ISOLDA DE PONTES PRADO[1]
(coautora)
RESUMO: O presente artigo pretende discorrer acerca do descumprimento do “dever de cuidado” no âmbito do direito de família. Analisa o cabimento da indenização pecuniária por danos morais em situações de abandono afetivo dos filhos por parte dos pais, e almeja analisar as formas de tutela das situações de abandono, com ênfase na teoria da responsabilidade civil e nos princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e no princípio da afetividade.
PALAVRAS CHAVE: DEVER DE CUIDAR; DANOS MORAIS; RESPONSABILIDADE CIVIL.
INTRODUÇÃO
As relações objeto de estudo do direito de família são complexas e formadas por um entrelace de fatores que as tornam únicas, demandando uma abordagem delicada, a fim de que eventuais lides sejam pacificadas observando-se os princípios basilares do direito de família, centrados na dignidade da pessoa humana.
A família é o local onde o indivíduo encontra refúgio para sua sobrevivência, e é no seu seio que se desenvolve, molda sua personalidade e inicia a sua integração no meio social,
Inegável é a importância do núcleo familiar, destacada em diversos dispositivos legais, como no art. 19 do capítulo III do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) que trata do direito à convivência familiar e comunitária[2].
E mais, de acordo com os princípios constitucionais norteadores do direito de família, a base da família deve ser fundada na dignidade da pessoa humana e no princípio da solidariedade. Desta forma, o papel dos pais não pode se restringir ao aspecto material.
Tão importante quanto tal aspecto é o apoio emocional, psicológico, moral, o amparo subjetivo aos filhos e a consequente contribuição para a sua formação.
A família é, na lição de Paulo Lôbo, o local de “realização dos afetos”, devendo os pais exercerem seu papel de suporte, para que possam os filhos se realizarem em completude, restando óbvio o dever de cuidar dos pais em relação aos filhos.
No mesmo sentido se manifesta Maria Celina Bodin de Moraes, definindo a família como “o espaço privilegiado de realização pessoal dos que a compõem”[3].
O presente artigo se propõe a estudar as relações familiares, sobremaneira aquelas conturbadas, marcadas pelo descumprimento do dever de cuidar pelos pais, acarretando danos seríssimos aos filhos. Destaque-se, por oportuno, que todo indivíduo é sujeito de direito, gozando de uma extensa gama de direitos fundamentais, entre eles o de não ser abandonado nem negligenciado.
Apesar de constatação tão clara, a responsabilização dos pais por descumprimento do dever de cuidar ainda é assunto que acarreta divergências doutrinárias e jurisprudenciais, sendo de relevância o estudo dos fatores favoráveis e contrários a cada tese.
De início, destaca-se que o dever de cuidar tem natureza objetiva, e se desprende do afeto. Não resta dúvida que o afeto, o amor, o desejo, a preocupação com o outro são fatores espontâneos e não podem ser impostos a indivíduo algum, entretanto o Direito pode sim impor que os indivíduos ajam com responsabilidade, cumprindo os preceitos constitucionais com a sua prole. O professor Álvaro Villaça Azevedo considera que
"o descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença"[4].
O dever de cuidar pode ser cumprido com afeto por parte dos pais, o que é a situação ótima, entretanto também pode ser cumprido sem o afeto. A inexistência do afeto, por qualquer fator que seja, não exime os pais do dever de cuidar de seus filhos, auxiliando na realização de sua personalidade, sempre levando em conta o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
É de suma importância a análise das sanções expressamente previstas no Ordenamento Jurídico brasileiro pelo descumprimento de obrigações de fazer, com uma análise do projeto de lei 700/2007, apelidado de “Lei Crivella”, remetido à Câmara dos Deputados em 06/10/2015, e que almeja modificar a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, tratando de forma expressa acerca do descumprimento do dever de cuidar, trazendo como sanções, além do dever de indenizar, a possibilidade de destituição do poder familiar, e até prisão pelo período máximo de seis meses,. Até que ponto seriam essas medidas realmente efetivas?
Necessário também ressaltar a importância da instrução e dilação probatória nos processos envolvendo descumprimento do dever de cuidar.
É certo que não se pode transformar o Judiciário em um instrumento de vingança pessoal, que, disfarçado sob o manto da necessidade de punir a falta de assistência moral ao filho, na verdade realiza tão-somente o desejo maléfico de causar aborrecimento e perda patrimonial a outrem.
No cenário atual observamos cada vez mais núcleos familiares diversos do tradicional “pais e filho”, como nos casos de pais divorciados, situação típica na qual o filho fica na guarda de um dos genitores, detendo o outro genitor o direito de visita.
Ocorre que muito mais que um direito ao genitor não-guardião, a visita, convívio e afeto é um direito-necessidade do filho(a), que necessita do referencial de ambos os genitores na construção de sua personalidade. Desta forma, a ausência destes na vida da prole gera um forte desconforto, além de abalo psíquico e moral, podendo gerar responsabilização por danos morais, o que será adiante demonstrado.
DESENVOLVIMENTO
No âmbito do direito de família são enfrentadas as mais diversas questões conflituosas. É ramo do Direito que se caracteriza pelo subjetivismo e pela peculiaridade de suas relações.
Dessa forma, a hermenêutica aplicada às relações de família deve compreender tanto os elementos jurídicos quanto todos os demais elementos que integram a realidade enfrentada, sob pena de uma prestação jurisdicional incompleta e muitas vezes distante do conflito que se pretendia solucionar.
Ora, é tarefa árdua abranger o sem número de possibilidades conflituosas e soluções devidas em um texto normativo pré-estabelecido, fazendo exsurgir a importância de uma interpretação extensiva e abrangente, no sentido de se tutelar as questões apresentadas, sempre com respeito aos princípios constitucionais basilares do direito de família, entre eles o da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e do melhor interesse da criança e do adolescente.
Tal problemática se destaca quando nos deparamos com lides envolvendo questões de descumprimento do dever de cuidar. Como valorar o dano sofrido pelo filho negligenciado pelo pai? Uma eventual indenização efetivamente repara o dano? Existiriam soluções alternativas para solução de tais lides?
Observamos um aumento no número de lides envolvendo o descumprimento do dever de cuidar, e é crescente a quantidade de decisões que aplicam a Teoria da Responsabilidade Civil na resolução das controvérsias envolvendo relações familiares.
Malgrado parte da doutrina defenda a existência da Responsabilidade Civil no Direito de Família, esta não se encaixa perfeitamente nas modalidades de Responsabilidade Civil enumeradas pelas classificações doutrinárias clássicas, a saber: Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual, conforme o direito violado tenha origem em relação contratual pré-existente entre as partes ou tenha natureza de direito absoluto.[5]
Dessa forma, de acordo com tal entendimento, a Responsabilidade Civil Familiar deve ser considerada um terceiro gênero de responsabilidade. Nessa perspectiva, cabe aos advogados, magistrados e doutrinadores desenvolverem critérios específicos para tutelar as situações que envolvam danos causados em relações de família, desenvolvendo-se, consequentemente, uma teoria própria da Responsabilidade Civil Familiar.
Em casos conflituosos envolvendo o “descumprimento do dever de cuidado”, o dano causado à prole é decorrente do “direito ao pai”[6], direito que o filho tem, constitucionalmente assegurado, de conviver com seus pais e ter apoio em seu sadio desenvolvimento psíquico e físico.
Ressalte-se que o exercício do poder familiar não é livre, mas sim plenamente cogente, de modo que o indivíduo a ele vinculado está juridicamente obrigado a desempenhar todos os encargos a ele inerentes[7]. Vale dizer que o genitor é responsável pelo desenvolvimento saudável da prole, não podendo furtar-se de seu dever, sob pena de ser responsabilizado civilmente pelo ato danoso.
A responsabilização civil por descumprimento do dever de cuidar só existirá quando cumpridos os requisitos para sua configuração, e, mais importante, quando efetivamente comprovado o dano causado. Ressalte-se que é primordial a existência de uma efetiva relação paterno-filial, com o conhecimento do genitor.
Eventual condenação ao pagamento de danos morais por descumprimento do dever de cuidar não deve ser entendida como “pagamento pelo abandono” ou “preço pelo amor paterno”, mas sim como última via para proteger os direitos de personalidade da prole.
Dessa forma, “apenas quando a lesão à personalidade não puder ser reparada por outra via é que deve a condenação em pecúnia ser utilizada, evitando-se a patrimonialização da relação familiar”[8].
1.Dos princípios constitucionais ligados ao Direito de Família
É notória a constitucionalização do Direito Civil, sobremaneira com o advento da Constituição Federal de 1988. Tal fenômeno acarretou uma hermenêutica própria dos institutos de Direito de Família, sendo essencial o estudo dos princípios constitucionais atinentes ao tema.
Ademais, vale ressaltar a fundamentalidade dos princípios constitucionais, tendo estes posição hierarquicamente superior às outras normas, devendo se ajustar à realidade social, extremamente mutante nas relações ligadas ao Direito de Família.
Os princípios possuem natureza maleável, e são, na verdade, verdadeiros “instrumentos materializadores dos valores supremos intrínsecos à sociedade”[9] no contexto das relações familiares,
Nesse contexto, cabe a análise dos princípios constitucionais ligados ao tema “descumprimento do dever de cuidado”.
1.1. Do princípio da Convivência Familiar
O art. 227 da Constituição Federal consigna claramente os deveres da família, incluindo-se neste rol – exemplificativo-, o dever de assegurar às crianças, aos adolescentes e aos jovens o direito à cultura, ao lazer, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar.
Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus arts. 4º, caput, e 19 a 52, dispõe da mesma forma acerca da convivência familiar, configurando-se tais dispositivos em verdadeiras medidas protetivas à criança e ao adolescente.
E aqui vale ressaltar a inovação trazida com a inclusão, tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na Lei n. 8.069/90, do direito à convivência familiar como um dos direitos fundamentais a serem assegurados a todas as crianças e adolescentes com absoluta prioridade. O dever de cuidado não se restringe ao custeio das atividades básicas para a sobrevivência de um indivíduo, vai muito além.
A convivência familiar “antes de ser um direito, é uma necessidade vital da criança, no mesmo patamar de importância do direito fundamental à vida” [10]. Sabe-se que “durante toda a sua vida, é na família que o indivíduo encontra conforto e refúgio para sua sobrevivência”[11] e “(...) a criança não cresce sadiamente sem a constituição de um vínculo afetivo estreito e verdadeiro com um adulto (...).”[12]
O professor Paulo Lôbo define a convivência familiar como: “a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. [...][13]. Ressalta ainda que o mais importante não é o espaço literalmente dividido, mas a vida em comum, as referências que se internalizam em cada um e que se mostram como base para a vida.
É certo que o ritmo de vida atualmente experimentado pelos brasileiros muitas vezes torna impossível a convivência no mesmo espaço físico e no mesmo lapso temporal entre todos os membros da família, o que não descaracteriza a preceituada “convivência familiar”, desde que seja preservada a “referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos” [14].
A lesão ao direito à convivência familiar surge quando, na verdade, são rompidos laços referenciais ao ambiente comum, ou quando tais laços nem sequer são construídos, por ato ou omissão deliberada dos pais.
O Princípio da Convivência Familiar embasa a tese do “Descumprimento do dever de cuidado” e também perpassa o exercício do poder familiar, na medida em que os filhos têm direito à convivência com o pai e com a mãe, mesmo que estejam separados, não podendo um dos genitores limitar o acesso da criança ou do adolescente ao outro, sob pena de negar-lhe direito basilar, sem o qual não se desenvolverá em plenitude.
1.2. Dos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana
O professor Paulo Lôbo define a dignidade da pessoa humana como “o núcleo essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano”[15], e continua: “impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade”[16].
Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe a necessidade do respeito à existência do indivíduo em todas as relações sociais, e não deve ser diferente no âmbito familiar.
Insta ressaltar que tanto a Constituição Federal (art 227) quanto a legislação esparsa (ECA) consagram a dignidade da pessoa humana como valor maior a ser garantido pelo Estado e pelos indivíduos, sobremaneira pelo núcleo familiar.
Os pais devem garantir o desenvolvimento saudável de seus filhos, respeitando-os enquanto indivíduos, e garantindo a realização de seus afetos.
O afeto é a base das relações familiares. Podemos entender o princípio da afetividade como aquele que estabelece os laços familiares, sobrepondo-se aos laços patrimoniais ou biológicos.
Assim sendo, a afetividade é “dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.”[17] A afetividade pode existir entre pais e filhos de forma espontânea, existindo verdadeiro sentimento que internaliza nos pais a necessidade de cuidar dos filhos, não se configurando esta em imposição. Entretanto, caso inexista tal sentimento, se impõe aos pais o dever de cuidar dos filhos, a fim de concretizar a solidariedade e a dignidade humana para a prole.
A Constituição Federal de 1988 valorizou o indivíduo e buscou garantir em seus dispositivos os direitos da personalidade. Nesse contexto, a família é o local primeiro onde experimentamos interações sociais, e é onde devemos iniciar o processo de realização dos afetos. Neste sentido
“A restauração da primazia da pessoa nas relações de família, na garantia de realização da sua afetividade e de sua dignidade, é a condição primeira de adequação à realidade. (...) A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família da nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham papel secundário.”[18]
2.Da natureza objetiva do dever de cuidar
É certo que o conceito de família sofreu notória evolução em curto lapso temporal. Deixou-se, na atualidade, de entendê-la como uma relação de poder e domínio, na qual o patriarca era responsável pela mantença do núcleo familiar e a mulher pela “criação” e educação dos filhos.
Ora, a família deve ser entendida como uma comunidade afetiva onde o carinho, a atenção e o respeito mútuo são os fatores essenciais, que agregam os indivíduos. A família é, como ensina o mestre Paulo Lôbo, o núcleo no qual os indivíduos “realizam os seus afetos”. É ela o ambiente no qual os indivíduos tem o primeiro contato social, aquele que serve de referência de valores na construção do ser.
A infância é o momento da formação da personalidade, e a intervenção tanto do pai quanto da mãe é de essencial importância neste processo.
Repise-se: a criança, indivíduo em formação, necessita do apoio dos pais para ter um referencial de agir, desenvolver posicionamentos negativos e afirmativos, ações para as quais o suporte meramente pecuniário não é suficiente.
O dever de custeio é objetivamente tutelado pelo Estado. Tanto o é que no trâmite regular de uma ação de alimentos, a prova da paternidade já torna certa a obrigação de prestar alimentos, num percentual que atenda o trinômio necessidade x possibilidade x adequação, conforme estabelecido no art. 1694, §1º do Código Civil. A necessidade do menor é presumida, e certa a obrigação de prestar alimentos, dentro das possibilidades financeiras e da adequação, daquele não-guardião.
Antes mesmo da formação do contraditório, ao juiz é permitido fixar alimentos provisórios, desde que requeridos pela parte autora, que deve comprovar a filiação com a parte ré.
O dever de prestar alimentos é facilmente constatado, pela simples prova documental, sem necessidade de dilação probatória. Uma vez provada a filiação, a criança ou o adolescente tem direito à percepção de verba alimentícia. Sua necessidade é, repise-se, presumida, independe de prova.
E mais, ainda que o guardião detenha situação financeira satisfatória e possa arcar sozinho com todos os gastos do menor, ainda que não falte coisa alguma para mantença deste, que seja completamente “desnecessária” a contribuição pecuniária do genitor não-guardião, ainda assim ele pode ser compelido judicialmente a prestar alimentos dentro de suas possibilidades, sob pena de ter seus bens penhorados ou até de ser decretada a sua prisão civil, na medida em que os pais tem a obrigação de, conjuntamente, sustentarem a prole.
Dessa forma não pairam dúvidas acerca do “dano” causado ao filho que, após a separação de seus pais não recebe prestação alimentícia por parte de algum dos genitores. Tal situação é expressamente regulada em diversos dispositivos legais e não se exige grande esforço hermenêutico para que sejam garantidos os interesses do menor. Ademais, o processo é célere e o procedimento simplificado, sendo certa a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos.
É dever objetivo de todo aquele que tem filhos contribuir para o sustento destes, como forma de garantir o seu desenvolvimento saudável.
Por outro lado, sanções pelo descumprimento do dever de cuidar não são objetivamente tratadas pela legislação pátria, apesar de inferidas do ordenamento, com respeito aos princípios mais caros ao direito de família e aplicando-se a Teoria da Responsabilidade Civil.
Tal falta de sanções objetivas, combinada com o tradicionalismo de alguns magistrados, dificulta a solução das controvérsias envolvendo o descumprimento do dever de cuidar, e vem gerando divergências jurisprudenciais relevantes.
Poderíamos definir o dever de cuidado como a obrigação dos genitores de guarnecer a prole com instrumentos de afirmação enquanto pessoas e de garantir o seu desenvolvimento saudável, bem como conviver de forma efetiva, mesmo que não seja diariamente sob o mesmo teto, mas rotineiramente, de forma a criar laços afetivos firmes.
A paternidade traz consigo deveres inerentes ao seu exercício, que não se resumem ao mero auxílio pecuniário.
Dessa forma, o dever de cuidado deve ser encarado como dever objetivo, e o seu descumprimento pode acarretar responsabilização Civil. Não se pode rejeitar de forma ferrenha a possibilidade do ajuizamento de ação que busque reparação pecuniária em decorrência do descumprimento do dever de cuidado.
Nesse sentido
“a responsabilidade civil vem ganhando espaço no direito de família sob o razoável argumento de que a vedação da pretensão de ressarcimento conduziria ao absurdo de privilegiar o ofensor em detrimento da vítima. Se o exercício do poder familiar é impositivo e o genitor se furta a ele voluntariamente, abandonando o menor nos momentos mais essenciais de construção de sua personalidade, não há como vedar a priori a discussão sobre o dano moral.”[19]
Ora, os pais devem conviver com os filhos, devem garantir o desenvolvimento psíquico, moral e físico destes, bem como apresentarem-se como referencial de conduta.
Não devemos excluir os danos decorrentes das relações familiares do campo dos ilícitos civis em geral. O descumprimento das obrigações parentais às quais estão sujeitos os genitores deve ser compreendido como ilícito civil, ensejando indenização aos afetados pela conduta, seja ela comissiva ou omissiva.
Rolf Madaleno ressalta a ideia de que existe no ordenamento brasileiro a possibilidade dos pais serem condenados à reparação de danos aos filhos, quando, por exemplo, observa-se a frustração de visitas pelo cônjuge não guardião. Quando esta decorre da rejeição afetiva do progenitor não convivente, causa sofrimento ao descendente que se sente diminuído e menosprezado por quem tinha a missão legal e moral de promover o seu sadio desenvolvimento psíquico. O ofensor deve, sem qualquer sombra de dúvida, arcar com o ressarcimento financeiro pelo dano moral causado na estima do seu filho.
É certo que não existe restrição legal à aplicação das regras concernentes à Responsabilidade Civil no âmbito do direito de família, entretanto, há entendimento jurisprudencial no sentindo de afastar sua aplicação, em decorrência de questões extremamente subjetivas que permeiam as relações familiares, o que tornaria complexa a tarefa de se determinar uma sanção objetiva aos “infratores”. Fala-se atualmente na polêmica “monetarização do afeto” como óbice às condenações indenizatórias pelo descumprimento do dever de cuidado.
Deve-se concordar com o argumento de que resta impossível compelir alguém a amar seus filhos. O amor é sentimento subjetivo e desprendido de amarras. Ocorre que, eventual condenação ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes do descumprimento do dever de cuidado por parte dos pais não almeja incutir no infrator sentimento algum, mas sim compeli-lo a respeitar os princípios constitucionais da convivência familiar, da afetividade e da solidariedade familiar, bem como coibir condutas semelhantes de outros indivíduos, para que não reine o sentimento de impunidade. Nesse sentido é o entendimento doutrinário:
"a indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende duas relevantes funções, além da compensatória: a punitiva e a dissuasória”.[20]
"Não se trata, pois, de "dar preço ao amor" – como defendem os que resistem ao tema em foco -, tampouco de "compensar a dor" propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.”[21]
Dessa forma, afastar a possibilidade de condenação daqueles que violam o dever de cuidado devido aos seus filhos, se traduz em estímulo à impunidade, e o argumento utilizado de que a punição para tal fato se configura na “destituição do poder familiar”, apenas alforria o sujeito que desampara um indivíduo, em desrespeito claro aos preceitos constitucionais. Deve o Judiciário fechar os olhos para tão graves lesões? É certo que não.
A solução desse impasse é possível, desde que façamos uma interpretação finalística dos dispositivos que regem a Responsabilidade Civil, combinados com os preceitos constitucionais e legais que protegem a criança e o adolescente.
O instituto da responsabilidade civil, para sua efetivação, exige a combinação de três elementos: a conduta ilícita, o dano, e o nexo causal entre a conduta e o dano.
A conduta ilícita se traduz na realização de um ato que seja contrário ao previsto pelo ordenamento jurídico, que no estudo em tela se configura no descumprimento dos deveres inerentes ao exercício do poder familiar.
Já o dano é a lesão suportada pela vítima, podendo ser moral ou material. É certo que o abandono dos pais, que caracteriza descumprimento do dever de cuidado, pode causar na criança e no adolescente danos de ordem moral. A ausência do devido suporte, convivência e afetividade aos filhos poderá acarretar danos aos indivíduos, influenciando de forma negativa o seu desenvolvimento psíquico e físico, o que deve ser verificado em cada caso.
O último pressuposto para a configuração da Responsabilidade Civil é o nexo causal, a relação entre a conduta ilícita e o dano sofrido pela vítima. Ou seja, o dano deve ser decorrência da conduta, esta deve ser a causa necessariamente determinante para a ocorrência do dano.
O dano e o nexo causal devem ser constatados no caso concreto, com a devida diligência. E estando presentes tais pressupostos, deverá então ser determinada a devida reparação civil à vítima.
Ademais, dispõe o ordenamento jurídico brasileiro que aquele que violar direito ou causar dano a alguém, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, conforme disposição do artigo 186 do Código Civil.
Sem dúvidas a conduta do pai que descumpre os deveres inerentes ao poder familiar, causando lesões muitas vezes permanentes na prole, é ato ilícito.
Ora, o artigo 927 do Código Civil dispõe que o dano causado a alguém por cometimento de ato Ilícito deve ser reparado.
Dessa forma, o ato ilícito que impede o desenvolvimento pleno da personalidade da pessoa humana quando causado por ação ou omissão voluntária, se enquadra no disposto no artigo 186 do Código Civil e deve ser reparado, ainda que esse dano seja exclusivamente moral.
O pai que deixa de garantir ao filho a convivência familiar constitucionalmente preceituada por negligência ou qualquer outro motivo, acarreta um vazio no desenvolvimento sócio-afetivo, moral e psicológico de sua prole, devendo ser compelido à reparação dos danos causados, ainda que estes sejam de natureza exclusivamente moral.
Pode-se argumentar que, nesses casos, a indenização pecuniária não repara o dano, que este seria, na verdade “irreparável”. Ocorre que, conforme já argumentado, tal entendimento coroa a impunidade, e estimula “pais irresponsáveis” a descumprirem suas obrigações e tão-somente prestar alimentos, contribuindo para a formação de um sem-número de indivíduos lesados em seu direito fundamental à convivência familiar. Repise-se: o exercício do poder familiar é cogente, vincula os indivíduos a desempenhar todos os encargos a ele inerentes[22].
Nas situações de descumprimento do dever de cuidado por parte dos pais em relação aos filhos se está analisando comportamentos objetivamente aferíveis pelos magistrados. Pode-se constatar, com o auxílio de todo um conjunto probatório, se os pais estão ou não convivendo com seus filhos, cuidando destes, sendo parte efetiva em suas vidas. Se, na verdade, se furtam de seus deveres, devem responder pelo dano causado, devem compensar a violação injusta aos direitos de seus filhos. De acordo com as circunstâncias de cada caso podem ser responsabilizados com fulcro nos dispositivos que regulam a responsabilidade civil.
Outra não poderia ser a conduta dos tribunais pátrios, sob pena de fecharem os olhos diante de lesões gravíssimas aos princípios mais caros à coletividade, como o princípio da dignidade humana, da solidariedade familiar, da afetividade e da convivência familiar, tão importantes nas relações atinentes ao Direito de Família.
3.Da necessidade de estudo do caso concreto
Superada a questão acerca do papel da família atual, enquanto local de realização plena dos indivíduos, em consonância com os princípios constitucionais do Direito de Família, e ressaltada a importância dos pais neste processo, bem como a natureza objetiva do dever de cuidado, resta-nos discorrer acerca da importância do estudo casuístico para eventual condenação ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência do descumprimento do dever de cuidado nas relações paterno-filiais.
É certo que o indivíduo que não tem a presença de seus pais em sua vida carrega fardo que poderá influenciar de forma permanente seus atos.
Entretanto, para fins de cabimento da responsabilização civil dos pais decorrente do descumprimento dos deveres inerentes ao exercício do poder familiar, entre eles o dever de cuidado, devem ser detidamente analisados o contexto e a(s) conduta(s) (ou omissões) perpetradas.
Ora, o judiciário não deve chancelar a vingança pessoal, mas buscar sempre realizar a justiça e garantir o respeito às normas e aos preceitos constitucionais.
Dessa forma, durante a instrução de uma ação de responsabilização civil por descumprimento do dever de cuidado, com pedido de indenização, deve ser comprovada a conduta do pai que negligenciou o filho(a) de forma a lesionar seus direitos de personalidade.
Não basta a simples alegação da distância entre as partes, mas deve ser comprovada a intenção do infrator de “abandonar” o filho, e o consequente desrespeito aos princípios supracitados.
Eventualmente, tal distanciamento pode ter ocorrido por fatores diversos, que se não atribuídos ao provável infrator, não acarretarão sua responsabilização civil.
Se no conjunto probatório dos autos restar comprovado que o distanciamento se deu, por exemplo, por conta da guardiã, que perpetrava atos de alienação parental, tendo o pai tentado exaustivamente o contato com o filho, se o comprovar robustamente que não sabia o seu paradeiro, por exemplo, poderá ser afastada a sua responsabilização civil.
O que aqui se quer dizer é que a instrução nesse tipo de ação deve ser farta, de forma a se evitar o cometimento de injustiças. Como já exposto, os pais estão obrigados ao dever de afetividade, convivência familiar, solidariedade familiar, que não se confundem, por sua vez, com o afeto, conceito subjetivo e de difícil qualificação.
Se o pai, após um divórcio no qual a guarda unilateral é concedida à mãe, cumpre com seu dever de prestar alimentos, cumpre com o dever de visita, está presente na vida do filho, mesmo que não seja diariamente, não poderá ser responsabilizado sob a alegação do filho de que, por exemplo, não o faz satisfatoriamente, não o faz com afeto suficiente ou que eventual nova prole do pai é mais abastada que ele.
É certo que o direito não pode impor afeto, não pode impor amor, conceitos, repise-se, essencialmente subjetivos.
Cada indivíduo apresenta conduta única, e o que pode se tutelado pelo direito, no âmbito dos deveres inerentes ao exercício do poder familiar, é o cumprimento de seus preceitos, objetivamente encarados.
Tal problemática deve ser encarada com muita dedicação pelos tribunais pátrios, no sentido de distinguir condutas que objetivamente lesam direitos de personalidade dos filhos e se caracterizam como descumprimento dos deveres parentais, daquelas que se referem à falta ou insuficiência de amor, carinho ou afeto, plano subjetivo, que não deve ser tutelado pelo direito.
4.Sanções previstas pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro
Do exposto, é certo que o Estado deve punir a omissão ou abuso dos pais no exercício do poder familiar, e no cumprimento dos deveres inerentes a tal exercício.
Maria Helena Diniz corrobora o entendimento de que a autonomia da família no exercício do poder familiar não é absoluta, sendo cabível, e às vezes salutar, a intervenção subsidiária do Estado[23]. Tal intervenção perpassa o caráter privado da família, e visa garantir os direitos, em especial, das crianças e dos adolescentes.
Ademais, Rodrigo da Cunha Pereira ressalta que o abandono moral, psíquico e afetivo, a não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção, ainda é uma das maiores infrações no cumprimento dos deveres parentais[24].
As punições previstas pelo ordenamento pátrio para o descumprimento dos deveres intrínsecos ao poder familiar vão desde sanções administrativas até a perda do poder familiar.
Faz-se necessário discorrer um pouco acerca das modalidades sancionatórias mais relevantes para o nosso estudo.
Inicialmente, as “Astreintes” se configuram em multa processual aplicada para o fim de fazer cumprir decisão judicial de obrigação de fazer ou de não fazer.
Rolf Madaleno manifesta-se contrário à cominação das astreintes para obrigar o cumprimento das visitas, pois segundo ele, estas não têm mais nenhum propósito de compelir o restabelecimento do amor, já desfeito pelo longo tempo transcorrido diante da total ausência de contato e de afeto paterno ou materno.
Outra punição para pais que descumprem os deveres parentais é a suspensão, perda e extinção do poder familiar.
Cabe conceituar Poder Familiar como sendo o complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições.
A suspensão do poder familiar impede, temporariamente, o exercício do poder familiar e pode ser sempre revista, no interesse do menor.
Já a extinção é a interrupção definitiva do poder familiar, sendo as hipóteses exclusivas para a sua configuração: morte dos pais ou do filho; emancipação do filho; maioridade do filho; adoção do filho por terceiros; e a perda em virtude de decisão judicial.
Dessas hipóteses, a mais relevante para o nosso estudo é a perda do poder familiar por decisão judicial (art. 1638 do CC). Esta depende da configuração de uma das seguintes hipóteses: castigo imoderado do filho; abandono do filho; prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; ou a reiteração de faltas aos deveres inerentes ao poder familiar.
Assim sendo, observamos que o pai que abandona o filho pode perder o poder familiar. Entretanto, a aplicação de tal sanção isoladamente apenas coroaria a impunidade, estimulando os infratores a agirem de forma irresponsável com a prole, desrespeitando preceitos constitucionais.
Daí a importância da condenação à reparação pecuniária em casos extremos, com a aplicação da Teoria da Responsabilidade Civil, visando a punição do infrator que, deliberadamente, descumpre preceitos constitucionais e causa dano a outrem.
A reparação pecuniária resulta da condenação do pai que descumpriu o dever de cuidar ao pagamento de indenização por danos morais infligidos ao filho, lesado em sua intimidade.
Ressalte-se que a possibilidade de condenação à reparação pecuniária em lides envolvendo o descumprimento do dever de cuidado advém de interpretação doutrinária e entendimento jurisprudencial, embasados na teoria da Responsabilidade Civil, já que não é expressa em dispositivo legal.
Ademais, tal indenização não se destina a compensar a falta que o pai deixou na vida e formação de seu filho, mas sim de conscientizar os pais de seus dever de conviver com os filhos, de cumprir os deveres inerentes à parentalidade.
Nesse contexto, e conforme já explanado, não se pode afastar, a priori, a possibilidade de condenação daquele que descumpre os deveres parentais à reparação pecuniária.
Desde que o processo seja instruído de forma satisfatória e reste comprovado o dano, o nexo causal e a conduta danosa perpetrada por parte do infrator, violando os direitos de personalidade de seu filho, ele deve ser condenado à reparação pecuniária, com base na Teoria da Responsabilidade Civil.
Visando alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivamente prevendo sanções para os pais que descumprirem o dever de cuidado, o Senador Marcello Crivella propôs o Projeto de Lei 700/07, já apelidado de “Lei Crivella”.
A intenção do referido projeto de lei é estabelecer que, ao infrator será imputada a condenação ao pagamento de reparação pecuniária, além de prisão por até seis meses, podendo até ocorrer a destituição do poder familiar na hipótese de abandono moral.
Ademais, seria acrescido ao ECA o art. 232-A, que prevê a possibilidade da prisão daquele que abandona moralmente a prole.
Ocorre que, apesar de tal projeto, uma vez aprovado, reforçar a tese do cabimento de indenização por descumprimento do dever de cuidado, as medidas previstas em seu bojo revelam-se exageradas.
O ordenamento jurídico pátrio já prevê penalidades passíveis de aplicação nos casos de descumprimento do dever de cuidado, ainda que não exista claramente a previsão de aplicação para estes casos. Um leve esforço hermenêutico vem permitindo a solução das lides, com a condenação dos infratores à reparação pecuniária.
CONCLUSÃO
A defesa da tese de que não caberia responsabilização por descumprimento do dever de cuidar não deve prosperar, na medida em que se materializa, na prática, como uma “carta de alforria” ao pai ou mãe que se exime de suas obrigações, deixando os filhos a mercê de intempéries emocionais e causando danos gravíssimos aos direitos de personalidade da prole.
A prestação de verba alimentícia, por si só, não representa o total cumprimento do dever dos pais em relação aos filhos. O dever de custeio é importante, sem dúvidas, entretanto muito mais significativo é o dever de cuidado, estando nesta ideia compreendidos o convívio, o companheirismo, a solidariedade familiar, as referências recíprocas, enfim, tudo aquilo que será determinante na formação da personalidade do indivíduo.
Muito mais que provedores, são os pais referências de vida, e tal referência só pode ser firme se a convivência entre as partes for exercida de forma efetiva, a despeito de eventuais desentendimentos ocorridos entre os genitores.
A paternidade/maternidade deve ser ato consciente e os indivíduos devem entender que são sim responsáveis por aquele novo ser, não sendo suficiente a mera contribuição pecuniária para a sua formação.
Ora, o convívio familiar é essencial para o desenvolvimento saudável do indivíduo. A família é entendida como o núcleo básico de qualquer sociedade, emergindo dela a responsabilidade pelo desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, garantido à criança e ao adolescente pelo ordenamento jurídico pátrio.
O afeto, o carinho e o convívio entre pais e filhos assumem papel primordial no adequado desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, sendo garantidos constitucionalmente e devendo ser respeitados por todos, sob pena de responsabilização civil.
A legislação que garante a convivência familiar à criança e ao adolescente é farta no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não prever sanções objetivas para eventual descumprimento de seus preceitos. Tal fato combinado com a alegação de que a indenização pecuniária não supre a lacuna deixada pelo pai que descumpre o dever de cuidado, tem sido utilizado para embasar decisões judiciais contrárias ao cabimento da indenização, deixando os infratores impunes.
Porém, tal entendimento não deve prosperar diante do momento em que vivemos, com todos os avanços da doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente. O direito de convivência familiar, não pode ser concebido como uma faculdade dos pais, mas como condição dignificante ao filho.
Ou seja, o dever de cuidado está objetivamente previsto e deve ser observado pelos pais. O desrespeito a tal obrigação gera responsabilização civil e condenação do ofensor ao pagamento de reparação pecuniária, que não decorre do desamor, mas sim do descumprimento de dever objetivamente previsto na legislação pátria.
O descumprimento do dever de convivência familiar pelos pais entendido dessa forma importa em sérios prejuízos aos direitos de personalidade do filho, sendo legítima a intervenção judicial na tutela destes direitos, com a efetiva punição aos infratores, buscando reparar a injusta violação ocasionada por estes. Fato é que “Não se trata de dar preço ao amor, tampouco de estimular a indústria dos danos morais, mas sim de lembrar a esses pais que a responsabilidade paterna não se esgota na contribuição material”[25].
É certo que, antes de se chegar a este ponto extremo, é importante que os conflitos que envolvam o descumprimento do dever de cuidar possam ser mediados, buscando a sua pacificação e o entendimento entre as partes, solução muito mais benéfica e apta a buscar a “realização dos afetos” dos membros da família, dentro de seu seio.
Entretanto, não se deve afastar a possibilidade de cabimento de condenação à reparação pecuniária, como última instância para resolução das lides envolvendo descumprimento do dever de cuidar por parte dos pais. Devem estes ser responsabilizados pelo dano causado aos filhos, de acordo com a Teoria da Responsabilidade Civil, já que - tendo descumprindo dever parental objetivamente previsto e, negligentemente, se abstido de estar presente na vida da prole - causaram danos irreversíveis em sua personalidade.
REFERÊNCIAS
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[1] Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com colação de grau em 09/10/2013, especialização em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguerra – UNIDERP, concluída em 30/11/2016, Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco desde 28/05/2012.
[2] Art 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
[3] MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da solidariedade. In MATOS, Ana Carla Harmatiuk (org.). A construção dos novos direitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2008, p 248-9.
[4] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Jornal do Advogado. São Paulo: OAB, n° 289, 2004, p.14.
[5] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Ensaio introdutório sobre a teoria da responsabilidade civil familiar. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT, Marcos; OLIVEIRA, Catarina.. (Org.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem ao Prof. Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: JusPodium., 2010, v. 1, p. 402.
[6] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Se eu soubesse que ele era meu pai. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte, Del Rey, 2000, p 71.
[7] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords). Direito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p144.
[8] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Ensaio introdutório sobre a teoria da responsabilidade civil familiar. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT, Marcos; OLIVEIRA, Catarina.. (Org.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem ao Prof. Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: JusPodium., 2010, v. 1, p. 420.
[9] ALBUQUERQUE, Fabiola Santos. Os princípios constitucionais e sua aplicação nas relações jurídicas de família. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT, Marcos; OLIVEIRA, Catarina. (Org.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem ao Prof. Paulo Luiz Netto Lobo. Salvador: JusPodium., 2010, v. 1, p. 31
[10] COSTA, Tarcísio José Martins apud MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade In: MACIEL, Kátia (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2007, p 61
[11] SILVA, Cláudia Maria da. Indenização ao filho – descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à personalidade do filho In: Revista de Direito de Família. Porto Alegre:Síntese, IBDFAM, v 6, n 25, ago-set, 2004, p 1
[12]MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2003, p.154.
[13] LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias. São Paulo: Saraiva, p 52.
[14] LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias. São Paulo: Saraiva, p 52.
[15] LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias. São Paulo: Saraiva, p 37.
[16] LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias. São Paulo: Saraiva, p 37.
[17] LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias. São Paulo: Saraiva, p 48.
[18] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/Ibdfam, v 6, n 24, jun/jul, 2004, p 152-155.
[19] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Ensaio introdutório sobre a teoria da responsabilidade civil familiar. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; EHRHARDT, Marcos; OLIVEIRA, Catarina.. (Org.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem ao Prof. Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: JusPodium., 2010, v. 1, p. 400.
[20] Indenização por Abandono Afetivo, Luiz Felipe Brasil Santos, in ADV - Seleções Jurídicas, fevereiro de 2005
[21] Descumprimento do Dever de Convivência Familiar e Indenização por Danos à Personalidade do Filho, in Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI, n° 25 – Ago-Set 2004
[22] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords). Direito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 144.
[23] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, São Paulo, Saraiva, 2007, p 516.
[24] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai Porque me abandonaste? . In: PEREIRA, Tânia da Silva (coord.). O melhor Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 582.
[25] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 7, n. 32, Out./Nov., 2005. P. 135
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com colação de grau em 25/03/2014, especialização em Direito Civil pela Universidade Anhanguerra – UNIDERP, concluída em 18/04/2017, Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco desde 13/01/2015
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELLO, Ana Cristina Oliveira de. Do descumprimento do dever objetivo de cuidado nas relações familiares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58994/do-descumprimento-do-dever-objetivo-de-cuidado-nas-relaes-familiares. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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