Resumo: Este estudo tem por objetivo estabelecer os parâmetros constitucionais tributários do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) especificamente em relação a percentagem do diferencial de alíquota (DIFAL), no tocante às alíquotas entre o ente federativo de origem e o ente federativo de destino. Parte-se da problemática que há uma compreensão de que os princípios constitucionais estão sendo mitigados, conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, e questiona-se por que os tribunais estaduais estariam cassando liminares dos juízos de primeiro grau. Nesse ínterim questiona-se “seria somente a atuação jurídica entre os líderes do executivo estadual e os presidentes dos tribunais ou tudo passa apenas pelo caráter arrecadatório?” Nessa direção, desenvolver-se-á este labor exegético dividindo-o em um breve resumo do histórico do DIFAL - Diferença de Alíquota Interestadual, seus impactos e reflexos para o sujeito passivo. A seguir, os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica e da anterioridade, diante da incongruência legislativa. E por fim, uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal com os reflexos nas decisões de piso e a cassação das respectivas liminares. Em sede de conclusão, ao considerar as análises dos julgados, apresentar-se-á o equívoco ou o acerto das decisões dos tribunais.
Palavras-chave: DIFAL. ICMS. Consumidor Final.
Abstract: This study aims to establish the constitutional tax parameters of the Tax on Circulation of Goods and Services - ICMS, specifically in relation to the percentage of the rate differential - DIFAL, the rates between the federative entity of origin and the federative entity of destiny. It starts with the following problem: “Since there is an understanding that the constitutional principles are being mitigated, according to the understanding of the Federal Supreme Court itself, why would the state courts be canceling injunctions from the first-degree judges, it would only be the mediated legal action between the leaders of the state executive and the presidents of the courts, or does it still have a tax collection character?”. In this direction, this exegetical work will be developed by dividing it into a brief summary of the history of DIFAL - Interstate Tax Difference on Value-added tax on sales and services (ICMS), its impacts and reflexes for the taxable person. Next, the constitutional principles of legality, legal certainty and precedence, in the face of legislative inconsistency. And finally, an analysis of the decision of the Federal Supreme Court with the reflexes in the floor decisions, such as the revocation of the respective injunctions. In conclusion, when considering the analyzes of the judgments, the mistake or the rightness of the decisions of the courts will be presented.
Keywords: DIFAL. ICMS. Final Costumer.
1 INTRODUÇÃO
Em sucinto histórico, o DIFAL foi constituído pelo Convênio ICMS nº 93/2015[1], passando a vigorar a partir do primeiro dia do exercício seguinte a sua instituição, estabelecendo-se distinções em percentuais (alíquotas) e suas respectivas divisões, cuja cobrança iniciou-se em 1/01/2016.
O DIFAL do ICMS – surgiu a partir da edição da Emenda Constitucional nº 87/2015[2], onde se definiu um escalonamento de alíquota entre o Estado de origem e o Estado destino. O diferencial de alíquota do ICMS, tem como objetivo principal, equilibrar as relações jurídicas entre os Estados da Federação, ou seja, trata-se de uma obrigação tributária de cunho equitativo.
Esse imposto é recolhido pelo Distrito Federal e os Estados, quando das operações de mercadorias entre estados destinados ao não contribuinte do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS. Ressalta-se, que as entidades optantes pelo regime simplificado, não podem ser cobradas pelo DIFAL da EC nº 87/2015.
O imbróglio tributário vem desde 2011, quando os Estados confeccionaram por Convênio - Protocolo ICMS nº 21, com a finalidade de se recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços quando ocorresse diferença de alíquotas interna e a interestadual nas aquisições, pelo contribuinte de fato, independente do meio – físico ou eletrônico. Três anos após da assinatura do protocolo ICMS nº 21, este foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário de nº.1.287.019 em 24/02/2022, e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469[3].
Destarte, o tema voltou à baila pela EC nº 87/15, com regulamentação por novo Convênio - ICMS nº 93/15, novamente passando a ser aplicado (1/01/2016). Todavia, como uma repetição do que aconteceu em 2014, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade da exigência (do tributo), argumentado que normas gerais, para que se instituísse a cobrança, conforme Código Tributário Nacional, dever-se-ia ser implementada por meio de Lei Complementar, que por efeito, inviabilizaria a cobrança através de Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
Essas operações interestaduais destinam-se efetivamente ao consumidor final exigindo-se a diferença entre a alíquota interna do ente destinatário e a alíquota do ente remetente. Devendo-se recolher o DIFAL, quem for o responsável pela venda a não contribuintes do ICMS. Em relação às operações entre contribuintes, a diferença de alíquota é de responsabilidade da entidade que faz a compra do produto.
Na verdade, o que se tem no caso concreto, é que o Distrito Federal e outros Estados ultrapassaram as fronteiras dos limites constitucionais de tributar e se apressaram em alterar a legislação estadual, mesmo antes da publicação da Lei Complementar nº 190, que ainda não existia materialmente, pois não estava vigente. O CONFAZ, por sua vez, seguiu a mesma vereda, e confeccionou novo Convênio nº 236/2021, o que para uma boa exegese do direito – era o permissivo regulamentar para realizar a cobrança do Diferencial de Alíquota no presente ano.
Sobre a Lei Complementar nº 190/22, o império fazendário compreende pela observação do art. 150, III, “c”, da Carta Constitucional de 1988, quer dizer, o respeito ao princípio da noventena. Por este raciocínio, não se respeita o princípio da anterioridade anual e, que a diferença de alíquota do ICMS, já poderia ser cobrada em abril de 2022.
Mas será que a cobrança do DIFAL é devida em 2022? É o que se passará a expor, analisando o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, e mais importante, qual o motivo que os Tribunais dos Estados têm cassado as liminares dos contribuintes.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Princípios Constitucionais
Sobre o modismo que os estudos de direito fazem a despeito da diferenciação entre princípio e regra, o que para Ávila (2021, p. 46) não é algo tão simples, a separação entre as espécies normativas como que ganha foros de unanimidade e termina por semear não mais o conhecimento crítico das espécies normativas, mas a crença de que elas são dessa maneira, e pronto.
Sob essa perspectiva distintiva, segue-se novamente as lições de Ávila (2021, p. 46, grifo nosso) que, diferencia as normas entre regras e princípios e, o que deve interessar são os princípios:
[...] normas ou são princípios ou são regras. As regras não precisam nem podem ser objeto de ponderação; os princípios precisam e devem ser ponderados. As regras instituem deveres definitivos, independentes das possibilidades fáticas e normativas; os princípios instituem deveres preliminares, dependentes das possibilidades fáticas e normativas. Quando duas regras colidem, uma das duas é inválida, ou deve ser aberta uma exceção a uma delas para superar o conflito. Quando dois princípios colidem, os dois ultrapassam o conflito mantendo sua validade, devendo o aplicador decidir qual deles possui maior peso.
O critério de distinção entre regras e princípios, baseado no conceito restrito de ponderação, conduz a outro critério – o “modo de colisão”: quando duas regras entram em colisão, ou se abre uma exceção que afasta o conflito, ou uma das duas regras deve ser declarada inválida, ao passo que quando dois princípios entram em conflito, ambos mantêm a sua validade, estabelecendo-se, porém, uma espécie de hierarquia móvel e concreta entre eles. [...] A capacidade de ponderação implica, pois, a capacidade de restrição e de afastamento de um princípio em razão de outro. Assim, ser uma norma-princípio é ser uma norma que se caracteriza pela restringibilidade e pela afastabilidade. Mais, ser uma norma-princípio é ser uma norma que se caracteriza pela carência de confronto horizontal com outras normas-princípios (ÁVILA, 2021, p. 150, grifo nosso).
Para Alexy (2014, p. 90) princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Barroso (1996, p. 141), princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações da ordem jurídica que institui. Após essas considerações, adentrar-se-á especificamente nos princípios constitucionais que este artigo se preocupa, quais sejam: legalidade, da segurança jurídica e da anterioridade.
2.2 Princípio da Legalidade
Surge em texto expresso com o pedido de autorização aos contribuintes para que se pudesse tributar dentro dos ditames legais, adjudica-se a este texto – à Carta Magna, o que se discorda, como afirma Lacombe (2000, p. 45), quando cita Victor Uckmar, nestes termos:
[...] que a origem é anterior. Salienta que na Inglaterra, onde o Rei já percebia impostos e obtinha subsídios pelo direito consuetudinário, eram exigidos dos vassalos, para fazer frente às despesas extraordinárias, pagamentos em dinheiro, e estes podiam – embora fosse praticamente impossível impugná-los[4].
O que se expôs no parágrafo anterior, é a característica limitativa do Estado quanto a tributação impositiva ao contribuinte. Becho (2105, p. 359) anota que tal princípio teve um marco histórico trágico, a legalidade como regra, levou o nazismo a realizar sua revolução legal, aplicando-se a um dispositivo no próprio Diploma Legal (Weimar).
Baleeiro (2010, p. 76), revisitada por Derzi, analisa os arts. 150, I, e 5º, II, da Constituição de 1988, os quais referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do Poder Legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial, temporal e consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário (alíquotas e bases de cálculo), além de sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário.
O texto Constitucional é cristalino, quando afirma que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, nos termos do art. 5º, II, dispositivo normativo para que a coletividade acolha as normas que limitam suas liberdades e a propriedade de seus usuários, buscando-se o bem comum.
O Estado Brasileiro, é Estado Democrático de Direito – no qual reger-se-á a lei. A Lei, no dizer de Carrazza (2021, p. 208) – norma geral, abstrata, é igual para todos que se encontram em situação jurídica equivalente – provêm do Legislativo, cujos membros são eleitos pelo povo.
Ainda, com o mesmo autor, perpassar-se-á pelo princípio federativo, que garante a autonomia destas pessoas políticas, a referida lei complementar não poderá estabelecer o conteúdo dos convênios em matéria de ICMS, mas apenas os mecanismos jurídicos que nortearão sua celebração. Deverá, pois, limitar-se a dar operatividade ao seu sistema de funcionamento (CARRAZZA, 2020, p. 507).
E lembra o autor, que é verdade que a aplicação do princípio da legalidade conduz a uma situação de segurança jurídica, em virtude da aplicação precisa e exata das leis preestabelecidas. Todavia, isto só não conduz ao Estado de Direito, entendido como aquele em que as liberdades fundamentais estão reconhecidas no texto constitucional, não podendo ser desmentidas ou menos acabadas por normas de inferior hierarquia (CARRAZZA, 2021, p. 209).
Fica claro que, somente por lei, pode se compelir a sociedade a fazer ou deixar de fazer algo, impondo comportamentos e determinando comandos. Importa lembrar que o princípio da legalidade é encontrado em todos os ramos do direito e não como alguns pensam, sendo exclusivo do direito tributário, conforme cita-se o diploma normativo – art. 5º, II da Constituição Federal.
Do colóquio geral, sabe-se que o indivíduo não pode realizar todas suas vontades, este possui limitações e, tais limitações somente por meio de lei podem ser superadas, com caracteres comuns e equânime, e desde que a norma respeite o devido processo legislativo, delineadas pela Lei das Leis, observando o princípio republicano.
2.3 Princípio da Segurança Jurídica
No preâmbulo da Constituição Federal, vem de modo expresso, o Princípio da Segurança Jurídica. No caso de se encontrar segurança jurídica, tal princípio vem coberto pelo princípio da legalidade, ainda pela coisa julgada, ato jurídico perfeito e pelo direito adquirido, cuja verdade já demonstrada é que, a norma não pode retroagir.
Lacombe (2000, p. 76), apresenta de modo emblemático as lições de Geraldo Ataliba (2016), afirmando que:
O Direito por excelência é, acima de tudo, instrumento de segurança. Ele é que assegura a governantes e governados os recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto mais segura uma sociedade, tanto mais civilizada. Segura estão as pessoas que têm certeza de que o Direito é objetivamente um e que os comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos não discreparão. Há segurança jurídica – noção muito mais fecunda, ampla e sadia que o conceito de segurança nacional – onde haja ´rigorosa delimitação das esferas jurídicas e, sobretudo no campo do direito público, como uma estrita testada dos direitos subjetivos privados -liberdade e propriedade -, ela não poderia deixar de se apoiar num princípio que conferisse estabilidade às esferas assim delimitadas, subtraindo a atividade dos cidadãos das áreas do contingente e do arbitrário.
Ainda sobre o princípio da segurança jurídica, Carvalho (2019, p. 208, grifo nosso) leciona:
Não há por que confundir a certeza do direito naquela acepção de índole sintática, com o cânone da segurança jurídica. Aquele é atributo essencial, sem o que não se produz enunciado normativo com sentido deôntico; este último é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta.
Este princípio é fundamental para os contribuintes, de modo que estes possam pugnar por melhores decisões tributárias. Planejar é agir futuramente e nenhum indivíduo gosta de andar em veredas sinuosas, não é mesmo? Para tanto, o cidadão pagador de tributos deseja um mínimo, qual seja, a verdadeira aplicação da norma posta no Direito Positivo, devidamente consignada com a sua relação fática definida, como também o respeito à coisa julgada e ao direito adquirido.
As relações jurídicas devem ser permeadas por uma atmosfera de segurança, acompanhadas por condições de organização, conditio essas que irão talhar o entremeio entre o momento pretérito e o por vir, das aplicações do legislador e do contribuinte. Carvalho (2019, p. 208, grifo nosso) diz que “Desnecessário encarecer que a segurança das relações jurídicas é indissociável do valor justiça, e sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente perseguida pelos povos cultos”.
Pontes de Miranda (2000, p. 193) lembra sobre o conteúdo da Justiça: o conteúdo da justiça é liberdade, cultura, felicidade relativa; o da segurança, ordem, paz. O que é preciso – sustenta – é que vigore determinado sistema jurídico e haja a convicção que será aplicado nos casos particulares, pois é isto que dá segurança jurídica. Se a solução é imprevisível, é que não há sistema, mas variação ou, pelo menos, incerteza e vacilação. E acrescenta o jurista Pernambucano, salientado o aspecto conservador do Direito: A atividade humana encontraria empecilhos e desalentos se não soubesse que do ato ‘A´ surgiriam os fatos ´a´, ´b´ e ´ c´, que são os efeitos jurídicos dele no mundo das relações sociais. É por isto que as revoluções prejudicam todavia a economia e a produção. A ordem é a mais objetiva revelação do bem, porque representa a revelação experimental. No entanto, distingue a ordem intrínseca da ordem extrínseca. Para esta, basta previsibilidade; para aquela, é preciso a perfeição interna do direito objetivo.
Ainda conforme Lacombe (2000, p. 79), em referência a Almiro do Couto e Silva, no tocante à subversão entre justiça e segurança jurídica, nada pode se transformar em injustiça:
O conflito entre justiça e segurança jurídica só existe quando tomamos justiça como valor absoluto, de tal maneira que o justo nunca pode transformar-se em injusto e nem o injusto jamais perder essa natureza. A contingência humana, os condicionamentos sociais, culturais, econômicos, políticos, o tempo e o espaço - tudo isso impõe adequações, temperamentos e adaptações, na imperfeita aplicação daquela ideia abstrata à realidade em que vivemos, sob pena de, se assim não se proceder, correr-se o rigor de agir injustamente ao cuidar de fazer justiça. Nisso não há nada de paradoxal. A tolerada permanência do injusto ou de ilegal pode dar causa a situações que, por arraigadas e consolidadas, seria iníquo desconstituir, só pela lembrança ou pela invocação da injustiça ou da legalidade originária.
E complementa, que a verdade, quando se diz que em determinadas circunstâncias na segurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o que se está afirmando a rigor, é que o princípio da segurança jurídica passou a exprimir, naquele caso, diante das peculiaridades da situação concreta, a justiça material. Isto porque, o sistema jurídico precisa de estabilidade para todos os seus operadores e, não há imprevisibilidade que o deixe o sistema de pé.
2.4 Princípio da Anterioridade Tributária
Extrai-se da Constituição Federal três dispositivos, divididos em duas espécies normativas, como leciona Paulsen (2019. p. 144), quais sejam, para o art. 150, III, “b”[5], da CF, o sujeito passivo da obrigação tem em tese, uma segurança de que, referente a majoração e instituição de tributo, somente às leis publicadas até o último dia do ano anterior (31/12), estar-se-ia diante da anterioridade do exercício.
Do art. 150, III, “c”[6], da Carta Maior, que foi acrescentada pela Emenda Constitucional nº 42/03, e o art. 195, § 6º[7], do mesmo diploma legal, que deveria ter o caráter assecuratório ao sujeito passivo da obrigação um lapso temporal de noventa dias, dentre a publicação que instituiu ou majorou o tributo e seus reflexos (fato jurídico tributário).
Parte da doutrina entende haver distinção entre princípio e regra. Canotilho (1991, p. 545)[8], trouxe diferenciações entre princípios e regras, afirmando a atuação aberta dos princípios. Paulsen (2019, p. 144) leciona que: “a anterioridade apresenta-se não como princípio, mas como regras claras e inequívocas condicionantes da válida incidência das normas que instituem ou majoram tributos”.
Ainda, baseando-se no entendimento de Paulsen (2019, p. 143), a anterioridade tributária não se confunde com anualidade. A anualidade figurava no § 34 do art.141 da Constituição de 1946[9]. E seguindo a vertente de Paulsen, tal norma não foi repetida nas Constituições posteriores já não existe como garantia tributária[10].
Vale lembrar, que para a efetividade da anterioridade, nada mais justo e robusto de que o contribuinte tenha antecipadamente o conhecimento de determinada lei, referente àquele tributo específico, para que possa agir em detrimento de um imposto menos gravoso. Não é simples ato de prevenir ou de ser pego de surpresa, mas no dizer de Ávila (2011, p. 587):
Em vez de previsibilidade, a segurança jurídica exige a realização de um estado de calculabilidade. Calculabilidade significa a capacidade de o cidadão antecipar as consequências alternativas atribuíveis pelo direito a fatos ou a atos, comissivos ou omissivos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro situe-se dentro daquelas alternativas reduzidas e antecipadas no presente.
Com as notações feitas em relação aos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da anterioridade e, ao se fazer uma leitura mais acurada, do histórico da publicação do DIFAL, se perceberá certas discrepâncias jurídicas-constitucionais, em relação ao instituto.
2.5 Análise da Legalidade pelo Supremo Tribunal Federal do DIFAL
O Supremo Tribunal Federal declarou, em duas oportunidades, a inconstitucionalidade da cobrança de diferença de alíquota do ICMS, instituída por Convênio CONFAZ, quando a instituição e cobrança do imposto somente é permitida através de Lei Complementar[11], nos termos da Constituição Federal.
No ano de 2021, exatamente no mês de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal proibiu os Estados e o Distrito Federal de cobrar a diferença de alíquota do ICMS – DIFAL, tendo em vista que tais cobranças vinham sendo realizadas por meio do Convênio CONFAZ. Isso porque, a corte compreendeu pela necessidade de que a matéria fosse regida por lei complementar, ao invés de mero ato administrativo.
A Colenda Corte reconheceu a inconstitucionalidade da instituição e a exigência do DIFAL, modulando os efeitos da decisão, para que ela gozasse de efeitos válidos no corrente ano. A referida decisão foi definida concomitantemente com a deliberação do Recurso Extraordinário nº 128.019 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469/DF[12], em 24/08/2001:
Os Estados por sua vez e no afã arrecadatório de não perder receitas, superando as formalidades processuais, foram ao Congresso Nacional e, diante de sua força de articulação conseguiram a aprovação legislativa que faltava para o permissivo da cobrança do DIFAL.
Sem fazer juízo de valor, o que na realidade ocorreu é, um lapso de troca de ano entre a edição da LC nº 190/2022 e o sancionamento da respectiva lei pelo Chefe do Executivo, provocando uma série de incertezas para os contribuintes que fazem parte de um sistema e o ferimento do princípio da anterioridade, o qual já foi abordado no item 24. deste trabalho.
O que se vislumbra na prática é que os Estados adotaram a cobrança do DIFAL, ou seja, o resultado da alíquota interestadual ao Estado de origem da mercadoria e a diferença de alíquota para o Estado destinatário da mercadoria, onde está o contribuinte de fato (consumidor final).
Portanto, frente a essa situação posta, deve-se ir avante para descobrir qual ou quais os motivos foram determinantes para que os Tribunais dos Estados e Distrito Federal invalidassem as liminares e antecipação de tutela concedidas ao sujeito passivo ao que se refere o recolhimento do diferencial de alíquota do ICMS.
2.6 Cassação das Liminares para o Não-Recolhimento do DIFAL
A divergência quanto à cobrança do diferencial de alíquota do ICMS, que não se poderia ser realizado através do Convênio CONFAZ, mas sim através de Lei Complementar, fomentou o contencioso tributário, com a concessão de liminares e tutela antecipada em favor dos contribuintes frente à inconstitucionalidade da cobrança.
Ou seja, os contribuintes se socorreram do Judiciário para a obtenção de decisões que lhes resguardassem da exigência do pagamento do diferencial de alíquota no ano de 2022, com consequente início da cobrança somente no ano de 2023, de modo que fosse respeitado o princípio constitucional da anterioridade e por via de consequência os princípios da legalidade e da segurança jurídica.
Uma das decisões que concedeu liminar para o não recolhimento, foi determinada pelo Magistrado da 4ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública do Piauí (2022, grifo nosso), fundamentando a decisão do seguinte modo:
Ante o exposto e a tudo considerado, concedo em parte a liminar vindicada, "inaudita altera parte”, determino a suspensão da exigibilidade do ICMS - DIFAL em favor da impetrante, nas operações que tenham como destinatário consumidor final não contribuinte do ICMS, bem como determino que o Fisco se abstenha de impor qualquer sanção ou medida restritiva de direitos em decorrência do não recolhimento do referido imposto, observado que tal suspensão da exigibilidade deverá prevalecer apenas durante o período de 90 (noventa) dias contados a partir da publicação da Lei Complementar 190/2022”.
Nota-se que, o juízo de primeira instância concede a liminar com fundamento no princípio da anterioridade nonagesimal, conforme grifou-se. Todavia, frente às possibilidades de diminuição da receita pública[13], as liminares foram suspensas pelos Presidentes dos Tribunais dos entes federativos do Piauí e do Estado de Santa Catarina. O Presidente do TJPI, suspendeu as proferidas e também futuras, sob a alegação de impacto ao erário público, impacto este em torno de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais); além do reflexo replicador das liminares, o argumento é baseado nos efeitos econômicos, conforme se alega:
A Secretaria de Fazenda vem recebendo uma média diária de 30 mandados oriundos de ações judiciais sobre a mesma temática, motivo pelo qual, desde já, torna-se necessário o deferimento de extensão de efeitos suspensivos para outras liminares já proferidas e as supervenientes”, disse na decisão, desta segunda-feira (7/3)[14].
Pelo mesmo caminho seguiu o Presidente do TJSC quanto a suspensão das liminares para o não pagamento do DIFAL pelos contribuintes, com o mesmo fundamento de impacto econômico que afetaria o Estado de Santa Catarina em aproximadamente R$ 420.000.000,00 (quatrocentos e vinte milhões de reais). O Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, da mesma maneira, interrompeu as liminares[15], sob a mesma ratio, a falta de arrecadação e comprometimento de serviços essenciais. O que evidentemente se criou, foi um efeito cascata de suspensão de outras liminares em outros Estados pelos Presidentes dos Tribunais de: Pernambuco, Espírito Santo, Bahia e Ceará.
Ora, por que essa questão tem a ver com este cenário que estamos vivenciando, é com essas mudanças no direito processual, administrativo e tributário, isso tem a ver, além do Princípio da motivação (art. 93, IX, da CF/88), exige que todas as decisões sejam motivadas (interlocutórias, sentenças e acórdãos), tratou o legislador no CPC/15, o dever de motivação em seu art. 298: “Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso”, especialmente com a superveniência com as modificações que foram feitas com as mudanças na LINDB (Lei de Introdução Nacional Direito Brasileiro) em 2018, no seu art. 20[16], que sob a análise de Bueno (2021, p. 318)[17], versa sobre um dever-poder geral de cautela, entende-se por certo que é preciso transparência e proporcionalidade nas decisões dos magistrados, claramente fazendo-se referência a uma diminuição do subjetivismo e, não se pode decidir sem que se veja os reflexos pertinentes para ambas partes da lide, dando-se conformidade ao texto constitucional.
Deve-se também, prestar muita atenção no art. 21 da mesma lei, que trata da fundamentação das decisões com a seguinte redação: “A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas” (BRASIL, 1942, p. 1).
As consequências de uma decisão são causas legítimas de decidir, razões de decidir - antes não havia essa condição, anteriormente o juízo mesmo que adotasse uma abordagem consequencialista, ele não assumia isso formalmente, ele deixava escondido lá no recôndito cognitivo dele, ou seja, o magistrado exterioriza através de uma decisão eivada de consequencialismo, mas não assumia, porque não havia base legal para isso.
E por que isso? Porque vivia-se um período em que a fundamentação estava ou não se estava presente na lei. As consequências da decisão que ultrapassam o sentido jurídico fogem à competência do Poder Judiciário pelo menos no plano retórico, pois bem, aí vem o art. 21 da LINDB e diz: que o juiz ao julgar, levará em conta os efeitos da decisão.
Veja-se a importância do art. 21, da LINDB, ainda que não interiorizada muito no nosso imaginário, veja a explicitude da coisa, ou seja, qual a consequência ou consequências, são razões legítimas de decidir. Agora, o juiz pode dizer, muito embora juridicamente esta questão se resolva neste sentido, a verdade é que os efeitos desta decisão me induzem e me autorizam a decidir de maneira contrária levando-se em conta, já que os efeitos que essa decisão tem para o âmbito geral ou específico.
A contra face disso está na medida em que o Judiciário vem incorporando o pragmatismo, o consequencialisto e a visão econômica do direito, de modo que o magistrado está legitimado a decidir com argumentos extrajurídicos. Então, teoricamente hoje em dia a procuradoria pode e ela se utiliza muito disso, de que uma decisão contrária ao fisco provocaria repercussões sobre o erário público, gestão orçamentária e cumprimento de políticas públicas, influenciando sobremaneira o Judiciário.
Porém, sobre a superveniência desta realidade, do ponto de vista de muitas instâncias judiciais, os magistrados agora compreendem que os argumentos consequencialistas fazem parte da regra do jogo e, quem alegar as consequências como causa de pedir, terá que delinear explicitamente quais os efeitos especificamente, não genericamente com mormente o império fazendário o faz – alegando qualquer coisa, ela terá que ser detalhada.
Dito tudo isso, é importante e salutar que os argumentos consequencialistas, desde Bentham[18], no séc. XVIII início do séc. XIX, devem ser identificados sob pena de se estar diante de mera retórica, o que se apresenta uma forma inconsequente.
Sobre o consequencialismo jurídico-econômico Posner (1986, p. 12) lembra que, embora poucas opiniões judiciais contenham referências explícitas a conceitos econômicos, muitas vezes os verdadeiros fundamentos da decisão legal são ocultados ao invés de iluminados pela característica das opiniões. Não pode o consequencialismo, subverter as regras determinadas no próprio texto constitucional, senão vejamos.
Importante reafirmar o que foi dito no item 2.4 sobre o princípio da anterioridade, nas palavras do Ministro Celso de Mello[19], quando confirma que tal motivo se trata de um direito fundamental:
O princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes [...].
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos, introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações sempre tão estruturalmente desiguais entre pessoas e o Poder.
[...] os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que existam para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete, qualquer que sejam os contribuintes, à impessoalidade de suas restrições (grifo nosso).
Comunga-se da citação anterior, no sentido de confirmar o princípio da anterioridade como um direito fundamental a ser perseguido no relevo do sujeito passivo, como ditame definitivo ao princípio constitucional determinado na própria Constituição Federal.
Schoueri (2021 p. 350), de forma categórica, ante todo o racional realizado neste estudo, alerta como preocupante tendência de mitigação do Princípio da Anterioridade deve ser denunciada quando a jurisprudência, invocando o argumento de que revisão ou revogação de benefício fiscal, seria vinculada a política econômica, não estaria sujeita aos limites do art. 150, III, “b” e “c”, do texto constitucional. Mesmo não sendo o caso concreto do trabalho, entende-se pela não mitigação do princípio da anterioridade.
Acompanhe também, a Súmula Vinculante de nº 50[20] do Supremo Tribunal Federal, que é de uma clareza evidente, que a norma legal que altera o prazo de recolhimento, não está sujeita ao princípio da anterioridade. O que efetivamente mudou o prazo de recolhimento foi uma instrução realizada por convênio, o que se trata de inconstitucionalidade simples e pura.
Poder-se-ia alongar em tantas outras páginas, mas o labor exegético exige que o intérprete conclua seus pensamentos, e destarte se passará para conclusão.
5 CONCLUSÃO
Com tudo que foi recolhido de informações neste artigo, se faz necessário mirar sob duas perspectivas bem delineadas, uma visão do ente fazendário que busca arrecadar e garantir o crédito público em detrimento do crédito privado para realização de políticas públicas; e outra do ponto de vista do contribuinte que quer pagar o que está demarcado dentro dos limites da legalidade e mais, ter um mínimo de segurança jurídica para prospecção e realização dos seus negócios.
Em um Estado Democrático de Direito, imperativo obedecer os princípios constitucionais, verdadeiras vigas mestras do prédio constitucional, que diferentemente das regras, causam desconfiança aos operadores do direito e principalmente aos contribuintes que planejam e organizam suas operações.
Por outra via, o COMSEFAZ – Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda, realizou um estudo sobre os impactos da perda de arrecadação estimado em R$ 9.000.000.800,00 bilhões de reais, caso a diferença de alíquota deixasse de ser arrecadada. Os entes federativos informaram as datas que iniciaram seus respectivos recolhimentos.
Desse modo, com a suspensão das liminares para o recolhimento do DIFAL pelos Tribunais Estaduais, vêm causando mais insegurança jurídica e desconfiança do sistema jurídico. Entende-se então, que a cobrança da diferença de alíquota de ICMS, só pode ter seu recolhimento a partir de 2023, respeitando-se a anterioridade do exercício, já que a Lei Complementar n. 190/22, foi publicada em 05/01/2022.
Ante o imbróglio, está-se convencido de que lei ordinária dos Estados como do Distrito Federal não podem ser supervenientes à exigência de lei complementar, o que afeta sobremodo a segurança jurídica dos sujeitos passivos.
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[1] Trata das operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada.
[2] Altera os incisos VII e VIII, do § 2º do art. 155, da Constituição Federal e inclui o art. 99 no ADCT, autorizando que “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual” (a partir de 2016).
[3] Em relação ao Recurso Extraordinário foi fixada a seguinte tese: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº. 87/2015, pressupõe edição de Lei Complementar veiculando normas gerais”; quanto ``a ADI: “Foi declarada a inconstitucionalidade formal das respectivas cláusulas: 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio 93/2015, referentes aos procedimentos de cobrança do diferencial de alíquota”.
[4] Ainda, sobre o texto extraído de Lacombe, Uckmar cita: "outros exemplos anteriores à Magna Carta, em que o Rei convocou assembléias para autorizar a cobrança de tributos. Mas não há dúvida de que a Magna Carta foi o primeiro texto escrito que exigiu a autorização dos representantes dos contribuintes para legitimar a cobrança de tributos. Até o reinado de Henrique VI a Magna Carta foi alterada 37 vezes, mas sempre foi repetida a cláusula que exigia prévia autorização para a cobrança de qualquer exação.".
[5] CF/88 “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
[6] CF/88 “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.
[7] CF/88 “As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b"”.
[8] “Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de “tudo ou nada”; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a “reserva do possível”, fáctica ou jurídica.” (CANOTILHO, 1991, p. 545).
[9] “nenhum [tributo] será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra” (PAULSEN, 2019. p. 143). Ou seja, havia o imperativo da previsão de arrecadação do tributo, expressamente no orçamento.
[10] “A anterioridade e a anualidade são coisas distintas tanto no fundamento quanto no conteúdo. A ideia de anterioridade da lei visa garantir que o contribuinte não seja surpreendido com um novo ônus tributário de uma hora para outra, sem que se possa se preparar para nova carga tributária, ou seja, concretiza um comando que tem como fundamento a segurança jurídica e como garantia de certeza do direito, assegurando o conhecimento prévio da lei. A anterioridade, pois, sempre se relaciona com inovação legislativa relativa à instituição ou majoração de tributo. A anuidade, por sua vez, precisa ser analisada conforme o momento histórico. Em uma fase inicial, identificava-se com a ideia de consentimento que deu suporte ao próprio surgimento da legalidade tributária, porquanto, a cada ano, em uma única lei se instituíam os tributos a serem cobrados no ano subsequente conforme as despesas previstas. A própria instituição dos tributos era temporária, anual, exigindo, pois, renovação. Assim, pouco importava que se tivesse cuidando da instituição ou majoração de um tributo novo ou da simples manutenção da sua cobrança tal como já vinha sendo feito em exercícios anteriores. Em uma segunda fase, quando, mais consolidado o sistema representativo, a instituição dos tributos já não se dava de modo temporário, mas em caráter permanente, até que a lei instituidora viesse a ser revogada, a anuidade passou a cumprir uma função limitadora da instituição de novos tributos ou majoração dos já existentes, pressupondo-se que, se não prevista no orçamento daquele ano, não poderia incidir, não estando autorizada a sua cobrança. Ficaria, assim, a incidência e arrecadação para o ano em que, já constando do orçamento aquele ingresso como receita, se justificasse a sua exigência. Em uma terceira fase, que é a atual, nem sequer se condiciona a instituição ou majoração de tributos à prévia inclusão na lei orçamentária. Isso porque se entende que, provindo do mesmo órgão legislativo, ainda que não prevista na lei orçamentária, a instituição posterior, por força da lei, pressupõe, ela própria, um juízo contemporâneo quanto à necessidade daquela receita e a autorização para cobrança após o decurso do prazo constitucional que garante o conhecimento antecipado pelo contribuinte, a anterioridade. Não se deve perder de vista, contudo, que a tributação não se justifica por si só, como uma via de mão única, como um arrecadar por arrecadar, uma receita sem sentido. Pelo contrário, a tributação só se justifica e encontra amparo constitucional, sustentando-se a ingerência no patrimônio privado, quando se faça necessária .Nesta medida, excluindo-se o exercício inicial, quando a própria instituição pressupõe tal juízo de necessidade e, por isso, dispensa autorização orçamentária prévia, a tributação só restará justificada e autorizada, nos exercícios seguintes, se houver na lei orçamentária, que rege a ação do Estado em cada exercício, a previsão da arrecadação e da aplicação dos respectivos recursos, o que ganha relevância e maior destaque no que diz respeito aos tributos que, por sua própria natureza, vinculam-se diretamente a uma atividade estatal (taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios). Atualmente, pois, ainda que a anualidade não mais figure como limitação à inovação legislativa que implique instituição ou majoração de tributo, prossegue condicionando a tributação no que diz respeito ao prosseguimento da cobrança a cada exercício” (PAULSEN, 2019. p. 143-144).
[11] Art. 155, §2º , XII, “g” – “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”.
[12] Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa da associação autora. Emenda Constitucional no 87/15. ICMS. Operações e prestações em que haja destinação de bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em estado distinto daquele do remetente. Inovação constitucional. Matéria reservada a lei complementar. (art. 146, I e III, a e b; e art. 155, § 2o, XII, a, b, c, d e i, da CF/88). Cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS no 93/2015. Inconstitucionalidade. Tratamento tributário diferenciado e favorecido destinado a microempresas e empresas de pequeno porte. Simples Nacional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, inciso III, d, e parágrafo único CF/88). Cláusula nona do Convênio ICMS no 93/2015. Inconstitucionalidade. Cautelar deferida na ADI no 5.464/DF, ad referendum do Plenário.
1. A associação autora é formada por pessoas jurídicas ligadas ao varejo que atuam no comércio eletrônico e têm interesse comum identificável.Dispõe, por isso, de legitimidade ativa ad causam para ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (CF/88, art. 103, IX). [...].
3. Especificamente no que diz respeito ao ICMS, o texto constitucional consigna caber a lei complementar, entre outras competências, definir os contribuintes do imposto, dispor sobre substituição tributária, disciplinar o regime de compensação do imposto, fixar o local das operações, para fins de cobrança do imposto e de definição do estabelecimento responsável e fixar a base de cálculo do imposto (art. 155, § 2o, XII, a, b, c, d e i). (g.n) [...]. 5. Convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei complementar dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS no 93/2015.
6. A Constituição também dispõe caber a lei complementar – e não a convênio interestadual – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte, o que inclui regimes especiais ou simplificados de certos tributos, como o ICMS (art. 146, III, d, da CF/88, incluído pela EC no 42/03). [...].
8. A cláusula nona do Convênio ICMS no 93/15, ao determinar a extensão da sistemática da Emenda Constitucional no 87/15 aos optantes do Simples Nacional, adentra no campo material de incidência da LC no 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento tributário diferenciado e favorecido a ser dispensado a microempresas e empresas de pequeno porte. [...].
10. Ação direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio ICMS no 93, de 17 de setembro de 2015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por invasão de campo próprio de lei complementar federal.
11. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, para que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI no 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste presente julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS no 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI no 5.464/DF. Ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso”.
[13] As liminares suspensas, nos entes federativos citados têm seus processos com a seguinte numeração: n. 0751242-13.2022.8.24.0000 – Piauí e, n. 5010518-52.2022.8.24.0000 – Santa Catarina.
[14] TJPI n. 0751242-13.2022.8.24.0000.
[15] Suspensão de Segurança Cível nº 0706978-14.2022.8.07.0000.
[16] “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” (BRASIL, 1942, p. 1).
[17] “Última observação quanto ao emprego “dever-poder geral”, comumente “poder geral”, é porque têm-se uma perspectiva na qual o magistrado exerce função jurisdicional que, de acordo com o modelo de Estado criado pela Constituição de 1988, merece ser compreendida pela síntese das finalidades a serem atingidas (“dever”) mediante os meios adequados e próprios para tanto (“poder”).Só há, destarte, “poder” enquanto vocacionado ao atingimento de um “dever”. É no dever (na faculdade a ser atingida pelo Estado-juiz) que deve residir a ênfase da expressão, reservando o poder para a identificação dos meios adequados e proporcionais para atingi-la” (BUENO, 2021. p. 318).
[18] A qualidade da ação depende da consequência proporcionada pela ação.
[19] STF, ADI n. 939-7 – DF (Medida Cautelar), rel. Min. Sidney Sanches, j. 15.09.1993, D.J.U. 17.12.93. Repertório IOB de Jurisprudência, ementa 1/7025, p. 28.067. (SCHOUERI, 2021, p. 345).
[20] Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade (BRASIL, 2022, p. 1).
Advogado. Contador. Esp. em Direito Tributário - IBET. Mestre em Direito PUC-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BALTAZAR, Rafael Luiz da Silva. A (in)constitucionalidade da Diferença de alíquota do ICMS - DIFAL e a atuação dos Tribunais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58739/a-in-constitucionalidade-da-diferena-de-alquota-do-icms-difal-e-a-atuao-dos-tribunais. Acesso em: 22 nov 2024.
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