Resumo: Nosso ordenamento jurídico protege a propriedade intelectual, especialmente aquela produzida pelo empregado durante a sua jornada de trabalho, garantindo ao empregador os direitos de exploração sobre tal produto. No presente artigo, será tratado especificamente sobre a proteção do programa de computador e uma sugestão de cláusula que possa criar um equilíbrio para uma contraprestação justa, na hipótese de venda futura do programa de computador desenvolvido pelo empregado. Considerando a permissão na CLT para o estabelecimento livre de condições entre as partes, bem como a disposição legal sobre os direitos de exploração dos programas de computador, é sugerida uma cláusula que pode ser tanto utilizada para formar o pacote de remuneração do empregado, como para garantir uma justa contraprestação pelo valor gerado no desenvolvimento do programa de computador. Adicionalmente, discorre-se também sobre a possibilidade de incluir o tema nas negociações coletivas de trabalho, eis que os Sindicatos possuem muito mais força negocial quando tratam de um tema coletivamente se comparado com uma negociação da autonomia individual da vontade do empregado que busca um novo emprego. O procedimento de pesquisa foi histórico, comparativo, funcionalista e a interpretação foi sistemático-sociológica. A pesquisa baseou-se em materiais bibliográfico-documentais.
Palavras-chave: Propriedade Intelectual; Programa de computador; Cláusula de Tail; Negociação Coletiva.
Abstract: Our legal system protects intellectual property, especially that delivered by the employee during their working day, guaranteeing the employer the rights to exploit such product. In this article, we will deal specifically with the protection of the computer software and a suggestion for a clause that can create a balance for fair consideration, in the event of future sale of the computer software developed by the employee. Considering the permission in the Labor Law for the free establishment of conditions between the parties, as well as the legal provision on the exploitation rights of computer programs, a clause is suggested that can be used both to form the employee's remuneration package and to ensure fair consideration for the value generated in the development of the computer program. Additionally, it is also discussed the possibility of including the topic in collective labor negotiations, because Unions have much more negotiating strength when dealing with an issue collectively compared to the individual autonomy negotiating of the employee who seeks a new job. The research procedure was historical, comparative, functionalist and the interpretation was systematic-sociological. The research was based on bibliographic-documentary materials.
Keywords: Intellectual Property; Software; Tail Clause; Collective Negotiation.
Sumário: Introdução; 1. Preceitos legais acerca da aquisição do direito de propriedade intelectual pelo empregado em programas de computador; 2. A Cláusula de Tail como meio de garantir uma contraprestação proporcional ao trabalho desenvolvido; 3. A atuação sindical na negociação coletiva para assegurar direitos sobre propriedade intelectual; Considerações Finais.
Introdução
A proteção da propriedade intelectual sempre foi um dos pilares para o desenvolvimento de economias fortes, pois embora se crie limitações ao princípio da livre iniciativa, premia àqueles que inovam no mercado, criando um ambiente empresarial favorável ao crescimento econômico.
Como parte do meio para se criar novos produtos, invenções e produção intelectual, se faz necessária a utilização de pessoas devidamente capacitadas. Especialmente no desenvolvimento de programas de computador, cuja proteção é regulamentada pela Lei 9.609/98, há muitas vezes uma discrepância entre o capital e o trabalho, na qual o empregado desenvolve uma nova tecnologia que futuramente pode ser vendida por milhões de reais, sem uma justa retribuição pelo trabalho desenvolvido, ainda que seja do empregador o risco pelo negócio.
Neste sentido, considerando a possibilidade de livre estipulação das relações de trabalho prevista na CLT, ou mesmo por meio de negociações coletivas, as partes podem passar a estabelecer uma cláusula que atribua uma contrapartida remuneratória pela venda futura do programa de computador, na qual o trabalhador tenha participado.
Diante disso, o estudo abordará a fundamentação legal sobre a propriedade intelectual dos programas de computador, a disponibilidade de negociação de direitos sobre o desenvolvimento deste, bem como a possibilidade de se estabelecer direitos, por meio de negociações coletivas, como medida de equilibrar o capital e o trabalho, no âmbito das empresas de tecnologia, criando uma nova forma retribuição ao labor.
1 – Preceitos legais acerca da aquisição do direito de propriedade intelectual pelo empregado em programas de computador
As produções intelectuais humanas, sob a ótica de sua proteção legal, são divididas em dois grupos distintos: Direito Autoral e Propriedade Industrial. Quanto ao Direito Autoral, ela se desdobra em direito do autor, direitos conexos e programas de computador. Por sua vez, a Propriedade Industrial, abrange invenções, modelos de utilidade, desenho industrial, marcas, circuitos integrados e cultivares[1].
Gabriel Saad[2], citando Gama Cerqueira, pontua que o processo de evolução história da propriedade intelectual no Brasil, teve início com o Alvará de 28 de janeiro de 1809, logo após a transferência da Corte Portuguesa ao Brasil, eis que antes de período, inexistia qualquer interesse de proteção de propriedade industrial.
Dentre as inúmeras evoluções, a partir da Primeira Constituição Federal do Brasil (CF) em 1824, na qual dispôs em seu artigo 179, inciso XXVI que “os inventores terão a propriedade das suas descobertas ou das suas produções. A Lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará um ressarcimento da perda, que hajam de sofrer pela vulgarização”[3], passou-se a positivar as questões relativas à proteção da propriedade industrial.
Nosso ordenamento vigente, sobre e proteção dos programas de computador, encontra guarida no artigo 5º, incisos XXVI, XXVIII e XIX da CF de 1988, tratados internacionais, como a Convenção de Berna para Proteção de Obras Literárias e Artísticas, a Declaração Universal de Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948[4] e pela Lei 9.609/98, também chamada de Lei de software.
Para definição do escopo do que vem a ser Programa de Computador, o artigo 1º da Lei de software, determina que é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
Dentre as normas previstas na Lei de Software, temos que sua abrangência se refere a empregados, bolsistas e assemelhados, sendo que a titularidade do programada produzido, será atribuída ao empregador, quando este for desenvolvido durante o serviço e ao empregado, quando não for desenvolvida durante o expediente. Não há disposição para as hipóteses de criação mista, na qual parte do desenvolvimento ocorre de forma livre e parte durante o expediente laboral.
Quanto a sua proteção, por se equiparado ao Direito Autoral, não enseja exclusividade, porém impede que seja transcrito ou copiado o seu código. Em termos práticos, esta é a razão de vermos programas concorrentes para as mais diversas áreas da tecnologia, como editores de texto, planilhas de cálculos e sistemas de geolocalização e direcionados para atendimentos de necessidades específicas, nas mais diversas áreas do conhecimento.
Assim, uma vez definida a titularidade e proteção dos direitos do software, os seus resultados serão a obtenção de lucro com a sua exploração no mercado. Ocorre que podem existir situações em que o valor obtido pelo software, na qual o empregado concorreu com a sua criação, quer seja durante o expediente, quer seja de forma híbrida, podem ser um ativo de robusto valor futuro, em descompasso com a contraprestação percebida pelo empregado durante o seu desenvolvimento.
Como resultado, com fulcro no artigo 444 da CLT, em que as partes são livre para estipular condições de trabalho, nas quais não contraponham a proteção dos direitos do empregado, há a possibilidade de se estabelecer uma cláusula denominada “Tail”, cujos efeitos podem vir a ser concretizarem em um evento futuro, inclusive após o término da relação de emprego, o qual passa a ser abordado em mais detalhes no tópico seguinte.
2 – A Cláusula de Tail como meio de garantir uma contraprestação proporcional ao trabalho desenvolvido
A cláusula de Tail, trata-se de uma regra muito comum utilizada nos contratos com atletas desportivos, pela qual se estabelece que uma venda futura dos direitos sobre este atleta, ensejará o pagamento de uma indenização adicional, decorrente do trabalho que foi desenvolvido para a formação do jogador.
Em outras palavras, considerando que o artigo 4º da Lei de Software dispõe que a criação do programa de computador nos casos em que for desenvolvido durante a jornada de trabalho seja de titularidade do empregador, as partes, caso desejarem, podem estipular uma condição de participação no resultado futuro de uma venda do programa de computador, como uma medida de retenção do empregado no projeto e/ou como uma contraprestação pela ideia e contribuição no desenvolvimento da ferramenta.
Com o objetivo de viabilizar a condição futura, recomenda-se a estipulação de cláusula conforme sugestão de redação abaixo:
“Mecanismo de Tail. Caso o Empregador aceite qualquer proposta futura de venda do programa de computador ou da alienação do controle da Sociedade com este programa de computador, com a transferência dos direitos sobre o programa de computador, apresentada em decorrência de uma Oportunidade formulada durante a vigência do Contrato de trabalho ou em um período adicional de 24 (vinte e quatro) meses, contados do término contratual por qualquer motivo, resultando em Evento de Liquidez, o empregado fará jus a uma remuneração adicional de [a ser definido] a título de Honorários de Sucesso, sendo certo que os termos desta cláusula terão efeito e serão vinculativos às Partes mesmo após o término deste Contrato por qualquer motivo.”
Entretanto, considerando que na prática os empregados desenvolvedores de software figuram como partes hipossuficientes em uma relação laboral, ficando relegada a poucos trabalhadores a possibilidade de negociar, em par de igualdade uma condição que possa ensejar um benefício do mecanismo de Tail no futuro, este papel pode ser estabelecido pelo Sindicato da categoria, o qual possui condições mais robustas para indicar premissas de proteção futura sobre a alienação dos ativos do empregador, decorrentes de programas de computador.
Com efeito, vejamos em detalhes a abordagem prática de estipulação de cláusula neste sentido, mediante o estabelecimento de negociação coletiva.
3 – A atuação sindical na negociação coletiva para assegurar direitos sobre propriedade intelectual
A negociação coletiva está prevista expressamente em nossa Constituição Federal através dos artigos. 7º, caput e inciso XXVI, com a exigência de participação dos sindicatos nas negociações, a teor do artigo. 8º, inciso VI da CF. No âmbito dos tratados internacionais, temos as Convenções 98, 135 e 151 da OIT, combinadas com as Recomendações 91 e 163.
Na CLT, a negociação coletiva está prevista nos artigos. 611 a 625 da CLT.
Quanto ao fomento das negociações coletivas, o professor Maurício Godinho Delgado[5], preleciona sobre o Princípio da adequação setorial, na qual visa criar harmonia da norma coletiva com a norma estatal com dois critérios objetivos: (a) implementar um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação; (b) transacionar setorialmente parcelas de indisponibilidade relativa.
Conforme tratado no tópico anterior, muitos dos programas de computadores desenvolvidos por empregados, podem no futuro, torna-se ferramentas cujo valor ultrapassem bilhões de reais. Tal assertiva se torna cada vez mais corriqueira, ao analisarmos que 33% das maiores empresas do mundo, conforme dados do Visual Capitalist de 2021, advém do setor de tecnologia[6].
Quanto ao que é possível negociar entre as partes, a Reforma Trabalhista, por meio da Lei 13.467/2017, dispôs um rol exemplificativo, através do artigo 611-A da CLT, além de prever que os acordos coletivos possuem prevalência sobre as Convenções Coletivas, para evitar discussão acerca da teoria da norma mais favorável e conglobamento.
Adicionalmente, por meio do artigo 8, §3º da CLT, limitou a atuação do poder judiciário quanto a valoração destes instrumentos, devendo-se balizar sobre a intervenção mínima e apenas quanto aos elementos essenciais do negócio jurídico.
Assim, com bases nestas premissas, é possível estabelecer cláusulas garantindo aos empregados que tenham contribuído na criação e desenvolvimento de programas de computadores que, em determinado tempo futuro, sejam vendidos com substancial margem de lucro, retribuíam àqueles que originalmente desenvolveram a ideia, com a utilização do mecanismo de Tail, apresentado no tópico anterior.
Desta forma, é possível que capital e trabalho, no âmbito das relações de produção de programas de computador, cujo mercado tem se desenvolvido de forma substancial nos últimos anos, possam estabelecer métricas que busquem premiar e encorajar a criação e desenvolvimento de melhorias e temas que sejam disruptivos para a economia.
Como visto, temos que os programas de computador, atualmente regulamentados e protegidos pela Lei de Software, são passíveis de estabelecimento de regras que busquem atribuir vantagens tanto para o empregador quanto para o empregado.
Dentro desta liberdade de estipulação entre as partes, permite-se inclusive atribuir um valor de contraprestação justa, para uma futura alienação do programa de computador desenvolvido com a contribuição ou exclusividade do empregado, mesmo após o término do contrato de trabalho. Atribui-se a esta cláusula de contraprestação futura, o nome de Tail.
Entretanto, é sabido que, de uma forma geral, os empregados são entes hipossuficientes no estabelecimento de regras acerca de vantagens futuras do contrato de trabalho, especialmente durante o processo de admissão, quando muitas vezes estão buscando novas oportunidades de trabalho.
Neste sentido, alternativamente, os Sindicatos podem passar a incluir este fato jurídico na pauta de suas negociações, a depender do negócio desenvolvido pelo empregador, eis que possui muito mais poder de negociação do que um empregado sozinho, inclusive nas hipóteses em que o desenvolvimento abranja umas coletividades de desenvolvedores de sistemas.
Com efeito, surge uma nova possibilidade de se equilibrar o capital e trabalho, até mesmo pelo fato de que a tecnologia vem ocupando cada vez mais espaço no rol de valor de mercado mundial, tendo empresas de desenvolvimento de software figurando entre as mais valiosas.
Referências Bibliográficas
AROUCA, José Carlos. Curso Básico de Direito Sindical – Da CLT à Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n. 13467). 6ª ed. São Paulo: LTr, 2018.
AROUCA, José Carlos. Comentários à Legislação Sindical - Da CLT à Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n. 13467). São Paulo: LTr, 2018.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18a. ed. São Paulo: LTr, 2019.
MINHARO, Francisco Luciano. A propriedade intelectual no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
SAAD, Eduardo Gabriel et al. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 51ª ed. atual. rev. e ampl. – São Paulo: LTr, 2019.
SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT Comentada [livro eletrônico]. 2 ed. rev. atual. e ampl. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
VISUAL CAPITALIST. The biggest companies in the world in 2021, 2021. Disponível em: <https://www.visualcapitalist.com/the-biggest-companies-in-the-world-in-2021/>. Acesso em: 1 set. 2022.
[1] MINHARO, Francisco Luciano. A propriedade intelectual no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 38-39.
[2] SAAD, Eduardo Gabriel et al. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 51ª ed. atual. rev. e ampl. – São Paulo: LTr, 2019. P. 711
[3] Ibidem.
[4] Cláusula XXVII, item 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
[5] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18a. ed. São Paulo: LTr, 2019
[6] VISUAL CAPITALIST. The biggest companies in the world in 2021, 2021. Disponível em: <https://www.visualcapitalist.com/the-biggest-companies-in-the-world-in-2021/>. Acesso em: 14 nov. 2021.
Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP, Especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP (2021), Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale (2018), graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012) e graduado em Sistemas de Informação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2006).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Leonardo da Costa. Aquisição do direito de propriedade intelectual pelo empregado em programas de computador, a Cláusula de Tail e a negociação coletiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59174/aquisio-do-direito-de-propriedade-intelectual-pelo-empregado-em-programas-de-computador-a-clusula-de-tail-e-a-negociao-coletiva. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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