Resumo: O estudo em questão tem por objetivo analisar a indenização como o principal meio de coibição do assédio processual na justiça do trabalho, levando-se em consideração os princípios e a jurisprudência vigentes. Especificamente, visa: levantar a finalidade e a importância dos princípios que regem a temática, conhecer o que a legislação possui para coibir a sua prática; traçar o conceito de assédio e de assédio moral; e, por fim, explicar como se dá o assédio processual, suas consequências e seu meio de coibição. O problema de pesquisa pauta-se na indagação: A indenização é melhor alternativa para se coibir o assédio processual? A justificativa refere-se à atualidade e à relevância da temática, dada a necessidade de se averiguar o assédio processual na justiça do trabalho. A metodologia estrutura-se num procedimento metodológico de revisão bibliográfica e documental, empregando-se o método de estudo dedutivo e o método de abordagem qualitativo. A hipótese central da pesquisa é a de que a indenização é a melhor alternativa, uma vez que ônus ao Estado será um motor atuante na contenção da morosidade processual, do desestímulo da parte contrária e da descrença no Judiciário.
Palavras-chave:: Assédio processual. Justiça do Trabalho.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema a análise a fundo do instituto do assédio processual, especialmente na justiça do trabalho. Apesar de relativamente recente sua conceituação e especificações, esse instrumento processual tem sua origem anos atrás, visto que os representantes das partes em juízo, por vezes, utilizam-se dos mais diversos recursos – latu sensu – processuais a fim de alcançar a sua tutela jurisdicional ou atrasar a entrega da tutela jurisdicional a outrem.
Desse modo, tanto os tribunais pátrios como a própria legislação tem atentado para o célere desenvolvimento da lide. Em outras palavras, o direito evolui paulatinamente colimando uma ágil prestação jurisdicional.
Para tanto, faz-se necessário coibir práticas como a no presente estudo. Contudo, para resolver tal problema, imperioso é o estudo aprofundado dele e das suas nuances. Assim, algumas questões relevantes foram apontadas, quais sejam: um breve escorço histórico, contra quais princípios, constitucionais e trabalhistas, bem como direitos e deveres o assédio processual atenta, seu conceito, seus elementos essenciais, a distinção entre a litigância de má-fé e assédio processual em si, quais as consequências e as possíveis soluções.
O objetivo central desse estudo é analisar a indenização como o principal meio de coibição do assédio processual na justiça do trabalho, levando-se em consideração os princípios e a jurisprudência vigentes. Os objetivos específicos são: levantar a finalidade e a importância dos princípios que regem a temática, conhecer o que a legislação possui para coibir a sua prática; traçar o conceito de assédio e de assédio moral; e, por fim, explicar como se dá o assédio processual, suas consequências e seu meio de coibição.
Esse estudo é de vital importância, pois o mal do assédio processual que assola o judiciário vai contra tudo aquilo que o legislador vem combatendo desde os primórdios, qual seja, a morosidade processual e a consequente procrastinação da entrega do bem da vida.
Desse modo, busca-se estudá-lo a fundo, assim como analisar possíveis condutas já em prática e soluções que poderão vir a ser usadas no futuro para coibir a prática do assédio processual.
Quanto à relevância acadêmico-científica desse estudo, a mesma se torna patente a partir do momento em que o atual trabalho trará e mostrará soluções aos problemas do assédio processual que ocorre na área trabalhista. Portanto, esta pesquisa proporcionará àqueles que não tiveram a oportunidade de entrar em contato com o tema de saber mais acerca do instituto jurídico, das suas consequências, sobre o entendimento dos tribunais pátrios, bem como possíveis caminhos para se evitar tal mal.
Dessa forma, o fato do tema ser atual proporciona duas vertentes: a primeira é que inexiste material farto para pesquisa em livros de direito, em razão de sua contemporaneidade, por outro lado, apresenta-se como uma dádiva, visto que o escopo do direito é sempre o debate de opiniões jurídicas abalizadas a fim de cada um sopesar os argumentos apontados e formar seu próprio ponto de vista e um tema dessa magnitude e atualidade proporciona isso em demasia.
No que tange aos métodos e técnicas apropriados para o alcance dos objetivos da pesquisa, temos a utilização da pesquisa bibliográfica. No tocante ao método de estudo, será empregado o dedutivo, pois se sabe que este teoricamente é o método que parte do mais abrangente para o específico, e, portanto, se adapta perfeitamente ao estilo desta pesquisa. Já quanto aos métodos auxiliares iremos utilizar principalmente o histórico, tendo em vista que será realizado um amparado histórico das principais causas que norteiam o tema.
No que se refere aos métodos de abordagem quanto ao objetivo será utilizada o método qualitativo, pois o trabalho em questão não tem como finalidade primordial a demonstração de dados estatísticos, importando, portanto, o estudo doutrinário, bem como a utilização de pesquisas jurisprudências com o fim de obter uma síntese conclusiva acerca do tema.
É necessário ressaltar que no tocante às técnicas de pesquisa utilizar-se-á principalmente a bibliográfica, através de recursos como livros, códigos, sítios eletrônicos, revistas, artigos jurídicos e demais diversas publicações, bem como recentes jurisprudências, tendo estas o papel importantíssimos quando para fundamentar os posicionamentos que serão estudados.
Para uma melhor compreensão, a presente pesquisa foi dividida em cinco capítulos. O primeiro tópico, que se lê neste momento, foi reservado para apresentar as principais ideias do trabalho, os métodos de pesquisa, bem como o interesse no assunto.
No segundo tópico, será abordado, primeiramente, a finalidade e importância dos princípios, assim como a sua diferença das garantias constitucionais. Posteriormente, serão analisados diversos princípios que são de vital importância para um melhor entendimento do tema em questão, tais quais, o do acesso à justiça, o da razoável duração do processo e o princípio da celeridade.
No terceiro tópico, serão conhecidos os direitos de deveres das partes, insculpidos na legislação infraconstitucional, que também são igualmente importantes para a compreensão da pesquisa.
O quarto tópico trará o conceito de assédio e de assédio moral, institutos de essencial importância para entendimento do tema principal.
Por fim, o quinto tópico é considerado o âmago do trabalho, que será intitulado de “Assédio processual”, serão abordados, dentre outros assuntos, o as premissas gerais do instituto, conceito, os elementos que o integram, a diferenciação de outro instituto que muito se assemelha a ele que é a litigância de má-fé, sua presença em massiva na justiça do trabalho, assim como as consequências que ele traz e meios de coibição.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES
Para dissertar acerca do tema principal do trabalho, faz-se necessário, primeiro, fazer uma pequena digressão histórica e conceitual sobre princípios. Ressalte-se, por outro lado, que não se tem a intenção de realizar uma análise pormenorizada e profunda acerca desse assunto, visto que não é o tema do atual estudo.
Como a própria acepção da palavra denota, princípio é termo em português derivado do latim “principium” que nada mais é, em sumária sinopse, que início, origem, começo. E nada mais lógico que começar a tratar do tema pelo seu início.
Nas ilustres palavras do jurista espanhol F. de Castro, presentes na obra de Paulo Bonavides, princípios são definidos assim:
[...] os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência , validez e obrigatoriedade (CASTRO, apud BONAVIDES, 2009, p. 256).
Na mesma linha de raciocínio segue F. de Clemente quando afirma, em meados do século XX, nas palavras insculpidas na obra de Paulo Bonavides, que “assim como quem nasce tem vida física, esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios ‘gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios’ figurem ou não nos Códigos;” (CASTRO, apud BONAVIDES, 2009, p. 256).
Pode-se perceber, portanto, que desde os mais antigos registros os princípios são normas objetivas que atuam no campo do dever-ser e que, apesar de não expressamente escritas, detém um valor real.
Assim, tem-se que os princípios são normas que desempenham alto grau de importância na sociedade justamente porque servem de parâmetro para a criação de outras normas. Dessa forma, se uma nação é regida por uma norma “A” jamais poderá uma lei se calcar num princípio “B” totalmente contrário ao primeiro.
Contudo, engana-se aquele que pensa que princípio não é norma jurídica, pois o é, mas é norma jurídica chave, haja vista que impõe às normas strictu sensu limite, bem como impera que tenham mesmo conteúdo e sentido.
Não se confunda, todavia, princípios com regras, pois segundo Jean Boulanger, citado por Paulo Bonavides, eis a diferença entre ambos:
Há entre princípio e regra jurídica não somente uma disparidade de importância, mas uma diferença de natureza. Uma vez mais o vocabulário é a fonte da confusão: a generalidade da regra jurídica não se deve entender da mesma maneira que a generalidade de um princípio (BOULANGER, apud BONAVIDES, 2009, p. 257).
Adiante, continua Paulo Bonavides citando o jurista francês “ela (a regra jurídica) é especial na medida em que rege tão-somente atos ou fatos, ou seja, é editada contemplando uma situação jurídica determinada” (BOULANGER, apud BONAVIDES, 2009, p. 257).
E, a seguir, prossegue, “O princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações.” (BOULANGER, apud BONAVIDES, 2009, p. 257).
Na mesma toada, porém muito tempo após, profere suas palavras o eminente Eros Roberto Grau em sua obra “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”:
Pois bem, quanto aos princípios positivos do Direito, evidentemente reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas. Quem o contestasse, forçosamente teria de admitir, tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não são normas jurídicas. Assim, p. ex., quem o fizesse haveria de admitir que o art. 5º, caput, da Constituição de 1988 não enuncia norma jurídica ao afirmar que todos são iguais perante a lei[...]. Isso, no entanto, é insustentável, visto que temos aí, nitidamente – tal como nos arts. 1º, 2º, 17, 18, 37, v.g. – autênticas espécies de normas jurídicas.Ainda que a generalidade dos princípios seja diversa da generalidade das regras, tal como o demonstra Jean Boulanger, os primeiros portam em si o pressuposto de fato[...], suficiente à sua caracterização como norma. Apenas o portam de modo a enunciar uma série indeterminada de facti species. Quanto à estatuição [...], neles também comparece, embora de modo implícito, no extremo completável com outra ou outras normas jurídicas, tal como ocorre com relação a inúmeras normas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explicitam ou o suposto de fato ou a estatuição de outras normas, não obstante configurando norma jurídica na medida em que, como anota Larenz, existem em conexão com outras normas jurídicas, participando do sentido da validade delas (GRAU, 2012, p. 125, apud RODRIGUES, 1994, p. 29).
Compreende-se, por fim, que princípios são normas jurídicas de efeito amplo, abrangendo uma gama de situações, justamente porque as leis não podem abarcar todos os fatos da vida humana.
Por tal motivo é que o estudo dos princípios é de vital importância para o presente trabalho, pois, embora o tema esteja presente há muito tempo no âmbito jurídico, somente agora está sendo estudado aprofundadamente, ante a preocupação com a morosidade processual e, por conseguinte, diante dessa recente preocupação, inexiste regramentos jurídicos, fazendo-se imperiosa a aplicação dos princípios para a resolução desse mal.
Para tanto, faz-se forçoso o estudo de alguns princípios principalmente: princípio do acesso à justiça e princípio da razoável duração do processo, intimamente ligado ao princípio da celeridade, presente na seara trabalhista.
2.1 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
O princípio do acesso à justiça encontra-se plasmado no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal com a seguinte dicção: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988, n. p).
O direito de ação surge para a sociedade desde o momento em que o Estado proíbe a autotutela, pois a partir desse momento o Estado assume para si a responsabilidade de solução dos conflitos através de um sistema organizado e mais humano.
Assim, com o fim da autotutela, se um indivíduo crê que teve seu direito violado, faz uso do direito de ação para pleitear uma condenação pelo Estado.
Tal princípio encontra definição nas palavras de Nelson Nery Jr.:
Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder dela defender-se. O princípio constitucional do direito de ação garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada (NERY JÚNIOR, 2006, p. 13).
Já Luiz Guilherme Marinoni, conceitua-o da seguinte maneira:
[...] é muito mais do que o ato solitário de invocar a jurisdição ou do que um simples direito ao julgamento do mérito. A ação, diante dos seus desdobramentos concretos, constitui um complexos de posições jurídicas e técnicas processuais que objetivam a tutela jurisdicional efetiva, constituindo em abstrato, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (MARINONI, 2012, p. 225).
Nota-se, portanto, que o direito de ação é direito estritamente “fundamental processual, e não um direito fundamental material, como são os direitos de liberdade, à educação, e ao meio ambiente. Portanto, ele pode ser dito o mais fundamental de todos os direitos, já que imprescindível à efetiva concreção de todos eles” (MARINONI, 2012, p. 209).
Contudo, deve-se ressaltar um ponto que suscita dúvidas na doutrina quanto a opacidade do termo “acesso à justiça”. Parte dos estudiosos acreditam que o termo acesso à justiça significa acesso ao Poder Judiciário, enquanto outros, valendo-se de uma exegese mais ampla, sustentam que o termo compreende o acesso a uma ordem de valores e direitos fundamentais para a vida humana.
Atualmente, entende-se que o acesso à justiça não se resume ao emprego de meios processuais a fim de alcançar um objetivo por meio do Poder Judiciário, mas mais que isso. Tal princípio exalta os objetivos mais amplos e, ao mesmo tempo, intrínsecos que o direito traz consigo, ou seja, a procura de soluções às lides, pautadas em valores e costumes de uma sociedade moderna.
Nesse contexto, Kazuo Watanabe, citado na obra de Horácio Wanderley Rodrigues, exalta:
A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (WATANABE, apud RODRIGUES, 1994, p. 29, grifo nosso).
No entanto, para que se dê o acesso à justiça na sua forma mais abrangente, necessário o emprego de instrumentos processuais que possibilitem uma efetiva prestação jurisdicional. Por isso que ao se falar em acesso à justiça, ainda que se adote a posição majoritária na doutrina de que o princípio em questão não se resume ao ingresso ao poder judiciário, não se pode, jamais, olvidar que a via judiciária é o meio pelo qual o acesso à justiça se efetiva.
Magistrais as palavras de Horário Wanderley Rodrigues sobre o tema:
No entanto também não se pode prescindir, no seu estudo, desse aspecto vinculado ao direito processual e, consequentemente, de sua análise. Segundo Watanabe (1988:135), o direito de acesso à justiça é também direito de acesso a uma justiça adequadamente organizada, e o acesso a ela deve ser assegurado por instrumentos processuais aptos à efetiva realização do direito; ou como coloca Dinamarco (1987:451), o acesso à justiça é problema também interligado à abertura de vias de acesso ao processo, tanto para a postulação de provimentos, como para a resistência (RODRIGUES, 1988, p. 135; DINAMARCO, 1987, p 451, apud MARINONI, 2012, p. 209).
Dessa forma, se de um lado não se pode relegar os instrumentos processuais como caracterização do acesso à justiça, por outro, também não é correto limitar o acesso à justiça somente ao ingresso ao Poder Judiciário. As duas interpretações do princípio são, na verdade, complementares.
Portanto, fácil concluir que a problemática do acesso à justiça é o elo entre o processo civil e uma ordem jurídica calcada em valores, costumes e princípios. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
É possível dizer, até mesmo, que a questão do acesso à justiça foi tema-ponte que fez a ligação do processo civil – antes compreendido exclusivamente na sua dimensão técnica – com a “justiça social” (MARINONI, 2012, p. 189).
Por derradeiro, percebe-se o quão importante é o tema em espeque para o presente trabalho, pois que o assédio processual coíbe o acesso à justiça na sua forma mais ampla.
Não cuida esse assédio de impedir que o indivíduo busque no Poder Judiciário a solução dos seus problemas, contudo, como veremos a seguir, esse “instrumento processual” acarreta diversos efeitos ao processo e, dentre eles, a morosidade que tem como conseqüência, primeiramente, a inefetiva prestação da tutela jurisdicional e, por vezes, a desistência de sua busca em razão do ônus excessivo, seja ele pecuniário ou psicológico.
Sendo assim, o assédio processual é instituto que desobedece simplesmente a direito mais que fundamental do nosso ordenamento jurídico, qual seja, o direito de ação e, logo, deve buscar ser afastado peremptoriamente do processo brasileiro.
2.2 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
A lentidão na entrega da prestação jurisdicional sempre foi um problema do direito pátrio e o legislador brasileiro, de diversas maneiras, tentou resolver tal situação criando mecanismos para uma entrega efetiva da prestação jurisdicional.
Pode-se dizer que umas das primeiras medidas efetivas criadas pelo legislador a fim de sanar a morosidade processual foi a tutela antecipada insculpida no art. 273 do Código de Processo Civil que consiste no ato de o juiz de antecipar ao indivíduo do processo o bem da vida provisoriamente, desde que presentes alguns requisitos.
Da mesma forma, outro mecanismo criado a fim de curar o mal da demora foram os juizados especiais que são órgãos do Poder Judiciário que se pautam, segundo o art. 2º da lei que os criou (Lei 9.099/1995), pelos princípios da “[...] oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade [...]”.
Percebe-se então que há uma busca constante em dotar o Poder Judiciário de agilidade, pois não mais vigora - se é que já vigorou - a máxima de que “a justiça tarda, mas não falha”, afinal de contas, se ela tarda, já falhou.
Por sua vez, em seu tempo, Ruy Barbosa dizia: “A justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Essa preocupação, como não poderia deixar de ser, atingiu também o legislador, que acrescentou ao artigo 5º da Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, o inciso LXXVIII que tem a seguinte entonação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação” (BRASIL, 1988, n. p.).
Evidencia-se, dessa forma, que a busca de soluções para sanar a morosidade na entrega eficiente da tutela jurisdicional é preocupação atual do legislador que optou por insculpir aquelas palavras no rol de direitos fundamentais na Carta Magna brasileira.
“Eficiente”, aliás, é termo que denota o emprego de meios suficientes, com o menor custo possível a fim de obter o melhor resultado possível. Eficiência, dessa forma, traz consigo a impressão de algo extremamente positivo, conceito esse que destoa do conceito de justiça, atualmente.
Portanto, o que se pretende com a inclusão do inciso ao artigo supracitado é imprimir eficiência às garantias processuais para que o Estado, através do Judiciário, consiga entregar uma tutela jurisdicional efetiva. Não ocorrendo isso, desrespeita-se direitos fundamentais do cidadão.
Outrossim, não se olvide que antes mesmo da inclusão pelo legislador constituinte do mencionado inciso ao artigo 5º da nossa Carta Maior, implicitamente o Estado tinha a obrigação de prestar uma justiça célere, conforme apregoam os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV); do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). Ou seja, o tempo de duração do processo era alvo de preocupação ainda que não houvesse qualquer garantia constitucional explícita.
Conclui-se que não mente o ditado que afirma que tempo é dinheiro, especialmente no processo judicial. Marinoni afirma que “o tempo é uma necessidade: é uma necessidade do juiz, que dele precisa para formas sua convicção, e uma necessidade democrática, advinda do direito de as partes participarem adequadamente do processo, direito esse que tem expressão no princípio do contraditório” (MARINONI, 2012, p. 189).
Mas mais que isso, o tempo razoável de duração de uma demanda é um direito fundamental assegurado constitucionalmente ao indivíduo que ingressa no judiciário, direito esse desrespeitado frontalmente em certas ocasiões por práticas processuais tal qual o assédio processual.
Em que pese o inciso acrescentado pelo legislador relativo ao “direito fundamental a um processo sem dilações indevidas” (DIDIER, 2008, p 41), tenha sofrido algumas críticas, andou bem o reformador constituinte, visto que conseguiu conceder generalidade e alcance ao dispositivo, cabendo aos aplicadores do direito concederem-no a efetividade.
Ademais, em ocorrendo a prática do assédio processual se desrespeita o direito de participação igualitária de cada parte no processo que advém do princípio da razoável duração do processo conjuntamente ao contraditório e ampla defesa e, consequentemente, não se satisfaz a regra encartada implicitamente no princípio da segurança jurídica.
A morosidade processual leva à insegurança jurídica, visto que o cidadão não mais crê na efetividade do Poder Judiciário e, por conseguinte, leva à descrença do cidadão na justiça.
Na mesma toada, a seara trabalhista, justiça que é essencialmente guiada por princípios como o da celeridade, economia processual e informalidade também se encontra muita demora em razão da utilização recorrente de inúmeros recursos disponíveis.
Ives Gandra Martins Filho afirma:
Um sistema processual saudável é aquele que resolve as demandas judiciais em tempo socialmente tolerável. Para isso, deve-se reduzir o número de recursos e de instâncias. A sistemática recursal trabalhista atual permite que uma demanda seja rediscutida em torno de 25 vezes, se forem utilizados todos os recursos na fase de conhecimento e de execução (com embargos declaratórios e agravos). O sistema lembra campeonato de futebol de Estado pequeno, com apenas dois times competindo efetivamente, num torneio que se disputa em 8 fases de ida e volta, classificando-se para a final os dois melhores times, e a final sendo disputada em 3 jogos, mas com prorrogação e disputa final de pênaltis, em que somente nesse momento é que se sabe qual o campeão (MARTINS FILHO).
Embora na Consolidação de Lei Trabalhistas não exista dispositivo com o mesmo teor do criado pelo legislador constituinte, encontra-se a norma encartada no art. 765 que confere aos Juízos e Tribunais ampla liberdade na direção do processo e o dever de velar pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao seu esclarecimento.
Todavia, é tarefa hercúlea para os magistrados sopesar a aplicação desse princípio sem prejudicar o princípio do contraditório e ampla defesa, bem como do devido processo legal.
Assim, diante de uma caso concreto, o juiz não pode privilegiar o direito fundamental da duração razoável do processo em detrimento do contraditório e ampla defesa, sob pena de prejudicar uma das partes.
Desse modo, a parte que pretende ver a dilação indevida de um processo, faz uso de todos os tipos de recursos a fim de ver prejudicado o direito alheio.
Por derradeiro, pode-se perceber facilmente que a morosidade representa uma falha do processo. Nessa toada, o bem atacado pela demora na prestação jurisdicional não se limita ao povo, mas à dignidade da pessoa humana, haja vista que a inefetividade da justiça implica em um desrespeito à dignidade humana.
Inobstante, representa também uma afronta ao devido processo legal, pois, para se verificar a integridade de qualquer processo, faz-se mister averiguar se o tempo de tramitação é ou não razoável.
Imperioso, portanto, buscar a correção dessa falha a fim de venerar o princípio da razoável duração do processo e seus correlatos.
3 DOS DEVERES DAS PARTES E DOS SEUS PROCURADORES
Realizado o estudo dos princípios gerais, imperioso fazer alusão a um capítulo do Código de Processo Civil, insculpido no art. 77 e seguintes que expõe os deveres das partes e dos seus procuradores.
Como o presente trabalho trata do assédio processual na justiça do trabalho, forçoso se faz afirmar que a legislação processual civil se aplica subsidiariamente à processual trabalhista quando nos casos de omissão da CLT, aquele for compatível com esse, conforme dispõe o art. 769 do mesmo encartado justrabalhista.
Destarte, possível a aplicação da carta processual civil na seara trabalhista, pois não há disposições semelhantes na CLT e coaduna-se com as diretrizes e princípios da justiça laboral.
Assim, o art. 77 do CPC tem a seguinte dicção:
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021).
Aduz-se do artigo que as partes e respectivos procuradores que ingressarem em juízo tem algumas obrigações a cumprir. A primeira, conforme o inciso I, diz respeito a expor a verdade dos fatos em juízo, ou, como chamada por Nelson Nery Jr., em seu código de processo civil comentado, “dever de probidade”.
Cabe à parte, representada por seu procurador no processo, agir com probidade sob pena de sofrer as consequências processuais cabíveis.
Afirma o ilustre doutrinador:
O processo é um jogo fundado no contraditório. Nele o autor deduz pretensão e o réu dela se defende. As alegações das partes devem ser deduzidas em obediência à verdade. Evidentemente a verdade de que trata a norma é de índole subjetiva, sendo suficiente para a observância do princípio, que a parte acredite naquilo que afirma[...]. Pelo princípio não se exige a alegação da verdade absoluta,mas sim a veracidade dos fatos [...] (NERY JÚNIOR, 2007, p. 207).
Dessa forma, deve a parte pleitear ou se defender em juízo sempre afirmando aquilo que acredita ser a verdade quando aos fatos, pois, caso não o faça, estaria abusando do direito de defesa.
O inciso II representa, talvez, o dever mais violado quando da utilização do malartifício do assédio processual.
O dever de lealdade e boa-fé consiste na obrigação que tem as partes em agir com fidelidade e lisura ao processo, evitando “provocar incidentes inúteis e/ou/ infundados” (NERY JÚNIOR, 2007, p. 207).
Sobre o tema, Nelson Nery Jr. assevera:
A ele [o litigante] é vedada a utilização de expedientes de chicana processual, procrastinatórios, desleais, desonestos, com o objetivo de ganhar a demanda a qualquer custo. São exemplos de atitudes desleais: a) indicar endereço errado de testemunhas, a fim de inviabilizar seu depoimento; b) ingressar com seguidas petições desnecessárias provocando tumulto processual; c) requerer ida dos autos para contador para atrasar o processo [...] (NERY JÚNIOR, 2007, p. 207).
Os demais incisos tem relação intrínseca com o primeiro e o segundo, pois não formular pretensões ou alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento, bem como não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários a declaração ou defesa do direito e não criar embaraços, todos são hipóteses que decorrem do dever de boa-fé e lealdade, assim como do dever de probidade.
Fato é que se praticado o assédio processual, além de se infringir todos os princípios e diretrizes constitucionais do estado democrático de direito, desobedece-se também os deveres das partes e procuradores, levando a consequências drásticas no âmago do Judiciário.
4 ASSÉDIO
Finalizado o estudo superficial de alguns princípios que norteiam o tema de assédio processual, alcança-se, enfim, o capítulo que é âmago do trabalho, qual seja, o assédio processual.
Entretanto, necessária se mostra a dissecação de alguns institutos que permeiam o cerne do trabalho, tal qual o caso do assédio. Partir-se-á, portanto, de uma premissa geral para o estudo profundo e especial de um tema mais delimitado.
Assédio encontra definição nas páginas do Dicionário Aurélio como: “s.m.1.Cerco posto a um reduto para tomá-lo; sítio. 2. Fig. Insistência importuna junto de alguém com perguntas, propostas, pretensões, etc.” (FERREIRA, 1998).
Os mais antigos escritos afirmam que a palavra assédio nasceu do termo em latim obsidere que significa insistência importuna, junto de alguém com perguntas, propostas, pretensões etc.
Preciosas também são as lições de Hirigoyen (2005) que afirma o termo assédio ter nascido das letras do sueco Heinz Leymann que introduziu no direito o verbo em inglês to mob que significa assediar, atacar.
Inobstante, também pode-se se citar a expressão atualmente muito em voga do bullying que encontra origem no verbo em inglês to bully que também tem significado semelhante ao acima citado, sendo este descrito como uma outra forma de maus tratos aplicados às crianças. Com o passar do tempo, esse termo adquiriu significados mais amplos, ensejando um abuso à coletividade.
Percebe-se dessa forma, que o assédio tem várias formas dando ensejo a inúmeras reações e pode-se materializar através de gestos e palavras, por insinuações, por críticas, pode ocorrer tão-somente no campo sexual ou ainda lesar somente à bens imateriais e, por derradeiro, pode ele se manifestar no decorrer de uma demanda processual, que, em suma, denota o sítio que alguém faz através de meio processuais lícitos ou ilícitos, voluntariamente ou involuntariamente, a fim de fragilizar a vítima emocionalmente ou psicologicamente com intuito de obter vantagem processual indevida.
Esse tipo descrito é o conceito sumário de assédio processual que se manifesta como uma espécie do gênero assédio moral, restrita a atuação da parte em juízo, motivo pelo qual imperioso o estudo do último com escopo de obter base concreta e sólida para a análise daquele.
4.1 ASSÉDIO MORAL
O assédio moral, muito provavelmente, tem origem no nascimento na ideologia do neoliberalismo que se funda como um produto do liberalismo econômico neoclássico, ou seja, refere-se a uma redefinição do liberalismo clássico, influenciado pelas teorias econômicas neoclássicas e que buscava uma liberdade maior de mercado sem a intervenção Estatal.
Dessa forma, as pessoas lutavam entre si cada vez mais para conquistar seu lugar no mercado de trabalho, a fim de evitar o desemprego. Esse cenário, repleto de oferta, marcado pela competitividade empresarial e redução dos foros de trabalho, constitui o local perfeito para a disseminação do assédio moral.
Com o avanço do tempo, o legislador sentiu a necessidade de coibir tal prática, quando trouxe a primeira proteção contra os abusos cometidos à moral na década de 1980 com a promulgação da Constituição Federal da República Brasileira de 1988 que em seu dispositivo 5º, inciso V afirma que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material moral, ou à imagem.
Igualmente, no inciso X do mesmo artigo, o legislador aprofundou a proteção à imagem e à honra das pessoas asseverando que são invioláveis a intimidade, a vida provada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Esses, dentre outros tantos dispositivos espalhados por nosso ordenamento jurídico, visam proteger as pessoas em face dos abusos cometidos pelas partes adversas. Nasce então instrumento valiosíssimo para o direito processual no combate ao assédio moral.
Pode-se conceituar assédio moral como uma agressão direta ou indiretamente feita a uma pessoa de forma sistemática, deixando-a em condição de debilidade com intuito de obter algum tipo de vantagem.
O conceito encontra respaldo nas palavras de Marie-France Hirigoyen (2005) uma das primeiras estudiosas a tratar do tema sob uma visão psicanalista. Ela entende o assédio moral como sendo qualquer conduta abusiva, configurada através de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que fogem do que é comumente aceito pela sociedade.
Percebe-se, primeiramente, que se trata o assédio moral de um processo, ou seja, da repetição daquelas condutas a fim de desestabilizar o indivíduo e atingir seus objetivos. Em segundo plano, mas igualmente importante, a repetição e caracterização do abuso moral leva, incondicionalmente, a um atentado contra o princípio da dignidade da pessoa humana, pois visa, como dito, abalar o psicológico e o emocional da vítima. Assim, o assédio moral é prática de prejuízo incomensurável ao processo bem como ao indivíduo.
Portanto, dissecando a locução assédio moral, fácil perceber que se trata o instituto de submeter alguém a reiterados ataques, procedimentos, condutas, comentários, críticas a fim de levar-lhe ao constrangimento, ferindo-lho, por conseguinte, a honra, imagem pessoal, brio.
Já na seara trabalhista, é fácil constatar a presença do assédio moral, até porque fora neste ramo que provavelmente surgiu o mesmo, quando aqueles atos e comportamentos constantes e inadequados emergem do superior hierárquico ou mesmo dos colegas de trabalho, traduzindo-se numa perseguição contínua capaz de levar o indivíduo à desestabilização emocional acarretando em prejuízo ao trabalho.
Nesse mesmo sentido, são as valiosas palavras de Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt que escreveu:
Nesse sentido, o assédio pode ser também visto através do ângulo do abuso de direito do empregador de exercer seu poder diretivo ou disciplinar. Porque é sob o manto do exercício normal de suas prerrogativas patronais, que o assédio se manifesta mais freqüentemente. Nessas hipóteses, as medidas empregadas têm por único objetivo deteriorar, intencionalmente, as condições em que o trabalhador desenvolve seu trabalho. É o caso, por exemplo, de uma transferência de local de trabalho, com o objetivo de desestabilizar o empregado. Evidentemente, trata-se de um caso de abuso de direito sutil e, portanto, mais difícil de ser demonstrado. A obrigação de executar o contrato de trabalho de boa-fé pode, contudo, vir em auxílio do trabalhador, já que se impõe a ambas as partes ligadas por uma relação de trabalho (SCHMIDT, 2013).
Consiste, portanto, o assédio moral no âmbito trabalhista no emprego de meios agressivos em face do trabalhador, fazendo uso abusivo do poder diretivo, conduzindo o empregado a estado de desconforto psíquico. A desestabilização que lhe é aplicada pode lhe causar humilhação, inferioridade e levar, por fim, a, por exemplo, um pedido de demissão.
Diversos são os julgados que se encontra na área trabalhista sobre assédio moral. In verbis:
DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIRO. ATO ILÍCITO. OFENSA À HONRA SUBJETIVA IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Na hipótese, o Regional reformou a sentença na qual se condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, com amparo nos seguintes elementos fático-probatórios: existia -pelo menos-três pausas ao longo da jornada, totalizando 40 min. (fs. 285/286), não havendo indícios de que fosse vedado o uso do banheiro em qualquer delas-; -em parte do período contratual os intervalos somavam 45 min, e (...) sugere certa liberdade no uso do banheiro-; havia -um relatório para justificativa em caso de extrapolação desses intervalos-, no qual se fazia -inserção em lista negra daqueles que ultrapassavam o tempo permitido para ir ao banheiro-. Não obstante a constatação dos fatos citados, a Corte a quo se convenceu de que inexistiu dano à esfera íntima do autor, haja vista que esse não relatou, -na inicial que sofria humilhações verbais pela extrapolação da pausa-; -eventual exigência para que fossem observados os intervalos, já bastante elastecidos, não pode ser considerada como excesso de rigor por parte da empregadora-; a existência de relatório sobre extrapolação dos intervalos não faz presumir que -ele tenha dado ensejo a constrangimento ou humilhações ao autor-; e, na organização do trabalho, não se vislumbra -nenhum ato atentatório à dignidade do reclamante, tampouco prova efetiva de sofrimento íntimo, relacionado à esfera moral-. A Constituição Federal consagra, em seu artigo 5º, inciso X, o direito à -intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação-. Para que se configurem a existência do dano moral e a consequente obrigação de indenizar o ofendido, torna-se indispensável que tenham ocorrido o ato ilícito - omissivo ou comissivo e culposo ou doloso - praticado pelo agente, a constatação do dano vivenciado pela vítima e o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita. Para fins de aferição da responsabilidade civil por dano moral do empregador, é imprescindível a prova do fato danoso em si, perpetrado por conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana, o qual representa a relação de causa e efeito entre a conduta do empregador e o dano moral suportado pelo empregado, sendo prescindível, contudo, a prova de prejuízo concreto, por se tratar de violação de direitos da personalidade, que atingem tão somente a esfera íntima do ofendido. Extrai-se da decisão do Regional que a reclamada fazia controle rígido de uso do banheiro, relacionando-o como critério de aferição de produtividade dos empregados, em detrimento da satisfação de necessidades fisiológicas inerentes a qualquer ser humano; exigia justificativa pelo extrapolamento do tempo destinado a intervalos; e inseria os nomes dos -retardatários- em relatórios, os quais foram denominados -lista negra- pela própria Corte de origem. Nesse contexto, estão evidenciados o abuso no exercício do poder diretivo, a prática de ato ilícito, afronta às normas de proteção à saúde - possível aparecimento de patologias do trato urinário ou intestinal -, o nexo causal entre a conduta patronal e o dano causado ao reclamante, e o dano moral, cuja constatação decorre de uma presunção natural (presunção hominis), já que são prováveis e razoavelmente deduzidos, na hipótese, o sofrimento íntimo, o constrangimento ilegal e a situação degradante e vexatória do autor. Ressalta-se que a ofensa à honra subjetiva do reclamante, o dano moral, revela-se in re ipsa, ou seja, presume-se, sendo desnecessário qualquer tipo de prova para demonstrar o abalo moral decorrente da restrição a que estava submetido o reclamante de uso do banheiro. Isso significa afirmar que o dano moral se configura, independentemente de seus efeitos, já que a dor, sofrimento, angústia, tristeza ou abalo psíquico da vítima não são passíveis de serem demonstrados, bastando que ocorra violação efetiva a um direito da personalidade e da dignidade da pessoa humana para que o dano moral esteja configurado. Evidenciado, assim, o dano moral, é devida a indenização correspondente, nos termos dos artigos 5º, inciso X, da Constituição Federal e 927 do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 27500-05.2009.5.03.0006 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 13/06/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: 05/10/2012)
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. O instrumento de mandato constante dos autos confere a prevalência dos poderes outorgados aos advogados para atuarem até o final da demanda. Logo, deve ser afastado o fundamento assentado pelo juízo primeiro de admissibilidade no despacho denegatório do recurso de revista de irregularidade de representação. A consequência lógica, no caso concreto, não é o provimento do agravo de instrumento, mas, sim, dar seguimento no exame dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, nos termos da OJ nº 282 da SBDI-1 do TST. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA. 1. DANO MORAL - CARACTERIZAÇÃO. O Tribunal Regional indicou expressamente as provas que foram produzidas e trazidas aos autos, demonstrando o tratamento desrespeitoso e humilhante que fora infligido à reclamante. À reclamada, foi assegurado o direito subjetivo de ação, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; porém não conseguiu se desincumbir do ônus de comprovar a veracidade dos fatos controvertidos, é o que revela a transcrição do depoimento da testemunha da empresa. Para se chegar a entendimento contrário, seria necessário o reexame de fatos e provas, circunstâncias que fundamentaram a decisão regional e que não se admite nesta fase recursal, consoante a Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.
[...]
( RR - 4740-54.2009.5.03.0138 , Relatora Ministra: Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira, Data de Julgamento: 26/09/2012, 5ª Turma, Data de Publicação: 05/10/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. EXCESSO DE PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. Não desconstituídos os fundamentos do despacho denegatório, improspera o agravo de instrumento destinado a viabilizar o trânsito do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (1384000220075020023 138400-02.2007.5.02.0023, Relator: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 30/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EMBRAPA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. PODER DIRETIVO. SEPARAÇÃO DE PODERES.O poder diretivo do empregador (art. 2.º da CLT) não é absoluto, devendo respeitar os direitos trabalhistas protegidos pela legislação heterônoma e autônoma. Nesse cenário, emerge o art. 468 da CLT como limite às alterações contratuais, cabendo ao Judiciário, no final das contas, analisar se houve ou não o adequado exercício dos poderes empresariais. Ademais, o art. 2.º da CF/88 não põe a Administração Pública, direta ou indireta, em uma redoma, tampouco a torna imune ao Poder Judiciário, ante o disposto no art. 5.º, XXXV, da CF/88. Assim, as relações de trabalho firmadas pela EMBRAPA não são travadas em uma zona franca, onde os direitos trabalhistas podem ser postos e retirados sem qualquer controle jurisdicional. Agravo de Instrumento não provido.2.ºCLT468CLT2.ºCF/885.ºXXXVCF/88 (5305020105090657 530-50.2010.5.09.0657, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 29/02/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2012)
REGULAMENTO INTERNO PODER DIRETIVO. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA O acolhimento de pedido indenizatório por dano moral pressupõe a configuração de ato ilícito, praticado pelo empregador. Em assim, a imposição de normas de conduta inerentes à função desempenhada pelo obreiro na empresa revela, tão-só, o exercício do poder diretivo, sem repercutir na esfera íntima do obreiro. (389004820085070003 CE 0038900-4820085070003, Relator: ANTONIO MARQUES CAVALCANTE FILHO, Data de Julgamento: 04/05/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 29/06/2011 DEJT)
RECURSO DE REVISTA - NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Regional solucionou a controvérsia de forma fundamentada, não havendo se falar em negativa de prestação jurisdicional. Recurso não conhecido.2. DESPEDIDA SEM JUSTA CAUSA - PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR - INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA INDEVIDA. Não há que se falar em pagamento de indenização compensatória pela dispensa sem justa causa, pois há previsão no ordenamento jurídico de pagamento de multa pela despedida arbitrária do empregado. Com efeito, a dispensa por justa causa, por si só, não é motivo jurídico suficiente que viabilize o pleito de indenização compensatória, na medida em que está dentro dos limites legais do poder diretivo do empregador a livre contratação e despedida de trabalhadores, de acordo com as normas celetistas. Recurso conhecido e provido.3. COMPLÇÃO DE APOSENTADORIA - TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL - VENDA DE CARIMBO. O TRT negou provimento ao recurso do Autor quanto ao pedido de diferenças decorrentes da -venda de carimbo-, portanto, a Reclamada não tem interesse em recorrer, no ponto. Recurso não conhecido. (2138800912000509 2138800-91.2000.5.09.0003, Relator: Maria Laura Franco Lima de Faria, Data de Julgamento: 15/08/2012, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/08/2012)
Percebe-se, cristalinamente, desses julgados que o assédio moral decorre quase sempre do abuso do poder diretivo do empregador que se utiliza de uma prerrogativa que lhe é inerente de maneira descomedida.
Por essa razão é que se diz que o meio trabalhista é a principal seara para a proliferação desse mal.
Pense-se no exemplo de um termômetro que marca a licitude dos atos trabalhistas feitos pelo empregador numa escala de 0 a 10, sendo 0 o ato mais inofensivo e o 10 o mais ofensivo aos direitos trabalhistas. Até o grau 5º os atos praticados pelo empregador são lícitos e, portanto, dentro da esfera do poder diretivo que lhe é inerente. Entretanto, a partir do 6º grau o empregador abusa do poder diretivo, começando a escala em que caracteriza-se o assédio ao trabalhador.
Nesse sentido são todos os julgados acima. Todos ocorreram abuso do poder diretivo do empregador o que, indubitavelmente, levou a um assédio ao empregado e, consequentemente, uma indenização por danos morais pelos tribunais pátrios.
Feita essa análise sintética de institutos que são deveras importantes para a análise do tema primário, passa-se ao próximo capítulo, em que será tratado o assédio processual.
5 ASSÉDIO PROCESSUAL
Com o estudo preliminar do institutos mais genéricos como o assédio e outros, já é possível entender melhor a figura do assédio processual, motivo pelo qual se inicia este presente tópico.
Contudo, surge o primeiro problema que é: como qualificar esse novo instituto? Deve-se entendê-lo como um tipo de litigância de má-fé, um novo tipo de assédio moral ou mesmo um instituto autônomo?
Tarefa das mais árduas é encaixar um novo conceito em algum gênero, pois essa nova ferramenta sempre guardará semelhanças com outras já existentes e ao mesmo tempo trará inovações em relação aos instrumentos antigos.
Assim, embora árdua, pode-se afirmar que o assédio processual é uma espécie de assédio moral, guardando, contudo, suas diferenças. Tem-se como diferença principal o fato de que o assédio moral cuida de uma relação de direito material, ao passo que o assédio processual incide estritamente na relação de direito processual.
Na mesma toada, diferentemente do assédio moral que tem o escopo de eliminar a outra parte de uma relação, deixando-a desconfortável, impondo-a situações vexatórias, atingindo-lhe a honra, o assédio processual tem por fim procrastinar a prestação jurisdicional, retardar o cumprimento das obrigações reconhecidas judicialmente, atribuindo a outra parte todo o ônus da tramitação judicial.
O assédio desta natureza tem propósito coberto pelo manto da licitude, pois aparentemente usando-se de meios lícitos, mero exercício regular das faculdades processuais, busca resultado ilícito, senão ilícito, reprovável ética e moralmente, retardando o julgamento do feito e, por conseguinte, a entrega do bem da vida, fato gerador de prejuízos tanto à parte que tem razão quanto à própria sociedade vez que abarrota o judiciário de processos, causando a morosidade processual e descrença na justiça.
Aliás, extrai-se do parágrafo acima uma das características mais marcantes do assédio processual o fato de não somente ser vítima dessa mazela a parte contraposta no processo, mas também o próprio Estado, a sociedade, em razão das enormes consequências nocivas ao judiciário como a morosidade da justiça, o comprometimento de princípios fundamentais da república como a razoável duração do processo, o devido processo legal, bem como princípios da seara trabalhista, a exemplo da celeridade.
Assim, temos como sujeitos passivos do assédio processual a parte adversa e o Estado, ao passo que o assédio moral tem exclusivamente como vítima o indivíduo que sofreu o ato, visto que é ação praticada exclusivamente contra o âmago da pessoa.
O instituto em questão, como já dito, é relativamente novo nas discussões jurídicas e também de bastante difícil percepção, isso porque, por vezes, confunde-se com o mero exercício do direito de defesa, garantido constitucionalmente pelo contraditório e ampla defesa.
Assim sendo, é tarefa quase hercúlea- e também deveras perigosa, pois se pode prejudicar uma garantia constitucional em detrimento de outra, ou seja, pode-se privilegiar a duração razoável de processo sacrificando, assim, o contraditório e ampla defesa - definir qual o limite que separa o exercício do direito de defesa do assédio processual.
Mauro Vasni Paroski, um dos maiores doutrinadores sobre assédio processual do país, quiçá o maior, sobre o tema, asseverou:
Esse discurso em prol do exercício do amplo direito de defesa, que impediria a condenação do litigante por assédio processual, é perigoso e pode levar a resultados injustos, impondo ao autor que tem razão todo o ônus da distribuição do tempo do processo.
A ampla defesa e o contraditório, inerentes ao devido processo constitucional, não devem e não podem ter essa amplitude, sob pena de produzirem efeitos que se opõem à principal finalidade da prestação jurisdicional, que é a pacificação social, através da solução dos conflitos individuais e coletivos de interesses, gerando resultados, individual e socialmente justos, de acordo com o ordenamento jurídico-constitucional, vigente (PAROSKI, 2009).
Do excerto, percebe-se que o direito constitucional do contraditório e ampla defesa deve ser usado de maneira não abusiva, ou seja, não colimando a prolongação da demanda na via crucis do tempo, sob pena de sacrifício de outros princípios igualmente protegidos por nossa Carta Magna como a duração razoável do processo, a dignidade da pessoa humana, bem como a celeridade insculpida na legislação justrabalhista.
Por tal motivo que é extremamente complexo definir uma linha que separe o exercício regular do direito de defesa e o assédio processual. Cabe ao julgador, em cada caso, analisar a situação para definir a presença ou ausência de assédio processual, para que, no fim, a demanda não gere efeitos contrários àqueles pretendidos com a finalidade do processo.
Não obstante isso, o assédio processual assume várias formas a fim de impedir a regular marcha processual, tais como a oposição de inúmeros embargos de declaração com alegações infudadas, requerimentos de diligências que visam atrasar o andamento processual, recursos manifestadamente inaptos para tais fins, nomeação de bens inexistentes à penhora na fase de execução etc.
Todos esses meios de protelação da entrega jurisdicional tem algo em comum com a atuação regular do direito que tem o fim de debater o direito: o emprego de meios lícitos. Em ambos os casos, seja com intuito de fazer prevalecer seu argumento jurídico e, por fim, vencer a demanda, seja para atrasar a entrega do bem da vida, a utilização dos instrumentos processuais permitidos por lei é imperiosa.
Sendo assim, não há emprego de meios ilícitos para atingir o atraso processual, mas sim o emprego de meios lícitos que são utilizados com fim de acobertar interesses escusos, bem como moral e eticamente condenáveis.
Mauro Paroski, acerca do emprego de meios lícitos para obter resultados abomináveis, fala:
Esta é uma visão por demais simplista, cômoda, conservadora e sem o compromisso de fazer valer a ordem democrática e os seus objetivos, valorizando a pessoa humana, a sua dignidade e a função social de tudo que há na sociedade, para quem sabe corrigir as injustiças e diminuir as diferenças entre pessoas e classes sociais, atingindo a efetivação do princípio da igualdade material. O Judiciário, ao não reconhecer o assédio processual, quando presente, assume a condição deliberada de aparelho ideológico do Estado, na pior de suas acepções, vestindo o figurino do personagem que tudo faz para ajudar a manter a ordem estabelecida pelas classes dominantes, ainda que injusta, e para convencer aos jurisdicionados que tudo está na mais absoluta normalidade. Transmite a idéia de que é lícito e razoável o devedor agir abusivamente para retardar a efetivação da prestação jurisdicional, com a entrega do bem da vida ao credor, por dez, quinze, vinte ou mais anos, mesmo no âmbito da Justiça do Trabalho. Não pune satisfatoriamente aquele que nitidamente atua para esse atraso, embora as normas legais existentes possibilitem a incidência de sanções para prevenir e coibir os atos procrastinatórios, ilegais e imorais (PAROSKI, 2009).
Assim, não se sustenta o argumento de que o uso de meios lícitos afasta a incidência de assédio processual, até porque impossível seria a utilização de meios ilícitos dentro de uma demanda processual. O que se busca punir é a intenção do agente que contradiz com as diretrizes constitucionais do processo com o emprego de maneira abusiva daqueles meios, e não o emprego deles, por si só.
Alie-se a esses argumentos a dicção do art. 187 do Código Civil de 2002 que afirma peremptoriamente que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2012, n. p.).
Aufere-se dessa norma que a legislação pátria busca incessantemente coibir os atos abusivos, ou seja, como afirma Nelson Nery Jr. em seu Código Civil comentado (NERY JR., 2007, p. 350) “quando o ato é resultado do exercício não regular de direito”.
Prossegue o doutrinador afirmando que “no ato abusivo há a violação da finalidade do direito, de seu espírito, violação essa aferível objetivamente, independentemente de dolo ou culpa” (NERY JR., 2007, p. 350).
Na análise do assédio processual, pode-se perceber que se trata, claramente, de um abuso de direito, pois excede o uso regular do contraditório e ampla defesa, violando, por fim, a finalidade do direito que é a solução de conflitos, pacificação social.
Portanto, os excessos devem ser punido, visto que tal conduta não se coaduna com as diretrizes de um estado democrático de direito.
5.1 CONCEITO
Realizado o apanhado geral, imperioso a dissecação do instituto através de conceitos lançados por doutrinadores, encontrado nas jurisprudências e formulados nesse trabalho.
Para tanto, mister verificar a origem do assédio processual que, como se percebe pela leitura da pesquisa, trata-se de um novo conceito no direito.
Tratados diversos tem como marco inicial a decisão prolatada nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais nº 2784/2004, pela Juíza Mylene Pereira Ramos, da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo em 08/04/2005 em que pela primeira vez no Brasil fora utilizado o termo “assédio processual” para nominar um tipo de procrastinação da entrega efetiva da demanda por meio de diversos recursos e meios processuais. In verbis parte da decisão:
DO DANO MORAL
O pedido é parcialmente procedente. Pretende o autor ser indenizado pelos danos morais e materiais sofridos pelo descumprimento de acordo judicial celebrado com o réu em reclamação trabalhista, e pela demora em seu recebimento por meio de execução motivada por inúmeros incidentes e recursos interpostos pelo réu. O pedido é procedente. Praticou a ré “assédio processual”, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petiões despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária. A ré ao negar-se a cumprir o acordo judicial que celebrou com o autor, por mais de quinze anos, interpondo toda sorte de medidas processuais de modo temerário, e provocando incidentes desprovidos de fundamento, na tentativa de postergar ou impedir o andamento do feito, praticou autêntico “assédio processual” contra o autor e o Poder Judiciário. Ante todo o conjunto probatório, torna-se evidente a conduta dolosa do réu, objetivando o não cumprimento de decisão judicial, ofendendo a dignidade do autor como pessoa humana. Com efeito, em acordo homologado em 20 de novembro de 1985 (fls. 52 e ss.), nos autos da reclamatória trabalhista no. 2475/81, o réu comprometeu-se em cumprir obrigações de pagar a quantia acordada e de complementar os proventos de aposentadoria do autor. Ainda no ano 2000 (fls. 373) o autor suplicava ao Judiciário o cumprimento do prometido, na tentativa de receber do réu o que lhe era devido. Isso porque o réu por várias vezes descumpriu decisões judiciais demonstrando desrespeito também para com o Poder Judiciário. Exemplo disto é a petição às fls. 181 onde afirma que suspendeu o pagamento da complementação de aposentadoria do autor, alegando como fundamento diploma legal vigente desde 1977, sete anos antes da celebração do acordo. Somado a isto, utilizou-se dos meios processuais disponíveis para dificultar o andamento do feito, interpondo toda sorte de recursos - ordinário, embargos, agravo de petição - criando obstáculos ao cumprimento do acordo, e consequentemente, das obrigações que sabia era devedora. Agiu dolosamente, contra direito de empregado aposentado que iniciou a prestação de serviços em 12.09.1955 (fls.603). As decisões reprovando os atos praticados pelo banco réu foram diversas, a exemplo das exaradas às fls. 248 e 265/267. Até mesmo o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região, em sede de embargos de declaração interposto pelo réu (fls. 138), foi compelido a explicar-lhe que o banco estava infringindo seu dever de respeitar o ato jurídico perfeito, - “in casu” o acordo de fls. 52 e ss.-, o direito adquirido do autor em ver cumprido o quanto avençado, e a coisa julgada, ou seja, a decisão judicial que homologou o acordo. Outro exemplo dos muitos obstáculos criados pela ré está às fls. 352, quando após requerer dilação de prazo para cálculos, apresentou-os (fls. 353/355), porém não depositou sequer a parte incontroversa. O autor laborou por 30 anos ininterruptamente, e após celebrar acordo judicial com o réu, foi tratado em condições ofensivas à dignidade humana. O réu, uma das maiores instituições financeiras do país, utilizou-se de todo seu aparato jurídico para massacrar os direitos, a honra e a imagem do autor que, repise-se, laborou desde 12.09.1995. Frágil, perante o poderio econômico do réu, e atado o Poder Judiciário pelas malhas das normas processuais que permitiram ao réu delongar o cumprimento de sua obrigação por mais de quinze anos, nada restou ao sofrido autor do que esperar. Neste ínterim, sofreu a vergonha e a humilhação de um empregado que após 30 anos de trabalho na mesma instituição se vê por ela massacrado. A estratégia processual adotada pela ré arrastou pela via crucis não só o autor, mas também muitos outros empregados, que pelo imenso volume de processos em andamento, não conseguem receber suas verbas de natureza alimentar. Dito de outra forma, o réu onerou o Poder Judiciário, concorrendo para o sobrecarregando da Vara, requerendo o labor de vários Servidores para a movimentação do processo, atrasando o andamento dos demais. Por certo, o autor tem direito a indenização por dano moral. Atingido em seus direitos individuais, sofreu a angústia daquele que sente-se ofendido, até mesmo em sua alma, esta última, um dos bens jurídicos que devem ser protegidos do assédio moral nas palavras de Francisco González Navarro. O sofrimento humano é bem definido por José Ortega y Gasset in El Espectador, Revista de Occidente, Madrid, 1960, quando diz: “Cuando no hay alegria el alma se retira a um rincón de nuestro cuerpo hace de el su cubil (...) para alimentar su dolor y sostener en pie su desesperación”. A norma positiva ampara o autor. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Federal em seu artigo 1o., inciso III e 5o., inciso X, bem como o Código Civil, em seus artigos 11 a 21, vedam ofensas à dignidade e à honra do indivíduo, estabelecendo o mesmo artigo 5o. da Carta Magna, incisos V e X o dever de indenizar o ofendido, direito regulamentado pelas disposições do artigo 927, parágrafo único e 944 e seguintes do Código Civil.
A Juíza com maestria traçou as primeiras linhas conceituais sobre o assédio processual, conceito esse que propagar-se-ia no tempo e influenciaria diversos trabalhos, inclusive o presente.
Dessa forma, tem-se esse como o primeiro tratado a abordar o tema em questão e, portanto, origem do assédio processual no Brasil.
Após esse conceito, diversos doutrinadores foram convidados a elaborar seus próprios conceitos e estudar o tema a profundidade.
Inúmeros trabalhos foram escritos e trouxeram mais características sobre o instituto. Com igual maestria Mauro Paroski, como já dito, um dos maiores doutrinadores sobre o tema, senão o maior, traçou o seguinte conceito:
Em síntese, o assédio processual, fundado no exercício imoderado de faculdades processuais, muitas vezes qualificando-se em uma ou mais figuras dos incs. do art. 17, do CPC, consiste num conjunto de atos que tem por escopo retardar a prestação jurisdicional, causando desestímulo no adversário na demanda, por se sentir impotente e humilhado, reduzindo suas expectativas quanto ao resultado justo da solução a ser ministrada ao conflito, ensejando ao assediador vantagens processuais indevidas, podendo repercutir em ganhos de ordem patrimonial (PAROSKI, 2009).
Em outra passagem, Paroski exala conhecimento, afirmando:
Entende-se, em linhas gerais, que assédio desta natureza consiste no exercício abusivo de faculdades processuais, da própria garantia da ampla defesa e do contraditório, pois, a atuação da parte não tem a finalidade de fazer prevalecer um direito que se acredita existente, apesar da dificuldade em demonstrá-lo em juízo, nem se cuida de construção de teses sobre assuntos em relação aos quais reina discórdia nos tribunais, a exemplo de uma matéria de direito, de interpretação jurídica, complexa e de alta indagação.
Nada disso. O verdadeiro propósito do litigante é dissimulado, pois, sob aparência de exercício regular das faculdades processuais, deseja um resultado ilícito ou reprovável moral e eticamente, procrastinando a tramitação dos feitos e causando prejuízos à parte que tem razão, a quem se destina a tutela jurisdicional, além de colaborar para a morosidade processual, aumentando a carga de trabalho dos órgãos judiciários e consumindo recursos públicos com a prática de atos processuais que, sabidamente, jamais produzirão os efeitos (supostamente lícitos) desejados pelo litigante assediador (PAROSKI, 2009).
Não menos notável foi o conceito fornecido por Nilton Ragel Barreto Paim e Jaime Hillesheimem sua obra “O assédio processual no processo do trabalho”:
O assédio processual podemos definir como a procrastinação do andamento do processo, por uma das partes, em qualquer uma de suas fases, negando-se ou retardando o cumprimento de decisões judiciais, respaldando-se ou não em norma processual, provocando incidentes manifestamente infundados, interpondo recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, contraditas despropositadas de testemunhas, petições inócuas, ou quaisquer outros expedientes com fito protelatório, inclusive no decorrer da fase executória, procedendo de modo temerário e provocando reiteradas apreciações estéreis pelo juiz condutor do processo, tudo objetivando obstacularizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária (PAIM; HILLESHEIM, 2010, p. 1112).
Nota-se dessa gama de definições alguns traços em comum que permitem elaborar um conceito próprio, como sendo assédio processual a série condutas abusivas em juízo que fazem mal uso do direito de defesa, utilizando-o para procrastinar a entrega da tutela jurisdicional colimando desestimular a parte adversa a prosseguir no feito processual, bem como tem como efeito acessório a descrença na Justiça, fazendo com que essa suporte sozinha o ônus da distribuição do processo na via crucis do tempo, violando completamente princípios de viés constitucional como o do acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, à razoável duração do processo, bem como o da celeridade no diploma justrabalhista, não obstante deveres das partes das partes e de seus procuradores em juízo, insculpidos no art. 77 e ss. do CPC.
Dessa forma, perceptível é a presença de alguns elementos em comum em todos os conceitos trazidos à baila. Esses elementos serão estudados a seguir em tópico reservado.
5.2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES
Pelo exposto, o assédio processual é espécie do gênero assédio moral. Assim sendo, deve ele seguir as características marcantes do seu gênero, diferindo somente em alguns pontos, o que o torna um instituto a parte.
Como não poderia deixar de ser, segundo a doutrina majoritária, o assédio processual possui os mesmos elementos presentes no assédio moral, quais sejam, dimensão da agressão, duração, objetivo e potencialidade.
Todavia, abre-se um parêntese para que se possa discordar em parte da doutrina majoritária e incluir dentro desses elementos mais dois que distinguem peremptoriamente o assédio moral do processual que são os sujeitos ativo e passivo dessa relação, que passaremos a estudar em seguida.
A dimensão da agressão no assédio processual consiste na gama de oportunidades que goza o sujeito ativo de atrasar a entrega da tutela jusrisdicional. Essa dimensão pode ser aferida através dos inúmeros recursos disponíveis no âmbito processual, como embargos de declaração, nomeação à penhora de bens inexistentes em fase de execução, peticionamentos inúteis que provocam tumulto processual, requerimentos de diligências que visam atrasar o andamento do feito, agravos infundados etc.
Reside no elemento da duração do assédio processual talvez a mais evidente característica do assédio processual, justamente porque esse elemento se confunde com a própria finalidade do assédio em juízo.
Esse elemento resta caracterizado quando se percebe que mais de uma vez o assediador faz uso dos instrumentos processuais para atrasar a efetiva entrega do bem da vida “militando em desfavor da garantia constitucional da razoável duração do processo, sempre, como corolário lógico e deliberadamente desejado, em prejuízo ao outro litigante, e ao interesse público em uma célere prestação jurisdicional” (PAROSKI, 2009).
Como já fora afirmado nesse presente estudo, o assédio processual não se configura através de uma única ação, mas se trata de um processo, ou seja, a interposição de vários atos que caracterizam o elemento da duração.
No que tange ao objetivo, tem-se muito claro que visa o agressor deprimir o sujeito passivo para que ele (a) negligencie a causa e perca prazos processuais, por exemplo; (b) aceite, à força, acordo que é, visivelmente, maléfico; (c) desacredite no Poder Judiciário.
Com relação à potencialidade dos atos, este elemento caracterizar-se-á individualmente em cada caso, analisando quais os objetivos alcançados pelo agressor. Só assim, poderá se aferir a potencialidade, isto é, se causou, de fato, desestímulo no assediado, se impeliu descrédito ao sujeito passivo no regime democrático de direito ou se o forçou a celebrar acordo prejudicial, dentre outras.
Não obstante esses elementos citados por maior parte da doutrina acrescente-se os sujeitos passivo e ativos da demanda.
O sujeito passivo é elemento único no assédio processual, pois se difere do assédio moral. Enquanto nesse o sujeito passivo é somente a pessoa assediada, visto que o assédio moral atinge exclusivamente a honra, a imagem pessoal, o foro íntimo da pessoa, o assédio processual atinge também o Estado.
A prática do assédio processual, leva a sociedade a desacreditar na imparcialidade da justiça, pois que aqueles que tem mais recursos financeiros para bancar a interposição de recursos atrás de recursos são beneficiados pela morosidade processual, enquanto que aqueles que pleiteiam direitos geralmente não conseguem arcar com o ônus da prolongação do processo e são impelidos à desistir da demanda ou celebrar acordos prejudiciais.
Dessa forma, a sociedade acaba por desanimar com a oportunidade de discutir seus direitos perante o judiciário.
No que pertine ao sujeito ativo do assédio processual, é questão controversa. Por se tratar de modalidade de assédio moral praticada em juízo, quem tem legitimidade para realizar atos processuais em nome do pleiteante é o seu patrono, pois é ele que interpõe recursos, peticiona ao magistrado e realiza os mais diversos atos processuais.
Se o faz com o intuito de atrasar o fim da demanda, com o consentimento ou não do representado, comete assédio processual.
Assim sendo, quem realiza o assédio processual é o advogado que desobedece aos deveres dispostos na legislação civil em seus art. 77 e ss. com intuito de procrastinar a conclusão do processo, diferentemente do assédio moral que pode ser praticado por qualquer pessoa.
5.3 DIFERENÇA ENTRE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E ASSÉDIO PROCESSUAL
Não é anormal ver julgados, estudos e pessoas confundirem a litigância de má-fé com o assédio processual, vez que ambos os institutos têm objetivos semelhantes.
Todavia, um estudo mais aprofundado como o presente deve traçar distintos parâmetros entre os dois, a fim de esclarecer a confusão.
Primeiramente, tem-se claro a distinção entre os dois, haja vista que a litigância de má-fé está insculpida na legislação processual civil no art. 80 do CPC, enquanto que o assédio processual não tem previsão legal.
Assim dispõe o art. 80 do CPC:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (BRASIL, 2012)
Má-fé, segundo Nelson Nery Jr. é “a intenção malévola de prejudicar, equiparar à culpa grave e ao erro grosseiro (NERY JÚNIOR, 2007, p. 213).
O conceito de assédio processual, por sua vez, já fora exposto no presente ensaio como sendo, em suma, a série condutas abusivas em juízo que fazem mal uso do direito de defesa, utilizando-o para procrastinar a entrega da tutela jurisdicional colimando desestimular a parte adversa a prosseguir no feito processual, bem como tem como efeito acessório a descrença na Justiça, fazendo com que essa suporte sozinha o ônus da distribuição do processo na via crucis do tempo.
Da comparação desses dois conceitos, constata-se que, como bem afirmou o Magistrado Mauro Paroski, a diferenciação está no grau de intensidade, pois que a prática de apenas um ato atentatório ao exercício da jurisdição caracterizar-se-ia como litigância de má-fé, ao passo que a reiteração desse tipo de atos incidiriam no assédio processual (PAROSKI, 2009).
Como afirmou o sapiente Juiz em seu estudo:
[...] a prática de apenas um ato que possa caracterizar a parte como litigante de má-fé ou mesmo a prática de ato atentatório à dignidade da justiça ou ao exercício da jurisdição (arts. 14, 17 e 600 do CPC), não seria suficiente, pela falta de reiteração, para caracterizar o assédio processual, mas, de outro lado, se a conduta da parte revela sucessivos atos que a enquadre como litigante de má-fé, pela repetição insistente e pelos presumíveis objetos ilícitos, em manifesto prejuízo a parte adversária e ao exercício da jurisdição, aí sim, poderia ser classificada como assédio processual (PAROSKI, 2009).
À guisa de exemplo, o doutrinador dispõe um caso que vivenciou ao atuar como Juiz titular na Vara do trabalho que atuava. Assim redigem suas linhas:
[...] em audiência inaugural o réu ofereceu exceção de incompetência em razão do lugar, o que se deu em duas demandas (uma reclamação trabalhista e uma indenizatória de dano derivado de acidente de trabalho). Instruída e julgada a exceção, sendo a mesma rejeitada, o excipiente interpôs simultaneamente correição parcial, exceção de suspeição e recurso ordinário, cujo seguimento foi negado, porque incabível. Por isso, interpôs agravo de instrumento. Ou seja, três medidas processuais (além do agravo de instrumento) para atacar uma decisão interlocutória, que sequer comportava impugnação de imediato. Na seqüência do procedimento, na demanda indenizatória por acidente de trabalho, o réu alegou prescrição extintiva, que seria analisada na sentença final, mas, não querendo aguardar o momento processual oportuno, protocolou petição requerendo que a prejudicial de mérito fosse analisada antes da audiência de instrução. O juízo a analisou, rejeitando-a. Desta decisão, começou tudo de novo, com recurso ordinário, agravo de instrumento, correição parcial e exceção de suspeição. Resumo da ópera: com esta conduta, o réu conseguiu retardar a entrega da prestação jurisdicional (pelas inevitáveis suspensões do processo) de seis a oito meses, pelo menos. Indaga-se: não se está diante de inegável caso de assédio processual (PAROSKI, 2009).
Infere-se do exemplo que o réu exerceu de maneira abusiva seu direito de defesa, agravando de decisões que não poderiam ser agravadas, usando outros recursos de maneira indevida, valendo-se de instrumentos que são usados somente em casos excepecionalíssimos, como a correição parcial. Dessa forma, conseguiu seu objetivo ao retardar a entrega da jurisdição em, pelo menos, seis meses. Está-se, sim, diante de evidente caso de assédio processual.
Diferentemente seria se, o réu interpusesse um único recurso de maneira indevida, com intuito evidentemente protelatório. Estar-se-ia aí diante da hipótese gravada no inciso VII do art. 80 do CPC, caso de litigância de má-fé.
Extrai-se, portanto, outra diferença básica entre os dois conceitos, que as hipóteses de litigância de má-fé estão previstas no art. 80 do CPC, em rol taxativo, enquanto que, como não há previsão legal para o assédio processual, este deve ser analisado em cada caso concreto.
No que tange aos sujeitos passivos, existe uma dissenso na doutrina. Parte dela assevera que somente a vítima é sujeito passivo da litigância de má-fé, enquanto que outra parte acredita que além da própria vítima, o Estado também é sujeito passivo da litigância de má-fé, pois que as consequências geradas sejam elas provenientes de um ato isolado ou de uma série ininterruptas de atos, atingem tanto os interesses pessoais da vítima quanto o objetivo primordial do Poder Judiciário, do Estado e, portanto, da sociedade que é a prestação jurisdicional num tempo razoável.
Por derradeiro, percebe-se também que a litigância de má-fé tem instrumento de coibição previsto na legislação processual civil (art. 81), qual seja, a multa de 1% a 10% sobre o valor da causa, o assédio processual não tem instrumento processual previsto – até porque o próprio conceito é novo. Assim, cabe ao magistrado, valendo-se da equidade, e senso de justiça que lhe é inerente arbitrar multa e indenização compatíveis com o sofrimento causado, patrimônio do assediador, intensidade do dolo, sempre tendo em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Dessa forma, pode-se claramente apreender que a litigância de má-fé e o assédio processual são institutos, embora semelhantes nos seus objetivos, distintos em muitos outros aspectos.
5.4 CONSEQUÊNCIAS
Definiu-se assédio processual como a reiteração de condutas abusivas em juízo que fazem mal uso do direito de defesa, utilizando-o para procrastinar a entrega da tutela jurisdicional colimando desestimular a parte adversa a prosseguir no feito processual, bem como tem como efeito acessório a descrença na Justiça, fazendo com que ela suporte sozinha o ônus da distribuição do processo na via crucis do tempo.
Desse conceito, pode-se extrair, ao menos, três consequências do malefício do assédio processual: primeiramente a morosidade do processo, em segundo plano, mas não menos importante, o desestímulo da parte contrária e em terceiro a descrença da sociedade no Poder Judiciário.
O primeiro efeito do assédio processual é o seu efeito principal, pois é nada menos que seu objetivo: a morosidade processual. Tem a intenção o assediador de procrastinar o feito o máximo possível a fim de prejudicar a parte adversa. Para isso, vale-se dos mais diversos recursos e instrumentos lícitos disponíveis no âmago processual.
Embora a Justiça do Trabalho seja deveras célere, pois pautada nos princípios da celeridade, informalidade, economia processual, em virtude também da sua estruturação que permite nas fases iniciais da instrução a celebração de acordos laborais e a impossibilidade de recorrer das decisões interlocutórias imediatamente, por exemplo, deve-se frisar que poderia incidir mais agilidade a ela não fosse a utilização de artifícios como o do assédio processual.
Como exemplificou Mauro Paroski em trecho de seu trabalho citado linhas acima, algumas demandas poderiam tramitar por muito menos tempo que o normal, caso fosse inibida tal prática.
Outra consequência do assédio processual que não se pode olvidar é o desestímulo da parte adversa que também não deixa de ser um dos seus objetivos.
O desestímulo é uma condição psíquica imposta ao indivíduo que provoca reações contrárias ao estímulo capaz de incentivá-lo a não reagir ou fazer algo.
Nessa toada, o desestímulo processual consiste numa reação de tristeza, abatimento, da parte adversa a não reagir na demanda por não acreditar no sucesso ou, pior, não acreditar no seu fim.
Esse abalo psíquico é de extremo prejuízo à justiça não só porque induz o assediado, que é sempre a parte hipossuficiente de uma demanda – e na Justiça laboral é quase sempre o reclamante – a desistir do processo, mas também porque certas vezes leva o indivíduo à celebração de um acordo forçado que consiste inevitavelmente num abalo das estruturas da justiça.
Quando o assediado é, praticamente, compelido à celebrar um acordo isso compromete a função social da justiça que é buscar a solução de conflitos colimando a paz social de maneira parcimoniosa, íntegra e justa.
Não obstante efeitos devastadores, o assédio processual proporciona o desestímulo não só à parte adversa, mas também à sociedade que atenta aos fatos, acaba por desacreditar na função do Poder Judiciário.
Tal consequência pode levar, no pior cenário, a um estado de total anarquia e de regresso da sociedade.
Dessa forma Paroski, com destreza, abordou o tema:
Quando, ao inverso disso, as pessoas mal intencionadas percebem que é mais vantajoso descumprir suas obrigações legais e contratuais, porque o risco que correm se acionadas em juízo não é de grande monta, podendo usar e abusar de todas as faculdades processuais disponíveis no sistema para protelar o cumprimento da obrigação, sem que com isso sofram penalizações, instaura-se um clima de desconfiança na lei e nas instituições judiciárias, de verdadeira insegurança generalizada, reduzindo o nível de convivência pacífica e aumentando o grau de violência e de tentativas de se fazer justiça com as próprias mãos (PAROSKI, 2009).
Temerária é a situação, pois se lutou muito para atingir o status de país democrático e republicano e, por conta de um malefício, no pior cenário possível, pode se retornar a um Estado de total anarquia em que vigora a autotutela, motivo pelo qual se deve evitar a todo custo esse retrocesso.
Diante de todos os efeitos expostos e todos os efeitos acessórios, necessário se faz a coibição do assédio processual.
5.5 MEIOS DE COIBIÇÃO
O legislador visou proteger ao máximo a honra, imagem pessoal e todos os demais direitos imateriais inerentes à pessoa, impondo uma indenização àquele que violar esses direitos, como se pode ver da dicção do art. 5º, inciso V da Constituição Federal de 1988 que visa a proteção à imagem e honra nos seguintes termos: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL, 1988, n. p.).
Da mesma forma, o inciso X do mesmo artigo assevera peremptoriamente: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988, n. p.).
Na mesma toada, o Código Civil de 2002 dispõe sobre a reparação do ilícito nos artigos 186 e 927 que, juntos, em suma, dispõem que comete ilícito aquele que violar direito e causar dano a outrem ainda que por omissão e, sendo assim, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002, n. p.).
Contudo, quando se trata do assédio processual, tem-se um tema deveras controverso a imposição de indenização em razão dessa modalidade de assédio. Explica-se.
Ora, se o assédio processual nada mais é que o abuso do direito de defesa, o que o assediador faz é, nada mais, que se utilizar dos instrumentos processuais disponíveis no ordenamento jurídico.
Portanto, alguns defendem que seria impossível a condenação da contraparte pelo exercício do seu direito de defesa.
Concessa vênia, deve-se discordar veementemente desse entendimento.
Isso porque já foi explanado satisfatoriamente que o assédio processual constitui um abuso do direito de defesa pela parte que se usa de meios lícitos para esconder propósitos, senão ilícitos, no mínimo, moral e eticamente repugnáveis.
Dessa forma, não se sustenta a tese de que é impossível a condenação de uma pessoa somente porque a atuação em juízo se restringe às normas processuais, pois se deve averiguar se suas intenções condizem com os interesses da república e com os princípios insculpidos na carta magna e legislação trabalhista.
Destarte, o direito de defesa no processo não pode, jamais, se sobrepor aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoável duração do processo, celeridade, economia processual.
No mesmo sentido escreveu Mauro Paroski:
Afirmar que não se pode condenar em reparação dessa ordem porque a atuação em juízo se conforma com as normas processuais vigentes, repugna às idéias de justiça, dignidade humana e igualdade, verdadeiros valores consagrados pela ordem constitucional. Jamais poderá ser aceito o entendimento de que a garantia do amplo direito de defesa justifica que se dêem tantas oportunidades a quem descumpre a lei, sem impor nenhuma sanção quando derrotado em sucessivas tentativas de retardar a prestação jurisdicional ou a efetivação dos provimentos jurisdicionais (PAROSKI, 2009).
Por esses motivos que se faz possível e, acrescenta-se, necessária a indenização em razão do assédio processual, para justamente, tentar coibir tal prática.
A indenização constitui um instrumento eficaz nos tempos atuais destinado a oprimir institutos que não condizem com objetivos da república.
Muito embora resida no intelecto, tal indenização se perquire através de ponderação pelo senso comum dos eventos experimentados e sua repercussão. Assim, a condenação deve, de um lado, contemplar a compensação pelo abalo sofrido, e, de outro, representar uma punição ao causador do dano, além de buscar a sempre almejada função preventiva. Assim sendo, a indenização tem três finalidades: compensatória, pedagógica e repressiva.
Primeiramente, a finalidade compensatória da indenização por assédio processual é porque se deve contemplar de algum modo a parte que suportou durante muito tempo o ônus da distribuição do processo no tempo.
Interligada a essa finalidade está a pedagógica que visa conceder ao infrator um ensinamento que aquela conduta que não condiz com o nosso ordenamento jurídico.
E, por fim, a finalidade repressiva que visa alertar ao infrator que tal conduta não pode se repetir.
Por fim, assevere-se que tal indenização, em que pese divergência doutrinária, está, sim, sujeita a ser fixada de ofício pelo juiz, ou seja, independentemente de requerimento da parte, pois se trata de defesa de interesse público, preservação dos interesses republicanos e objetivos processuais e dar maior credibilidade ao judiciário.
Assim, notando a presença de elementos que configurem o assédio processual, deve o magistrado, de imediato, fazer uso da condenação à indenização por danos pessoais a fim de coibir tal prática.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho abordou de forma detalhada o instituto recentemente criado na doutrina do assédio processual, presente principalmente na justiça do trabalho.
Explicou seu conceito, elementos, os princípios que envolve, isto é, tanto aqueles que infringe quanto aqueles que, aparentemente, se baseia.
Não obstante, também observou a semelhanças com a litigância de má-fé e assédio moral. Explanou igualmente suas consequências no meio jurídico e social, assim como possíveis medidas de coibição.
De igual sorte, trouxe também os mais recentes casos decididos nos tribunais trabalhistas pátrios acerca do tema e mostrou a tendência da jurisprudência em aceitar a existência do assédio processual.
Por fim, percebe-se que não há como fugir da conclusão de que o assédio processual, de fato, existe. Não se pode mais asseverar que o abuso do direito de defesa com intuito senão ilícito, moral e eticamente repugnante de postergar a prestação jurisdicional consiste no puro e simples exercício do direito de defesa, que decorre do princípio do contraditório e ampla defesa.
Ao contrário. O abuso do direito de defesa entra em choque com todos os objetivos visados pela República, bem como todos os princípios existentes na Carta Magna e legislação justrabalhistas.
É cediço que processo rápido não existe em lugar algum. Contudo, prestação jurisdicional que ultrapassa o limite do razoável para ser entregue a quem tem razão é ineficiente. Assim todo o comportamento que venha a agredir princípios como o da razoável duração do processo e da celeridade deve ser combatido com rigor pelo judiciário.
Ademais, a morosidade da marcha processual causa não só o inadimplemento da prestação do direito constitucional de razoável duração do processo e acesso à justiça e de celeridade na legislação trabalhista, como também afeta a dignidade da justiça.
E, se afeta a dignidade da justiça, não há como negar que atinge também a dignidade da parte contrária como pessoa humana, que é a principal vítima da conduta ilícita. Sendo a dignidade sinônimo de honra, deve ser preservada, como bem guardou o legislador constituinte no art. 5º, V e X e, consequentemente, feri-la significa impingir dano moral a outrem.
Diante de todo o exposto, chega-se a inabalável conclusão de que o assédio processual é espécie de assédio moral que deve ser combatido pelos defensores da República e amantes do Direito, pois sua prática causa inúmeras consequências de viés desastrosos tanto para a justiça, quanto para o país, afinal de contas, a descrença no Poder Judiciário levaria o País a um retrocesso sem precedentes na história.
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Graduado em bacharelado direito pela UNIT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Ivahyr Pessoa Lebre. Assédio processual na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58797/assdio-processual-na-justia-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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