RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de investigar e delinear parâmetros para definição da competência para a tributação do consumo no ambiente virtual – dando-se especial atenção aos softwares - , a partir das premissas estabelecidas pelo direito pátrio, dando-se especial enfoque à evolução jurisprudencial dos Tribunais Superiores e do entendimento doutrinário acerca do conceito de “mercadoria” e “serviços” para fins de configuração da materialidade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação (ICMS) e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). A partir de um levantamento bibliográfico acerca do tema, atendo-se ainda à legislação pertinente e aos julgados correlatos, chegou-se à conclusão de que: (i) o atual figurino constitucional não permite a tributação da licença ou cessão de uso de softwares, que não atendem ao critério material de ambos os impostos estadual ou municipal sobre consumo; (ii) o posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal, extraído do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 5659 e 1945 , apesar de ter pacificado a discussão para os fins desta demanda, indica o surgimento de novas controvérsias, na medida que se mostra incompatível com julgamentos pretéritos que tratam do conceito constitucional de “serviços de qualquer natureza” para fins de tributação do ISS, sobretudo em relação àqueles que guiaram a edição da súmula vinculante nº 31.
Palavras-chave: Tributo. Digital. Programa de computador. Competência. ICMS. ISS
1 INTRODUÇÃO
É fato notório que a utilização das tecnologias digitais tem crescido de forma exponencial no passar dos últimos 20 anos (UNITED NATIONS, 2019), transformando de forma profunda as sociedades ao redor do globo e seus cotidianos. O uso de programas de computador tem trazido novas discussões nas mais variadas áreas do conhecimento humano, na medida em que as populações buscam se adaptar ao rápido desenvolvimento dessa tecnologia sob a ótica de diversos aspectos: segurança, convívio urbano, trabalho, saúde mental, educação e, principalmente, comércio. Juntamente com políticas que incentivam a proliferação dessas tecnologias, é de se afirmar que o desenvolvimento do comércio no ambiente virtual poderá fazer com que tais tecnologias dominem cada aspecto de nossas vidas sociais (ROBINS, 1999). Naturalmente, a crescente utilização dessas ferramentas na sociedade contemporânea atrai as preocupações das lentes jurídicas e, nesse âmbito de estudo, não são poucas as controvérsias e os desafios que cercam o fenômeno.
Esse cenário não poderia ser diferente em se tratando de direito tributário: levando-se em considerando que a repercussão das tecnologias digitais se dá em grande parte nas interações econômicas, é natural esperar que o Fisco – pautado na busca por expressões de capacidade contributiva de onde se possa extrair receita derivada – e o contribuinte – por sua parte, buscando formas de compreender como o direito pátrio interpreta suas operações, com finalidade de se precaver ou reagir face a uma cobrança ilegal – travem discussões acerca do âmbito de aplicação do direito sobre determinada operação realizada no ambiente virtual.
É nesse contexto que surge a controvérsia acerca da tributação do consumo das tecnologias digitais, especialmente quando se fala em software. A problemática surge a partir da repartição de competências tributárias no direito brasileiro, a qual, calcada exclusivamente em rígidos preceitos da Constituição Federal, atribui a cada ente da federação a competência para atingir por meio da tributação determinada materialidade, com exclusão dos demais.
O art. 155, II, do texto constitucional, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal, a competência para a instituição de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; por sua vez, no art. 156, III, a Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para a instituição de imposto sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, excluindo-se aqueles não compreendidos na competência estadual.
A partir disso, verifica-se relevante controvérsia jurídica acerca do conceito de “circulação de mercadoria” e “serviços de qualquer natureza”, para fins de tributação dos softwares, visto que esses bens jurídicos agregam aspectos comuns às mercadorias e aos serviços, ao mesmo tempo que não se enquadram adequadamente ao critério material tradicionalmente utilizado para descrever esses impostos.
A discussão desagua no judiciário, já tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) tido a oportunidade de julgar acerca da matéria em controle de constitucionalidade, difuso e concentrado. O estudo desses julgados demonstra que tais conceitos, quando analisados com enfoque na economia digital, são maleáveis e se desenvolvem juntamente com a sociedade, na medida em que se podem defender distintas frentes argumentativas, tanto a favor da tributação pelo ICMS, quanto pela tributação do ISS.
O presente trabalho se propõe a investigar a bibliografia doutrinária acerca da matéria, bem como a evolução da compreensão do STF sobre a temática – sobretudo à luz de seus recentes julgados – Recurso Extraordinário (RE) 688223, ADI 5576, ADI 5659 e ADI 1945 - com a finalidade traçar uma explicação teórica dos parâmetros e critérios utilizados, buscando averiguar se existe um parâmetro seguro, a partir do ordenamento Constitucional, para definir a competência para a tributação dos softwares e como esses resultados se comunicam outras controvérsias tributárias, principalmente com relação à tributação das locações e operações como leasing financeiro. Afinal, parte-se da premissa de que um conceito de serviço ou mercadoria deve ser uniforme, e não casuístico para cada tipo de operação.
Sem pretensão de findar a discussão – o que dificilmente seria possível, em razão das distintas facetas que a temática apresenta – o trabalho busca, acima de tudo, realizar uma análise crítica da hipótese-problema, evidenciando-se as críticas elaboradas pela doutrina, bem como demonstrar a persistência de controvérsias sobre o tema, em que pese o STF ter tomado partido certa interpretação do Texto.
A partir dos resultados levantados, pôde-se concluir que: a sistemática constitucional atual, calcada na tributação do consumo bipartida entre mercadorias e serviços, oferece insuficiente direcionamento para que o legislador possa traçar seguramente a hipótese de incidência dos referidos impostos sobre os softwares. Além disso, a partir do novo posicionamento da Corte, no sentido que o conflito de competência ora descrito foi dirimido pelo legislador complementar com o subitem 1.05 da lista anexa à lei complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, pode-se visualizar um possível conflito com orientações jurisprudenciais pretéritas da Corte, não explicitamente superadas, a exemplo da vigência da súmula vinculante nº 31.
2 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DE 1988
O sistema tributário traçado pela Constituição Federal de 1988 adotou a repartição de competências tributárias, atribuindo a cada ente uma parcela da aptidão soberana para instituir tributos. Assim, conforme leciona Schoueri (2019, p. 250), o “estudo do sistema tributário brasileiro revela que o constituinte optou por conferir a cada uma das pessoas jurídicas de direito público um campo próprio para instituir seus tributos”.
Extrai-se da redação dos artigos 153, 155 e 156 que, como regra geral, a Constituição Federal de 1988 repartiu as competências tributárias de maneira privativa: ou seja, a cada ente é atribuído um campo de competência, que exclui os demais (podendo-se falar em exclusividade), ressalvados os casos excepcionais de iminência ou ocorrência de guerra externa, previstos no art. 154, II, que autorizam à União criar impostos extraordinários não compreendidos em sua competência tributária. Salvo essa exceção, que decorre do próprio texto constitucional, qualquer outra “sobreposição implicará invasão de competência” (Schoueri, 2019).
Conforme evidencia Ataliba (1987, p. 7), esse sistema de atribuição de competência se peculiariza pela “a) minúcia e exaustividade no delineamento do âmbito dessa outorga, b) privatividade e c) rigidez das competências tributárias outorgadas a cada qual”.
Com isso, afirma-se que: o texto constitucional esgota a descrição do âmbito das competências tributárias, de forma que é defeso ao ente delinear seu o próprio campo de competência, atingindo fatos ali não previstos, sob pena de, inclusive, ameaçar o pacto federativo (BALEEIRO e DERZI, 2018, p. 193); a repartição das competências se dá de maneira a excluir outros entes – com ressalva à exceção prevista no próprio texto constitucional -, logo, tem-se a competência tributária de cada ente tributante inserida em conjuntos incomunicáveis entre si, que não admitem sobreposição; e, entende-se a rigidez do sistema de repartições no sentido de que não há competência tributária fora do seio da Constituição Federal e, assim, qualquer exação deve regredir a um fundamento constitucionalmente previsto (BORGES, 1975).
A justificação para tal rigidez parece estar relacionada com o pacto federativo: para que os entes federados, em suas respectivas instâncias, possam exercer de forma efetiva a autonomia que lhes é outorgada, exigem-se cláusulas que lhes garantam privatividade para explorar fontes de receita, através de uma nítida segregação de competências, sem a qual restariam subjugados financeiramente uns aos outros. De forma didática, Derzi (1988, p.103) explica que:
No Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do próprio federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e regular tributos.
Em contraponto à ideia de uma rigidez absoluta, na qual a Constituição estipula conceitos inarredáveis e fixos, surge a noção de tipologia na sistematização das competências tributárias. Segundo essa corrente, o constituinte estipulou a repartição de competências, estabelecendo tipos, ao invés de conceitos, sendo aqueles menos rigorosos, e estes últimos, estanques e taxativos. Tal compreensão – para aqueles que adotam essa corrente doutrinária – pode ser evidenciada a partir do inciso I do art. 146 da Constituição Federal, que traz a possibilidade de existirem conflitos de competência, sugerindo assim que cabe à lei complementar delinear os tipos descritos pelo constituinte. Sustentando esse posicionamento, explica Schoueri (2019, p. 270) que:
Noutras palavras, enquanto o constituinte contemplou a realidade econômica do ponto de vista tipológico, com a fluidez a ele inerente, impôs ao legislador complementar a tarefa de expressar a mesma realidade através de conceitos, seja por meio de definições de hipóteses tributárias, bases de cálculo e contribuintes, seja através da imposição de limites em casos de conflitos.
Tal noção é de suma importância para a discussão trazida no presente trabalho: significa afirmar que o conflito de competência entre Estados e Municípios com referência à tributação de software pode ser solucionado a partir da compreensão de que a Constituição não traz uma roupagem fixa de conceitos, mas sim tipos, que trariam então uma descrição maleável das materialidades do seu texto. Contudo, ainda sim, deve-se ter em mente que esta visão mais flexível das repartições tributárias não pode ser vista com um cheque em branco para que o legislador, ou o próprio intérprete, empregue significados estranhos àquelas definições comuns já traçadas pela linguagem jurídica. Exemplo ilustrativo disso pode ser extraído do julgamento do RE nº 116.121-3/SP, no qual o STF entendeu ser inconstitucional a incidência do ISS sobre locação de bens móveis, justamente por estar ausente, no caso, o núcleo dessa incidência: prestar serviços.
Ou seja: para interpretar o conceito (ou tipo) empregado pelo constituinte, é fato que o aplicador da norma estará diante da vagueza dos conceitos, de uma ou mais interpretações válidas dentro da moldura estabelecida pela Constituição Federal. Até aí, nenhuma novidade. Contudo, tal mister não pode extrapolar os núcleos semânticos tais como utilizados e desenvolvidos pelo direito privado, levando-se em conta ainda o previsto no art. 110 do CTN, sob pena de romper a cerca de seu próprio campo de competência, fazendo ruir a própria rigidez proposta pelo constituinte (CARVALHO, 2018).
3 O CRITÉRIO MATERIAL DO ISS E O CONCEITO (OU TIPO) CONSTITUCIONAL DE SERVIÇO
A Constituição Federal dispõe em seu art. 156, III, competir aos Municípios instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Em muito se discute acerca do que viriam a ser “serviços de qualquer natureza”.
É possível encarar o significado semântico de serviços com referência a um “fazer”, ou seja, um esforço humano, físico ou intelectual, em benefício de um terceiro, podendo ser traduzido como uma espécie de trabalho. Nesse sentido, Humberto Ávila (2005, p. 122-120) dispõe que:
… a CF/88 ao utilizar o termo ‘serviços’ na regra de competência tributária municipal, incorporou o conceito infraconstitucional pré-constitucional de obrigação de fazer, cujo núcleo semântico é o esforço humano empreendido em benefício de outrem
A doutrina majoritária parece seguir a mesma orientação, conforme se vê em Barreto (2009), Carvalho (2007), Ataliba (1987), Machado (2004), e Silva (2014). O fundamento por trás desse entendimento baseia-se na ideia de que, quando a Constituição Federal faz referência a determinado instituto de direito privado, não pode o legislador complementar (e muito menos, o intérprete) empregar conceito diverso, exclusivo para fins de tributação, sob pena de alargar indevidamente seu âmbito de competência. Assim, ainda que a Constituição tenha atribuído ao legislador complementar o mister de definir os serviços para os fins do art. 156, III, não pode ele mesmo listar aquilo que, segundo a semântica utilizada pelo direito privado, serviço não é, sob pena de violação das regras de competência.
É nesse diapasão que Cláudio Carneiro (2019, p. 137-138) afirma categoricamente que:
De outro lado verifica-se a necessidade da “prestação”, isto é, trata-se de uma obrigação de fazer algo em proveito alheio, com esforço humano, em função de intelecto, ou apenas fisicamente. (...) Enfim, “prestação” é um negócio jurídico. Essa concepção é importante, pois conforme já exposto em respeito ao art. 110 do CTN, a definição do que vem a ser serviço para o Direito Tributário deve concordar com a do Direito Civil.
Não se quer com isso dizer que a Constituição deva ser interpretada sob as lentes do direito civil, mas sim que, ao se utilizar o constituinte de um conceito (ou uma tipologia) pertencente a esse ramo jurídico, não pode o legislador, interpretando o texto, veicular um significado que não é próprio deste ramo do conhecimento jurídico.
Aliás, bem esclarece Machado (2004, p. 11) que:
Não é necessário que o conceito de serviço esteja no Direito privado. Muito menos que ele esteja definido em norma do Direito privado. Para que ele não possa ser alterado pelo legislador tributário basta que esteja, como está, na Constituição Federal, pois sua alteração pelo legislador implica evidente alteração da norma da Constituição na qual está albergado (MACHADO, 2004)
Foi com base nessa compreensão que o STF sustentou o entendimento de que foge da competência municipal a tributação sobre locação de bens móveis, visto não se verificar a existência de um fazer, mas sim a entrega de um bem. No julgamento do leading case RE 116121, de relatoria do Ministro Octavio Gallotti, julgado em outubro de 2000, o STF esposou que:
A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional.
O referido entendimento, inclusive, restou cristalizado na edição do enunciado de nº 31 da súmula vinculante do STF, cuja redação estabelece que: é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis. Machado (2004, p. 6) esclarece em síntese o entendimento adotado pela Corte naquela ocasião:
“...a) a qualificação da locação de bens móveis como serviço configura inadmissível e arbitrária manipulação, por lei complementar, da repartição constitucional das competências impositivas, eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações de fazer; ( Ministro Celso de Mello, voto no citado julgamento, em Revista Tributária e de Finanças Públicas, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, julho/agosto de 2001, pág. 268)
b) a locação de bens móveis não pode ser qualificada como serviço porque não envolve a prática de atos que consubstanciam um praestare ou um facere; (Ministro Celso de Mello, voto no citado julgamento, em Revista Tributária e de Finanças Públicas, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, julho/agosto de 2001, pág. 268).
c) não tem importância o fato de não haver sido alegada a inconstitucionalidade de que se cuida há muito tempo, ou por muitos contribuintes, porque isto é uma questão de exercício da cidadania, e com certeza a inconstitucionalidade de uma lei não pode ser aferida pela proporção em que é alegada ( Ministro Marco Aurélio, voto no citado julgamento, em Revista Tributária e de Finanças Públicas, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, julho/agosto de 2001, pág. 269, parte final)
Em que pese a Corte não ter demonstrado uma completa superação do referido entendimento, visto que a aludida súmula continua vigente, somado ao fato de que o STF não teve a oportunidade de revistar a especificamente referida discussão, pode-se observar que o Tribunal tem indicado uma alteração no seu posicionamento relativo ao alcance da expressão “serviços de qualquer natureza”, apresentando uma leitura mais ampla do termo e, segundo a Corte, “mais consentânea com a realidade econômica atual”.
Precedentes do STF tem indicado a adoção de um posicionamento segundo o qual os serviços não estão limitados às obrigações de fazer, atingindo um leque mais amplo de operações, implicando assim:
“...oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador” (Recurso Extraordinário 651703 / PR)
Nesse território, há alguns casos dignos de citação para fins de análise e melhor compreensão do tema. Trata-se da própria discussão acerca da incidência do imposto no caso dos programas de computador; o das operações de leasing; das atividades realizadas pelas operadoras de planos de saúde e das operações decorrentes de contrato de franquia. No RE 651.703, em que se discutia a constitucionalidade do imposto nas atividades dos planos de saúde, o voto do Ministro Luiz Fux, relator do recurso, deixou clara a exposição de que ocorreu uma superação da dicotomia “dar” e “fazer” para fins de análise da materialidade do ISS, sendo esta insuficiente para dirimir a problemática. Segue trecho relevante do voto, em que tal posicionamento é melhor exposto:
Ainda que a contraposição entre obrigações de dar e de fazer para fins de dirimir o conflito de competência entre o ISSQN e o ICMS seja utilizada no âmbito do Direito Tributário, à luz do que dispõem os artigos 109 e 110, do CTN, novos critérios de interpretação têm progressivamente ganhado espaço, permitindo uma releitura do papel conferido aos supracitados dispositivos.
(...)
Desta sorte, conclui-se que, embora os conceitos de Direito Civil exerçam um papel importante na interpretação dos conceitos constitucionais tributários, eles não exaurem a atividade interpretativa.
(…)
Com efeito, a classificação das obrigações em ‘obrigação de dar’, de ‘fazer’ e ‘não fazer’, tem cunho eminentemente civilista. De fato, a disposição no Título ‘Das Modalidades das Obrigações’, no Código Civil de 2002 (que seguiu a classificação do Código Civil de 1916), em: (i) obrigação de dar (coisa certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii) obrigação de fazer (arts. 247 a 249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts. 250 e 251, CC), não é a mais apropriada para o enquadramento dos produtos e serviços resultantes da atividade econômica, pelo que deve ser apreciada cum grano salis.
(…) Porquanto, a Suprema Corte, no julgamento dos RREE 547.245 e 592.905, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de leasing financeiro e leaseback sinalizou que a interpretação do conceito de ‘serviços’ no texto constitucional tem um sentido mais amplo do que tão somente vinculado ao conceito de ‘obrigação de fazer’, vindo a superar seu precedente no RE 116.121, em que decidira pela adoção do conceito de serviço sinteticamente eclipsada numa obrigação de fazer.
Por decorrência lógica, a utilização da expressão ‘de qualquer natureza’ no art. 156, III, da CRFB/88, para conferir maior amplitude semântica a termo a qual leve a ampliação de competência tributária não é novidade na carta constitucional (…) Sob este ângulo, o conceito de prestação de serviços não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestados com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador. (Recurso Extraordinário 651703/PR)
Como já citado, entendimento semelhante foi seguido no caso dos contratos de leasing financeiro e leaseback (RE 547.245 e RE 592.905); bem como no caso dos contratos de franquia (RE 603136). Contudo, da leitura da ratio decidendi dos julgados, parece que o fator relevante para a construção do entendimento foi justamente o fato de que essas atividades não apresentam necessariamente um “fazer” ou um “dar”, mas sim um complexo de atividades, ou seja, um “dar” que também compreende um “fazer”, todos necessários a consecução do contrato. E, dessa maneira, se entendeu por bem que o ente tributante teria competência para tributar as manifestações de riqueza de cada uma dessas atividades. Nesse sentido, no voto condutor do RE 603136, foi ressaltado que:
Entretanto, como as atividades realizadas pelas operadoras de planos de saúde foram consideradas de natureza mista (isto é, englobam tanto um “dar” quanto um “fazer”), não se pode afirmar que tenha havido – ainda – uma superação total do entendimento de que o ISS incide apenas sobre obrigações de fazer, e não sobre obrigações de dar. Pode-se assentar, contudo, que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o ISS incide sobre atividades que representem tanto obrigações de fazer quanto obrigações mistas, que também incluem uma obrigação de dar. (RE 603136)
O caso das operações com programas de computador também foi influenciado por essa mudança de posicionamento do STF, o que, no entanto, será tratado em tópico próprio.
O aludido posicionamento do STF, em que pese louvável por buscar compreender a realidade econômica e inserir novas fontes interpretativas, não é de todo imune a críticas. A primeira delas: seria possível ignorar a fonte civilista da interpretação que defende a existência de uma dicotomia entre “dar” e “fazer”, ao ponto de se investigar uma compreensão essencialmente econômica dessas atividades “híbridas”? Parece que não. E tampouco se pode afirmar que a Corte se divorciou da importância dessa dicotomia.
Como aludido acima, não cabe ao intérprete definir o que é serviço para fins de tributação do ISS, mas sim revelar, a partir de seu significado no direito privado, quais operações se enquadram corretamente nesse conceito (ou nessa tipologia). À luz do art. 110 do CTN, não poderia a Corte estabelecer um “conceito de serviços para fins exclusivo de tributação do ISS” sem que isso tenha uma comunicação explícita com o significado usual do termo para o direito privado. Assim, continua contundente a observação feita por Machado (2004), ao indicar que o veto presidencial no item 3 da lista anexa à lei complementar nº 11/2003 deveria ter abrangido todos os itens relacionados a “locação”, “cessão de direitos de uso e congêneres”, visto que, essencialmente, trata-se da mesma espécie de negócio jurídico.
Logo, quando se depara com uma questão jurídica que demanda verificar o conceito (ou tipologia) de serviços de qualquer natureza para fins de tributação do ISS, inevitável se valer das lições de direito privado, as quais informam a importância da dicotomia entre “fazer” e “dar”. Nesse sentido, concorda-se com Ataliba (1987, p. 7) quando expôs que:
O conceito de serviço, que compõe a hipótese de incidência do ISS dos Municípios brasileiros, corresponde ao conceito constitucional de serviço, atribuído à competência tributária municipal. Vale dizer, é prestação resultante de obrigação de fazer porque definido como prestação decorrente de fornecimento de trabalho (esforço humano), com conteúdo econômico, em caráter negocial e sob regime de Direito Privado (por empresa ou profissional autônomo, como atividade econômica com objetivo de lucro).
Desta feita, quando se abordar acerca dos programas de computador (software) ter-se-á em mente as aludidas premissas.
4 O CRITÉRIO MATERIAL DO ICMS
O art. 155, II, atribui aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.
O ICMS revela-se em diferentes hipóteses de incidência. Para os fins deste trabalho, haverá enfoque na descrição “circulação de mercadorias”. Villen Neto explica que “operações” podem ser compreendidas como (2003, p. 245):
(...) atos ou negócios jurídicos em que ocorre a transmissão de um direito. Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam a circulação de mercadorias
Já Ataliba (1990, p. 74) esclarece com precisão que “circular significa para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos”. Carrazza (2020, p. 36-37) ensina que “o ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos consumidores finais”.
Para a discussão objeto deste artigo, muito se deve às controvérsias envolvendo o conceito de “mercadoria”, visto que a classificação do programa de computador como tal tem impacto direto no critério subjetivo do consequente da regra matriz, ou seja, se compete de fato ao Estado a cobrança do referido imposto sobre os fatos jurídicos que envolvam esses softwares.
Compreendem mercadoria os bens móveis postos em comércio, ou seja, quando estes são objeto de mercancia, sendo assim utilizados com o intuito de fazer parte da economia, na maioria das vezes, com a intenção de lucro, ou ao menos, superávit. Aliomar Baleeiro (1977), citando J. X. Carvalho de Mendonça, leciona que as coisas, ao circularem economicamente, tornam-se mercadorias, perdendo essa característica logo quando passam ao domínio do consumidor, que as utiliza em interesse próprio.
É comum na doutrina especializada encontrar o adjetivo “corpóreo” acompanhando a descrição de mercadoria, dando a entender que os bens incorpóreos ou imateriais estariam excluídos dessa categoria jurídica. No entanto, ainda mais comum é a concordância de que a Constituição incluiu no critério material do ICMS as operações com bens incorpóreos, na medida em que trata da energia elétrica como mercadoria em seu art. 155, § 3º. Nesse sentido, confira-se esta passagem de Melo (2009, p. 17):
‘Mercadoria’, tradicionalmente, é bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para o consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso do ativo permanente.
Este conceito sofreu ampliação constitucional ao submeter o fornecimento de energia elétrica (coisa incorpórea) ao âmbito de incidência do ICMS, enquadrando-o no espectro mercantil (art. 155, § 3º, CF).
O mesmo autor, contudo, apresenta ressalvas quanto a classificação dos softwares enquanto mercadorias (idem, p. 17-19). Outros autores, por sua vez, admitem não só a relevância existência de bens incorpóreos para fins de incidência do ICMS, mas como também entendem que os programas de computador, objeto de comércio, devem receber idêntico tratamento dos bens tradicionalmente conhecidos como corpóreos, a exemplo de Sturts (2004).
Conforme será analisado em tópico próprio, o STF possui precedentes nos quais apresenta o conceito de mercadoria vinculado à corporeidade, eliminando, assim, os bens digitais do âmbito de incidência do ICMS – este entendimento, porém, sofreu modificações no tempo, ao passo que o STF passou a admitir os bens obtidos via download abrangidos pela competência estadual. No julgamento do RE 176.626, o Ministro relator Sepúlveda Pertence consignou que:
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador matéria exclusiva da lide, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo como a do chamado software de prateleira (of the shelf) os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio
Perceba-se que, naquela oportunidade, não só a Corte entendeu que o bem incorpóreo não é mercadoria, mas também que o corpus mechanicum – ou seja, o suporte físico, a mídia do software – seria requisito essencial para que se pudesse legitimar a incidência do ICMS sobre a operação. Será analisado em tópico próprio como a Corte superou tal entendimento, deixando à margem a dicotomia entre software obtido via download e os chamados ‘de prateleira’ (off the shelf).
O que importa para o presente artigo é que, de fato, a Constituição parece ter adotado uma tipologia mais ampla para o conceito de mercadoria, a qual pode envolver tranquilamente os bens incorpóreos, a exemplo da energia elétrica. Afinal, a própria lei civil considera como móveis, para efeitos legais, ‘‘as energias que tenham valor econômico’’. Contudo, ao que indica, a regra matriz do ICMS também exige que o objeto da operação possa circular, ou seja, que seja possível a alteração da titularidade sobre o bem, ainda que digital, e, como se verá adiante, não se encontra tal característica nas operações envolvendo a utilização de softwares – o que se estende inclusive aos denominados ‘de prateleira’.
4 A TRIBUTAÇÃO DOS SOFTWARES
Estabelecidas as premissas acerca do sistema de repartição de competência previsto na Constituição Federal de 1988 e traçados rumos interpretativos acerca do critério material do ISS e do ICMS, para fins tributação das atividades envolvendo serviços e/ou mercadorias, resta analisar a tributação dos programas de computador em si, a fim de investigar uma possível solução ao conflito de competência entre Municípios e Estados.
Primeiramente, pertinente responder: o que vem a ser um software?
4.1 O CONCEITO DE SOFTWARE E SEU TRATAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO
Segundo o dicionário Michaelis (2022), software (palavra de etimologia inglesa) significa: ‘‘qualquer programa ou grupo de programas que instrui o hardware sobre a maneira como ele deve executar uma tarefa, inclusive sistemas operacionais, processadores de texto e programas de aplicação’’, também sendo aceita a definição ‘‘qualquer programa de computador, especialmente para uso com equipamento audiovisual’’.
De forma extremamente simplificada, o software é um código que instrui um computador a como realizar determinada tarefa.
A legislação brasileira conta com uma disciplina própria da matéria. Trata-se da Lei n. 9.609, de 19 fevereiro de 1998, cunhada de Lei do Software, que assim o define, logo em seu artigo 1 º:
Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
Também é possível encontrar disciplina jurídica aos programas de computador na Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata da regulação dos direitos autorais. O artigo 7 º do aludido diploma dispõe que obras intelectuais são ‘criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: ... os programas de computador’. Em se tratando de terminologia, já se evidencia uma primeira controvérsia: enquanto a lei do software estabelece a necessidade de um suporte físico para que este venha a ser caracterizado, a Lei dos Direitos Autorais prevê que este pode ser fixado em qualquer suporte, físico ou intangível.
LOPES (2016) bem destaca que a Lei do Software, na verdade, prevê quatro formas distintas de contratação envolvendo programas de computador, sendo estas: desenvolvimento de software por encomenda; transferência de tecnologia; licença de uso; e licença de direitos de comercialização, sendo a licença de uso, de fato, a mais comum. Não obstante, em quaisquer dessas hipóteses, não se observa, propriamente, a transferência do direito de propriedade intelectual, mas sim, uma utilização de bens de terceiros com limitações (idem, p. 167).
Nesse sentido, também se concorda com MELO (2015, p. 252), quando descreve que:
Conceitualmente, as cessões de direito – onerosas ou gratuitas, temporárias ou definitivas -, não constituem serviços, uma vez que não representam efetivo esforço humano em benefício de terceiros.
Tem como característica, a substituição de um dos contratantes, ou do devedor ou do credor (dependendo da fase do contrato), por um terceiro. O cedente (titular do direito – contratante originário) não presta nenhum serviço ao cessionário (beneficiário do direito), que, simplesmente, passa a substituí-lo no direito à utilização de um bem.
O primeiro julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo a tributação do software, datado de 1993, também se apegou a tais conceitos para definir que ‘‘o programa de computador não é vendido. Sua exploração econômica é através de ‘contratos de licença ou de cessão...’’.
4.2 TRAGETÓRIA DA TRIBUTAÇÃO DO SOFTWARE SEGUNDO OS TRIBUNAIS SUPERIORES
Como já afirmado, o primeiro julgado do STJ (REsp 39797) acerca da tributação do software data de 1993 e, naquela oportunidade, a primeira turma da Corte Superior entendeu caber apenas a tributação a título de ISS, afastando-se a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias.
Já em 1996, o tema volta à discussão, mas dessa vez sob os olhares dos Ministros da segunda turma, o STJ trouxe à baila o criticado conceito dos programas de computadores vendidos ‘‘em larga escala e de maneira uniforme’’ em contraposição dos softwares por encomenda, sendo aqueles em que são desenvolvidos de forma personalizada. Assim, no julgamento do RMS 5934/RJ, a Corte compreendeu que ‘‘a atividade intelectual existe apenas na fabricação do software, pois quando o usuário opera com estes programas, ele não está utilizando um serviço, mas sim uma mercadoria’’.
Nesse momento embrionário da discussão, a ideia de trabalho intelectual surge apenas no momento de criação do software, após isso, quando o programa é livremente comercializado – aqui, o voto conduto cita programas como Windows, Word e OS/2 – passa a possuir as mesmas características de uma mercadoria.
O STF viu com bons olhos a dicotomia inaugurada pelo STJ, tanto é que no julgamento do RE 176626, em 1998, o voto condutor do Ministro Sepúlveda Pertence deixou consignado que (1) software não é mercadoria, por lhe faltar o suporte físico, mas sim um (2) bem imaterial, objeto de contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, não podendo as operações envolvendo programas de computador serem atingidas pela tributação a título de ICMS; o que, no entanto, (3) não afasta a possibilidade tributação, em ICMS, dos chamados softwares de prateleira, quando produzidos em larga escala, os quais ‘‘materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio’’.
O entendimento então passa a ser ratificado pela Corte no ano seguinte, no julgamento do RE 199.464, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, e em 2008, no julgamento do RE 285870 AgR.
Após uma década de pacificação da tese, é certo que o avanço tecnológico alcançou proporções cada vez mais acentuadas e o mercado de softwares sofreu modificações significativas, com grande destaque para o aumento no uso de download como meio de obtenção dos programas de computador. Ou seja, os programas distribuídos em larga escala, em mídia física, passaram a ser utilizados pelos usuários através de transferência eletrônica de dados, dando ares de obsolescência ao entendimento até então defendido pelo STF.
Foi nesse contexto que a Corte Suprema esposou um novo ponto de vista acerca da questão: no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 1.945/MT, de relatoria do Min. Octavio Gallotti, datado de 26/05/2010, entendeu-se que o meio pelo se veiculam os softwares vendidos em larga escala é irrelevante para fins de incidência do ICMS, logo este imposto também incidiria sobre as operações de programas de computador ‘‘adquiridos’’ através de transferência eletrônica de dados.
O grande apelo dos argumentos travados no julgamento diz respeito à similitude que há, por exemplo, entre a venda de um CD contendo os dados do software e a aquisição do mesmo conjunto de códigos através de um download. Para os Ministros – e isto, de fatos, não se pode negar – é que não haveria razão jurídica suficiente para defender a incidência do ICMS no caso das mídias físicas e descartá-la, com relação à transferência eletrônica de dados.
Não obstante, o julgado padece de algumas impropriedades, na medida em que se deixou de lado a importância do contrato de licença de uso do software, que, como já afirmado, é inapto a promover a circulação do programa de computador. Nesse caso, deve-se concordar que, se deve haver alguma tributação sobre as operações envolvendo a licença ou cessão de uso do software, este fato – licenciamento ou cessão – é que deve ser o relevante e preponderante, para a finalidade de determinar o tributo devido, deixando-se em segundo grau de importância o respectivo suporte físico. Aliás, a Corte já sinalizou entendimento consentâneo com esse raciocínio, ao admitir a imunidade sobre livros eletrônicos e outras mídias distintas do papel, mas que veiculam a noção de livro.
É possível evidenciar uma terceira linha jurisprudencial adotada pelo STF, sendo este seu posicionamento mais recente. Em 2021, a Corte apresentou uma virada jurisprudencial, voltando a defender a incidência do ISS nas atividades envolvendo licença ou cessão de uso de softwares. No julgamento da ADIs 1.945/MT e 5.659/MG, o STF passa a sustentar uma superação da distinção entre software padronizado (comercializado em larga escala) e os ‘de prateleira’; bem como a sinalizar a insuficiência da dicotomia das obrigações de “dar” e “fazer” para fins de determinação do imposto incidente.
Adicionalmente, a Corte esposa ainda alguns argumentos novos ao julgamento da controvérsia:
a) O conflito de competência em questão foi dirimido pelo legislador complementar, com fundamento no disposto nos arts. 146, I, e 156, III, da Constituição Federal, ao elencar no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à lei complementar nº 116/03, que traz a seguinte descrição - licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação -, assim, conclui-se, segundo o raciocínio empregado pela Corte, que a Constituição Federal incumbiu ao legislador complementar a tarefa de esclarecer acerca da tributação sobre programas de computador, de forma que a questão se resolveria de forma objetiva;
b) A “velha” dicotomia entre obrigação de “dar” e “fazer” estaria superada pelo entendimento da Corte, sobretudo naqueles casos em que se está diante de contratos complexos, que contém um feixe de obrigações e contraprestações. Logo, considerando que há esforço humano na confecção do software, bem como há serviços conexos ao licenciamento e cessão de uso, tais como, helpdesk, manuais, atualizações e outras funcionalidades previstas, e, ainda, a modalidade software-as-a-service (Saas). De forma didática, segue trecho do voto do Ministro relator no julgamento ADI 5.659/MG:
Ou seja, considerando-se a LC nº 116/03 e o critério adotado pelo próprio legislador complementar, não vislumbro como deixar de se aplicar o ISS às operações com programas de computador, notadamente tendo em vista o fato de que, a meu sentir, o legislador não desbordou do conceito constitucional de “serviços de qualquer natureza”
Note-se que essa solução atende às diretrizes estabelecidas no direito comparado. Com isso: a) não há criação de novo tributo, mas simplesmente a utilização de um já existente, o ISS, para se tributarem as operações com programas de computador; b) atende-se à neutralidade e ao preceito da não discriminação , haja vista que a LC nº 116/03 não , haja vista que a LC nº 116/03 não distingue se a transferência por meio do contrato de licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador ocorrem por meio físico ou eletrônico; c) preserva-se a segurança jurídica , mantendo-se a , mantendo-se a orientação clara já constante do subitem 1.05 da lista em referência e as obrigações decorrentes da mesma lei complementar.
Associo a esse critério objetivo, positivado no direito nacional, a noção de que a elaboração de um software é um serviço que resulta do esforço humano, seja o software (i) feito por encomenda, voltada ao atendimento de necessidades específicas de um determinado usuário; (ii) padronizado, fornecido em larga escala no varejo; (iii) customizado, o qual contempla características tanto do software padronizado quanto do software por encomenda; iv) disponibilizado via download, cujo instalador é transmitido eletronicamente de um servidor remoto para o computador do próprio usuário; (v) disponibilizado via computação em nuvem.
O mesmo entendimento foi ratificado no julgamento da ADI 5.576/SP e no RE 688.223/PR.
Assim, em resumo, pode-se sistematizar a evolução da jurisprudência do STF acerca da matéria em três momentos (ou fases):
Importância do corpus mechanicum: nesse momento inicial, inspirado principalmente pelas considerações no Min. Sepúlveda Pertence no julgamento do RE 176626, a Corte sinalizou a importância do suporte físico (corpus mechanicum) como critério para aferir a incidência do ICMS. Enquanto o software em si não pudesse ser considerado como mercadoria, por ser bem incorpóreo, este adquire essa característica – de mercadoria – a partir do momento em que é comercializado em larga escala através de disquetes, CD-ROM, entre outros. No entanto, permaneciam sujeitas à tributação do ISS as operações dos chamados softwares por encomenda, em que se verifica verdadeira obrigação de fazer.
O entendimento é, de fato, obsoleto, visto que o avanço tecnológico tem deixado à margem as operações com suporte físico, ganhando cada vez mais espaço a utilização do programa de computador através da transferência eletrônica de dados. Contudo, o posicionamento peca principalmente ao dar maior importância ao suporte físico, pelo qual se veicula o software, do que o conteúdo da operação, que não ganha ares de venda de mercadoria só porque está sendo transmitida através de uma mídia distinta.
Adoção do conceito de mercadoria incorpórea: aqui se evidencia um ponto de inflexão no entendimento do STF. A partir da noção de que devem os programas de computador padronizados serem tributados pelo ICMS, estendeu-se tal entendimento para abarcar também as aquisições através de download. Apesar de louvável a busca da Corte por um entendimento que busque a neutralidade fiscal, fica patente que as premissas do julgado apresentam falhas. Num primeiro lugar, já não se poderiam considerar as operações com software como mercadorias, não pelo fato de serem bens incorpóreos, mas por faltar a essas operações a circulação, que é característica dos fatos imponíveis do imposto. No licenciamento de uso ou cessão, o que ocorre é a simples utilização de bens de terceiro, não havendo – evidentemente – circulação de qualquer bem.
Licença e cessão de uso de software como serviço listado pela lista anexa da LC 116/03: o posicionamento atual do STF, conforme destacado acima, adotou um critério objetivo para resolução da controvérsia. Entendeu-se que a Constituição Federal atribuiu ao legislador complementar a tarefa de dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária (art. 146, I), mister que teria sido atendido através do item 1.05 da lista anexa à lei complementar n. 116/03 que incluiu como serviço tributável pelo ISS o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”.
De fato, de todos os posicionamentos do STF acerca da matéria, este é o que apresenta maior profundidade teórica e técnica, podendo-se destacar ainda o fato de que a Corte buscou uma solução à controvérsia no âmbito interno da própria Constituição, sem precisar estender braços a argumentos de viés estritamente econômico.
Contudo, o entendimento não é imune a críticas, sendo o propósito acadêmico deste trabalho evidenciar as complicações que o precedente apresenta, conforme será abordado no tópico seguinte.
4.3 CRÍTICA AO POSICIONAMENTO ATUAL DO STF ACERCA DA TRIBUTAÇÃO DOS SOFTWARES
O novo entendimento do STF acerca da tributação de softwares, em que pese ter cumprido de forma satisfatória a função de pacificar a lide na qual estava inserida a controvérsia, ainda pode ser questionado do ponto de vista técnico jurídico, pelas seguintes razões:
A mera inclusão do licenciamento ou cessão de uso de programa de computador como subitem na lista anexa da lei complementar n. 166/03 não torna automaticamente legítima a escolha adotada pelo legislador. Conforme Baleeiro (1981, p. 445) registra de forma cristalina:
"A lei complementar supre a Constituição, mas não a substitui. Se esta instituiu um tributo, elegendo para fato gerador dele um contrato, ato ou negócio jurídico, o legislador não pode restringir, por via complementar, o campo de alcance de tal ato ou negócio, nem dilatá-lo a outras situações. A
menção constitucional fixa rígidos limites. Atos de transmissão de propriedade imóvel, p. ex., são os do Direito Privado, todos eles. Nenhum outro senão eles.
"As tentações mais freqüentes, a julgar pela experiência no regime das Constituições anteriores, provirão dos legisladores estaduais e municipais, para alargamento das respectivas competências."
Portanto, a adoção do critério objetivo não pode afastar do crivo constitucional a própria previsão do subitem. Para que fique claro: o legislador complementar não tem liberdade para dispor na lista anexa de atividades que não se classificam como serviços em sua utilização usual. Analisando os julgados do STF acerca da matéria, parece que a avaliação precisa da constitucionalidade do subitem foi relegada a um plano secundário.
Não se quer com isso afirmar que os conceitos (ou tipos) sejam estanques, ou que estes não possam evoluir no tempo. Contudo, ocorre que também não se pode afastar a importância do conceito para a aplicação do direito e para a construção duma linguagem jurídica concisa e previsível.
Nesse sentir, não parece que a dicotomia entre obrigação de “dar” e “fazer” tenha perdido completamente sua importância para a interpretação do direito, afinal, são expressões consagradas pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil para designar relações jurídicas obrigacionais com traços e características próprias, fato que não pode ser afastado para fins exclusivamente tributários, conforme leciona o art. 110 do CTN.
Também não parece que o STF abandonou completamente tal entendimento, visto que a súmula vinculante nº 31 continua em vigor. Aliás, como bem explica o voto vencido do Min. Marco Aurélio no julgamento da ADI 3.142 – comentário com o qual se concorda plenamente:
Não houve, a meu ver, inequívoca superação do modelo civilístico, na contramão do entendimento do Supremo construído no passar dos anos. A despeito de referir-se à construção de compreensão elastecida quanto ao alcance do conceito de serviço, a sempre ilustrada maioria concluiu no sentido de figurar, no núcleo do negócio entabulado entre operadora de plano de saúde e usuário, obrigação de fazer consubstanciada na disponibilização de rede credenciada e garantia da cobertura de sinistros ao contratante, e não situação de contrato de seguro, como por mim assentado. Mesmo que se diga ter o Tribunal conferido interpretação ampliativa ao vocábulo “serviço” constante no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, articular com a completa superação da óptica relativa à necessidade de demonstração de um fazer a respaldar a incidência do ISS é passo demasiado largo. Do contrário, como justificar a permanência da eficácia do verbete vinculante nº 31 da Súmula do Supremo até os dias de hoje?
O que se estabeleceu, na verdade, foi uma flexibilização dessa dicotomia em face dos contratos chamados complexos, em que se verificam tanto obrigações de dar, quanto de fazer. Nesse caso, contudo, a orientação do STF é de que só se dê a tributação a título de ISS caso não seja possível discriminar as operações de “dar” e “fazer”.
Surgem razoáveis dúvidas quanto à possibilidade de tributação de software, com fundamento na existência de atividades anexas como helpdesk e manuais. Trata-se de atividades acessórias e acidentais à manutenção do contrato licenciamento ou cessão de direito de uso. Seria possível justificar o alcance da suposta hipótese de incidência “licenciamento ou cessão de direito de uso”, com fundamento em atividades anexas? Parece que esta não é a resposta mais adequada à controvérsia.
O “fazer” relacionado a essas atividades complementares, tais como atualização do programa, atendimento ao cliente e fornecimento de manuais, não é preponderante, da mesma forma que se reconhece que “não são operações mistas aquelas cujo objeto seja um fazer para dar, em que o fazer constitui apenas meio para a produção e colocação do bem à disposição do comprador, incidindo sempre o ICMS” (PAULSEN, 2017, p. 1537).
Ainda, o “fazer” relacionado com a elaboração do software não pode justificar a tributação do licenciamento ou cessão de uso do direito, pois aquele se trata de uma fase intermediária, enquanto a contratação se dá pelo programa de computador já finalizado (ou apto ao uso). Ora, toda e qualquer mercadoria surge a partir de um esforço humano, contudo, isso não traz como implicação que a transmissão desse bem se tornará uma prestação de serviço para fins de tributação.
Seguindo essa meada, verificou-se que a contração de operações envolvendo softwares se dá através de licenciamento ou cessão de direito uso, que, por sua vez, possuem significado próprio na linguagem jurídica, abrindo pouca margem para se tenha em vista uma verdadeira prestação de serviço, fruto do esforço humano e capaz de se caracterizar como serviço.
Quando se realiza o download de um software, está-se adquirindo o direito ao uso de um código, uma linguagem que será “traduzida” por um computador para a realização de determinada tarefa. Hipoteticamente, se um programa de computador é baixado e instalado por milhares de pessoas ao mesmo tempo, pode-se dizer que há um esforço humano prestado a todas essas pessoas que se utilizam do software, ou seria mais condizente afirmar que se está disponibilizando o uso de algo, cuja criação dependeu de um esforço humano anterior, desvinculado do produto final?
Se não há esforço humano, então de onde viria o serviço? O computador seria o prestador?
Acredita-se que, na verdade, não há serviço prestado, justamente porque inexiste efetivo esforço humano. As atividades acessórias, tais como atualizações e suporte, são completamente acidentais e não-preponderante, ou seja: o conceito de programa de computador ou sua contratação não dependem delas para existirem.
Logo, tem-se que não há que falar em incidência de ISS sobre os contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de software, justamente por lhes faltar adequação à descrição da regra matriz de incidência do imposto, qual seja, a prestação de serviço.
6 CONCLUSÃO
Com base nos fundamentos delineados ao longo deste trabalho, pode-se afirmar de forma conclusiva que:
a) A Constituição Federal de 1988 adota um sistema rígido de repartição de competências tributárias, segundo o qual é atribuída a cada ente uma parcela da prerrogativa de instituir determinado tributo apto a atingir um campo de incidência exclusivo, afastando a sobreposição de competências sobre um mesmo conjunto de fatos;
b) Decorre daí que a competência para tributar determinada atividade deve decorrer necessariamente da Constituição Federal, a qual estipula conceitos (ou tipos) para descrever o arquétipo do critério material das respectivas hipóteses de incidências, cabendo ao legislador infraconstitucional, em especial ao complementar, delinear tais hipóteses em completa consonância com o Texto Maior, cujos conceitos (ou tipos) não podem ser alargados ou restringidos arbitrariamente, sob pena de extrapolar os limites da competência atribuída ao ente;
c) Observou-se que o atual figurino constitucional não permite a incidência de ICMS sobre as operações envolvendo os contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de programa de computador, não pelo fato de se tratar de um bem incorpóreo, mas por lhes faltar a ocorrência de circulação jurídica, i.e., mudança de titularidade;
d) Por outro lado, evidenciou-se também que as atuais regras atributivas de competência não autorizam aos Municípios a exigir o ISS sobre os contratos de licenciamento ou cessão de uso de programa de computador, visto faltar-lhes adequação à descrição do critério material da regra matriz de incidência, sendo esta, neste caso, a prestação de serviços, dado que essa espécie de contratação, na disciplina do direito privado, implica mera substituição de um dos contratantes no direito de uso bem, não implicando esforço humano classificável como serviço;
e) Por fim, foi demonstrado que o atual posicionamento do STF com referência à tributação dos softwares não dá correta análise à constitucionalidade do subitem 1.05 da lei complementar nº 116/03, nem apresenta contundentes argumentos no sentido de que houve superação da dicotomia entre obrigação de “dar” e “fazer” para fins de incidência do ISS, gerando, assim, uma incongruência interna no entendimento da Corte, visto que a súmula vinculante nº 31 permanece vigente; além disso, verifica-se que as atividades anexas aos contratos de licenciamento e cessão de direito de uso de software não preponderantes e, portanto, insuficientes para justificar a tributação de atividades envolvendo programas de computador.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma). Recurso Extraordinário 176626 / SP - SÃO PAULO. Questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" " matéria exclusiva da lide ", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. Relator (a): Sepúlveda Pertence, 10 de nov. 1998. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=222535. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação direta de inconstitucionalidade 3142/DF. Direito Tributário. ISS. Relações mistas ou complexas. Orientação da Corte sobre o tema. Subitem 3.04 da lista anexa à LC nº 116/03. Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza. Interpretação conforme. Necessidade de as situações descritas integrarem operação mista ou complexa. Local da ocorrência do fato gerador. Ausência de violação dos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Relator (a): DIAS TOFFOLI, 05 de agosto de 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754064931. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta De Inconstitucionalidade 5659/Minas Gerais. Lei nº 6.763/75-MG e Lei Complementar Federal nº 87/96. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc.). Distinção entre software sob encomenda ou padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer. Insuficiência. Modulação dos efeitos da decisão. Relator (a): Dias Toffoli, 24 de fev. 2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755910810. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta De Inconstitucionalidade 5576/SP - São Paulo. Incidência de ISS ou ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador. Relator(a): Min. Roberto Barroso, 03 de ago. 2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=757197027. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta De Inconstitucionalidade 1945 / MT - MATO GROSSO. Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado de Mato Grosso. ICMS-comunicação. Atividades-meio. Não incidência. Critério para definição de margem de valor agregado. Necessidade de lei. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). Distinção entre software sob encomenda e padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer. Insuficiência. Modulação dos efeitos da decisão. Relator(a): Min. Cármen Lúcia, 24 de fev. 2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755910765. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Medida Cautelar Na Ação Direta De Inconstitucionalidade 1945 MC / MT - MATO GROSSO. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Tributário. ICMS. Relator(a): Min. Octavio Gallotti, 26 de mai. 2010. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=620411. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 688223/PR – PARANÁ. Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Constitucionalidade. Precedentes do Tribunal Pleno. Relator (a): Dias Toffoli, 06 de dez. 2021. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=759454168. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 330817/RJ - RIO DE JANEIRO. Imunidade objetiva constante do art. 150, VI, d, da CF/88. Teleologia multifacetada. Aplicabilidade. Livro eletrônico ou digital. Suportes. Interpretação evolutiva. Avanços tecnológicos, sociais e culturais. Projeção. Aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers). Relator (a): Dias Toffoli, 08 de mar. 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13501630. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 547245/SC - SANTA CATARINA. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá provimento. Relator(a): Min. Eros Grau, 02 de dez. 2009. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=609062. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 592905 / SC - SANTA CATARINA. Recurso Extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento Mercantil. Operação De Leasing Financeiro. Artigo 156, Iii, Da Constituição Do Brasil. Relator(a): Min. Eros Grau, 02 de dez. 2009. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=609078. Acesso em 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 603136 / RJ - RIO DE JANEIRO. Recurso extraordinário com repercussão geral. Tema 300. 2. Tributário. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. 3. Incidência sobre contrato de franquia. Possibilidade. Natureza híbrida do contrato de franquia. Reafirmação de jurisprudência. 4. Recurso extraordinário improvido. Relator (a): Min. Gilmar Mendes, 29 de mai. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752973152. Acesso em 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 651703 / PR – PARANÁ. Recurso extraordinário. Constitucional. Tributário. ISSQN. Art. 156, iii, CRFB/88. Conceito constitucional de serviços de qualquer natureza. Artigos 109 e 110 do CTN. As operadoras de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde) realizam prestação de serviço sujeita ao imposto sobre serviços de qualquer natureza-ISSQN, previsto no art. 156, iii, da CRFB/88. Min. Luiz Fux, 29 de set. 2016. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12788517. Acesso em 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário 116121 / SP - SÃO PAULO. TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. Relator(a): Min. Octavio Gallotti, 11 de out. 2000. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=206139. Acesso em: 18 jul. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante 31. É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis. Diário da Justiça Eletrônico de 17 dez. 2010. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula779/false. Acesso em: 19 jul. 2022.
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Graduando do Curso de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM);
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Douglas Ferreira da. Tributação de novas tecnologias: a tributação do consumo na economia digital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58928/tributao-de-novas-tecnologias-a-tributao-do-consumo-na-economia-digital. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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