JOSÉ AUGUSTO BEZERRA LOPES[1]
(orientador)
RESUMO: No Direito Trabalhista Brasileiro, as relações de trabalho trazem em seu bojo diversas proteções aos trabalhadores, sendo reconhecidas por lei, desde que preenchidos alguns requisitos, tais como a pessoalidade, a onerosidade, assiduidade, ou seja, a não eventualidade, mas, principalmente, a subordinação. Entretanto, as relações de trabalho advindas de modelos de compartilhamento digital representam diversos desafios para o enquadramento neste paradigma. Na atualidade, existem diversas plataformas digitais que têm trazido consigo, além da tecnologia, diversos impactos para a área trabalhista, pois os usuários dessas plataformas são considerados como sendo autônomos, não possuindo, assim, direitos trabalhistas, logo que não se enquadram nos principais pressupostos da relação empregatícia. Esse estudo tratará especificamente dos motoristas da plataforma Uber, logo que a configuração da relação de emprego confronta com a característica da subordinação. Serão analisados, portanto, os requisitos fático-jurídicos configuradores do vínculo de emprego, aprofundando no tema dessa nova modalidade “uberização”, comprovando, desta forma, a necessidade de normas mais específicas acerca do tema. Desta forma, o projeto se valerá do método de pesquisa bibliográfica e documental, mediante revisão narrativa de literatura e análise da jurisprudência a respeito do tema, pois foram utilizados como meio de consulta livros físicos, artigos publicados e de documentos eletrônicos referentes ao tema abordado, bem como a legislação brasileira vigente que trata sobre a matéria em comento. Por fim, o resultado esperado é pela comprovação da necessidade de normas específicas do tema estudado, e como o mesmo poderá trazer vantagens para a sociedade.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Plataformas Digitais. Uber. Impacto no mercado de trabalho.
ABSTRACT: In Brazilian Labor Law, labor relations bring with them several protections for workers, being recognized by law, provided that certain requirements are met, such as personality, onerosity, assiduity, that is, the non-contingency, but, mainly, the subordination. However, the work relationships arising from models of digital sharing represent several challenges for framing this paradigm. Currently, there are several digital platforms that, in addition to technology, have brought with them several impacts for the labor area, as the users of these platforms are considered to be autonomous, thus not having labor rights, so they do not fit into the main assumptions. of the employment relationship. This study will specifically address the drivers of the Uber platform, as soon as the configuration of the employment relationship confronts the characteristic of subordination. Therefore, the factual and legal requirements that configure the employment relationship will be analyzed, delving deeper into the theme of this new “uberization” modality, thus proving the need for more specific rules on the subject. In this way, the project will use the method of bibliographic and documental research, through a narrative review of literature and analysis of jurisprudence on the subject, as physical books, published articles and electronic documents related to the topic were used as a means of consulting, as well as the current Brazilian legislation that deals with the matter in question. Finally, the expected result is the proof of the need for specific rules on the subject studied, and how it can bring benefits to society.
Keywords: Labor Law. Digital Platforms. Uber. Impact on the labor market.
Sumário: Introdução. 1. Direito do Trabalho no Brasil. 1.1 Elementos da Relação de Emprego. 1.1.1 Pessoalidade. 1.1.2 Onerosidade. 1.1.3 Não eventualidade. 1.1.4 Subordinação. 2. Empresa Uber. 2.1 Uberização nas relações de trabalho. 2.1.1 Uberização e o elemento da subordinação na relação empregatícia. 3. Impactos da Uberização no mercado de trabalho. 4. Consolidação jurisprudencial no Brasil. 5. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho no Brasil teve seu surgimento a partir da afirmação de que o trabalhador é figura imprescindível na sociedade, devendo ser protegido pelo estado através de garantias jurídicas capazes de compensar as desigualdades entre empregados e empregadores, pautando-se na coesão e paz social.
O direito trabalhista passou por diversas inovações nos últimos anos, trazendo transformações e novas formas de laborar. Nesse movimento pós moderno, onde relações de empregos são desconstruídas, a forma de lucro empresarial se sobressai em detrimento aos direitos trabalhistas, tornando-se o empregado a parte mais frágil do elo empregatício, tendo seus direitos colocados à prova, sem garantia de relação de emprego, sendo a uberização, tema desse estudo, um exemplo disso.
O processo de “uberização”, trazido pela empresa Uber, focado em prestação de serviços de transportes oferta autonomia a seus prestadores de trabalho através de sua plataforma, bem como certo “controle” da prestação de serviço pelo trabalhador, afastando, dessa forma, o papel da subordinação clássica.
A uberização é “uma nova organização, de controle e gerenciamento do trabalho, a qual conta com o par autogerenciamento/eliminação de vínculos empregatícios e regulações públicas do trabalho [...]” (ABÍLIO, 2017).
O presente estudo justifica-se como meio de contribuição para a discussão do tema em comento, levando-se em conta as transformações sociais advindas da relação dos motoristas de aplicativos de transportes, que trazem precarização ao direito trabalhista, logo que o elemento da subordinação é de difícil confirmação. Objetiva-se, portanto, analisar os requisitos fático-jurídicos configuradores do vínculo de emprego, aprofundando no tema dessa nova modalidade “uberização”, comprovando, desta forma, a necessidade de normas mais específicas acerca do tema. Desta forma, o projeto se valerá do método de pesquisa bibliográfica e documental, mediante revisão narrativa de literatura e análise da jurisprudência a respeito do tema, pois foram utilizados como meio de consulta livros físicos, artigos publicados e de documentos eletrônicos referentes ao tema abordado, bem como a legislação brasileira vigente que trata sobre a matéria em comento. Por fim, o resultado esperado é pela comprovação da necessidade de normas específicas do tema estudado, e como o mesmo poderá trazer vantagens para a sociedade.
1 DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
De acordo com Cassar (2018), há muitos anos o homem iniciava sua caminhada no que se refere ao trabalho. A partir da formação das comunidades, as lutas tiveram início, desta forma, os perdedores tornavam-se escravos dos vencedores, devendo executar trabalhos para terceiros, sendo que, a partir da escravidão, iniciou-se a subordinação.
Assim, segundo Ferrari et. al., (2011, p. 17),
O termo Trabalho tem significado geral – trabalho ou esforço frequentemente no sentido de lida penosa ou pesada – do qual derivam várias aplicações e usos análogos (como por exemplo, trabalhoso: o que custa muito esforço e exige muita persistência em vez de habilidade). Como verbo, trabalhar tem o mesmo sentido geral. Dessa forma, o termo trabalho tem em economia vários sentidos (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 2011, p. 17)
Conforme Nogueira (2012, p. 85), a Constituição Federal de 1824, no inciso XXIV do art. 179 trouxe, em seu bojo, certa legislação trabalhista:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[…]
XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. (NOGUEIRA, 2012, p. 85)
Baleeiro (2012, p. 81) demonstra que a Constituição Federal do ano de 1891, no parágrafo 24 do artigo 72 traz garantias no que se refere ao livre exercício profissional:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes:
[…]
§ 24. E’ garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intellectual e industrial. (BALEEIRO, 2012, p. 81).
Segundo Poletti (2012, p. 134), a Constituição Federal de 1934 trouxe diversas transformações para o direito trabalhista, incluindo sindicatos e proteções ao trabalhador.
Após isso, no ano de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada, trazendo inúmeras modificações para poder encaixar-se na Constituição vigente à época, incluindo a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17), proporcionando uma importante mudança para o direito do trabalho. (ROMAR, 2018)
Conforme Ferrari et. al., (2011), no ano de 1946 a Constituição Federal do Brasil foi votada pela Assembleia Constituinte, resultando em uma reorganização da democracia e incluindo a Justiça do Trabalho no Poder Judiciário do Brasil.
Ainda segundo os autores, foi promulgada nova Constituição Federal no ano de 1967, onde surgiram algumas alterações no direito trabalhista, criando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 2011).
Em 1988 surge nova Constituição Federal, conhecida como Constituição Cidadã, e trouxe em seu bojo diversos princípios e direitos fundamentais para os cidadãos, incluindo, inclusive, o trabalho como direito fundamental:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (BRASIL, 1988, p.1).
1.1 ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Segundo Delgado (2017), para o direito trabalhista existe grande diferença entre relação de trabalho e relação de emprego, sendo que a relação de trabalho envolve relações jurídicas que caracterizam a obrigação de fazer, referente ao trabalho, enquanto a relação de emprego é uma situação específica que pode ser configurada de forma jurídica. Dessa forma, extrai-se que a relação de trabalho é eventual e avulsa, enquanto a relação de emprego possui caracterização jurídica e carece de assinatura da CTPS.
Delgado (2019, p. 334) evidencia a importância da relação de emprego sobre as relações de trabalho:
Não obstante esse caráter de mera espécie do gênero a que se filia, a relação de emprego tem a particularidade de também se constituir, do ponto de vista econômico social, na modalidade mais relevante de pactuação de prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos, desde a instauração do sistema econômico contemporâneo, o capitalismo. Essa relevância socioeconômica e a singularidade de sua dinâmica jurídica conduziram a que se estruturasse em torno da relação de emprego um dos segmentos mais significativos do universo jurídico atual — o Direito do Trabalho.
Nesse contexto, percebe-se que a relação de emprego é uma formação contratual de trabalho que precisa ser formalizada, entretanto, a constituição dessa relação nem sempre é fácil de identificação, sendo imprescindível que haja elementos que tenham força para sua comprovação no âmbito jurídico.
Conforme ensinamentos de Barros (2016, p. 157):
O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica.
Diante disso, Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), no bojo dos artigos 2º e 3º, determinam alguns requisitos para uma relação de emprego seja configurada:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
§ 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. (BRASIL, 1943, p. 1)
Extrai-se, portanto, que para que exista uma relação de emprego, devem haver cinco requisitos fático jurídicos: “[…] prestação de serviço por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação” (DELGADO, 2008, p. 305).
Tendo previsão direta no art. 2º da CLT, a pessoalidade é a prestação de serviços de maneira pessoal, podendo, esse serviço, ser prestado de forma exclusiva pela pessoa contratada, não podendo existir transferências a terceiros (ROMAR, 2018)
De acordo com Delgado (2008), “é essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador.” Ou seja, quando o empregador contrata alguém, o contratado, obrigatoriamente, deve cumprir o acordo, não podendo transferir essa responsabilidade para outrem.
Sendo assim, não há constituição de contrato de trabalho de atividade realizada por pessoa incerta, podendo ocorrer, em alguns casos, substituições de empregados, desde que autorizadas pelo empregador por tempo determinado, não desconstituindo o requisito da Pessoalidade, nem descaracterizando o contrato de trabalho.
Há, contudo, situações ensejadoras de substituição do trabalhador sem que se veja suprimida a pessoalidade inerente à relação empregatícia. Em primeiro lugar, citem-se as situações de substituição propiciadas pelo consentimento do tomador de serviços: uma eventual substituição consentida (seja mais longa, seja mais curta no tempo), por exemplo, não afasta, necessariamente, a pessoalidade com relação ao trabalhador original. É óbvio, contudo, que uma intermitente e constante substituição consentida pode ser parte relevante de um contrato de prestação de serviços de caráter autônomo e sem pessoalidade (como ocorre com o representante comercial que credencia prepostos seus) — o que colocaria a relação jurídica examinada distante da figura legal típica da relação empregatícia. (DELGADO, 2019, p. 339)
De acordo com Romar (2018, p. 131), há uma especificidade para o requisito da pessoalidade:
A característica da pessoalidade produz efeitos não só para a configuração do vínculo empregatício e durante a execução do contrato de trabalho, mas também no momento da sua própria extinção, pois, em razão da pessoalidade, a relação de emprego e as obrigações a ela inerentes não se transmite a herdeiros e sucessores. A morte do empregado, portanto, implica necessariamente na extinção da relação de emprego.
Esse requisito encontra-se disposto no art. 3º da CLT, sendo definido como a prestação de serviço mediante pagamento, segundo Romar (2018, p. 136),
A relação de emprego não é gratuita ou voluntária, ao contrário, haverá sempre uma prestação (serviços) e uma contraprestação (remuneração). A onerosidade caracteriza-se pelo ajuste da troca de trabalho por salário. O que importa não é o quantum a ser pago, mas, sim, o pacto, a promessa de prestação de serviço de um lado e a promessa de pagamento do salário de outro lado
Não existe, portanto, trabalho gratuito, o que existe é uma obrigação entre partes que atuam de forma oposta, sendo que um presta serviços, e o outro, paga pelo serviço prestado (Cisneiros, 2016).
Delgado (2017, p. 322) evidencia que “o contrato de trabalho é, desse modo, um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, por envolver um conjunto diferenciado de prestações e contraprestações recíprocas entre as partes, economicamente mensuráveis”.
Esse critério define-se pela contraposição do trabalho eventual, que é aquele realizado de maneira esporádica, não possuindo uma continuidade em um lapso temporal, assim, a não eventualidade é a prestação de serviço habitual dentro do contrato de trabalho.
Nessa senda, Delgado (2019, p. 241) demonstra o caráter fundamental da não eventualidade para que seja concretizada a relação de emprego:
(...) Por meio do elemento fático-jurídico da não eventualidade, o ramo jus trabalhista esclarece que a noção de permanência também é relevante à formação sócio jurídica da categoria básica que responde por sua origem e desenvolvimento (a relação de emprego). Nesse sentido, para que haja relação empregatícia é necessário que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico. A continuidade da prestação (antítese à eventualidade) é, inclusive, expressão acolhida, há mais de 40 anos, pela legislação regente do trabalho doméstico, seja a antiga Lei n. 5.859/1972 (que se refere àquele “que presta serviços de natureza contínua” — art. 1º, caput), seja a nova Lei Complementar n. 150/2015 (que se reporta àquele “que presta serviços de forma contínua” — caput do art. 1º)
Imprescindível ressaltar que para que seja constatada a não eventualidade é necessária a análise do contexto de trabalho. Cassar (2018, p. 268) considera que:
(...) Quando uma empresa troca o trabalhador por outro que execute o mesmo serviço diversas vezes está demonstrando que precisa permanentemente daquele tipo de mão de obra. Portanto, o fato de haver substituição de pessoal para a mesma atividade pode comprovar a necessidade permanente de determinada mão de obra para empresa. Só o caso concreto nos auxiliará.
A subordinação é o elemento que possui maior fragilidade no que tange ao reconhecimento do vínculo de trabalho, pois é necessário levar-se em conta a etimologia, o cumprimento de uma ordem repassada por um terceiro.
Há quem sustente que a subordinação decorre da situação de “dependência” (CLT, art. 3º) do empregado em relação ao empregador. Todavia, parece-nos que o empregado não é “dependente” do empregador, e sim, a sua atividade laboral (física, mental ou intelectual) é que fica num estado de sujeição ao poder (diretivo, mental e disciplinar) do empregador, sendo que este critério é, para a maioria dos doutrinadores, o mais relevante, dentre os demais para caracterizar a relação empregatícia. (LEITE, 2020, p. 211)
De acordo com Resende (2020, p. 76), “o empregador exerce o poder diretivo, do qual decorre o poder de direcionar objetivamente a forma pela qual a energia de trabalho do obreiro será disponibilizada.”
O autor ainda ensina que:
Esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, [...]. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Em linhas gerais, o que interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do empregado. (RESENDE, 2020, p. 76),
Delgado (2017, p. 328) menciona três dimensões de subordinação:
Clássica (ou tradicional) é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa.
Objetiva é a subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, ainda que afrouxadas.
Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.
Assim, é importante mencionar que o legislador criou normas para proporcionar maior proteção ao empregado, entretanto, no que se refere aos trabalhadores da plataforma Uber, o legislador não oferece soluções para resguardar os direitos daqueles que a utilizam, permanecendo, portanto, fora das proteções ofertadas pela legislação trabalhista.
A empresa Uber foi criada no ano de 2009, na cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos, por Garret Camp e Travis Kalanik, trazendo consigo o fenômeno de Economia de Compartilhamento, criando uma atividade lucrativa e comercial. (SLEE, 2017, p. 98)
De acordo com Samuelson (2017),
A economia do compartilhamento emergiu e tornou-se expressiva no contexto da revolução digital, crise econômica mundial e desemprego, sendo uma alternativa de renda e sobrevivência imediata dos trabalhadores, enquanto os consumidores enxergam vantagens econômicas na sobreposição do “usar” em detrimento do “ter”, afinal, por qual razão comprar um carro – que pressupõe saber dirigir, possuir habilitação, gastos com manutenção e combustível, seguros, etc – se podemos pedir um carro com poucos toques no celular, por um preço baixo? Emergem questionamentos se é economicamente viável possuir um automóvel quando se compara às vantagens dos apps que intermediam serviços de transporte, como a Uber (SAMUELSON, 2017).
Slee (2017, p. 104) acerca da realidade da plataforma Uber, assevera que:
Entusiastas da Uber atribuem o sucesso da empresa a sua tecnologia e a eficiência em conectar passageiros e motoristas, mas essa visão ignora boa parte da história. O sucesso da Uber também se dá muito devido a evitar custos com seguro, impostos e inspeções veiculares, e fornecer um serviço universalmente acessível. Sua habilidade em fornecer um serviço barato e eficiente para os consumidores vem da habilidade de operar em prejuízo enquanto persegue seu generosamente financiado caminho para o crescimento. O sucesso da Uber decorre de seu parasitismo nas cidades onde opera. (SLEE, 2017, p. 104)
Considerando referida economia de compartilhamento, as plataformas digitais criaram um fenômeno denominado uberização, onde uma plataforma digital gere uma atividade econômica através da intermediação entre o prestador de serviço e o consumidor, recebendo uma parte do pagamento. (SIGNES, 2017, p. 31)
2.1 UBERIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
De acordo com Abílio (2019), a uberização do trabalho é uma forma de gestão que proporciona modelos de organização e controle de trabalho, sendo considerado uma tendência mundial. Segundo Antunes e Filgueiras (2020, p. 6),
Em nosso entendimento, entretanto, a chamada uberização do trabalho somente pode ser compreendida e utilizada como expressão de modos de ser do trabalho que se expandem nas plataformas digitais, onde as relações de trabalho são cada vez mais individualizadas (sempre que isso for possível) e invisibilizadas, de modo a assumir a aparência de prestação de serviços. Mas, os traços constitutivos de sua concretude, como veremos a seguir, são expressão de formas diferenciadas de assalariamento, comportando tanto obtenção de lucro, exploração do mais valor e também espoliação do trabalho, ao transferir os custos para seus/suas trabalhadores/as que passam a depender diretamente do financiamento de suas despesas, que são imprescindíveis para a realização de seu labor.
Ainda segundo Abílio (2019), trabalhadores que atuam em conjunto com aplicativos não possuem condão de contratado, não tendo, portando, direitos ou segurança necessários para trabalhar, pois precisam aderir aos termos do referido aplicativo, aplicativo esse que é controlado por um algoritmo. Dessa forma, quem adere a esses termos, assumem os riscos do labor sem que a empresa seja responsabilizada em caso de acidentes (PRADO, 2020)
2.1.1 Uberização e o elemento da subordinação na relação empregatícia
Considerando que a doutrina demonstra preocupação em relação à subordinação na relação de emprego, é necessário tratar da subordinação estrutural, pois ela está relacionada com a atividade econômica, fazendo com que o empregado não receba ordens diretas do empregador, ainda que inserido na estrutura da organização.
De acordo com Leite (2019, p. 258),
(...) a chamada “subordinação estrutural” seria uma construção doutrinária que identifica a inserção do trabalhador na dinâmica e organização da atividade econômica do tomador de seus serviços, ou seja, na sua estrutura organizacional, independentemente de receber dele ordens diretas, como uma forma de caracterização da relação empregatícia.
Conforme Delgado (2006, p. 667), a subordinação
estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. (DELGADO, 2006, p. 667).
Barros (2016, p. 187) assevera que para que haja a subordinação, resta necessária a adoção do chamado “direito residual de controle”, sendo uma mistura de subordinação objetiva e subordinação estrutural, que objetivará averiguar se o trabalhador participa integralmente do processo produtivo.
Delgado (2019, p. 387), explica a diferença entre empregado e trabalhador autônomo:
(...) Noutras palavras, o trabalhador autônomo distingue-se do empregado, quer em face da ausência da subordinação ao tomador dos serviços no contexto da prestação do trabalho, quer em face de também, em acréscimo, poder faltar em seu vínculo com o tomador o elemento da pessoalidade. A diferenciação central entre as figuras situa-se, porém, repita-se, na subordinação. Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador dos serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se ao tomador; na autonomia, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho.
Segundo Baboin (2017, p. 349), os motoristas tem autonomias restritas, logo que assumem algum grau de subordinação:
Com seu aplicativo, a Uber poderia facilmente impor limite máximo na jornada laboral, bem como assegurar a observância de intervalos de descanso inter e intrajornada. Trata-se não apenas de uma medida de controle do empregado, mas também uma medida de saúde e segurança do trabalho, aplicável a todos os trabalhadores. Assim, muito embora a Uber afirme não exercer qualquer controle direto na jornada de trabalho do motorista, inclusive não impondo limites mínimos e máximos de trabalho, o que se verifica é que esses limites são impostos pela realidade social na qual o trabalhador está inserido. Embora o trabalho possa ocorrer de forma intermitente, a dependência econômica do trabalho é permanente.
Pode-se considerar que a relação jurídica entre o trabalhador e a empresa UBER ainda é indeterminada, logo que não há regulamentação específica para regular essa relação.
3 IMPACTOS DA UBERIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
A sociedade tem passado por inúmeras transformações que tem impactado profundamente o país. Essas mudanças tem sido classificadas como a Quarta Revolução Industrial e possuem o poder de aproximar o mundo físico e tecnológico, impactando diretamente os modelos de negócio, sociedade e modelos governamentais (SCHWAB, 2016, p. 12-13)
Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes (...) A quarta revolução industrial não é definida por um conjunto de tecnologias emergentes em si mesmas, mas a transição em direção a novos sistemas que foram construídos sobre a infraestrutura da revolução digital (anterior). (SCHWAB, 2016, p. 26).
Schwab (2016, p. 42-46) afirma que essa nova Revolução Industrial juntamente com as tecnologias criadas impactarão o mercado de trabalho profundamente, suprimindo empregos e criando novas profissões, entretanto, essas novas profissões podem não acompanhar as supressões de empregos, portanto o governo e as instituições precisam fomentar a formação acadêmica, de forma que os conflitos entre a sociedade e as tecnologias sejam minimizados, logo que, caso não haja medidas protetivas do mercado de trabalho, pode haver uma segregação da sociedade entre as pessoas com competências intelectuais e salários mais altos, com capacidade de programação de máquinas, e das pessoas com capacidade intelectual e salários mais baixos, realizando trabalhos mecânicos que máquinas não podem fazer.
Ao contrário da eliminação completa do trabalho pelo maquinário informacional digital, estamos presenciando o advento e a expansão monumental do novo proletariado da era digital, cujos trabalhos, mais ou menos intermitentes, mais ou menos constantes, ganharam novo impulso com as TICs, que conectam, pelos celulares, as mais distintas modalidades de trabalho. Portanto, em vez do fim do trabalho na era digital, estamos vivenciando o crescimento exponencial do novo proletariado de serviços, uma variante global do que se pode denominar escravidão digital. Em pleno século XXI. (ANTUNES, 2018, p. 35)
Nessa senda, as plataformas digitais defendem sua atuação alegando flexibilidade e liberdade para o trabalhador, porém, é observado que essas plataformas lucram de forma indiscriminada, logo que a legislação é menos protetora no que se refere aos autônomos (SIGNES, 2017, p. 29-30)
Com o advento da globalização, a organização do trabalho pode sofrer grande impacto em sua dinâmica, haja vista a alteração do conceito de profissão, logo que o fluxo de trabalho de alta rotatividade ou de modelo temporário aumenta. Nessa seara, o advento tecnológico retrocederá, havendo, então, a necessidade de adaptação às tecnologias. A “uberização” enquadra-se, conceitualmente, no consumo coletivo e economia compartilhada, trazendo crescimento dessa modalidade de comércio.
Uma nova tendência que se expande por meio de novas organizações e novo modelos de negócio, com foco no compartilhamento. É considerado um sistema socioeconômico construído em torno do compartilhamento de recursos humanos e físicos, o qual inclui a criação, produção, distribuição, o comércio e o consumo compartilhado de bens e serviços por pessoas e organizações (GANSKY, 2010, p. 300)
De acordo com Slee (2019, p. 300),
Infelizmente, algo diferente e ao mesmo tempo mais sombrio está acontecendo: a Economia do Compartilhamento está propagando um livre mercado inóspito e desregulado em áreas de nossas vidas que antes estavam protegidas. As companhias dominantes do setor se tornaram forças grandes e esmagadoras, e, para ganhar dinheiro e para manter suas marcas, estão desempenhando um papel mais e mais invasivo nas trocas que intermedeiam. À medida que a Economia do Compartilhamento cresce, está remodelando cidades sem considerar aquilo que as tornava habitáveis. Em vez de trazer uma nova fase de abertura e confiança pessoal a nossas interações está criando uma nova forma de fiscalização, em que os prestadores de serviços devem viver com medo de ser delatados pelos clientes. (Slee, 2019, p. 300)
Cumpre ressaltar que a relação de trabalho entre os motoristas e a empresa Uber resta marcada pela precariedade, pois seus funcionários não são considerados como empregados, logo que não há o elemento da subordinação, recebendo, portanto, a nomenclatura de “parceiro” ou “prestador de serviço”, desvirtuando, dessa forma, a relação empregatícia.
Alguns outros autores utilizam o termo ““peer to peer economy"” ou “economia de igual para igual”. Esse termo também se concentra no desaparecimento da empresa como tal, entendendo que o consumidor vai diretamente ao provedor de serviços, ambos em igualdade de condições, no entanto, como você verá, esse termo pode ser enganoso, pois parte da ideia de que existe uma posição idêntica entre o prestador de serviços e o pagador, como tradicionalmente ocorre no mercado de trabalho, o prestador de serviços, devido à natureza peremptória de seu trabalho, geralmente encontra-se em uma situação de desequilíbrio em relação àquele que solicita o serviço. Por fim, por esses motivos, considero que "a prestação de serviços através de plataformas virtuais" seria um termo muito mais descritivo e neutro para chamar esse novo modelo de negócios. (SIGNES, 2017, p. 21)
Assim, tona-se imprescindível que o Direito do Trabalho interfira nos direitos do trabalhador, protegendo-o da exploração na relação de trabalho, garantindo a concorrência e a manutenção da dignidade da pessoa humana. (SILVA & CECATO, 2017, p. 268; OITAVEN, CARELLI & CASAGRANDE, 2018, p. 40)
4 CONSOLIDAÇÃO JURISPRUDENCIAL NO BRASIL
Sabendo que não há uma legislação trabalhista que englobe os trabalhadores da plataforma UBER, existem julgados divergentes acerca do entendimento acerca da subordinação. Vejamos:
A 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais entende que há um vínculo empregatício entre o considerado “parceiro” e a plataforma UBER:
Fica claro, assim, que a ré mantém vínculo personalíssimo com cada motorista que utiliza sua plataforma, independentemente de este ser ou não o proprietário do veículo conduzido. Por fim, cabe examinar a tese da defesa de que não há pessoalidade entre as partes, na medida em que o aplicativo apenas aciona o motorista mais próximo para atender à demanda do usuário, sem que haja possibilidade de escolha do profissional que irá realizar a prestação do serviço O argumento não procede. Não se pode confundir a pessoalidade marcante da relação motorista-Uber com a impessoalidade da relação usuário-motorista. Assim, da mesma forma que, na maioria das vezes, não podemos escolher qual cozinheiro irá preparar nosso prato em um restaurante ou qual vendedor irá nos atender em uma loja de sapatos, não é dado ao usuário do aplicativo indicar qual motorista o transportará. Por tudo isto, restou configurado o elemento da pessoalidade.
Como se não bastasse, os demonstrativos de pagamento (id 3937e7b) jungidos aos autos pelo demandante revelam que os pagamentos realizados pelos usuários são feitos para a ré, que retira o seu percentual e retém o restante, repassando-o aos motoristas somente ao final de cada semana. Isso demonstra que a reclamada não apenas faz a intermediação dos negócios entre passageiros e condutores, mas, ao contrário, recebe por cada serviço realizado e, posteriormente, paga o trabalhador. Não resta dúvida, nesse cenário, que a roupagem utilizada pela ré para tentativa de afastar o pressuposto da onerosidade não tem qualquer amparo fático. A prestação de serviço se constitui como relação onerosa, em que o autor ativava-se na expectativa de contraprestação de índole econômica (onerosidade subjetiva) e o trabalho desenvolvido era devidamente remunerado pela ré (onerosidade objetiva).
Assim, não há dúvidas de que, ainda que a ré atue também no desenvolvimento de tecnologias como meio de operacionalização de seu negócio, essa qualificação não afasta o fato de ser ela, sobretudo, uma empresa de transporte. Além disso, se fosse apenas uma empresa de tecnologia não fariam sentido os robustos investimentos em carros autônomos que têm sido realizados pela companhia, como notoriamente tem divulgado os veículos de comunicação. Assim, por qualquer ângulo que se analise a matéria, é inconteste a estreita correspondência entre o labor do reclamante (função de motorista) com as atividades normais da reclamada (serviços de transporte), sendo certo, por conseguinte, deduzir a não eventualidade da prestação dos serviços.
Na hipótese dos autos, sob qualquer dos ângulos que se examine o quadro fático da relação travada pelas partes e, sem qualquer dúvida, a subordinação, em sua matriz clássica, se faz presente. O autor estava submisso a ordens sobre o modo de desenvolver a prestação dos serviços e a controles contínuos. Além disso, estava sujeito à aplicação de sanções disciplinares caso incidisse em comportamentos que a ré julgasse inadequados ou praticasse infrações das regras por ela estipuladas. (BRASIL, 2017)
A 11ª Turma do TRT da 3ª Região também reconheceu o vínculo empregatício:
EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA. Para a caracterização do liame de emprego, é necessário demonstrar a prestação de serviços com pessoalidade, de natureza não-eventual, sob dependência do empregador (subordinação jurídica) e mediante salário (art. 3º da CLT). A configuração da relação empregatícia resulta da conjugação desses elementos fático-jurídicos. Negada a existência de qualquer prestação de trabalho, a prova do vínculo incumbe exclusivamente ao autor, por ser fato constitutivo de seu direito. Lado outro, admitida a prestação pessoal de serviços sob modalidade diversa, ao réu incumbe a prova de ser o trabalho autônomo ou diferente do previsto no art. 3º da CLT, porquanto constitui fato impeditivo ao reconhecimento da relação de emprego. Inteligência dos artigos 818 da CLT e 373 do CPC. (Minas Gerais, 2019).
Ainda sobre o tema, a 3ª Região, no processo nº 0010806-62.2017.5.03.0011 define que:
“O contrato de prestação de serviços firmado entre a Uber e o motorista, denominado "cliente", prevê que o "cliente" é obrigado a aceitar os termos e condições nele estipulados (ID. eaf73db - Pág. 1). Típico contrato de adesão, portanto. Resta saber se a UBER é mesmo uma mera plataforma digital, como pretende fazer crer, ou empresa que explora serviço de transporte e emprega motoristas para esse fim. Registre-se, por oportuno, que o fato de o autor trabalhar em outra atividade, neste caso, por si só, não teria o condão de elidir o reconhecimento da relação de emprego, eis que, como é sabido, uma pessoa pode ter mais de um emprego. Logo, totalmente inócua a juntada da carteira de trabalho do autor.
A pessoalidade é patente. Como é de conhecimento desta Relatora, o autor, para trabalhar na UBER, procedeu à sua inscrição "on line", individualizada. Sabese ainda que a Uber recomenda que durante a etapa de verificação da documentação, o motorista assista a uma série de vídeos informativos e de capacitação virtual no sítio eletrônico http://t.uber.com.br.introcapacitacao. Para os motoristas que não possuem veículo, a Uber indica parceiros para aluguel e aquisição de veículos. Trata-se de trabalho remunerado, na medida em que o autor recebia semanalmente pela produção, descontados a participação da UBER e os valores recebidos em moeda corrente dos usuários. E nem se diga que o autor "pagava" à UBER. O contrato de adesão firmado entre a UBER e o motorista deixa claro que a UBER define os valores a serem pagos pelos clientes e gerencia o pagamento ao motorista, como se depreende do item 4 do Contrato de Prestação de Serviços, intitulado "Termos Financeiros" e seus subitens 4.1 ("Cálculo do Preço e Pagamento"), 4.2 ("Custo Fixo"), 4.3 ("Viagens pagas em dinheiro"), 4.4 ("Pagamento"), 4.5 ("Alterações no Cálculo do Preço"), 4.6 ("Ajuste de Preço"), 4.7 ("Taxas de Serviços") e 4.8 ("Taxas de Cancelamento") (ID. eaf73db - Pág. 11 a 13).
Com relação à subordinação, também entendo que se faz presente
(...)
No entendimento desta Relatora não há dúvidas de que a reclamada controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela UBER e ao seu poder disciplinário, como por exemplo, a desativação do trabalhador, com baixa/má reputação. A própria reclamada admite em sua defesa que, caso seja reconhecido o vínculo, deverá ser considerado que a dispensa do obreiro se deu por mau procedimento, em virtude de seguidos cancelamentos de viagens.
(...)
Além disso, destaco outro aspecto importante a denotar a subordinação: o motorista somente toma ciência do destino escolhido pelo usuário, quando o recebe em seu veículo e dá o comando de início da corrida. Logo, repito, não há elementos para se considerar que o autor seja parceiro da UBER.
(...)
Verifica-se, pois, na relação havida entre as partes, o poder de direção da reclamada, conduzindo o modus faciendi da prestação de trabalho. Configurada, pois, a subordinação jurídica. No caso, não há falar que o reclamante exercia as atividades por sua iniciativa e conveniência, auto-organizando-se, sem se submeter ao poder de controle da empregadora. Isso porque, a UBER seleciona os motoristas; estabelece as regras, inclusive quanto aos carros que deverão ser utilizados na prestação de serviços; recebe reclamações de usuários e decide sobre elas; pode reduzir o valor da corrida, o que impacta diretamente na remuneração do motorista; enfim, domina todo o sistema.
Assim, e uma vez presentes os pressupostos da pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica, salário e prestação de serviços inerentes à atividade-fim da empresa (art. 2º e 3º da CLT), configurada ficou a relação de emprego entre as partes, no período compreendido entre 10/06/2016 e 02/02/2017, observados os limites da inicial, na função de motorista. Em consequência, a fim de se evitar alegação de supressão de instância, determino o retorno dos autos à origem, para prolação de nova sentença, com exame do restante do mérito e análise dos demais pedidos formulados na exordial, corolários à formação de liame empregatício com a reclamada, como se entender de direito.” (BRASIL, 2017)
As plataformas digitais já fazem parte do nosso cotidiano e possuem poder para mudar a forma de trabalho. A uberização trouxe grande impacto na logística dos transportes, abrindo portas para que mais trabalhadores prestem serviços, entretanto, o vínculo não possui proteção jurídica.
Este estudo demonstrou que a uberização do trabalho não afasta a relação empregatícia entre os trabalhadores da empresa UBER e a empresa em si. Impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício entre os trabalhadores e as empresas, para que esses trabalhadores possam gozar da proteção estatal e legislativa, garantindo, assim, seus direitos conquistados constitucionalmente, logo que o trabalho de uberização não abarca nenhum direito trabalhista. Assim, a plataforma não possui responsabilidades sociais com seus prestadores de serviço, mas recebendo, ainda assim, uma contrapartida do trabalho alheio.
Torna-se necessária a garantia da dignidade humana, sendo imprescindível o reconhecimento legislativo do vínculo empregatício desse modelo de negócio, fazendo com que a empresa desenvolva responsabilidade social e corporativa.
Pode-se concluir que, embora o modelo de negócios da empresa UBER seja legítimo, e que traga benefícios e vantagens para a sociedade, esse modelo de trabalho não proporciona ao trabalhador uma proteção social, tornando o trabalhador uberizado a parte mais vulnerável desse modelo de negócio.
É necessário, portanto, que seja criado um regime celetista para que sejam viabilizados os negócios da empresa, bem como os direitos dos trabalhadores, de forma que haja respeito à dignidade e a segurança do trabalhador.
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[1] Professor do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – Unirg. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, ASHELLEY ALVES. Uberização nas relações de trabalho: conceitos e impactos no mercado de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59764/uberizao-nas-relaes-de-trabalho-conceitos-e-impactos-no-mercado-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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