uma criança ideal para adotar, o que a distancia da criança real. Tal fato deve-se aos preconceitos contra a adoção, em que os pais que não estão verdadeiramente interessados nos seus filhos ou que não possuem condições de criá-los, não tem coragem de entregá-los para a adoção e os candidatos possuem excessiva especificação das características da criança pretendida, já que a intenção é a formação da família modelo e muitas vezes tem-se como objetivo esconder da sociedade aquela adoção.
Além da espera legalmente liberada para a adoção e as exigências feitas pelos candidatos, outro motivo que leva à prática da adoção irregular é que os candidatos devem obedecer a todos os rigores da lei, submetendo-se a critérios subjetivos e objetivos de condições pessoais, sociais e econômicas para satisfazer todos os rigores exigidos. Constituem e pagam advogados, juntam documentos, comparecem a entrevistas técnicas e audiências. Apesar do trâmite legal ser imprescindível para o atendimento do melhor interesse da criança, com a garantia do devido processo legal, o processo de adoção é visto como demorado e burocrático.
Segundo Lúcia Maria de Paula Freitas (2001), a burocracia imposta aos processos de adoção no país justifica, muitas vezes, a prática de fraude à lei, na qual se busca o registro civil de filiação que é feito de forma direta, como se a relação parental se desse pelo curso biológico, preferindo o caminho da fraude ao enfrentamento do longo e tortuoso processo de adoção.
Outro ponto que merece destaque é a realização de estudo social feita por equipe interprofissional. Algumas vezes, os técnicos responsáveis pelas práticas de seleção de pessoas cadastradas nos Serviços de Adoção dos Juizados da Infância e Juventude demonstram uma postura, herdada historicamente, preconceituosa e estereotipada, alienada à concepção social, histórica e cultural da família parental e monogâmica.
Os assistentes sociais e psicólogos e os demais técnicos consideram aptas para adotar aquelas pessoas pertencentes à família modelo e ideal: casados legalmente, centralizados na autoridade conservadora e tradicional do pai, estáveis economicamente. Esta seleção passa a ser temida pelos candidatos à adoção que, por receio de serem rejeitados, não se submetem a ela e, consequentemente, burlam o procedimento legal. As pessoas têm insegurança de que seus perfis possam representar óbices à habilitação e, com isso, preferem buscar a adoção irregular.
Um outro problema que merece destaque é que o risco desta adoção não está apenas na possibilidade de uma condenação criminal. Por não estar em conformidade com a lei, o registro de filiação é nulo e, como tal, a qualquer momento poderá ser declarado. Desta forma, adotante e adotado estarão constantemente expostos a uma mudança radical em suas vidas, no risco de descoberta do ocorrido. Por tais aspectos, faz-se de sumo relevo dispor como os tribunais estão decidindo acerca da desconstituição ou reconhecimento do vínculo parental nas adoções à brasileira.
3. ADOÇÃO À BRASILEIRA E TRIBUNAIS
A própria legislação insinua que o juiz deixe de aplicar a pena se julgar que o motivo foi nobre na adoção à brasileira (parágrafo único do art. 242, Código Penal). À vista disso, cabe ao juiz orientar-se pelos princípios da razoabilidade, do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente. Neste sentido os Tribunais vêm decidindo:
“RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA - RECURSO ESPECIAL, NO PONTO, DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO - APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF - ADOÇÃO À BRASILEIRA - PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE DE DESFAZIMENTO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O conhecimento do recurso especial exige a clara indicação do dispositivo, em tese, violado, bem assim em que medida o aresto a quo teria contrariado lei federal, o que in casu não ocorreu com relação à pretensa ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil (Súmula n. 284/STF). 2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado. 3. Recurso especial improvido”.
Muito embora isto, ainda que o ato praticado pelos pais adotantes seja considerado como um ilícito, logo uma adoção fraudulenta, não gozando de proteção jurídica legal, o que se faz prova mediante simples exame de DNA, a jurisprudência brasileira já vem repousando entendimento maleável para tal atitude, flexibilizando suas decisões sobre este assunto.
Vale notar ainda, que como já dito, a adoção à brasileira configura-se como crime, à luz do Código Penal, sendo que os responsáveis por tal adoção acabam sendo punidos por seus atos, ainda com a anulação do registro civil e até mesmo a retirada da guarda da criança quando menor.
Entretanto, ante a flexibilização da jurisprudência quanto ao caráter moral dos adotantes, é de se verificar que as penas impostas têm sido pouco cumpridas, razão pela qual em inúmeros casos se vê o perdão judicial do delito, levando em consideração que todo cenário se fez no mais profundo amor e afeto pelos pais adotantes, sendo uma causa nobre que vem sendo reconhecida por diversos Tribunais, reconhecendo verdadeiramente que houve um ato digno aos adotantes.
Assim, dignos são os acórdãos das Apelações Criminais e do Habeas Corpus como se vê colacionados:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCURSO COM O CRIME PREVISTO NO ART. 242 DO CP. ABSORÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 299 CP. PARTO SUPOSTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PERDÃO JUDICIAL. VIABILIDADE. CONSTATAÇÃO DA MOTIVAÇÃO NOBRE E ALTRUÍSTA. 1. Merece reparo a sentença recorrida quanto à condenação dos apelantes no crime de falsidade ideológica previsto no art. 299 do Código Penal, tendo em vista que tal conduta já se encontra inserida no tipo penal do art. 242 do Estatuto Repressor. 2. Os elementos de convicção constantes dos autos revelam que os acusados, ao registrarem filho alheio como próprio, agiram amparados por motivação nobre, considerando que pretendiam proporcionar uma vida melhor ao recém-nascido, em vista da precária situação econômica que a família natural enfrentava e do contexto social no qual estava inserida. Nesses moldes, de se conceder o perdão judicial aos agentes, com a extinção de sua punibilidade. APELOS CONHECIDOS E PROVIDOS. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DOS AGENTES PELO PERDÃO JUDICIAL (grifo nosso).
APELAÇÕES CRIMINAIS DEFENSIVAS. DELITO DO ARTIGO 242, 'CAPUT', DO CÓDIGO PENAL. ARGUIÇÃO PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA APELANTE ACOLHIDA. CONTEXTO DA PROVA QUE AUTORIZA RECONHECER O PERDÃO JUDICIAL EM FAVOR DO RECORRENTE POR TER AGIDO SOB MOTIVAÇÃO DE RECONHECIDA NOBREZA. Prescrição retroativa reconhecida em relação à ré, julgando prejudicado o seu recurso. Apelo do réu provido em parte. (grifo nosso)
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A FAMÍLIA – REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO (CP, ART. 242, CAPUT) - COMPANHEIRA COAUTORA – PERDÃO JUDICIAL CONCEDIDO NA ORIGEM (CP, ART. 242, PAR. ÚN.) - VIABILIDADE - MOTIVAÇÃO NOBRE VISLUMBRADA. I – A consumação do delito de registro de filho alheio como próprio (CP, art. 242, caput) opera-se quando evidenciado o dolo específico de alterar estado de filiação por meio de falseamento de registro civil de nascimento, conduta conhecida como "adoção à brasileira" coibida com o fito de proteger- se a família, instituição reconhecida constitucionalmente como célula mater da sociedade, hipótese plenamente verificada quando o agente se dirige a cartório público e registra como seu filho que sabidamente é de outro. No entanto, visando proporcionalizar as sanções aplicadas aos casos concretos,o legislador fez inserir o parágrafo único ao aludido artigo, o qual traz uma pena de detenção em prazo menor que a de reclusão prevista no caput e, ainda, a faculdade de o julgador deixar de aplicar esta sanção, por meio de perdão judicial, para os casos em que o sujeito ativo age por motivo de reconhecida nobreza. (grifo nosso)
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 27/02/2018. HC 385507/PR. Ministra Nancy Andrighi). (grifo nosso).
Desta feita, é evidente reconhecer que houve um desenvolvimento por parte do Poder Judiciário quanto à aplicação da pena criminal aos pais adotantes, isto para questões detidamente analisadas, sendo que se tem priorizado a relação de afeto já estabelecida em desfavor do cumprimento da norma penal.
A jurisprudência então passa a aceitar o interesse dos pais pelo reconhecimento imediato da adoção à brasileira, velando sempre pelo melhor interesse do adotado, e assim, garantido a criança uma digna convivência familiar com aqueles para quem sempre reportou como verdadeira família de criação, visando, desta forma, não anular todo o vínculo juridicamente familiar em detrimento do vínculo afetivo.
Portanto, como se vê, os tribunais estão decidindo manter a criança e o adolescente com os pais que fizeram a adoção à brasileira, visando o melhor interesse e a proteção integral daqueles, uma vez que por meio dessa “adoção” também se pode estabelecer uma filiação socioafetiva, que é um fato no qual o Direito deve se debruçar e não negligenciar.
Ainda que seja provada que houve ilegalidade no registro civil pela sua adoção de forma contrária à lei, o aspecto fundamental será levar em ponderação o efetivo melhor interesse da criança e do adolescente, sendo premissa aplicada em todos os casos concretos desta partitura.
Em razão disto, pode-se então trazer a conclusão de que, há um novo caminho traçado pela jurisprudência quando da aplicação da norma contida no artigo 242, do Código Penal, como visto pelas reiteradas jurisprudências que concedem o perdão judicial, olhando então para o melhor interesse da criança e a causa nobre ventilada pelos pais adotantes, uma vez que a realidade fática do nosso país tem se deparado com lacunas no ordenamento jurídico, como se vê na Lei dos Registros Públicos.
Pode-se inferir também que a jurisprudência é pacífica em buscar o melhor interesse da criança, a garantia do direito à convivência familiar e com isso realiza a desconstituição do vínculo parental face ao vínculo socioafetivo.
A adoção à brasileira é um fato social que não pode ser desprezado, visto a sua grande incidência nos dias atuais. Por oportuno, registra-se que para uma pessoa comum e, por vezes também, para pessoas que tem conhecimento jurídico é muito mais rápido, menos oneroso, e efetivo comparecer no cartório e registrar como sua uma criança, fazer falso reconhecimento do que enfrentar um processo regular de adoção, que necessita de advogado, tempo, dinheiro e correndo o risco de não alcançar o resultado pretendido.
CONCLUSÃO
Diante do que foi proposto, depreende-se que grande é a parcela da sociedade que age de forma irregular, promovendo, portanto, a Adoção à Brasileira, que tem tomado grandes proporções com o passar do tempo, em razão do longo e demorado processo de adoção pela via legal.
Além do processo de adoção regular já ser demorado, em razão de ser necessário buscar o melhor interesse da criança, com a garantia constitucional do devido processo legal, há diversos obstáculos para aquele que busca adotar uma criança de forma regular, como por exemplo, o estudo social, as exigências na característica da criança e o medo de não obter resultado, são os motivos considerados mais determinantes para buscar a adoção à brasileira.
A nova lei de adoção (Lei 12.010/09), porém, tem como foco a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, sendo uma resposta da sociedade em privilegiar as relações afetivas em detrimento do vínculo biológico. E a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente concretizada no Estatuto da Criança e do Adolescente, reafirma o princípio constitucional do melhor interesse da criança, refletindo a evolução pela qual a família passou com o reconhecimento da constituição familiar baseada na afetividade.
Por fim, ao analisar as decisões proferidas pelos Tribunais Brasileiros, é de fácil percepção que os julgados são em sua maioria, a favor da preservação da paternidade socioafetiva, mesmo ela tendo sido fruto de uma “adoção à brasileira” e havendo ainda, previsão legal para punir esse tipo de conduta do que favorecer a vinculação biológica, na qual houve abandono.
Ademais, observa-se que a tipificação expressa no Código Penal, em seu artigo 242 onde menciona a punição daquele que efetua registro de filho de outrem como próprio não está mais em uso perante os Tribunais, visto que não seria justo punir alguém buscou proporcionar afeto e amor a uma criança, levando a ela o direito de constituir família, fato este que faz surgir necessidade de se pensar acerca da regulamentação da Adoção à Brasileira.
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[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito da Universidade Federal do Estado do Tocantins. Advogado. E-mail: vinicius.marques@uft.edu.br.
Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal do Estado do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Lais Barbosa. Adoção à brasileira: ato ilícito ou humanitário? Uma análise jurisprudencial do tema Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58734/adoo-brasileira-ato-ilcito-ou-humanitrio-uma-anlise-jurisprudencial-do-tema. Acesso em: 22 nov 2024.
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