ADRIANE CASTELO BRANCO MORAES
DEBORA DA SILVA NASCIMENTO
(coautoras)[1]
RESUMO: A Constituição Federal Brasileira de 1988, realiza uma previa imunidade tributaria apenas para livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a impressão de jornais. Com o desenvolvimento da globalização e surgimento de novos meios eletrônicos, tornou-se necessário analisar o referido dispositivo jurídico, pois o ordenamento jurídico deve acompanhar a evolução da sociedade devido estar em constante mudança. A imunidade da informação é classificada como objetiva, voltada a proteção dos produtos citados no dispositivo constitucional, visando proteger a liberdade de comunicação, de pensamento, bem como difusão de informações, de cultura, de educação facilitada ao seu acesso a população em geral.
Palavras-chaves: Imunidade; Informação; Constituição
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira de 1988, como máximo veículo normativo hierárquico, tem por objetivo aplicar normas que disciplinam o funcionamento de uma sociedade. Nesse sentido, diante uma crise numérica de analfabetos no século XX e o advento da Ditadura Militar refletida por repressão e censura da imprensa, fez-se mister a ampliação do conhecimento sobre os diversos assuntos para facilitar o acesso à educação para a sociedade brasileira. Para tanto, a norma do art. 150, V, “d” da Constituição Federal tornou-se parâmetro para a ideia de poder conceder a utilização de recursos científicos e tecnológicos que estimulam a disseminação da cultura.
Importante salientar que a Constituição de 1988 previa imunidade tributária apenas a livros, jornais, periódicos e ao papel destinado à sua impressão de jornais.
Entretanto, com o avanço da globalização, surgiram meios eletrônicos como CD-ROMs e softwares que, da mesma forma, disseminam conteúdos, divulgam ideias e promovem a difusão da cultura.
Por isso, se tornou necessário analisar o referido dispositivo, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro deve acompanhar a evolução da sociedade, a qual está em constante mudança.
Para tanto, a corrente majoritária, com base no princípio da máxima efetividade, tem uma interpretação extensiva da imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal para que a aplicação da imunidade fosse estendida aos livros eletrônicos, DVDs, CD-ROMs, disquetes etc.
De acordo com Aliomar Baleeiro, importante tributarista brasileiro, “a Constituição almeja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura e disseminação de informação e conhecimento, através de livros, jornais e periódicos, bem como garantir a liberdade de manifestação do pensamento, expressão, e o direito de crítica. Porque o imposto, nestas situações, pode servir como meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, enfim, de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático.”
Nesse mesmo sentido, levando em consideração a finalidade da norma, fala Luciano Amaro (2005, p. 151) sobre o fundamento das imunidades: “O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributariedade das pessoas ou situações imunes.”
Frisa-se que, de acordo com o art. 1°, III, CF/88 que aborda sobre a dignidade da pessoa humana, o acesso à educação e à informação estão intrinsecamente ligados, tendo em vista que trata-se de um aspectos da vida do ser humano. Assim como é formulado no art. 5°, XIV, da CF: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Diante o exposto, o presente trabalho tem como objetivo discutir sobre a imunidade da informação disposta no art. 150, VI, “d” da Constituição Federal Brasileira e seus impactos na sociedade.
1.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Preliminarmente, visando entender com clareza o tema principal deste trabalho, é necessário fazer uma breve abordagem sobre imunidade tributária.
Tendo a Constituição Federal já delimitado a competência tributária de seus entes em aspecto positivo, ou seja, a faculdade que as pessoas políticas têm de criar, in abstracto, tributos, tem-se, por outro lado, o aspecto negativo, que chamamos de imunidade tributária. Esta concepção é defendida por Roque Antônio Carrazza, afirmando que “[...] a competência tributária se traduz numa autorização ou legitimação para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo)” (CARRAZZA, 2013, p. 814).
Todavia, Alexandre Mazza, em seu Manual de Direito Tributário (2021), afasta a ideia de imunidade como competência tributária, alegando que são “normas constitucionais que limitam a competência tributária afastando a incidência de tributos sobre determinados itens e pessoas” (grifo nosso).
Paulo de Barros Carvalho também conceitua imunidade tributária:
Imunidades são uma classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. (BARROS, 2011, p. 236)
As imunidades são de natureza jurídica dúplice, uma vez que são, ao mesmo tempo, limitações constitucionais do poder de tributar e também garantias fundamentais do contribuinte (MAZZA, 2021).
Imunidade tributária não se confunde com isenção. Apesar de serem dois institutos que liberam o contribuinte de efetuar pagamento do tributo, a imunidade opera em plano constitucional, enquanto a isenção atua na esfera legal, decorrente da competência tributária.
2.IMUNIDADE DA INFORMAÇÃO
A imunidade da informação, também conhecida como imunidade dos livros, da imprensa ou cultural, está disposta no art. 150, inciso IV, letra “d”, da Constituição Federal, nos seguintes termos:
art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Pode-se dizer que esta norma que concede imunidade possui eficácia plena e é de aplicabilidade imediata, ou seja, sem necessidade de lei para regulamentá-la. Sendo assim, é classificada como imunidade incondicionada, independente de condições previstas em lei.
Quanto à finalidade, a imunidade da informação é classificada como objetiva: voltada à proteção dos produtos citados no dispositivo constitucional, afastando a incidência de impostos sobre eles, não protegendo diretamente pessoas (como é o caso das imunidades subjetivas). A imunidade objetiva tem como principal característica o não afastamento de todos os impostos, mas somente daqueles diretamente incidentes sobre o item protegido (MAZZA, 2021).
Embora a imunidade tenha caráter objetivo, a Carta Magna visa, também e podendo se dizer que indiretamente, proteger a liberdade de comunicação e de pensamento, bem como a difusão de informação, de cultura e educação, facilitando o seu acesso à população em geral. Carrazza pondera:
É interessante notar que a liberdade de pensamento não se limita a permitir que as pessoas exprimam o que pensam. Garante-lhes, também, o direito de difundir suas ideias proferindo conferências, fazendo representar peças teatrais, publicando livros, jornais ou periódicos e assim por diante. (CARRAZZA, 2013, p. 904)
Analisando o contexto histórico, verifica-se que, no período do Estado Novo (1937-1945), o governo de Vargas cobrava altos impostos dos veículos de imprensa de ideologias contrárias ao regime político vigente, ao mesmo tempo que benefícios fiscais eram concedidos àqueles favoráveis ao governo.
Em 1946, a Constituição Federal concedeu imunidade ao papel e estendeu também, aos livros (a princípio, apenas versava sobre jornais) para estímulo da produção editorial.
Em 1967, a imunidade foi mantida na Constituição Federal, dispondo no seu art. 20, III, d:
Art 20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - criar imposto sobre:
d) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.
Com pequenas alterações, a imunidade permaneceu na Constituição de 1969. Apesar da permanência da disposição, tem-se em mente que o regime militar vigente à época instituiu censura e controlou a liberdade de expressão, proibindo diversas manifestações de pensamento.
Um país com valores e princípios democráticos instituídos após duas décadas de repressão e censura na Ditadura Militar pretende não somente a difusão de informação, como também a formação e manifestação de opiniões, críticas, ideias e ideais. Todos os itens listados (e não somente eles, como veremos adiante) no dispositivo oferecem acesso às informações, às artes, à cultura, ao lazer, às práticas religiosas, às ações governamentais, entre outros.
Quando a Constituição Federal prescreve serem imunes aos impostos o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, "d"), ela não está senão dando efetividade aos direitos fundamentais à livre "manifestação do pensamento" (art. 5º, IV) e de "expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação" (art. 5º, IX). Também tem em mira (i) assegurar a todos o "acesso à informação" (art. 5º, XIV), (ii) evitar venha de algum modo embaraçada a "plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social" (art. 220, § 1º) e (iii) banir qualquer censura "de natureza política, ideológica e artística" (art. 220, § 2º). (CARRAZZA, 2013, p. 906)
Não apenas Carrazza, como também o Supremo Tribunal Federal acolheu a tese de que as imunidades tributárias devem receber interpretação extensiva e teleológica, podendo ser visto no RE 190.761-4-SP uma breve introdução transcrita a seguir:
“A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos.” STF, 1997
Hugo de Brito Machado da mesma maneira conclui que “a melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação” (MACHADO, 2014).
É livro, pois, para fins de imunidade, qualquer objeto que transmita conhecimentos (ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias etc.), pouco importando se isto se faz por caracteres alfabéticos, por imagens, por sons, por signos Braille, por impulsos magnéticos etc. (CARRAZZA, 2013, P. 915)
Convém destacar que não são todos os livros que são abrangidos pela imunidade da informação. Carrazza afirma que “[...] só são considerados livros, para fins de imunidade tributária, os que se prestam para difundir ideias, informações, conhecimentos etc”. Assim sendo, para fins da imunização tributária, livros são os veículos de pensamento. Roque complementa:
Igualmente não revestem a condição de livros, para os fins desta alínea "d", os diários (livros em branco), que servem para registrar o que acontece no dia a dia de seus donos, e não para terem seu conteúdo divulgado a terceiros. Também não são livros, nesta acepção, o livro cartonado (que serve para colagem de recortes, fotografias etc.), o livro de espiral (caderno de espiral), o livro de ouro (onde se registram nomes ilustres, doações, comentários elogiosos etc.), o livro de ponto (também chamado livro da porta, onde os empregados põem suas assinaturas, para registrar a presença ao trabalho), o livro de inscrição da dívida pública (onde são apuradas a liquidez e certeza do crédito tributário vencido e não pago pelo contribuinte), o livro de bordo (onde se registram as mercadorias entradas, os nomes dos passageiros embarcados e as ocorrências várias, seja nos navios, seja nos aviões), o livro mestre (também chamado livro-razão, onde são anotadas as compras e vendas de mercadorias efetuadas), o livro de atas (onde são relatados os fatos ocorridos e as deliberações tomadas numa reunião) etc. (CARRAZZA, 2013, p. 911/912)
Porém, o STJ registra variáveis decisões quanto à aplicação da imunidade cultural sobre os itens similares aos livros (álbuns de figurinhas, cromos, apostilas, listas telefônicas, revistas técnicas, mapas impressos, atlas geográficos, panfletos publicitários, encartes, etc.)
Temos, a exemplo, o RE 221.239/SP, em que o Supremo estendeu a imunidade aos álbuns de figurinhas e respectivos cromos. Neste julgado, a Ministra Ellen Gracie declarou em seu voto:
[...] a imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão dessas publicações têm por finalidade evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrada no art. 5º, IX, da Constituição Federal, além de facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final. V[...] o álbum de figurinhas é uma maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos, atendendo, em última análise, à finalidade do benefício tributário”.
Apostilas também são imunes por constituírem, de acordo com o RE 183.403/SP, veículo de cultura simplificado.
Foi reconhecida pelo STF, em Recurso Extraordinário 101.441/RS a imunidade de listas telefônicas, argumentando que “são periódicos sem caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico, mas de inegável utilidade pública”. Nesse caminho, o RE 134.071-1/SP e RE 114.790/SP também tiveram parecer favorável à imunidade das listas telefônicas.
Revistas técnicas, mapas impressos e atlas geográficos são imunes (RE 330.817/RJ). Todavia, em relação a panfletos publicitários e encartes com exclusiva finalidade comercial, mesmo quando inseridos dentro de jornais, não têm imunidade (RE 213.094/ES e ARE 807093 ED/MG). Entretanto, o STF ponderou que a presença de propaganda no corpo da própria publicação, formando com ela um todo inseparável, não lhe retira a imunidade.
Em se tratando de matérias-primas necessárias para a produção dos jornais, livros e periódicos, o papel é expressamente imune. Quanto aos demais insumos, há grande divergência. O Supremo tribunal Federal, até o momento, reconhece imunidade para:
1) peças sobressalentes para equipamentos de preparo e acabamento de chapas de impressão offset para jornais (RE 202.149/RS);
2) filmes e papéis fotográficos utilizados para publicação de jornais e periódicos (Súmula 657 do STF); [2]
3) filmes destinados à produção de capas de livros sem capa dura (RE 392.221/SP);
4) todo e qualquer insumo ou ferramenta indispensável à edição de veículos de comunicação (RE 202.149/RS, orientação que ainda não pode ser considerada uma tendência na jurisprudência no STF na medida em que foi adotada somente no âmbito da sua 1ª Turma).
É muito fácil notarmos que, declarando o papel de imprensa imune à tributação por via de impostos, a Lei Maior teve em mira facilitar a difusão da cultura, barateando os livros, jornais e periódicos. Ora, pela mesma razão, entendemos perfeitamente sustentável que o benefício se estenda a outros insumos que também viabilizam o atingimento deste louvável objetivo. (CARRAZZA, 2013, p. 924)
Desse modo, apesar do entendimento adotado pela 1ª Turma no julgamento do RE 202.149/RS, em abril de 2011 (vide número 4 da lista acima), as demais matérias-primas permanecem fora do alcance da imunidade cultural, tais como: a) tintas (RE 324.600 - AgR); b) capas duras autoencadernáveis utilizadas na distribuição de obras para incrementar a venda de jornais (RE 325.334-AgRg); c) peças de reposição (RE 238.570/RJ); d) tiras para amarrar jornal (RE 208.638/RS); e) serviços de composição gráfica (RE 230.782/SP e RE 434826 AgR/MG); f) importação de bens para montagem de parque gráfico (AI 530.911-AgRg); e g) serviços de transporte e distribuição de jornais (RE 116.607 AgR e RE 630462 AgR).
Cumpre dizer que o maquinário para a produção de livros não também não é imune de tributos pela alínea d. Em voto no ARE 1100204/SP, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu:
Consoante registrei no RE 739.085-AgR (DJe de 6/12/2017), a consagração da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "d", da CARTA MAGNA, visa à garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística, sem possibilidade de criação de empecilhos econômicos, via tributação, por parte do Estado (CELSO DE MELLO, Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 124; ROQUE CARRAZA, Importação de bíblias em fitas: sua imunidade exegese do art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário, n o dia 26, p. 125; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 378), sendo extensível a qualquer outro material assimilável a papel utilizado no processo de impressão; e a própria tinta especial para jornal ( RTJ 167/988 e 1 a T. RE 215.435 Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ, 13/3/98); mas não aplicável aos equipamentos do parque gráfico, que, evidentemente, não são assimiláveis ao papel de impressão (1ª T. RE 215.798/RS Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ, 27/3/98) ou os serviços de composição gráfica que integram o processo de edição de livros (1ª T. RE 230.782/SP Rel. Min. ILMAR GALVÃO, decisão: 13/6/2000); que não guardam relação direta com a finalidade constitucional. (grifo nosso)
Ressalta-se, por fim, que, no Al 735.816 AgR, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 23-3-2018, 1ª Turma, o Supremo Tribunal Federal entendeu que "a regra imunizante constante do art. 150, VI, d, da CF não pode ser interpretada de modo amplo e irrestrito. Inexiste imunidade relativa a tributos incidentes sobre a importação de tintas e chapas de gravação destinadas à publicação de jornal".
2.1 Aplicação da interpretação extensiva na alínea “d” do artigo 150, VI da Constituição Federal
Tem-se em mente que de 1988 até os tempos atuais várias coisas mudaram, receberam novos moldes e as pessoas se adaptaram a novas perspectivas. A revolução tecnológica agregou mais formas de disseminação de informações que não foram diretamente listadas na alínea “d”, porém, foram acolhidas na interpretação.
A interpretação extensiva do Texto Constitucional adotada pela doutrina tem como principal intenção justificar a aplicação da imunidade aos livros eletrônicos, DVDs, CD-ROMs, disquetes, entre outros. Como é de entendimento de grande parte dos juristas, a finalidade intentada pela regra da imunidade prevista no artigo 150, VI, "d" da Constituição Federal é, em síntese, a preservação da liberdade de expressão intelectual, científica, artística e de manifestação do pensamento.
É importante ressaltar que as imunidades devem ser interpretadas extensivamente, como um método para garantir os valores que a regra de imunidade pretende garantir, os direitos da liberdade e o acesso ao conhecimento, somente isso, sem infringir princípios, como o da Isonomia.
Dentro desse quadro, a imunidade dos livros, jornais e periódicos, por se relacionar com a liberdade do homem, admite a interpretação extensiva, na busca de se alcançar a finalidade da Constituição, desde que não ultrapasse a possibilidade expressiva da norma da imunidade. (SARAIVA FILHO, 1998, p. 134)
Caso venha a ocorrer uma oposição a esse princípio, o intérprete deverá verificar o que melhor beneficie o destinatário sem causar danos a outros em igual situação.
O uso da interpretação extensiva não deve ser utilizado para pretender abarcar, no preceito imunitário, toda e qualquer forma de acesso, uso e gozo da liberdade de informar e ser informado. Com a regra do artigo 150, VI, "d", limitando-se o seu alcance apenas aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, já encontra-se satisfeito o objetivo e garantindo o valor desejado pelo Constituinte. Tudo o mais que de aperfeiçoamento técnico, para o uso cibernético, possa surgir, não será mais que uma exploração de bens de consumo (computadores), cuja utilização demonstra evidente capacidade econômica, devendo, pois, o respectivo produto (livro eletrônico) ser tributado, sem que isto concorra para afetar qualquer liberdade individual vinculada com a difusão da informação e da cultura. (TORRES,1998, p. 81)
Sobre o referido tema e no sentido contrário à extensão da imunidade tributária aos livros eletrônicos, os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira e Ellen Gracie entendem:
Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, "d" da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão ‘papel destinado à sua impressão’. Precedentes do Tribunal. - Incabível a condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança, nos termos da Súmula 512/STF. Agravos regimentais desprovidos (RE nº 324.600/SP - AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 25/10/02).
ISS. Imunidade. Serviços de confecção de fotolitos. Art. 150, VI, "d", da Constituição. - Esta Corte já firmou entendimento (título exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863) de que apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição. - No caso, tratasse de prestação de serviços decomposição gráfica (confecção de fotolitos) (fls. 103) pela recorrida a editoras, razão por que o acórdão recorrido, por ter essa atividade como abrangida pela referida imunidade, e, portanto, ser ela imune ao ISS, divergiu da jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, em caso análogo ao presente, o decidido por esta 1ª Turma no RE 230.782. Recurso extraordinário conhecido e provido (RE nº 229.703/SP Primeira Turma, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/2/02).
Recurso extraordinário inadmitido. 2. Imunidade tributária. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. A jurisprudência da Corte é no sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por essa imunidade tributária. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (AI nº 307.932/SP - AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 31/8/01).
Por outro lado, tem-se doutrinadores como Hugo de Brito Machado, Vittorio Cassone e Aires Fernandino Barreto, que adotam uma interpretação ampla acerca do tema, preceituam que a imunidade para ser efetiva deve abranger todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o material considerado, mas o conjunto e, devido a isso, nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente para a produção desses objetos. Logo, não se interpretará corretamente o artigo 150, inciso VI, letra "d", se em vez de valorizar os princípios constitucionais em que a imunidade se assenta, se der ênfase, seja a literalidade desse preceito, seja à cláusula final "e o papel destinado a sua impressão", como se esta tivesse o condão de restringir a imunidade ao livro, ao jornal e aos periódicos impressos em papel.
Ademais, reconhecer os tempos modernos em que vivemos é fundamental para atender às necessidades sociais e ao vetor axiológico escolhido pelo legislador ao elaborar a norma do art. 150, V, “d” da Constituição.
A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a afirmativa se impõe. O entendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretação especificamente constitucional. (MACHADO, 2009)
Nesse sentido, seguem abaixo algumas jurisprudências favoráveis à tese da aplicação da imunidade tributária do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal de 1988.
IMUNIDADE. UNIDADE DIDÁTICA. COMPONENTES ELETRÔNICOS. A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal alcança componentes eletrônicos, quando destinados, exclusivamente, a integrar a unidade didática com fascículos periódicos impressos. (RE 595676, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-291 DIVULG 15-12-2017 PUBLIC 18-12-2017. (STF - RE: 595676 RJ - Rio de Janeiro, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 08.03.2017)
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. JORNAL. CDROM. 1. O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-ROM, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150, VI, d, da CF, porquanto isto não o desnatura como um dos meios de informação protegidos contra a tributação. 2. Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à informação e aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o 58 saber (art. 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc. (Apelação Cível nº. 19998.04.01.09.0888-5, Relator João Pedro Gebran Neto, Segunda Turma, DJ em 25.10.2000).
IMUNIDADE - IMPOSTOS - LIVROS - JORNAIS E PERIÓDICOS - ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos como são os filmes e papéis fotográficos. (RE nº 174.476/SP – São Paulo, Tribunal Pleno, Relator Marco Aurélio, DJ de 12.12.1997).
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. LIVRO. CONSTITUIÇÃO, ART. 150, INCISO III, ALINEA 'D'. Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrados. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de 57 serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição, dos valores que o formam e que a Constituição protege. (RE nº 102.141-RJ – Rio de Janeiro, Segunda Turma, Relator Ministro Carlos Madeira, DJ 18.11.1995).
Observando as jurisprudências expostas acima, comprova-se que os Tribunais divergem quanto à aplicação da imunidade tributária aos livros eletrônicos. Alguns tribunais confiam que a imunidade tributária não deve ser estendida aos livros eletrônicos por ferir a norma constitucional, pois a norma é clara e não abrange os livros eletrônicos. Por outro lado, outros tribunais entendem que a imunidade tributária deve alcançar os livros eletrônicos, com o fim de não esvaziar a norma constitucional e dar máxima efetividade à norma, considerando o avanço tecnológico.
Apesar das divergências, em 2017 foi uniformizada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pela Súmula Vinculante n° 57, a aplicação de imunidade tributária a livros eletrônicos e leitores digitais:
A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.
2.2 Materiais eróticos e pornográficos
A priori, de acordo com o art. 150, VI, “d” já mencionado neste trabalho, a cobrança de impostos sobre jornais, periódicos e livros de qualquer natureza e também sobre o papel destinado a sua impressão têm a imunidade tributária.
Entretanto, há muitas controvérsias no âmbito jurídico acerca dos materiais que possuem conteúdo erótico e pornográfico. Inclusive, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 265/08, do deputado Henrique Afonso (PT-AC) propõe acabar com a imunidade tributária pois, em sua opinião, o material pornográfico tem objetivo meramente comercial e se destina a públicos específicos, não contribuindo para a formação de leitores.
Ademais, a deputada Flávia Morais (PDT-GO) propôs a PEC 398/14 a qual rege:
“As publicações pornográficas devem ter sua livre edição e divulgação garantidas, mas sem a imunidade tributária em questão, já que esses periódicos, ao nosso ver, em nada se relacionam com a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística e científica e o acesso e difusão da cultura e da educação, que são os propósitos buscados pelo instituto da imunidade tributária”, defendeu a autora.
A proposta tramita apensada à PEC 265/2008 e ambas estão sendo discutidas pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
III. CONCLUSÃO
Diante o exposto, a imunidade que expõe o art. 150, VI, “d” da Constituição Federal é um verdadeiro instrumento de garantia dos direitos fundamentais. Pode-se concluir que foi prevista pelo legislador a fim de que fosse fomentado a difusão da cultura, do ensino e da liberdade de expressão, para que fosse evitado que essas manifestações fossem dificultadas pelo pagamento de tributos.
Para tanto, a interpretação da norma deve ser feita à luz dos princípios constitucionais e com o acompanhamento da sociedade em meio à evolução tecnológica diante da globalização mundial. Por isso, a interpretação extensiva desta norma torna-se imprescindível para a aplicação da imunidade aos livros eletrônicos, DVDs, CD-ROMs, disquetes, entre outros.
Importante frisar que a aplicação extensiva da imunidade tributária aos dispositivos eletrônicos torna-se coerente para não se concretizar o esvaziamento da norma constitucional e que seja possível oferecer máxima efetividade à norma, considerando o avanço tecnológico e o acesso à diversas formas de conhecimento.
Conclui-se, portanto, que a imunidade da informação é objetiva e tem eficácia incondicionada, possuindo aplicabilidade direta e imediata, gerando seus efeitos independentemente de regulamentação.
IV. REFERÊNCIAS
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Acadêmico de Direito – Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORADO, Natan Alexandre Cruz. Imunidade da informação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58969/imunidade-da-informao. Acesso em: 22 nov 2024.
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