ROSIVÂNIA ARÁUJO MENDES
(orientadora)
RESUMO: Este estudo possui como objetivo geral analisar o fenômeno da Pejotização como uma forma de fraude no âmbito trabalhista, sendo uma tentativa de transformar uma pessoa física em pessoa jurídica como meio de fraudar a aplicação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Para tanto, a metodologia utilizada consiste em revisão sistemática da literatura, por meio de materiais já desenvolvidos sobre o tema abordado, através do conjunto de material científica e confiável já publicados. Essse tema é importante tanto socialmente quanto academicamente, devido a pejotização camuflar a relação de emprego, com a finalidade de afastar o dever de pagamento das verbas e dos encargos trabalhistas. Assim, apresenta-se o problema de pesquisa: quais as consequências que a pejotização pode causar a longo prazo na relação de emprego e no âmbito trabalhista? Com base nas discussões ao longo do estudo, constatou-se os tribunais vem se deparando com as mais diversas e inovadoras formas de fraude à relação de emprego, tais como a pejotização. É comum perceber e observar exemplos na realidade prática das diversas formas de relações de trabalho escondidas e mascaradas, que muitas vezes não se encaixam no perfil e no conceito de autoemprego e que remetem à situações de fraude na relação de emprego, provocando assim, consequências trabalhistas e previdenciárias, além de se configurar como uma prática nula e criminosa.
Palavras-chave: Pejotização. Fraude. Relação de emprego.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 AUTOEMPREGO E A RELAÇÃO DE EMPREGO A PARTIR DA DÉCADA DE 90. 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PEJOTIZAÇÃO. 4 CONSEQUÊNCIAS PREVIDENCIÁRIAS E TRABALHISTAS DA PEJOTIZAÇÃO. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Infelizmente hoje em dia ainda existem muitas situações em que a pejotização é utilizada no trabalho como um recurso para mascarar a relação empregatícia, com o objetivo de burlar as normas da proteção ao trabalho e eximir o verdadeiro empregador dos encargos sociais decorrentes do vínculo de emprego. Desse modo, muitas empresas e organizações utilizam o método de contratar trabalhadores, ou seja, pessoa física, travestidos de pessoas jurídicas, realizando assim o que se denomina por pejotização.
Com esse artifício, esses trabalhadores contratados são transformados em “empresários”, mediante o uso das normas de prestação de serviços do Direito Civil, e, no âmbito dos salões de beleza, por meio de trabalhadores-parceiros (figura jurídica criada pela Lei n. 12.592/2012, modificada pela Lei n. 13.352/2016), constituídos em microempreendedores individuais (MEI).
Além disso, também é relevante destacar que com a Reforma Trabalhista, que se deu por meio da Lei n. 13.467, de 13.7.2017, se faz necessário analisar os efeitos do novo art. 442-B nas relações de emprego, que introduziu a figura do trabalhador autônomo, sendo que este também pode se utilizar da pejotização, na forma de microempreendedor individual (MEI) ou microempresário (ME), para prestação de serviços, com o objetivo de encobrir a verdadeira relação empregatícia.
Diante disso, o presente estudo possui como objetivo geral analisar o fenômeno da Pejotização como uma forma de fraude no âmbito trabalhista, sendo uma tentativa de transformar uma pessoa física em pessoa jurídica como meio de fraudar a aplicação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Como objetivos específicos, busca-se apresentar o conceito de pejotização a partir da denominação Pessoa Jurídica, que é utilizado para descrever o ato de manter empregados através da criação de empresa pelos contratados; discutir sobre os conflitos que a Pejotização pode causar na relação de emprego, bem como as suas finalidades; e debater as consequências que a Pejotização pode causar no âmbito trabalhista, bem como para os trabalhadores contratados como pessoas jurídicas.
Sendo assim, é extremamente importante analisar esse fenômeno que se configura como uma forma de fraude à relação de emprego, trazendo diversas consequências no âmbito trabalhista. Daí que a presente pesquisa pode contribuir para a sociedade de várias maneiras, tanto socialmente quanto academicamente, visto que trata-se de um assunto de extrema relevância, uma vez que esse tipo de contratação irregular gera várias consequências, como não pagamento das verbas aos contratados como pessoas jurídicas, como FGTS, 13º salário, férias + 1/3, aviso prévio, piso salarial, adicionais diversos, dentre outras garantidas aos empregados.
Quanto aos limites desta pesquisa, que será de cunho bibliográfico conforme ela for se desenvolvendo, as limitações aparecerão, sobretudo em relação às fontes de pesquisa recentes e base de dados, pois é importante usar bibliografias atuais sobre o assunto, além de referências confiáveis, não utilizando qualquer site ou documento, sem a devida averiguação.
Tendo em vista que a pejotização se caracteriza como atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo art. 9º desta lei, quando os empregadores tentam simular fraudes na relação de emprego, utilizando-se do instituto da Pejotização como forma de encobrir uma verdadeira relação de emprego, isso pode gerar diversas consequências no âmbito do trabalho.
Esse fenômeno camufla a relação de emprego, com a finalidade de afastar o dever de pagamento das verbas e dos encargos trabalhistas. Demonstrando o que esse fenômeno pode causar nas relações de emprego tanto da parte do emprego como do empregador a longo prazo. Diante disso, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: quais as consequências que a Pejotização pode causar a longo prazo na relação de emprego e no âmbito trabalhista?
No que se refere à metodologia utilizada, consiste em revisão bibliográfica, baseada em pesquisas em sites científicos, como por exemplo: A Scientific Electronic Library Online, uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros; além disso, o Google Acadêmico também será utilizado, entre outros, onde serão usadas palavras-chave como: pejotização, fraude, emprego, consequências, pessoa física; pessoa jurídica, âmbito trabalhista, CLT, etc.
Assim, este estudo se sustenta em pesquisa bibliográfica, que “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Não se recomenda trabalhos oriundos da internet” (GIL, 2008, p. 6). A revisão sistemática da literatura consiste na fase da pesquisa de recolher informações documentais sobre os materiais já desenvolvidos sobre o tema abordado, através do conjunto de material científica e confiável já publicados.
Marconi e Lakatos (2003) também demonstram a relevância da pesquisa bibliográfica, evidenciando que ela é um processo fundamental para a construção de um trabalho científico, pois proporciona o levantamento de dados de diversas fontes. Além disso, os autores salientam, ainda, o caráter exploratório da pesquisa bibliográfica, que possui como principal suporte o desenvolvimento, esclarecimento e modificação de conceitos e ideias, levando em conta, a formulação e a resolução do problema em questão.
Além disso, o presente estudo tem abordagem qualitativa (MINAYO; DESLANDES, 2007). Quantos aos objetivos, Gil (2008) ressalta que os mesmos indicam uma direção a seguir e por isso mesmo, precisam ser redefinidos, esclarecidos, delimitados. Daí a importância dos objetivos específicos da pesquisa, uma vez que eles “tentam descrever, nos termos mais claros possíveis, exatamente o que será obtido num levantamento” (GIL, 2008, p. 112).
Sendo assim, a análise de dados é realizada partindo da perspectiva de que o problema formulado será esclarecido no sentido de servir de auxílio à reflexão e discussão acerca de um referencial teórico capaz de analisar o fenômeno da Pejotização, como uma forma de fraude no âmbito trabalhista, sendo uma tentativa de transformar uma pessoa física em pessoa jurídica, como forma de fraudar a aplicação da CLT.
Ante o exposto, este estudo está organizado da seguinte forma: a primeira seção aborda a questão do incentivo ao autoemprego a partir da década de 90, construindo um histórico para descrever a pejotização nos dias atuais esclarecer as diferenças entre o trabalho autônomo e a fraude na relação de emprego, além das consequências trabalhistas. A segunda seção traz algumas considerações sobre a pejotização e seu conceito no ordenamento jurídico. E a terceira seção apresenta as consequências previdenciárias que a pejotização pode causar no âmbito trabalhista, bem como para os trabalhadores contratados como pessoas jurídicas.
Por fim, apresenta-se a conclusão do estudo, descrevendo de modo sucinto, as considerações finais e os resultados obtidos neste trabalho. Ressaltando que a análise aqui feita do tema em questão não está fechada, podendo apontar para futuros estudos. Por conseguinte, a intenção aqui não é esgotar a temática proposta, mas provocar reflexões futuras a este respeito e formular novas questões, possíveis discussões e diálogos tanto no meio social, como no meio acadêmico.
2 AUTOEMPREGO E A RELAÇÃO DE EMPREGO A PARTIR DA DÉCADA DE 90
Para tratar das situações em que a pejotização é utilizada no trabalho como um recurso para mascarar a relação empregatícia, com o objetivo de burlar as normas da proteção ao trabalho e eximir o verdadeiro empregador dos encargos sociais decorrentes do vínculo de emprego, é importante antes falar sobre o incentivo ao autoemprego a partir da década de 1990, construindo um histórico para descrever a pejotização nos dias atuais, esclarecendo as diferenças entre o trabalho autonomo e a fraude na relação de emprego, além das consequências trabalhistas.
Isso porque o autoemprego é uma das representações do capitalismo moderno, onde a pessoa que trabalha aluga sua força de trabalho a um capitalista que detém os meios de produção e o capital, para comprar essa força de trabalho. Desse modo, no auto-emprego, esse trabalhador desempenha esses dois papéis, de maneira que ele detém as máquinas, equipamentos e insumos necessários à produção, e ainda faz uso do “próprio trabalho no processo produtivo. Isso implica no conhecimento de todos os passos do processo produtivo, e na detenção das ferramentas, força de trabalho e capital necessários ao processo produtivo” (GOMES, 2009, p. 16).
Desse modo, esse desempenho dessas duas funções tem atraído cada vez mais as pessoas para o setor do autoemprego no Brasil, fazendo a questão do emprego ocupar lugar de destaque no debate econômico nacional, em tempos recentes:
O mercado de trabalho brasileiro tem se caracterizado, em período recente, pela manutenção de taxas de desemprego relativamente baixas. A taxa média de desemprego nas seis regiões metropolitanas cobertas pela PME (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador) oscilou entre pouco mais de 3%, no início da década, e cerca de 6,5%, no segundo trimestre de 1992 e primeiro trimestre de 1996 (tendo declinado cerca de 1% desde então). A pequena amplitude destas variações é digna de nota, haja vista terem ocorrido em meio a diversas, e por vezes drásticas, mudanças no cenário macroeconômico. Esta relativa estabilidade tem muitas vezes sido interpretada como evidência de uma grande flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro (RAMOS; REIS, 1997, p. 2).
Como observa-se, a década de 90 é mercada pelo aumento e crescimento do autoemprego no Brasil, uma empressão tanto do capitalismo, quanto da falta de emprego nas mais diversas áreas. Com essa flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro a partir dos anos 90, os trabalhadores tem mais possibilidades de atuação, podendo não apenas vender sua força de trabalho a um capitalista, mas também desempenhando esses dois lados.
Além disso, essa flexibilidade aquirida principalmente a partir da década de 90 possibilitou também que os trabalhadores conseguissem outras conquistas de mais direitos, como por exemplo, jornada de trabalho compatível, condições de trabalho seguras e dignas, férias, 13º salário, entre outros, que desencadearam mudanças estruturais no mercado de trabalho brasileiro:
Estas mudanças estruturais tiveram efeitos importantes sobre o ritmo e a estrutura do crescimento da economia. Entre 1990 e 1992, o país viveu uma forte recessão, com redução do nível de atividade e aumento da taxa de desemprego. A partir de 1993 e, mais intensamente, da estabilização em junho de 1994, esse processo foi revertido, com crescimento da economia até 1997. Com o advento da crise asiática e da crise financeira internacional em meados de 1998, ocorreu uma interrupção do crescimento econômico (NERI; CAMARGO; REIS, 2000, p. 1).
Essas transformações estruturais afetaram as relações de emprego no Brasil, fazendo inclusive com que os trabalhadores tivessem mais autonomia no trabalho através da sua própria força de trabalho, uma vez que possuindo os meios de produção, esse trabalhador tornou-se capaz de produzir para seu próprio sustento, ainda que “esse tipo de trabalho seja considerado “improdutivo”, sob a ótica capitalista, já que o rendimento não se transforma em mais-valia para incremento do capital, mais se converte em renda própria” (GOMES, 2009, p. 17-18).
Desse modo, a autonomia e o controle do processo produtivo são características fundamentais no conceito do autoemprego no Brasil, pois sendo proprietário da sua força de trabalho e dos meios de produção necessários, incluindo o conhecimento dos passos necessários à produção, o autoempregado não depende de outra pessoa para concretizar a produção. Sendo assim, no caso mais simples, de “uma firma com um único trabalhador, que é ao mesmo tempo o proprietário da firma, a independência é claramente observada, já que o auto-empregado é o seu próprio patrão” (GOMES, 2009, p. 16).
O autoemprego no Brasil representa, dessa forma, uma expressão das mudanças que vêm ocorrendo sobretudo desde a década de 90, consequência também do aumento palpável na taxa de desemprego que assolou o país ao longo de 1995 e início de 1996, o que desencadeou uma intensa discussão acerca das tendências do “comportamento do mercado de trabalho, diante daquilo que poderia ser considerado o início de uma “crise” na capacidade deste de absorver a oferta de mão-de-obra em meio à nova ordem econômica vigente” (RAMOS; REIS, 1997, p. 2).
Essas mudanças estruturais e de comportamento que ocorreram no mercado de trabalho principalmente a partir dos anos 90 trouxeram como consequência fortes reflexos sobre o desempenho do mercado de trabalho, que continuaram a se propagar no final dos anos 90, devido a esses desenvolvimentos, em nível macroeconômico. “Redução do emprego industrial e aumento da proporção de trabalhadores informais, combinado a crescimento do rendimento real dos trabalhadores e do emprego nos setores comércio e serviços, são alguns desses reflexos” (NERI; CAMARGO; REIS, 2000, p. 1).
Desse modo, esses reflexos começaram a incentivar cada vez mais os trabalhadores a buscarem a sua autonomia, pois o trabalho autônomo passou a lhes proporcionar tanto uma fonte de renda (em razão da escassez de emprego no mercado), quanto uma forma de valorizar sua força de trabalho:
O autoempregado visa, primariamente, a busca de recursos para a própria sobrevivência, ou seja, a função de seu trabalho não está ligada diretamente à acumulação de capital, e sim à busca de um emprego que satisfaça suas próprias necessidades. Além disso, o autoempregado tem sua renda derivada do exercício de sua profissão ou negócio, atuando por sua própria conta e risco, sujeito à volatilidade nas receitas, diferentemente do trabalhador assalariado, coberto pela legislação trabalhista, que normalmente tem uma renda pré-fixada (GOMES, 2009, p. 17).
Conforme se observa, o autoemprego se configura como uma importante estratégia de mercado, que só se solidificou desde a década de 1990, acentuada pelas características que diferenciem o autoemprego do trabalhador assalariado típico do capitalismo moderno.
Como mencionado anteriormente, trata-de de um processo de flexibilização das relações de trabalho no Brasil, uma agenda prospera a partir dos anos 90, principalmente depois da implementação do Plano Real, quando o Brasil passa a consolidar sua inserção na globalização financeira (e não na produtiva, como fez, por exemplo, a China), passando a implementar uma política econômica com base nos preceitos do Consenso de Washington, flexibilizando a abertura da economia, privatização de empresas estatais, ortodoxia monetária, valorização cambial e reduzindo e redefinindo o papel do Estado (KREIN, 2019).
Desse modo, como resultado desse processo, a agenda de flexibilização das relações de trabalho é internalizada, de forma tardia, com adaptações pequenas se comparada à mesma em debate em outros países:
A flexibilização passa a ser justificada como forma de preparar o país para competir com outras nações em desenvolvimento que têm baixa proteção social. Então, no discurso conservador e hegemônico no Governo Federal depois de 1994, há uma responsabilização da legislação trabalhista e do sistema de proteção social consolidado na Constituição de 1988 pelos problemas no mercado de trabalho. Por isso, a questão é que a regulação do trabalho no Brasil apresenta traços históricos de flexibilidade, fruto de problemas estruturais vigentes no mercado de trabalho (tais como o excedente estrutural de força de trabalho, a informalidade, a alta rotatividade e os baixos salários) e das características do padrão de regulação, assim como da fragilidade das normas públicas a serem aplicadas ao conjunto dos ocupados, especialmente após 1964 (KREIN, 2019, p. 4).
Como é possível perceber no trecho acima, esses traços históricos de flexibilidade mais evidentes a partir da década de 90 são fruto de problemas estruturais vigentes no mercado de trabalho, como citado em outro momento, a exemplo das taxas de desemprego. Essa década ficou marcada por transformações profundas na economia brasileira, começando pela vitória de Fernando Collor de Mello em 1989, sendo o primeiro presidente eleito diretamente após o regime militar.
Com essas mudanças, os ajustes econômicos começaram a acontecer, como a abertura comercial e as privatizações. Contudo, a abertura econômica trouxe consigo o incremento do discurso da competitividade, precipitando a entrada da fechada economia brasileira na circulação da rede global, fazendo com que fossem expandidos os processos de reestruturação produtiva, resultando no “fechamento de fábricas, renovação tecnológica, terceirização, subcontratação, reorganização dos processos produtivos, enxugamento de quadros, etc., traduziram os ajustes” (COSTA, 2005, p. 120).
Ainda de acordo com Costa (2005), a consequência imediata dessas transformações e ajustes foi: até a primeira metade dos anos de 1990 mais de 1 milhão de empregos foram destruídos na indústria de transformação, tendo boa parte de seus “trabalhadores caído na informalidade e outra se deslocado para o setor de serviços, onde é ainda mais forte a heterogeneidade das condições de emprego, com predomínio (para) dos (os) contratos de baixa qualificação e de baixos salários” (COSTA, 2005, p. 120).
Essa informalidade foi um divisor de barreiras para o autoemprego no Brasil, no qual os trabalhadores em busca de renda e sem perspectivas de emprego, passaram a buscar seu sustento por conta própria, detendo sua força de trabalho, os meios de produção e o conhecimento necessário para a realização da produção, com autonomia e independência no processo produtivo, assumindo os riscos do negócio, recebendo uma remuneração variável, dependente de seu próprio esforço.
Contudo, na realidade prática, existem diversas formas de relações de trabalho escondidas e mascaradas, que muitas vezes não se encaixam no perfil do autoemprego conceituado no presente estudo, e que remetem à situações de fraude na relação de emprego, provocando assim, consequências trabalhistas, como por exemplo, a pejotização, que é utilizada como um recurso para mascarar a relação empregatícia, com o objetivo de burlar as normas da proteção ao trabalho e eximir o verdadeiro empregador dos encargos sociais decorrentes do vínculo de emprego.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PEJOTIZAÇÃO
O direito do trabalho vem evoluindo desde o seu início, quando haviam apenas pequenas manifestações até o surgimento as significativas evoluções trazidas pela Constituição Federal no seu artigo 7º (BRASIL, 2016). Além dessas mudanças, também é exposto que o direito está em constante evolução de acordo com a sociedade evolui e suas novas formas de relação de emprego, buscando demonstrar o que este fenômeno da Pejotização pode gerar ou pode vim a gerar nas relações trabalhistas a pequeno e a longo prazo.
O conceito legal de empregado está lançado no art. 3º, caput, da CLT: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário e ainda conforme Paulo e Alexandrino (2013) são cinco os elementos essenciais que caracterizam a relação de caráter empregatício, que são: pessoa física, não eventualidade, subordinação, salário e pessoalidade, esses cinco elementos são requisitos indispensáveis e cumulativos para que o sujeitos seja enquadrado como empregado.
A pejotização é utilizada para descrever o ato de manter empregados através da criação de empresa pelos empregados, a relação passa a ser entre empresas ao invés do contrato de trabalho entre a empresa e seus empregados.
A Pejotização advém de pessoa jurídica, uma pessoa física, simulando uma relação empregatícia entre empregado e empregador. O empregador, contrata um empregado pessoa física, constituído de pessoa jurídica, onde o mesmo ao invés de receber como prevê a CLT, recebe mediante a emissão de notas fiscais. A pejotização é reconhecida como ilegal, devido aos suprimentos dos direitos do trabalhador, e por lesar o erário, sendo que a relação de duas pessoas jurídicas, está sendo praticada com todos elementos de uma relação empregatícia, contendo os requisitos da onerosidade, subordinação, não eventualidade e pessoalidade, caracterizando a relação de emprego, elementos que são abordados nos itens do trabalho (LIMA JÚNIOR; SOUZA, 2018, p. 2).
Dessa forma, o termo pejotização ficou vinculado a uma pratica pejorativa, onde na verdade o empregador nada mais faz do que maquiar a relação de trabalho, para reduzir os direitos do empregado e trazer benefícios financeiros ao empregador. Ela é uma forma uma forma de fraude que visa burlar a legislação trabalhista e que, o empregador obriga a criação de uma pessoa jurídica, se se isenta de encargos sociais (MAGALHAES, 2014).
O único beneficiado na Pejotização é o empregador, uma vez que esta reduz os altos custos trabalhistas. Como forma de converter o prestador de serviços, o tomador promete conceder um aumento significativo no valor da remuneração, devido a redução de custos e pagamentos de impostos, tendo em vista que as obrigações trabalhistas para com o empregado são de responsabilidade do empregador:
O contrato de emprego é fonte de obrigação e envolve por parte do empregador uma obrigação de dar (pagar salário), enquanto que para o empregado há uma obrigação de fazer (trabalhar). A característica desta modalidade de obrigação é a pessoalidade ou a infugibilidade do trabalhador, que não há possibilidade de substituição na figura do obreiro, já que o contrato foi elaborado tendo em vista as qualidades específicas daquele indivíduo. Por isso afirma-se que a prestação de trabalho pela pessoa física é intuitu personae, ou seja, não pode o empregado fazer-se substituir constantemente por outra pessoa, sob pena de o vínculo formar-se com a última (SOUZA, 2012, p. 36).
Porém, é preciso muita atenção por parte do empregado, pois apesar do aumento ser vantajoso ao prestador, este na verdade não estará protegido pelas leis trabalhistas, incluindo o direito a diversos benefícios exclusivos do trabalhador como por exemplo: horas extras, intervalos remunerados, decimo terceiro salário, direitos previdenciários entre outros (MARCONES; NAOMI, 2016).
Para se ter uma ideia do objetivo da pejotização, sua denominação vem da sigla de pessoa jurídica (PJ = pejotização), buscando transformar uma pessoa física (PF = empregado) em PJ (pessoa jurídica). Por isso que trata-se de uma formar de mascarar a verdadeira relação de emprego, pois tomando esse caminho, acaba sendo mais benéfico ao empregador, haja vista a reducação dos altos custos trabalhistas (OLIVEIRA, 2013).
Nesse intuito de mascarar a relação de emprego e tentar convencer o prestador, o tomador promete conceder um aumento significativo no valor da remuneração, devido à redução de custos e pagamento de impostos. O que nem sempre acaba acontecendo, pelo contrário, o prestador passa a trabalhar de maneira insegura e desprotegida, podendo ainda “arcar com todas as despesas advindas de uma pessoa jurídica, como o pagamento de impostos, contribuições de abertura, manutenção da atividade e também assunção dos riscos de um negócio fraudulento” (MARCONES; NAOMI, 2016, p. 2).
Desse modo, embora a pejotização mascare as relações de emprego, essa prática foi introduzida a partir da Lei 11.196/ 2005, dando determinada previsão legal, onde diversos empregadores usam desta lei para contratar prestadores de serviço sob a “máscara” de pessoa jurídica, sem vínculo ou relação de emprego, desrespeitando os princípios basilares do Direito do Trabalho:
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil (BRASIL, 2005).
Como se observa, muitos empregadores utilizam esse dispositivo legal para justificar uma contratação alegando que o trabalhador aceitou a condição colocada para ele, constituindo pessoa jurídica, tornando um prestador de serviço e não um empregado, por livre iniciativa e vontade e assim, o empregador se abstém legalmente de algumas obrigações inerentes a uma relação de emprego de pessoa física.
Para evitar esse tipo de fraude, o Estado tem buscado ao longo dos últimos anos formas para coibir e impedir a pejotização, de forma muito significante por meio de leis e normas:
(...) em decorrência de serem empresas sem empregados, apenas de fachada, a pejotização também é comumente e ironicamente chamada da empresa do “eu sozinho”. Para evitar a ocorrência, campanhas de prevenção devem ser realizadas a fim de aprofundar os direitos que os empregados fazem jus. O Ministério Público do Trabalho está engajado no Combate à Pejotização com apoio dos Sindicatos representativos das categorias. Foi criada pela Procuradoria Geral do MPT, a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho – CONAFRET - e por sua vez nas Procuradorias Regionais, as Coordenadorias Regionais de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, com um dos intuitos de inibir a pejotização (OLIVEIRA, 2013, p. 01).
Conforme evidencia o trecho acima, também é importante destacar destacar o empenho do Ministério Público do Trabalho que, em conjunto com os sindicatos dos trabalhadores, também tem buscado o impedimento dessa prática, pois além de ferir diversos fundamentos do Direito do Trabalho, também ocasiona a perda de muitos direitos, como por exemplo, salário mínimo e férias.
Como essa prática vem sendo estendida pelos empregadores a todas as atividades, fica cada vez mais difícil o seu combate, mesmo com o Estado, o Ministério Público do Trabalho e os sindicatos dos trabalhadores buscando ao longo dos últimos anos formas para coibir e evitar a prática pejotização (SOUZA, 2012).
A busca e a luta para impedir e barrar a pejotização como forma de fraude das relações empregatícias é devido o fato de que é uma prática que fere tanto os conceitos consagrados na Constituição Federal (1998), como o da dignidade da pessoa humana, que norteia todos os demais princípios existentes no ordenamento jurídico brasileiro:
O ato [pejotização] é adotado em muitos estabelecimentos como obrigação para a admissão do empregado, o qual receberá como prestador de serviços assim regulado pelo Código Civil de 2002, principalmente pelos artigos 593 ao 609, e não regido pela CLT, apesar de estarem presentes todos os aspectos necessários para a constituição da relação emprego, isto é, a onerosidade, a subordinação, a continuidade (não eventualidade), a pessoalidade e ser o trabalho prestado por pessoa física. Assim sendo, a típica relação de emprego será burlada, mascarando-a com a finalidade de não aplicação da legislação trabalhista (OLIVEIRA, 2013, p. 01).
Desse modo, a não aplicação da legislação trabalhista e a consequente burlação da relação de emprego não deve acontecer. Para isso que existem os princípios do direito do trabalho, que têm justamente o objetivo de inspirar o sentido das normas trabalhistas e regulamentar as relações de trabalho, buscando proteger a parte hipossuficiente, ou seja, o empregado / prestador de serviço (MARCONES; NAOMI, 2016).
Mesmo não podendo acontecer, implicando uma forma de fraude, no ramo do Direito do Trabalho não é diferente, pois são diversas as situações da prática da pejotização utilizada por alguns empregadores como forma de mercantilizar o labor, consistente no emprego de métodos, procedimentos, condutas e mecanismos jurídico-formais, que, “por intermédio da concessão de uma roupagem jurídica fictícia a uma relação de emprego, obstam, no todo ou em parte, a imputação da legislação trabalhista e a observância dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores” (SOUZA, 2012, p. 55).
Sendo assim, a ocorrência de fraudes nas relações de trabalho é mais comum do que se pensa, não apenas sob a forma de pejotização, mas como também de outras as modalidades, como a contratação por cooperativas intermediadoras de mão de obra, a contratação de falso estagiário, a terceirização ilícita e a “socialização” do empregado, que se configuram como maneiras de burlar a lei e abster o empregado / prestador de serviços do seus direitos legais, como FGTS, 13º salário, férias + 1/3, aviso prévio, piso salarial, adicionais diversos, dentre outras garantidas aos empregados.
Desse modo, é preciso cautela para tratar da pejotização na relação de emprego, pois pejotização é um fenômeno recente no Brasil e que vem sendo constantemente detectada na Justiça do Trabalho, quando se observa a exigência de que o empregado preste seus serviços por meio de uma pessoa jurídica, com o intuito de desconfigurar a relação de emprego:
Objetivando furtar-se do correto pagamento das verbas a que faz jus o empregado e, com isso, reduzir os custos da mão-de-obra, o obreiro, por determinação do empregador, constitui pessoa jurídica, seja para cumprir uma condição sine qua non para admissão no novo emprego, ou para assegurar a remuneração recebida por um emprego já existente, mas que o empregador, sob ameaça de demissão, exige do empregado antigo a criação de uma empresa e, após a baixa na CTPS, celebra-se um contrato de prestação de serviços (SOUZA, 2012, p. 69).
A ocorrência da pejotização como fraude à relação de emprego é uma imposição colocada pelos empregadores com o objetivo de não aplicar a legislação trabalhista e o empregado por sua vez, acaba cedendo, pois é o seu modo de subsistência e também em razão da dependência econômica face ao empregador, se configurando como crime de frustração de direito trabalhista, conforme disposto no titulo dedicado aos Crimes contra a Organização do Trabalho, preconizado no artigo 203 do Código Penal (OLIVEIRA, 2013).
De acordo com Marcones e Naomi (2016), a prática da pejotização afeta não os intelectuais, como estabelece o artigo 129 da Lei 11.196/ 2005, mas também àqueles submetidos a contratos de trabalho. Por isso que o Ministério do Trabalho e Emprego tem atuado buscando impedir o fenômeno da pejotização, que tem se tornado “uma realidade no mercado de trabalho fazendo-se alcançar cada vez mais um número maior de classes de trabalhadores como professores, jornalistas, médicos, dentistas, dentre outros” (COELHO, 2017, p. 48).
Diante disso, a utilização desse método de contratar trabalhadores, ou seja, pessoa física, travestidos de pessoas jurídicas, realizando assim o que se denomina por pejotização, por parte de muitas empresas e organizações no mercado de trabalho atual se constitui como um obstáculo no principio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, “os quais foram adquiridos ao longo de anos e não poderão ser suprimidos ou reduzidos por simples vontade dos contratantes; o que poderá ser feito pelas partes é apenas a sua ampliação” (OLIVEIRA, 2013, p. 2).
Além disso, a pejotização como forma de fraude à relação de emprego, pode ser descaracterizada e o reconhecimento dos direitos do trabalhador, indenizados devidamente, mediante a comprovação dos requisitos da relação empregatícia.
A prática da pejotização tem por objetivo da parte empregadora, eliminar os direitos e encargos relacionados a relação de trabalho que as partes exercem, passando apenas a gerar encargos mediante a nota fiscal emitida pelo empregado, por hora da pessoa jurídica, relacionado aos serviços prestados. Devido as dificuldades encontradas pela classe empresária, para se manter em atividade, utilizando de tal artifício para amenizar os danos tributários, suprimindo do trabalhador direito e garantias que os mesmo lutaram por anos para adquirir, é considerado uma fraude dos mal-intencionados empregadores (LIMA JÚNIOR; SOUZA, 2018, p. 12).
Sendo assim, essa prática incide em uma violação previdenciária e trabalhista, se configurando também como um afronte às normas tributárias e previdenciárias, já que não há o recolhimento habitual dos referidos tributos. Sem contar que esse tipo de fraude que visa encobrir uma verdadeira relação de emprego, prejudicando e suprimindo direitos inerentes ao trabalhador, também ocorre que os “prestadores de serviço a fim de serem contratados, são forçados a constituir pessoa jurídica, afastando-os da esfera de proteção do direito do trabalho” (MARCONES; NAOMI, 2016, p. 2).
Dessa forma, Coelho (2017) também preconiza a prática da pejotização como fraude à relação de emprego tem alcançado vários segmentos na área de trabalho, tornando-se uma prática comum, contudo, não deixa de ser uma prática ilegal, que tem tomado grandes proporções em muitos países. Além disso, essa prática se insere na realidade brasileira sobre o pretexto da flexibilização, mas nada mais é do que uma descaracterização do vínculo de emprego e que se constitui na contratação de sociedade (PJ) para substituir o contrato de emprego (COELHO, 2017).
Por isso que a pejotização se caracteriza como atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo art. 9º desta lei, quando os empregadores tentam simular fraudes na relação de emprego, utilizando-se do instituto da Pejotização como forma de encobrir uma verdadeira relação de emprego, isso pode gerar diversas consequências previdenciárias e trabalhistas no âmbito do trabalho, como será abordado na seção seguinte.
4 CONSEQUÊNCIAS PREVIDENCIÁRIAS E TRABALHISTAS DA PEJOTIZAÇÃO
Neste tópico, a abordagem se refere às consequências previdenciárias, trazendo dados sobre essas consequências trabalhistas, sobre as verbas trabalhistas, mas também sobre qualidade de vida do tabalhador, segurança no trabalho, jornada de trabalho, enfatizando como a reforma trabalhista foi muito impactante, onde faz-se necessário destacar a pejotização pós-reforma, verificando se a reforma flexibizou para que as fraudes aumentassem ou se provocou algum outro efeito.
A jurisprudência abaixo trata da decisão do desembargador do 17º tribunal regional do trabalho, onde o recorrente é uma empresa de energia elétrica e o recorrido é uma pessoa física que, à época da contratação, foi demitido e recontratado como pessoa jurídica.
VÍNCULO DE EMPREGO.SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL INTERMEDIAÇÃO POR PESSOA JURÍDICA INTERPOSTA. “PEJOTIZAÇÃO”. Evidencia-se o vínculo de emprego quando mascarado por suposto contrato de prestação de serviço entre o empregador e pessoa jurídica constituída exclusivamente para intermediar a relação de trabalho, configurando o fenômeno chamado de “ Pejotização”, principalmente quando presente a subordinação estrutural, que se caracteriza pela inserção do trabalhador na dinâmica da atividade econômica da empresa, ainda que não receba ordens diretas dela ou de seus prepostos. (TRT 17ª R., ROT 0000373-67.2017.5.17.0121, Divisão da 1ª Turma, DEJT 25/09/2019).
A Pejotização e nos tribunais as decisões tem favorecido os trabalhadores, com reconhecimento de vínculos empregatício entre os profissionais e as empresas tomadoras de serviço e indenizando as perdas causadas pela tentativa de burlar a legislação trabalhista, com fundamento no principio da primazia da realidade. Para o juiz da 12ª Varado Trabalho de Curitiba, no Paraná, Luciano Augusto de Toledo Coelho:
O principio da primazia da realidade tem sido aplicado pelos juízes que na verdade desconsideram essa pessoa jurídica para possibilitar que o trabalhador tenha os direitos trabalhistas regulares e que o Estado receba regularmente a providência e os encargos sociais que são devidos pelas empresas. (SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DO TST).
Por fim, é fundamental esclarecer que a fraude será reconhecida pela Justiça Especializada do Trabalho, desde que se comprove os requisitos do art. 3º da CLT, ou seja, de que o prestador de serviços mantenha relação com o tomador de serviços de subordinação jurídica, pessoalidade, e que havia uma contraprestação aos trabalhos prestados e que estes eram ocasionais.
Segundo Ministro Claudio Mascarenhas Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho, no acordão do processo AG-AIRR-11.645-58.2016.5.03.0129:
Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. No aspecto político, em relação ao vínculo de emprego, destaca-se que o Tribunal Regional consignou presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, porquanto demonstrado nos autos que havia pessoalidade na prestação de serviços; onerosidade; subordinação jurídica; e não eventualidade. Afastou-se, portanto, a prestação de serviços de forma autônoma, porque constatado o intuito de fraudar direitos previstos na legislação trabalhista por meio da constituição de pessoa jurídica, fenômeno conhecido como "pejotização".
Como demonstrado no acórdão acima, a ocorrência da utilização da pejotização como fraude à relação de emprego é bastante comum na Justiça do Trabalho. Em razão dessa frequência, é pertinente tratar das consequências previdenciárias que a pejotização pode causar no âmbito trabalhista, bem como para os trabalhadores contratados como pessoas jurídicas, tendo em vista que essa prática também contribui para a precarização das relações de trabalho.
Desse modo, é preciso diferenciar os trabalhadores autônomos com os pseudos trabalhadores independentes, que estão vivendo uma fraude, sobre a prática da pejotização, como foi feito na primeira seção deste trabalho, quando foi abordada a questão do autoemprego e da flexibilização nas diretrizes trabalhistas.
Como conseqüência desta fraude [pejotização], temos o prejuízo do empregado com relação à proteção e benefícios que deveriam alcançá-los, além de fazer parte da prática de um ato ilícito. Já com relação ao empregador, as conseqüências, a priori, vêm como forma de “benefício”, uma vez que violando a legislação, haverá uma redução dos custos provenientes da manutenção de uma relação de emprego. Contudo, se tratando de uma fraude, uma vez descoberta, acarretará em diversos prejuízos ao bolso e a própria pessoa do empregador (MARCONES; NAOMI, 2016, p. 6).
Nesse sentido, percebe-se como a pejotização como um tipo de contratação irregular gera várias consequências, como não pagamento das verbas aos contratados como pessoas jurídicas, camuflando a relação de emprego, com a finalidade de afastar o dever de pagamento das verbas e dos encargos trabalhistas. Demonstrando o que esse fenômeno pode causar nas relações de emprego tanto da parte do emprego como do empregador a longo prazo.
Para analisar na realidade prática as consequências da pejotização no âmbito trabalhista, cabe aqui uma breve explanação de entendimentos jurisprudenciais sobre essa prática, bem como as medidas utilizadas para averiguar a existência ou não de fraude à relação de emprego. Para tanto, é importante demonstrar alguns julgados em que o empregado ingressou com ação na justiça do trabalho requerendo o reconhecimento do vínculo empregatício e a consequente anulação do contrato de prestação de serviços firmado entre a empresa-ré e a empresa constituída pelo trabalhador.
Preste atenção no seguinte caso:
Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-94940-57.2007.5.06.0021276 , interposto no Tribunal Superior Trabalhista, em que é agravante a TV Ômega Ltda. e agravado o Sr. Juari de Barros Carvalho. Segundo os autos, o agravado foi contratado pela agravante para exercer a função de contato publicitário, captando clientes a fim de preencher a grade publicitária da emissora de televisão (TV Ômega). Ocorre que em 02/03/2005 o agravado teria se demitido, com a justificativa de que tinha conhecimento que a empresa iria terceirizar o setor onde trabalhava e adiantou-se, sendo que no dia seguinte a emissora firmou contrato de prestação de serviço com a empresa J.E. Publicidade e Propaganda Ltda, da qual o agravante era sócio. A agravante alega, entre outros pontos, a inexistência de vínculo empregatício com o Sr. Juari de Barros Carvalho a partir de 03/03/2005, afirmando que a relação entre as partes limitou-se ao contrato de prestação de serviços, não sendo correto o pagamento das verbas de seguro-desemprego, aviso prévio e todos os outros consectários trabalhistas em que restou condenada (BRASIL, 2011).
Porém, neste caso, percebe-se que apesar de sócio da J.E.Publicidade e Propaganda Ltda, o indivíduo de nome Juari de Barros Carvalho não passou a desempenhar função diferente na emissora, continuando na condição de gerente comercial, exercendo seu trabalho nas mesmas condições da função originária de contato publicitário, apenas se reportando a Diretor Comercial diferente de quando era “empregado” (SOUZA, 2012).
Além disso, também foi demonstrado por meio de prova testemunhal que o Sr. Juari de Barros Carvalho foi compelido a constituir uma empresa (J.E.Publicidade e Propaganda Ltda) para poder continuar prestando serviços à emissora, na condição de gerente comercial, pois caso contrário, seria desligado. Também ficou comprovado que o tal contrato de prestação de serviços foi firmado com empresa que ainda não existia no plano jurídico, já que o contrato foi firmado em 03/03/2005, enquanto que a prestadora de serviços nele envolvida somente foi constituída em 14/09/2005.
Nesse sentido, os fatos evidenciados e constatados indicaram foram contundentes e em todas as instâncias recorridas (1° grau, Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região e Tribunal Superior Trabalhista) foram no sentido de que o período trabalhado pelo Sr. Juari de Barros Carvalho, após 02/03/2005, foi, induvidosamente, na condição de empregado, e não como prestador de serviço autônomo (SOUZA, 2012).
O trecho abaixo elucida a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região que analisou a situação em questão, onde percebe-se o descontentamento do Tribunal pela prática da pejotização como forma de burlar a lei e de fraude à relação de emprego do Sr. Juari de Barros Carvalho:
[...] Em verdade, o contrato realidade após 02.03.2005 demonstrou que existiu perfeito pacto laboral entre as partes litigantes e a formalidade do suposto pedido de demissão do empregado e imediata contratação da pessoa jurídica constituída pelo mesmo (autor) não servem para o aspecto factual que emerge com a prova oral colhida nos fólios a indicar a existência de um só vínculo de emprego contínuo, no interregno em que demandante e demandada mantiveram a relação jurídica. Os fatos que exsurge dos autos vem espelhar o que alguns doutrinadores, hodiernamente, têm denominado da “pejotização” do empregado, ou seja, com a clara finalidade de descumprir os direitos mínimos trabalhistas do hipossuficiente, algumas empresas têm por extinguir certos departamentos do estabelecimento comercial, normalmente ligados à área de vendas, e contratarem os mesmos ex-empregados, desta feita, como pessoas jurídicas, por vezes, irregularmente constituídas. Fere o bom senso pensar que é perfeitamente normal o mesmo empregado que desempenhava suas funções na área comercial da empresa demandada acabe por pedir demissão e ser recontratado para exercer as mesmas funções como uma pessoa jurídica com todos os ônus, inclusive tributários, que esta mudança implica. Ofende aos preceitos de ordem pública e protetivos do trabalhador comungar com tamanha fraude. Pensar desta forma e dar validade à prática nefasta da reclamada, revelada no caderno processual, é ir frontalmente de encontro ao que está estatuído no parágrafo único do artigo 2.035 do vigente Código Civil – que erigiu a eticidade (boa fé), a coletivização dos direitos e a função social como suas vigas mestras – e disciplina, verbis: “Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública (...)” (BRASIL, 2011).
Fica evidente a prática de pejotização nesse caso, onde por meio desse artifício, o Sr. Juari de Barros Carvalho foi transformados em “empresários”, mediante o uso das normas de prestação de serviços do Direito Civil, decorrendo então de uma fissura encontrada em lei pelo empregador com o escopo de exonerar-se das obrigações que lhe são impostas, acarretando em um confronto com a legislação trabalhista, no caso, a emissora de televisão (TV Ômega).
A agravante usou o artifício da pejotização se embasando no Art. 129. da Lei no 11.196, de 2005. Porém, quando isso acontece, a interpretação de dessa norma é feita de maneira equivocada, pois “o uso da pessoa jurídica só poderá ocorrer em face de prestação de serviço não habitual e/ou sem subordinação, com a finalidade apenas de suprir uma demanda de caráter temporário e específico” (MARCONES; NAOMI, 2016, p. 5).
A transformação de uma pessoa física em pessoa jurídica como meio de fraudar a aplicação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como ocorreu no julgado da agravante a TV Ômega Ltda. e agravado o Sr. Juari de Barros Carvalho, remete a um crime na Justiça do Trabalho, sob a prerrogativa de que neste caso, a agravante utilizou a pejotização como um recurso para mascarar a relação empregatícia com o Sr. Juari de Barros Carvalho, com o objetivo de burlar as normas da proteção ao trabalho e eximir o verdadeiro empregador dos encargos sociais decorrentes do vínculo de emprego.
Dessa forma, dentre as consequências da pejotização para o empregado, ou seja, aquele que sugere essa prática para o seu emprego, visando burlar as verbas trabalhistas, estão a nulidade e o crime contra a organização do trabalho, disposto no Art. 203. do Código Penal, como citado anteriormente. Contudo, é importante destacar que para que este empregador seja alcançado pelas consequências penais, o empregado deve necessariamente apresenter queixa específica no juízo criminal (OLIVEIRA, 2013).
Daí a necessidade de se discutir sobre os conflitos que a Pejotização pode causar na relação de emprego, bem como as consequências que a Pejotização pode causar no âmbito trabalhista e para os trabalhadores contratados como pessoas jurídicas, onde quem mais se beneficia dessa prática é o empregador, pela desoneração de uma séria de responsabilidades trabalhistas:
A prática da pejotização, além de não respeitar os direitos do trabalhador, lesa todo o sistema tributário da União, deixando de recolher os encargos sociais, trazendo prejuízo não apenas ao trabalhador, mas toda a população. Uma economia que prejudica toda sociedade. Com isso, caso esta prática ocorra, o empregado poderá recorrer ao Poder Judiciário, solicitar vínculo empregatício de todo o período laboral da pejotização e receber os direitos trabalhistas previstos nas normas do Direito do Trabalho (LIMA JÚNIOR; SOUZA, 2018, p. 17).
Desse modo, a utilização da pejotização sob a argumentação e respaldo à aplicação do art. 129 da Lei n. 11.196/05, é uma das prncipais correntes defendidas pela doutrina, considerando que a proteção trabalhista parte do pressuposto da fragilidade do trabalhador, não importando suas condições econômicas ou prestígio frente ao poderio econômico do empregador. Até porque a própria CLT, no parágrafo único do art. 3ª prevê expressamente que “não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual” (SOUZA, 2012, p. 72).
Diante disso, constata-se que esse tipo de contratação irregular gera várias consequências, como não pagamento das verbas aos contratados como pessoas jurídicas, infringindo a parte hipossuficiente, ou seja, o empregado.
Ao longo do presente trabalho, foi possível observar que os tribunais vem se deparando, a cada dia, com as mais diversas e inovadoras formas de fraude à relação de emprego, tais como a pejotização, que é utilizada como um recurso para mascarar a relação empregatícia, ou seja, a relação de emprego, com o objetivo de burlar as normas da proteção ao trabalho e eximir o verdadeiro empregador dos encargos sociais decorrentes do vínculo de emprego.
Desse modo, é comum perceber e observar exemplos na realidade prática das diversas formas de relações de trabalho escondidas e mascaradas, que muitas vezes não se encaixam no perfil do autoemprego conceituado na primeira seção do presente estudo, e que remetem à situações de fraude na relação de emprego, provocando assim, consequências trabalhistas e previdenciárias, além de se configurar como uma prática nula e criminosa.
Sendo assim, constata-se que o objetivo proposto neste estudo, de analisar o fenômeno da Pejotização como uma forma de fraude no âmbito trabalhista, sendo uma tentativa de transformar uma pessoa física em pessoa jurídica como meio de fraudar a aplicação da CLT, foi alcançado, pois utilizou-se de material bibliográfico consiste na fase da pesquisa, recolhendo informações documentais sobre os materiais já desenvolvidos sobre a pejotização como forma de fraude à relação de emprego e suas consequências no âmbito trabalhista.
É preciso atenção às relações de trabalho, principalmente quando os empregadores oferecem uma pecúnia maior aos empregados, com o argumento de que com a redução com o pagamento de impostos vai permitir o aumento do valor do “salário”, porém, levando esse empregado a acreditar que a oferta é recompensadora, mas na verdade ao empregado não será assegurado pela lei o direito ao décimo terceiro salário, às horas extras, às verbas rescisórias e outros direitos previdenciários e direitos que este empregado teria garantia, com a relação de emprego como PF.
Por conseguinte, reitera-se que o conteúdo exposto e a produção aqui apresentada não está fechada, podendo apontar para futuros estudos, até porque o objetivo aqui não é esgotar a temática proposta, mas provocar reflexões futuras a este respeito e formular novas questões, possíveis discussões e diálogos tanto no meio social, como no meio acadêmico.
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Bacharelando em Direito pela Faculdade de Imperatriz – Facimp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, EVILENE MARACAIPE DINIZ DA. Pejotização como forma de fraude à relação de emprego e suas consequências no âmbito trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 out 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59514/pejotizao-como-forma-de-fraude-relao-de-emprego-e-suas-consequncias-no-mbito-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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