FLÁVIA REGINA PORTO AZEVEDO [1]
(revisora)
RESUMO: O presente artigo propõe elaborar uma breve reflexão sobre a correlação entre o Direito de Família e o Direito Penal, bem como o Direito Constitucional. Por conseguinte, devido aos fundamentos e princípios presentes no tema será realizado uma análise do tema no Direito da Criança e do Adolescente. Nesta pesquisa busca-se delinear o conceito de guarda, bem como suas categorias, realizando uma delimitação dos tipos de guarda presente em nosso ordenamento jurídico e as exceções da escolha da guarda unilateral. Além disso, tem-se como objetivo elencar como a Lei Maria da Penha pode intervir na escolha da guarda dos menores após o divórcio e a dissolução de união estável. E, também, fulcral abordar o direito à convivência familiar, haja vista que se pautam pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, as condições psicológicas do genitor. Desse modo, busca-se de modo geral a importância desse tema e, de maneira breve, refletir sobre a vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes diante dessa situação.
PALAVRAS-CHAVE: Direito da Família. Guarda Compartilhada. Guarda Unilateral. Direito da Criança e do Adolescente. Violência contra a mulher. Lei Maria da Penha. Constituição Federal de 1988. Alienação Parental. Convivência familiar.
ABSTRACT: This article proposes to elaborate a brief reflection on the correlation between Family Law and Criminal Law, as well as Constitutional Law. Therefore, due to the fundamentals and principles present in the theme, an analysis of the theme will be carried out in the Law of Children and Adolescents protection. This research seeks to outline the concept of custody, as well as its categories, making a delimitation of the types of custody present in brazilian legal system and the exceptions to the choice of unilateral custody. In addition, the objective is to list how the Maria da Penha Law can intervene in the choice of custody of minors after divorce and the dissolution of a stable union. It is also crucial to address the right to family life, given that they are guided by Child and Adolescent Statute and the psychological conditions of the parent. In this way, the importance of this topic is generally sought and, briefy, a reflection on the vulnerability of children and adolescents in this situation.
KEYWORDS: Family Law. Custody Unilateral. Violence against women. Maria da Penha Law. Federal Constitution of 1988. Parental Alienation. Family coexistence.
1.INTRODUÇÃO
Primordialmente, no Direito de Família é fundamental disciplinar a responsabilidade parental com o objetivo de promover o desenvolvimento da criança e do adolescente de modo próspero, quando esses ainda são considerados incapazes e que, consequentemente, devem ter um cuidado maior de seus genitores.
Nessa perspectiva, na ideia de que o princípio da dignidade da pessoa humana presente na Carta Constitucional norteia o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, deve-se escolher a guarda que mais beneficia os filhos após divórcio ou dissolução de união estável.
Apesar de parecer uma escolha fácil decidir a guarda dos filhos, leva-se em consideração uma série de fatores que vão influenciar no crescimento dos menores ou na personalidade dos adolescentes. Isto é, fatores culturais, econômicos e políticos, que motivam e instigam atitudes da criança ao se deparar com a separação de seus pais.
Se visto de modo histórico, em uma linha temporal no Brasil, é sabido que desde o início dos tempos, o pai/homem sempre foi tido como chefe da família, sendo assim a pessoa que decidia tudo no seio familiar. Devido à isso, com as mudanças na contemporaneidade, como a ascensão do feminismo e o divórcio, a mulher/mãe passou a ter voz, e apesar de hoje ser visto como algo “mínimo”, nos anos 1950 corria o risco de nem ter contato mais com o filho, caso a mãe decidisse sair de casa.
No século XXI, a promulgação das Leis nº 11.698/2008 e nº 13.058/2014 registrou um grande avanço na história do Direito de Família, pois o legislador passou a impor medidas rígidas com a finalidade de buscar um equilíbrio maior na distribuição de responsabilidades entre pais e mães, e consequentemente, a ideia do pai provedor e da mãe cuidadora veem se deteriorando cada vez mais.
Ao tratar da guarda, leva-se em consideração como se deu o término do casamento ou da união estável, ou seja, como está sendo para os filhos o procedimento de divórcio e de dissolução da união estável. É uma razão importante para que o tipo de guarda seja decidido, uma vez que deve-se considerar se os genitores possuem um bom relacionamento, se o genitor ou a genitora possui problemas psicológicos e/ou agressivos, os quais podem ser maléficos aos filhos, se está ocorrendo alienação parental, se a genitora sofria violência doméstica, (entre outros fatores igualmente relevantes)
Isto é, é uma série de fatores determinantes que irão ajudar no procedimento do que será melhor para a criança e/ou adolescente, haja vista que a guarda é atributo do poder familiar e designa o modo de gestão da vida dos filhos, principalmente, após o desfazimento do vínculo conjugal ou convencional dos pais.
Nesse sentido, o presente artigo busca abordar de modo mais afinco a realidade de famílias do Brasil, as quais possuem problemas quando ocorre o divórcio ou a dissolução de união estável. Essas adversidades ocorrem devido à escolha da guarda, uma vez que é necessário se pautar pelo melhor interesse da criança e do adolescente e há casos em que a guarda compartilhada é a melhor alternativa, entretanto, pode ocorrer de a exceção ser a mais viável ao caso, qual seja, a guarda unilateral.
Por conseguinte, é fulcral entender os motivos que levam muitas mães a decidirem pela guarda unilateral em vez da guarda compartilhada, a qual hoje em dia é usada como regra.
E como ocorre a convivência familiar do genitor em casos que um dos motivos do divórcio ou da dissolução da união estável foi a violência doméstica sofrida pela ex-companheira? Neste caso, deve ocorrer restrição de visitas aos filhos? Quais são as consequências mentais e psicológicas para os filhos que vivenciaram as situações de violência sofridas pela mãe? O direito do genitor de ter a convivência com o filho e/ou filha em sua vida, prevalece caso venha trazer malefícios para a saúde física e mental da criança ou adolescente?
Assim sendo, trazer clareza e valor para este tema é necessário, já que está presente em milhares de famílias brasileiras, bem como mostra-se indispensável, haja vista que está ligado diretamente com as decisões dos juízes das varas de família.
É válido, ainda, compreender quando ocorrem situações de violência contra a mulher, como é feito a segurança dos filhos? Já que, muitas vezes, as crianças presenciam os abusos psicológicos e até físicos que a mãe sofre. Há consequências psicológicas trazidas à vida da criança ou do adolescente? Levando em consideração que há casos graves que envolvem medida protetiva e que a Lei Maria da Penha é acionada.
Nesse ínterim, é válido refletir se a guarda compartilhada deve ser aplicada mesmo em casos de violência contra à mulher, visto que deve haver especial ponderação entre o melhor interesse da criança e o direito de a mulher ter uma vida sem violência. Uma vez que o compartilhamento da guarda nesses casos faz com que haja a continuidade do vínculo entre homem e mulher, podendo fazer com que haja também a continuidade da situação de violência.
E, também, uma abordagem da questão do direito de visitas, ou seja, a convivência familiar e comunitária em casos de guarda compartilhada e guarda unilateral. Como também, elencar o pedido de alimentos em ambas as guardas e como o procedimento é feito.
2. GUARDA
Primordialmente, no Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 - a qual entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003 -, em sua redação original a guarda era atribuída a apenas um dos genitores, além disso o Art.1584 relatava que caso não houvesse acordo entre as partes na dissolução da união, a guarda dos filhos seria concedida a quem tivesse as melhores condições para exercê-la, ou seja, quem tivesse melhores condições econômicas de sustentar e “criar” a criança.
Nesse sentido, com as novidades legislativas em prol da família e da criança e do adolescente, em 2008 a Lei nº 11.698 alterou a redação dos Arts. 1.583 e 1.584 e a guarda compartilhada passou a existir de forma expressa na legislação brasileira. Mudando, assim, o destino de muitas famílias.
Com a possibilidade da guarda compartilhada no ordenamento jurídico, as decisões em prol dos filhos após o divórcio são pautadas nessas duas hipóteses: a guarda compartilhada ou a guarda unilateral. Ambas elencadas no Código Civil de 2002, conforme disposto no Art. 1.583:
Art.1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. §1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
Uma das grandes mudanças no Direito de Família é a Lei nº 13.058/2014 a qual foi sancionada em 22 de dezembro de 2014 e alterou a redação do Art. 1.584 §2º do Código Civil brasileiro, estabelecendo que mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho e ambos estiverem aptos a exercer o poder familiar, a guarda compartilhada será constituída. Ou seja, a guarda compartilhada é a regra e a guarda unilateral, portanto, a exceção.
Nesse sentido, no REsp: 1254000 MG 2011/0084897-5 a Ministra Nancy Andrighi explicitou que:
A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. (STJ, REsp: 1254000 MG 2011/0084897-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI).
Apesar de haver casos em que a alternativa mais benéfica e favorável é a guarda compartilhada, há circunstâncias em que a guarda unilateral tem prevalência, a qual é uma via restritiva que ocorre em casos específicos e que melhor irá atender à criança ou adolescente.
2.1. GUARDA COMPARTILHADA X GUARDA ALTERNADA
Entende-se que a guarda compartilhada é a guarda exercida por ambos os genitores, isto é, ambos possuem responsabilidades em relação ao filho, assim, possuem o dever de decidirem conjuntamente sobre questões relevantes da vida da criança. Assim, a escola, as atividades extracurriculares, as consultas médicas, resumidamente, todas as questões que envolvem o bem-estar da criança.
A Lei nº 13.058/2014 aborda de modo geral que a guarda compartilhada é usada como regra no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que entende que a responsabilidade deve ser de ambos os pais para com o filho, isto é, os dois devem ter obrigações e não tudo ficar à cargo de apenas um genitor.
O Desembargador Sérgio Fernando Vasconcellos, em uma decisão explicou a respeito da guarda compartilhada, proferindo:
A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica a disposição de cada genitor por um determinado período, mas uma forma harmônica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos; mas, quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida. (Apelação Cível Nº 70059147280, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, Julgado em 16/04/2014).
Nesse ínterim, é válido ressaltar, também, que na guarda compartilhada as despesas do filho devem ser divididas do modo mais equilibrado possível, de acordo com a renda e capacidade de cada um dos pais. Além disso, a guarda compartilhada não significa necessariamente a dupla residência e é importante observar o melhor interesse da criança quando for decidido a moradia, ou seja, qual dos pais moram próximo a escola, aos amigos da criança, das atividades extracurriculares e etc.
Já a guarda alternada, além de não possuir previsão legislativa no Brasil, é às vezes confundida com a guarda compartilhada, mesmo que ambas tenham características diferentes.
O Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, elenca a guarda alternada do seguinte modo:
Em outras palavras, na guarda alternada tem-se sucessivas guardas unilaterais ou exclusivas, exercidas pelo genitor que estiver com a custódia física naquele período. Afora a inexistência de previsão legal, penso que esse tipo de guarda não atende ao princípio do melhor interesse da criança, pois, além da mudança constante de residência, deixa a criança confusa, sem saber a que autoridade parental deve respeito, o que interfere nos seus hábitos valores e padrão de vida. (DELGADO. Mario Luiz. Guarda compartilhada ou Guarda Alternada).
Na guarda alternada, ocorre uma alternância na residência do seio familiar, ou seja, cada pai tem seu direito sobre o filho em sua própria casa, ou seja, cada genitor em sua residência ditará as regras e o filho viveria nas duas residências, de modo revezado. Esse modelo de guarda não se mostra a melhor escolha para a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes na visão da grande maioria dos doutrinadores.
2.2. GUARDA UNILATERAL
Na guarda unilateral, a criança ou o adolescente estará sob a autoridade de apenas um dos genitores, podendo ser o pai ou a mãe. Apenas um dos pais exercerá a guarda, tomando as decisões sozinho, decisões essas referentes à escola, atividades extraclasses, saúde, alimentação e etc. E, também, o genitor detentor da guarda será responsabilizado civilmente pelos danos causados a terceiros pelo menor.
Nessecaso, mesmo que a guarda seja de apenas um dos pais, o outro pai continua tendo direitos em relação ao filho, devendo ter convivência com o menor e fiscalizar os interesses da criança e, se necessário, deve solicitar informações a respeito da saúde física, mental, psicológica e educacional do filho.
Além disso, a convivência é tida como um direito fundamental da criança e mesmo sem a efetiva guarda, o pai ou a mãe terá a seu favor a regulamentação de visitas para que o convívio com a criança seja o melhor possível. Esse direito de visitas, é regulado em comum acordo entre os pais ou por determinação judicial, a qual terá de especificar os dias e os horários de convívio.
2.3. CIRCUNSTÂNCIAS QUE ENSEJAM A APLICAÇÃO DA GUARDA UNILATERAL
Primordialmente, no que tange à guarda unilateral, faz-se oportuno explicar que mesmo não sendo utilizada como regra, há situações excepcionais, isto é, situações em que a guarda unilateral é a melhor decisão para que a criança e o adolescente tenham um desenvolvimento mais vantajoso.
Nesse sentido, a guarda unilateral no ordenamento jurídico é utilizada como exceção, ou seja, de modo restritivo, sendo utilizada em casos específicos e que melhor atendem à segurança da criança, com respaldo no Direito da Criança e do Adolescente.
Isto posto, mesmo que a guarda compartilhada seja utilizada como regra, como fora dito anteriormente, é ilusório dizer que a guarda compartilhada atenderia todas as famílias com perfeição, quando na verdade cada família possui sua estrutura particular e única. Em razão disso, há casos em que a guarda unilateral é a melhor alternativa para o equilíbrio das relações e, principalmente, para a saúde mental dos filhos e dos pais.
Nesse sentido, um dos pontos que fazem a guarda compartilhada ser impossível, é quando ocorre conflitos constantes entre os genitores, ou seja, pais que não são cooperativos, não possuem diálogo ou se sabotam, consequentemente, vão transmitir para o filho que são tóxicos para sua educação e crescimento pessoal.
A respeito disso, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Carlos Ferreira respaldou que:
A guarda compartilhada entre pais separados deve ser interpretada como regra, cedendo quando os desentendimentos dos genitores ultrapassarem o mero dissenso, podendo interferir em prejuízo da formação e do saudável desenvolvimento da criança. (STJ, AgInt no REsp 1688690/DF, Rel. Antonio Carlos Ferreira).
Do mesmo modo, Grisard Filho (2010, p.225) aduz que:
Famílias que são destroçadas por atitudes como as ditas anteriormente, devem optar pela guarda única e deferi-la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas.
Ou seja, para que a criança não tenha danos em seu crescimento pessoal por conta de conflitos constantes de seus pais, é mais interessante que a guarda unilateral seja considerada.
Há também, a questão de pais que moram em lugares distintos e seguem vidas muito ocupadas, não colocando o filho como prioridade e tendo conflitos ainda maiores com o genitor que está morando com a criança. Haja vista que sempre há decisões cotidianas e de grande relevância na vida da criança e somente um dos pais iria ter condições de resolver.
Por fim, ocorre o pretexto de um dos genitores possuir problemas com dependência química ou alcoolismo, assim, o conflito entre os pais é ainda mais intenso visto que a participação na vida da criança vai ser maléfica para seu crescimento pessoal. Além disso, a dependência química ou alcoólica faz com que o indivíduo fique mais agressivo suscitando medo por parte da criança e genitor e/ou genitora.
3. SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A IMPOSSIBILIDADE DE GUARDA COMPARTILHADA
É importante salientar que a violência contra a mulher está presente em muitos lares de vários modos, podendo ser: doméstica, psicológica, física, moral, entre outras.
Nesse segmento, além de motivos particulares de cada família, há exemplos de divórcio que ocorrem por conta de violência contra a mulher nos lares e, consequentemente, por ser algo danoso à mulher e à sua dignidade humana, decidem pelo divórcio para que não tenham consequências piores.
Em casos de relacionamentos abusivos, é sabido que a guarda unilateral é a melhor alternativa para esse caso, haja vista que o abusador pode continuar praticando a violência que existia antes da dissolução de união estável ou divórcio. Nesse sentido, apesar de decidirem a guarda unilateral, deve-se ter o contato mínimo com o agressor e só falar o necessário quando se tratar de assunto referente à criança.
O judiciário tem reconhecido a impossibilidade da guarda compartilhada da vítima com o seu agressor, especialmente quando presente a adoção de medida protetiva. A exemplificar, dois julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Trata-se de agravo interposto por C. F. P. L. contra decisão que inadmitiu recurso especial visto incidirem na espécie as Súmulas n. 7/STJ e 284/STF. Alega a parte agravante, em síntese, que o recurso especial atendeu aos requisitos de admissibilidade, razão pela qual requer a sua admissão. É o relatório. Decido. Preliminarmente, impõe-se ressaltar que tanto o agravo em recurso especial como o recurso especial foram interpostos com fundamento no Código de Processo Civil de 1973, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, com as interpretações dadas pela jurisprudência desta Corte (Enunciado Administrativo n. 2/STJ). No presente caso, foi interposto recurso especial contra acórdão assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL. Direito de Família. Guarda de filhos. Pleito de fixação de regime de visitação e de guarda compartilhada formulado pelo pai. Sentença que rejeitou a guarda compartilhada e fixou regime de visitação que estimula a convivência paterna. Recurso do pai insistindo na guarda compartilhada. Farta prova produzida nos autos que atesta a preservação dos interesses das crianças com a permanência da situação atual guarda unilateral da mãe. Situação atual que revela o desentendimento habitual dos genitores. A majoração das áreas de atuação conjunta agravaria o dissenso, em prejuízo evidente para os filhos. Desprovimento do recurso e manutenção da sentença" (e-STJ, fl. 341). A parte recorrente argumenta que o art. 1.583 do CC foi violado na medida em que lhe foi negada a guarda compartilhada dos filhos com a recorrida. O Ministério Público Federal emitiu parecer, sumariado nos termos a seguir: "Agravo em Recurso Especial. Ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada. Inviável o seguimento do agravo quando não atacados todos os fundamentos da decisão agravada. Súmula n. 182/STJ. Parecer pelo não conhecimento do agravo" (e-STJ, fl. 466). Passo à análise da questão proposta. O acórdão recorrido considerou que a guarda compartilhada, no caso concreto, não seria a melhor saída em razão do mau relacionamento entre as partes. Conforme ressalta, "o histórico familiar demonstra tristes episódios envolvendo brigas entre os pais, que culminaram, inclusive, com o acionamento da polícia para concessão de medidas protetivas" (e-STJ, fl. 343). Após analisar as provas dos autos e tecer considerações acerca da atuação de ambos recorrente e recorrida e da situação fática em que vive a família, o acórdão concluiu:"Além disso, ampliar as áreas atuação concomitante entre pai e mãe, ao menos no momento, significaria estimular o conflito que decorreria naturalmente da ampliação das áreas de atrito, tudo redundando em mais prejuízos às crianças" (e-STJ, fls. 343/344). Desse modo, não há como conhecer do recurso especial visto que, para aferir eventual equívoco da Corte a quo e, por conseguinte, concluir pela necessidade da guarda compartilhada, é necessário reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Advirto a parte de que eventuais recursos que venham a ser por ela interpostos poderão ensejar o arbitramento dos honorários de sucumbência recursais, nos termos do art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil (Enunciado Administrativo n. 7/STJ). Publique-se. Brasília, 19 de agosto de 2016. (AGRAVANTE:CFPL,STJ, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 541.175- RJ (2014/0160617-6, MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator, AREsp 541175, Data da Publicação,26/08/2016”).
Apelação Cível. Ação de Guarda c/c Regulamentação de Visita. Família. Sentença que acolhe a pretensão inaugural e defere a guarda unilateral à mãe, estabelecendo a visitação paterna nos moldes propostos na exordial e rechaçando o pleito reconvencional de fixação da modalidade compartilhada. Irresignação defensiva. Guarda compartilhada que, inobstante haja se constituído a regra no ordenamento brasileiro desde o advento da Lei nº 13.058/2014, admite exceções. Art. 1.584, § 2º, do CC. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ressaltar a imperatividade da observância ao melhor interesse do menor. Arestos. Caso concreto que se amolda às hipóteses excepcionais admitidas pela jurisprudência. Ambiente doméstico onde as adolescentes não logravam encontrar condições adequadas ao seu sadio crescimento, sobretudo diante da separação de fato dos pais, que, ainda assim, seguiram coabitando. Episódio comunicado junto a Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no qual o Réu trancou não só a Autora, mas também as filhas do casal do lado de fora da casa. Situação nociva que teria perdurado por alguns meses, até que decretada medida protetiva de afastamento do Demandado do lar. Relatos das menores no sentido de que o pai racionava comida, levando-as a passar fome. Indícios de abandono afetivo apontados pelo laudo psicológico confeccionado sob determinação do Magistrado de 1º grau. Particularidades do núcleo familiar que justificam a concessão da guarda unilateral à genitora, o que apenas regularizaria quadro fático já constatado no curso dos últimos anos. Melhor interesse da prole. Julgados desta Corte Estadual. Honorários recursais. Inaplicabilidade do disposto no art. 85, § 11, do CPC, ante a ausência de fixação de sucumbência pelo Juízo a quo. Manutenção do decisum. Conhecimento e desprovimento do recurso. (TJRJ, APELAÇÃO, 0009843-83.2016.8.19.0208 , Des (a). SÉRGIO NOGUEIRA DE AZEREDO, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgamento: 18/09/2019.)
Como demonstrado acima, embora a guarda compartilhada seja a regra no ordenamento jurídico, deve-se dar prevalência à guarda unilateral quando essa atender ao melhor interesse da criança.
4. CONVIVÊNCIA FAMILIAR: É REALMENTE NECESSÁRIO? É UM DIREITO?
O direito à convivência familiar está respaldado na Carta Constitucional de 1988 dentre um dos direitos fundamentais, ou seja, é de extrema importância a convivência familiar e comunitária. Do mesmo modo, enunciam a respeito do assunto no Estatuto da Criança e do Adolescente nos arts.19 a 52-D.
Nesse sentido, sabe-se que a criança e o adolescente, de acordo com a legislação brasileira, possuem o direito de serem criados por uma família, haja vista que esse é o sustentáculo de construção da sociedade. Haja vista que é por meio da família que o indivíduo nasce, cresce e se desenvolve.
Por conseguinte, se o indivíduo é criado em um lar sadio, amoroso e seguro, certamente, terá um desenvolvimento humano súpero em comparação às crianças que crescem em lares maléficos, os quais desencadeiam traumas e tristezas.
Nesse ínterim, no que se refere à guarda, o Código Civil em seu Art.1.589 aborda que o pai ou a mãe, que não possuir a guarda dos filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o ex-cônjuge, ou com o que for fixado pelo juiz. E, também, o pai ou a mãe que não estiver morando com o filho e/ou adolescente deve fiscalizar sua manutenção e educação.
Assim, de acordo com o Código entende-se que a visitação e o direito à convivência familiar é um direito dos pais e caso não esteja acordado, será fixado pelo juiz de acordo com o caso concreto.
Como explicado de forma precisa, o direito de visitas é um direito da criança de conviver com ambos os pais, todavia, sabe-se que cada família possui suas particularidades e em alguns casos a convivência familiar acaba sendo dificultosa e não benéfica para a criança ou adolescente.
A família é o espaço íntimo onde as pessoas que ali estão procuram abrigo ou refúgio quando se sentem ameaçadas por qualquer motivo. Entretanto, há casos em que o núcleo familiar onde a criança ou adolescente vivem acabam deixando marcas irreparáveis, como por exemplo, a existência de violência doméstica contra a mulher, no caso contra genitora e, consequentemente, à violência familiar contra os filhos que ali residem. A respeito disso, a assistente social Viviane Nogueira de Azevedo elenca:
Todo ato ou omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima, implica numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, por outro lado, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (AZEVEDO E GUERRA, 2001).
Ademais, a criança e o adolescente estão em fase de desenvolvimento e para que seja de modo equilibrado, é fulcral que o núcleo familiar desses seja um ambiente que estimule de modo positivo suas vidas. Assim, na visão da psicopedagoga Maria Lúcia Weiss:
Aspectos emocionais estariam ligados ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção do conhecimento a expressão deste através da produção escolar (...). O não aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da criança com sua família; será o sintoma de que algo vai mal nessa dinâmica. (Weiss, 2004, p.23).
Ou seja, a relação da família é de extrema importância para que a criança tenha um crescimento saudável.
Desse modo, em situações como os conflitos entre os pais em processo de divórcio ou quando ocorre violência doméstica contra a mulher, consequentemente, os filhos vão ter uma reação ao que veem, ouçam e presenciam direta ou indiretamente, haja visto que estão ligados àquele seio familiar.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessarte, com o presente artigo fora possível elucidar os motivos pelos quais ocorre a impossibilidade de guarda compartilhada, bem como expor que o melhor interesse da criança e do adolescente é o pilar do seio familiar.
Nesse sentido, buscou-se, também, trazer à tona de modo detalhado e com opiniões de autores de grande relevância no país, que a violência doméstica contra a mulher continua sendo um fator de grande risco para a sobrevivência desta e de seus filhos que estão no mesmo ambiente do que sua genitora.
Além disso, mesmo que existam leis que respaldam o direito da mulher e o direito da criança e do adolescente, as marcas que ficam nas crianças, nos adolescentes e em suas mães em relação à violência sofrida, seja qual for - psicológica, verbal, patrimonial-, podem vir a trazer consequências irreparáveis para seu desenvolvimento como indivíduos na sociedade.
Do mesmo modo, há casos em que os conflitos entre os pais não são impossíveis de serem resolvidos e que a convivência familiar com os filhos se torna saudável, quando ocorrida de forma séria. Todavia, infelizmente, quando a convivência familiar não é aceita pelo juiz é em decorrência das situações em que o convívio é prejudicial e as crianças vivenciam situações de conflito entre seus pais que nada têm a ver, ou seja, ficam à mercê de inacabáveis discussões.
Assim, deve-se levar em consideração o caso concreto, haja vista que há famílias que não podem seguir a regra da guarda compartilhada, uma vez que é impossível isso ocorrer de maneira sadia. E, por conta disso, a guarda unilateral deve ser escolhida para que a mãe e seus filhos se sintam protegidos pela justiça.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Mestre em Educação e Especialista em Direito Penal e Processual pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Professora de Direito de Família e Sucessões na Universidade Federal do Amazonas e chefe do Departamento de Direito Privada da Universidade Federal do Amazonas.
Graduanda em direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Thayza Mello da. Impossibilidade de guarda compartilhada por conta de conflitos entre genitores e situações de violência doméstica contra a mulher vs. direito à convivência familiar e comunitária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58968/impossibilidade-de-guarda-compartilhada-por-conta-de-conflitos-entre-genitores-e-situaes-de-violncia-domstica-contra-a-mulher-vs-direito-convivncia-familiar-e-comunitria. Acesso em: 22 nov 2024.
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