FERNANDA MATOS F. DE O. JURUBEBA[1]
(coautora)
RESUMO: A pesquisa sobre como uma operação será tributada pelo ISS (imposto sobre serviços) ou pelo ICMS (Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e de prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) se dá pela necessidade de poder explicitar os motivos que ocorrem no dia a dia envolvendo conflitos de tributação, ou seja, as dúvidas relacionadas a qual desses tributos incidirá uma vez realizado o fator gerador. O tributo, sendo uma obrigação pecuniária, cobrado pela Administração Pública por meio de atividade administrativa plenamente vinculada, está presente em todas as ações envolvendo compra e venda de mercadorias, compra e venda de móveis e imóveis, bem como em tomadas de serviços sejam elas simples e/ou complexos, em transações pecuniárias, dentre outros. Sabe-se que o Brasil, país emergente, tem uma sobrecarga de tributos expressiva e muitas vezes sugere que o cidadão contribuinte é a sua principal fonte mantenedora. Para tanto, deve-se sempre destacar qual o papel, qual a finalidade do direito tributário, os seus conceitos, expor seus princípios e suas regras, buscando sempre evitar os conflitos de interesse que podem surgir entre a União, os Estados e os municípios, coibindo, desta forma, a chamada bitributação do contribuinte. Os conflitos ávidos do fato gerador entre ISS e ICMS são bastante discutidos nos tribunais. Exalta-se que existem posicionamentos judiciais que geram decisões as quais impactam diretamente na incidência do tributo e também na competência da tributação pelo ente público.
Palavras-chave: Tributo. ISS. ICMS.
ABSTRACT: The research on how an operation will be taxed by the ISS (tax on services) or by the ICMS (Tax on operations related to the circulation of goods and the provision of interstate and intermunicipal transport and communication services) is based on the need to be able to explain the reasons that occur on a daily basis involving taxation conflicts, that is, the doubts related to which of these taxes will be the generating factor. The tax, being a pecuniary obligation, levied by the Public Administration through fully linked administrative activity, is present in our daily lives in all actions involving the purchase and sale of goods, purchase and sale of furniture and real estate, as well as in services, whether simple and/or complex, in pecuniary transactions, among others. It is known that Brazil, an emerging country, has a significant tax burden, which places the taxpayer as its main source of support. Therefore, one must always highlight the role and purpose of tax law, its concepts, expose its principles and rules, always seeking to avoid conflicts of interest that may arise between the Union, the States and the municipalities, thus curbing the so-called double taxation of the taxpayer. The avid conflicts of the taxable event between ISS and ICMS are widely discussed in the courts. It is highlighted that there are judicial
positions that generate decisions that directly impact the incidence of the tax and also the competence of taxation by the public entity.
Keywords: Tribute, ISS e ICMS.
1 INTRODUÇÃO
Com o passar do tempo, o Direito tornou-se muito importante para a convivência social, pois é o que regula os mais variados aspectos dessa comunhão interpessoal, tendo em vista que nele são instituídos princípios e valores de uma sociedade, de um povo e, também, diretivas adequadas ao controle e a organização da vida na sociedade.
O estado, por sua vez, precisa de recursos financeiros para materializar tais direitos sociais. Assim, para obter os referidos recursos, utiliza-se do seu poder de tributar para criar e exigir exações, dentre elas, os impostos. Grifa-se que a instituição de um tributo deve ocorrer por meio de lei, obedecendo assim ao princípio da legalidade tributária.
Ao instituir um tributo, a norma traz de modo abstrato a hipótese de incidência, que nada mais é do que a previsão de uma possível ocorrência de determinado fato. Por conseguinte, ocorrendo essa materialização da hipótese de incidência nasce o fator gerador, ou seja, quando efetivamente se concretiza a hipótese de incidência.
Esta pesquisa discorre sobre os principais elementos da relação jurídica tributária, como breves apontamentos acerca do poder de tributar do estado, da conceituação e da função dos princípios tributários, das imunidades tributárias e espécies tributárias, com foco restrito aos lineamentos do imposto sobre serviços (ISS) e do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), analisando o fato gerador e os apontamentos doutrinários.
O presente artigo científico está pautado em um estudo bibliográfico com fundamentos doutrinários de vários autores, bem como em artigos jurídicos em meio eletrônico. Ainda, este trabalho, buscará demostrar através de citação da legislação e da jurisprudência, somada a importantes apontamentos doutrinários, o conflito relacionado entre o fato gerador do ISS e ICMS.
2 O PODER DE TRIBUTAR E SUAS LIMITAÇÕES
Com o desenvolvimento do Estado Social de Direito houve uma tendência no sentido de ampliar os limites para o exercício do poder de tributar. A busca pela diminuição das desigualdades sociais levou o Estado a intervir tanto na ordem econômica como na ordem social com o intuito de prover uma maior igualdade entre os povos desfavorecidos.
Por ser algo invasivo, que adentra a esfera econômica do indivíduo, muitos problemas surgiram, como relata o autor Leandro Paulsen:
Os problemas relacionados à tributação, desde cedo, despertaram a necessidade de compatibilização da arrecadação com o respeito à liberdade e ao patrimônio dos contribuintes. Por envolver imposição, poder, autoridade, a tributação deu ensejo a muitos excessos e arbitrariedades ao longo da história. Muitas vezes foi sentida como simples confisco. Não raramente, a cobrança de tributos envolveu violência, constrangimentos, restrição a direitos. (PAULSEN, 2021, p.17).
O autor explica, ainda, que por conta desses fatos, muitos movimentos surgiram pela preservação da propriedade e da liberdade e também pela participação nas decisões estatais. Com o tempo, a sociedade pôde mudar a forma de ver a tributação.
No Brasil, a contribuição tributária, existe e é cobrada desde as primeiras Constituições Federais. Já na Carta de 1924, podia-se perceber a separação da Fazenda Pública Nacional da Fazenda do Imperador, bem como a atribuição à Assembleia Geral do poder de fixar as despesas públicas e repartir a contribuição direta (PAULSEN, 2021).
É importante frisar que só foram incluídas normas pertinentes ao Sistema Tributário Nacional, no que tange à divisão e organização das competências tributárias, bem como vedações ao poder de tributar, a partir da Carta Magna de 1967 (CORREIA NETO, 2017).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, nasceu um Estado democrático fiscal, ou seja, um Estado voltado para sociedade brasileira, a qual desde então, tenta proporcionar certa “liberdade” ao indivíduo, como pontua Ricardo Torres:
O poder de tributar se vincula essencialmente à liberdade. Do seu exercício depende a liberdade individual, pois o tributo é o preço da liberdade econômica. Mas, ao mesmo tempo, implica a perda de uma parcela da liberdade, por incidir sobre os frutos do patrimônio e do trabalho, manifestações essenciais da liberdade e dos direitos fundamentais (TORRES, 2004, p.04).
O Estado voltado para sociedade brasileira pode ser vislumbrado quando em precedência os Direitos fundamentais (PAULSEN, 2021). Isso pode ser percebido logo no início da Carta Magna que versa sobre os Direitos fundamentais e sociais, na qual o indivíduo fica em evidência para o Estado, justificando, assim, a tributação em função do seu desígnio.
2.1 O poder de tributar do estado
Tem-se que o Estado é formado, ou seja, prevista a sua estrutura básica no Texto Constitucional, que previu poderes, fixou competências, discriminou e estatuiu os direitos e as garantias das pessoas, protegendo a sociedade como um todo, tudo isso concedido pelo povo, conforme descrito no artigo 1º, parágrafo único da Carta Maior.Para que o Estado desenvolva seu papel diante de um povo, é primordial a incidência tributária, ou melhor dizendo, é condição inafastável, tendo em vista todo o escopo institucional necessário para assegurar a liberdade, a segurança, a saúde, a propriedade, erradicar a hipossuficiência dos mais necessitados, ou seja, é o bojo de um Estado democrático de direito, social e tributário (COELHO, 2022).
Frisa-se que a tributação em um Estado democrático de direito não é unicamente voltada aos direitos humanos, ela afeta todos os segmentos do discurso jurídico, especialmente às normas protetivas do contribuinte contra o fisco, conforme discorre o autor Celso de Barros:
Afora o aspecto retórico, a afirmação dos direitos e garantias individuais em matéria tributária implica reforçar as restrições impostas pelo constituinte ao legislador, no que se refere ao exercício da competência tributária. Sim, porque, além de destacar a posição do contribuinte, que faz jus a direito “reflexo”, diante da norma de limitação ao poder tributário, a compreensão de tais direitos individuais como “fundamentais” confere-lhes outro status jurídico (CORREIA NETO, 2017, p. 283).
Pode-se enfatizar que em um Estado democrático de Direito os poderes são separados para que não haja a concentração centralizada numa única pessoa, no intuito de evitar abusos. Portanto, a Carta Maior do Brasil trouxe em seu artigo segundo que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (BRASIL, 1988).
Ao Poder Legislativo foi conferido o exercício de criação das leis, dentre elas as tributárias, ao Executivo é confiado o dever de aplicação dessas leis, e ao Poder Judiciário se reservaram as resoluções dos conflitos que porventura advenham das aplicações dessas regras.
A organização política estatal de um ente federado tem o poder de tributar instituído na própria Constituição devendo, então, repartir de forma justa entre todas as pessoas políticas que coexistir nesta federação (COELHO, 2022). A própria Constituição apresenta no Capítulo do Sistema Tributário a divisão das competências tributárias no Estado, como cita Sacha Calmon.
Verifica-se que várias são as pessoas políticas exercentes do poder de tributar e, pois, titulares de competências impositivas: a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios. Entre eles será repartido o poder de tributar. Todos recebem diretamente da Constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas parcelas de competência e, exercendo-as, obtêm as receitas necessárias à consecução dos fins institucionais em função dos quais existem (discriminação de rendas tributárias). O poder de tributar originariamente uno por vontade do povo (Estado Democrático de Direito) é dividido entre as pessoas políticas que formam a Federação (COELHO, 2021, p.42).
Como visto, a contribuição tributária, fonte primordial do custeio das despesas estatais, é uma obrigação necessária relativa a todos os integrantes da sociedade, tendo em vista que estes são os mantenedores diretos, responsáveis pela existência, bem como pelo funcionamento de toda máquina pública em consonância com a Constituição (PAULSEN, 2021).
2.2 Limitações ao poder de tributar
As limitações ao poder de tributar sempre estiveram presentes, desde as primeiras Constituições Brasileiras, buscando prezar pelo limite nas cobranças, bem como pela regulação de seu exercício. Atualmente, pode-se verificar na Carta Magna uma seção própria e enumerativa das limitações ao Poder de tributar do Estado, a qual estabelece uma rígida discriminação de competência tributária entre os entes estatais (CORREIA NETO, 2017).
Leandro Paulsen esclarece que há limitações que configuram normas negativas de competência tributária, citando as imunidades genéricas de impostos; e também outras que estabelecem cláusulas fundamentais ao exercício da tributação, preservando-se a segurança jurídica, a unidade da federação a igualdade e as garantias individuais.
O que seria essa norma negativa de competência tributária? Como esclarece Ricardo Lobo seria um impedimento ao Estado de criar tributos acerca dos exercícios da liberdade ou sobre bens ou coisas imperativa à manifestação da liberdade, in verbis:
Imunidade é intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional (TORRES, 2005, p. 8)
E as cláusulas fundamentais ao exercício da tributação? Tem-se, aí, uma prerrogativa solene tutelar constituída pelo próprio poder do Estado como concretização de direito e garantias individuais, e também para a preservação da forma federativa do Estado.
As cláusulas podem seguir duas correntes, a principiológica que vincula o legislador infraconstitucional, o Judiciário e a administração; e as institucionais ou processuais que tem a ver com as instituições como o Judiciário, Ministério Público, Banco Central, bem como as ações que instrumentalizam competência constitucional ou infraconstitucional como controle do exercício do poder de tributar (TORRES, 2005).
O intuito das limitações ao poder de tributar, como afirma Leandro Paulsen, diz respeito à preservação da segurança, da justiça, da liberdade e da forma federativa do Estado. A promoção da segurança Jurídica se dá pelas garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade.
2.2.1 Competência Tributária
É imperioso destacar que o Direito Tributário é apenas uma parte do Direito financeiro, o qual compreende às receitas coativas, que representam os tributos, as penas pecuniárias e os empréstimos forçados, com exclusão das demais (BALEEIRO, 2018).
No artigo 145 da CF/1988, foi atribuída a Competência tributária à União, aos Estados, bem como aos municípios e ao Distrito Federal (estes são os conhecidos entes políticos do Estado), frise-se que a competência tributária, pertinente a cada ente federativo, só poderá ser instituída por uma das normas concessivas de competência tributária, que não podem ser usurpadas. A título de informação, a matéria é regulada também no Código Tributário Nacional, dos artigos 6º ao 8º (BRASIL, 1988).
A competência tributária não deve ser confundida com a função fiscal. A competência é uma parcela do poder fiscal indelegável, enquanto as atribuições de fiscalização e arrecadação dos tributos são delegáveis, implicando apenas na transferência/compartilhamento da titularidade ativa, ou apenas de atribuições administrativas, podendo, portanto, serem revogadas a qualquer tempo por ato unilateral pela pessoa jurídica que a tenha conferido, conforme o artigo 7º, do CTN. Outro ponto de destaque são as diversidades entre a competência tributária e as repartições das receitas tributárias, pois ao ente político que detém a competência para instituir determinado tributo, nem sempre é garantido a totalidade daquilo que é arrecadado, tendo em vista que há normas constitucionais que asseguram aos Estados e ao Municípios, a participação de arrecadação nos impostos federais, bem como aos Municípios a participação nos impostos Estaduais (PAULSEN, 2021).
Destrinchando um pouco mais os artigos referentes a competência tributária, a Carta Maior em seus artigos 153 e seguintes, fala sobre a competência da União, que para quem são reservados os seguintes tributos: Imposto de importação, Imposto de exportação, Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras, Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, Imposto sobre Grandes Fortunas, Imposto extraordinário (nos casos de guerra), empréstimo compulsório, imposto residuais, contribuições especiais, contribuição para o custeio do regime previdenciário de seus servidores públicos, taxas e contribuições de melhoria, além desses através de lei ordinária, a União poderá criar outros tipos de tributos (BRASIL, 1988).
Aos Estados e ao Distrito Federal foi estabelecida a competência tributária relacionada no artigo 155, da Carta Maior, que alista os seguintes tributos: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, Contribuição para o custeio do regime previdenciário de seus servidores públicos, taxas e contribuições de melhoria.
Seguindo, no artigo 156, da CF/1988, tem-se a competência tributária reservada aos Municípios, a qual destinam os tributos relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano, Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza, Contribuição para o custeio do regime previdenciário de seus servidores públicos, contribuição para o serviço de iluminação pública, taxas e contribuições de melhoria.
2.2.2 Princípios Constitucionais Tributários
As normas jurídicas podem ser divididas em regras e princípios. As regras, são as que ajustam as normas de condutas, que determinam ou proíbem que algo seja feito, ao passo que podem ser acatadas ou infringidas. Quando há conflitos de regras, é verificada a validade e a aplicação de cada uma delas pelos critérios cronológicos ou de especialidade.
Tais preceitos, por sua vez, indicam os valores a serem atribuídos, impondo a identificação da conduta devida a cada caso concreto, conforme as peculiaridades. Em caso de atrito, são analisadas as soluções que buscam contemplar o todo em relação a eles, optando por aquela que tiver mais eficiência em face das circunstâncias específicas sob apreciação. Já os princípios podem ser designados como normas de otimização, que são dotados de maior grau de abstração e servem para orientar o aplicador do Direito quando da análise e interpretação das regras e dos próprios princípios, em consonância com a sua validade e aplicabilidade (PAULSEN, 2021).
A Constituição Federal previu uma série de princípios constitucionais tributários que trazem mandamentos cogentes que devem ser observados e constituem limitações ao poder estatal de tributar e, de outro lado, garantias aos contribuintes.
2.2.3 Imunidades Tributárias
A imunidades, que também constituem limitação ao poder de tributar, representam normas negativas de competência (proibitivas) e buscam proteger determinado valor caro ao constituinte. São garantias fundamentais. Leandro Paulsen pontua que as imunidades tributárias têm o escopo de proteção aos direitos fundamentais, como descrito abaixo:
As regras constitucionais que proíbem a tributação de determinadas pessoas, operações, objetos ou de outras demonstrações de riqueza, negando, portanto, competência tributária, são chamadas de imunidades tributárias. Isso porque tornam imunes à tributação as pessoas ou base econômicas nelas referidas relativamente aos tributos que a própria regra constitucional negativa de competência específica [...]
Também podem ser percebidas e consideradas como garantias fundamentais quando estabelecidas com o escopo de proteger direitos fundamentais como o da liberdade de crença (imunidade dos templos) ou da manifestação do pensamento (imunidade dos livros). Tais imunidades compõem o estatuto jurídico-constitucional de tais garantias fundamentais, de modo que as integram.
A importância de tomar uma imunidade como garantia fundamental está em lhe atribuir a condição de cláusula pétrea inerente aos direitos e garantias fundamentais, nos termos do art. 60, § 4o, da Constituição Federal. (PAULSEN, 2021, p. 83).
Importante destacar que em relação a aplicação das imunidades tributárias, as normas negativas de competência são autoaplicáveis, porém há aquelas que exigem regulamentação quando seu texto remete expressamente às condições e aos requisitos estabelecidos em lei.
Em relação às imunidades recíprocas, este é princípio garantidor da Federação, não podendo ser afrontado sequer pelo Poder Constituinte Derivado (PAULSEN, 2021), e impede que os entes políticos cobrem impostos uns dos outros, bem como de suas autarquias e fundações (BRASIL, 1988). Sobre a matéria, Leandro Paulsen:
A imunidade se dá em função das atividades típicas dos entes políticos, de modo que não se aplica a eventuais atividades econômicas realizadas em regime de livre concorrência, regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente-comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. (PAULSEN, 2021, p.114).
Há outras imunidades, como a dos templos de qualquer culto, que abrange as diversas formas de expressão da religiosidade nos templos onde se realizem os respectivos cultos; as imunidades dos partidos políticos, dos sindicatos, das entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos, que são estabelecidos no artigo 150, inc. VI, alínea “c”, da Constituição Federal. Imunidades relativas aos livros, jornais, periódicos e do papel para a sua impressão, previstos no 150, inc. VI, alínea “d”. As imunidades destinadas às entidades beneficentes de assistência social às contribuições de seguridade social, prevista no art. 195, parágrafo 7º, da CF/88.
Imunidades, estabelecidas pela emenda constitucional nº 75/2013, que tratam sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros; entre outras esparsas no texto constitucional que merecem estudo específico aprofundado. Entrementes, considerando que as imunidades não são o escopo deste estudo, mas apenas exemplificação de limitação ao poder de tributar, passa-se ao estudo das espécies tributárias.
2.3 ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
A reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, deu início a um procedimento tributário independente, estabelecendo normas gerais de gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar (BRASIL, 1966).
O tributo é uma prestação pecuniária compulsória, seja ela em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º, CTN). A natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la, a denominação e demais características formais adotadas pela lei; e a destinação legal do produto da sua arrecadação, em consonância com o art. 4º, CTN, com a devida ressalva com relação às contribuições.
Disciplinado pelo artigo 145, inciso I, da CF/88 e também no art. 16 do CTN, o Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, com a finalidade meramente fiscal e arrecadatória, ou excepcionalmente extrafiscal.
A Carta Maior brasileira demostra predicados intrínsecos e aponta o regime jurídico específico das espécies tributárias, definindo uns por distintivos atinentes à estrutura, outros por distintivos ligadas à função e outros por aspectos de regime jurídico alheios, quais sejam: as taxas, os impostos, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições. Grifa-se que é critério formidável a destinação e a finalidade das espécies tributárias, por constituir critério de validação constitucional (PAULSEN, 2021).
As classificações dos tributos são feitas da seguinte forma: Primeiramente, os impostos, previstos nos artigos 153, 155 e 156, da Constituição, que indicam bases econômicas relacionadas exclusivamente aos contribuintes, como a aquisição de renda, a circulação de mercadorias, a propriedade predial e territorial urbana, ou seja, são tributos que incidem necessariamente sobre revelações de riqueza do contribuinte, como menciona Leandro Paulsen.
As taxas, previstas no artigo 145, inciso II, da Carta Maior. Ora, o interesse público impõe ao Estado que exerça o poder de polícia administrativa e que preste determinados serviços, ou seja, as taxas “tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” (PAULSEN, 2021, p.41).
A contribuição de melhoria, prevista no artigo 145 da CF/88 e também no artigo 81 do CTN, pode ser instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília)
Em relação ao empréstimo compulsório, regulado pelo artigo 148, da Constituição, pode-se afirmar que são tributos cujo critério de validação constitucional está na sua finalidade, quais são: gerar recursos para fazer frente a uma situação de calamidade ou guerra externa ou para investimento nacional relevante e urgente (BRASIL, 1988).
Por fim, tem-se as contribuições, também conhecidas como contribuições especiais, que, conforme os dizeres de Leandro Paulsen, não são dimensionadas por critérios comutativos, mas por critérios distributivos, os quais podem variar conforme a capacidade contributiva de cada pessoa. Regulada pelo artigo 149, da Carta Magna, pode-se depreender quatro finalidades as quais autorizam a sua instituição, sendo sociais, as de intervenção no domínio econômico, as do interesse de categorias profissionais ou econômicas e as de iluminação pública (BRASIL, 1988).
3 LINEAMENTOS DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) E DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS)
3.1 Aspectos do ISS: material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo
O imposto sobre serviço de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador da obrigação tributária principal, a prestação de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar que dispõe sobre o ISS, mesmo que tais serviços não se constituam como atividade preponderante do prestador (BRASIL, 2003).
O fato gerador pode ser compreendido em dois campos, sendo o primeiro abstrato da norma descritiva do ato ou do fato, e o segundo a concretização daquele ato ou fato descrito. Ainda, o fato gerador pode ser instantâneo, que consiste em um único ato ou fato; continuado, que se concretiza ao passar certo tempo; e complexo, em que o fato gerador se entrelaça atos e atividades (HARADA, 2014).
Ressalta-se que, conforme a hipótese de incidência do ISS, estabelecido na Constituição, bem como na lei complementar 116/2003 que o imposto não é devido quando o serviço é prestado na condição de subordinação (v.g., relação de emprego); quando o serviço for prestado para o exterior do país; e ainda, que o mesmo não incidirá sobre os valores intermediados no mercado financeiro e depósitos bancários (BRASIL, 1988).
O imposto sobre serviço só pode incidir sobre a efetiva prestação de serviço. Vale esclarecer que se entende por prestação de serviço o produto de esforço humano que se apresenta sob forma de bem imaterial, ou no caso de implicar utilização de material preserve a sua natureza no sentido de expressar uma obrigação de fazer, isto é, ter como objeto da prestação a própria atividade (PAULSEN; MELO, 2021).
O fato gerador do ISS se materializa no local da ocorrência do fato tipificado na lei tributária, situação em que gera a obrigação tributária. Tal aspecto resulta do princípio da territorialidade, que se define qual a legislação aplicável. O CTN regula a eficácia territorial em seu artigo 10, nos seguintes termos:
Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União. (BRASIL, CTN)
Conforme o artigo 119, do CTN: “o sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”, sendo assim, o sujeito ativo do ISS é o município, o Distrito Federal, e ainda, a União em Territórios Federais em que não for dividido em Municípios (BRASIL, 1988).
Incontinente, o sujeito (natural ou jurídico) passivo do ISS é o devedor da obrigação tributária, ou seja, a quem tem obrigação de pagar o tributo (art. 121, CTN). Ainda, o parágrafo único artigo 121, CTN, estabelece que o sujeito passivo da obrigação é o “contribuinte”, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e o “responsável”, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Ao longo do processo administrativo para o lançamento tributário, após a verificação de 03 (três) critérios (ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, identificação do sujeito passivo e determinação da matéria tributável), calcula-se o tributo devido, que é o aspecto quantitativo do fato gerador, no qual se destacam a base de cálculo e a alíquota.
Tal aspecto está submetido ao princípio da reserva absoluta de lei formal, conforme o artigo 97, inciso IV, do CTN. Caso ocorra alteração da base de cálculo deixando o tributo mais oneroso é equiparado à majoração tributária, o que importará em ser submetido ao princípio da legalidade tributária, conforme descrito abaixo no artigo 97, inciso IV, CTN e artigo 150, inciso I, CF/88:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (BRASIL, CTN)
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (BRASIL, CFB/88)
A incidência de um percentual sobre o preço de um serviço é regra geral, porém em casos excepcionais poderá ser tributado através de valor fixo (também chamada de tributação por alíquota fixa).
3.2 Lineamentos da lei complementar nº 116/2003
A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, trata do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS ou ISSQN, de competência dos Municípios e do Distrito Federal. Historicamente, a lei complementar é a segunda a regular o ISS, sendo que outrora era o Decreto-Lei nº 406/68 que regulamentava tal instituto.
A nova lei complementar de normas gerais alterou parte dos aspectos da hipótese de incidência os quais são classificados em material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo.
O aspecto material diz respeito à prestação dos serviços constantes na lista anexa à Lei Complementar, o que importa dizer que cada município pode incluir na definição do fato gerador a sua lista de serviços tributáveis tendo em vista que a lista da lei complementar não é autoaplicável. Também, com a não reprodução do artigo 8º do Decreto-Lei nº 406/68, o contribuinte não é mais delimitado a apenas empresa ou profissional autônomo. Se materializado ou efetuado a prestação de serviço, caracteriza-se o aspecto temporal.
Segue-se, que o sujeito ativo do imposto sobre serviço de qualquer natureza é o município, o Distrito Federal, e ainda, a União em Territórios Federais em que não for dividido em Municípios; e o sujeito passivo do ISS, é o contribuinte (art.121, parágrafo único, inciso I, do CTN), e também o responsável tributário (art.121, parágrafo único, inciso II, c/c com o art. 128 do CTN) (BRASIL, 1988).
Em relação ao aspecto espacial, foi adotado pela nova norma critério misto podendo, conforme apregoa o artigo 3º da referida lei concomitante ao artigo 102 do CTN. Ou seja, em resumo, o ISS pode ser devido no local do estabelecimento do prestador, ou onde os serviços são prestados, e ainda, na localidade do estabelecimento do tomador.
Avançando, o aspecto quantitativo do ISS é a junção da base de cálculo e alíquota. O artigo 7º da Lei complementar 116/2003 diz que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, ou seja, o preço que corresponde à efetiva prestação do serviço. A alíquota, regulada nos artigos 8º e 8º-A da lei complementar, pode ser fixa ou variável.
3.3 Aspectos do ICMS: material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo
De competência Estadual, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, está previsto na Constituição Federal no artigo 155, inciso II, a finalidade do imposto é a arrecadação.
Dentre as principais características gerais do ICMS, podem-se destacar as seguintes: fiscal, principal fonte de arrecadação dos Estados; extrafiscal, usado pelos Estados e pelo Distrito Federal como forma de controle da economia; seletivo, determina a variação da alíquota em função da essencialidade do produto; real, instituído e cobrado em virtude do fato gerador. Outrossim, não vinculado, tendo em vista que o fato gerador independe de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte; não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal (BRASIL, 1988).
Igualmente, proporcional, valor do imposto é concomitante ao do bem ou serviço que será tributado; plurifásico, por incidir em todas as etapas da circulação; e, por fim, a repartição de receita, vinte e cinco (25) por cento da arrecadação do ICMS pertencem aos municípios.
O aspecto material do ICMS tem como hipótese de incidência as operações relativas à circulação e mercadoria, bem como a prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, mesmo que a operação ou a prestação seja iniciada no exterior. Frisa-se que o Estado é o sujeito ativo (no qual se verificar a hipótese de incidência) e o contribuinte, qualquer pessoa física ou jurídica, o sujeito passivo. Ainda, um terceiro atuará como responsável tributário de ICMS quando a lei a ele atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto (BRASIL, 1996).
É no aspecto espacial onde ocorre o fato gerador do ICMS, isso significa que o lugar da operação ou da prestação para os efeitos da cobrança do tributo e definição do estabelecimento responsável pode ser dividido em três hipóteses distintas, conforme descrito no artigo 11, incisos I, II e III, da Lei Kandir. No momento em que ocorre o fato gerador, aspecto temporal, pode-se considerar o disposto no artigo 12, da Lei Complementar nº 87/1996.
A base de cálculo do ICMS (elemento quantitativo) está descrita no artigo 13 da Lei Kandir. Além disso, integram ainda a base de cálculo do referido imposto a soma total do próprio imposto, o valor correspondente a juros, seguros e outras importâncias pagas, recebidas ou debitadas, como também descontos concedidos sob condição, além do frete (CARNEIRO, 2019).
3.4 Lineamentos da lei complementar nº 87/1996 (Lei Kandir)
A Lei Complementar nº 87/1996, também conhecida como Lei Kandir, foi criada, primeiramente, com a intenção de incentivar as exportações de produtos primários do Brasil, visando melhorar o Saldo do Balanço de Pagamentos. Também se havia a necessidade de elevar os investimentos internos do país com o intuito de promover o crescimento econômico utilizando-se do ICMS (CRUZ; JUNIOR, 2019).
No ano de 2003, por força da emenda Constitucional nº 42/2003, as operações de importação foram protegidas, conforme a nova redação ao artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea “a”, da CF/88, in verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
[...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
[...]
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;(BRASIL, CFB/88)
Com intuito de corrigir a perda de arrecadação, o dispositivo firmou uma fórmula obrigatória de transferência da União em favor dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as condições, critérios e prazos estabelecidos. Vale ressaltar, que enquanto não for editada Lei complementar para regulamentar tal repasses, o Executivo se valerá da Lei Kandir, em seu artigo 31 e anexo (editadas pela Lei Complementar 115/2002).
4 ENTRE O ISS E ICMS: ANÁLISE DO FATO GERADOR
4.1 ISS, ICMS e a jurisprudência
O presente estudo se limitará às discussões em torno dos serviços prestados concomitantes às operações de circulação de mercadoria, conhecidos como contratos mistos. Nesses, ocorre a alienação de serviços e mercadorias. Há de se frisar que apenas um tributo irá incidir sobre esse tipo de contrato, assim dizendo, ou será o ISS ou ICMS, tendo em vista que não pode haver a bitributação.
Traz-se para análise o caso que envolve farmácia de manipulação. O questionamento se baseava na preparação de objetos manipulados, e a dúvida se constituía em saber se os produtos seriam uma espécie de mercadoria, objeto de incidência do ICMS ou, por haver uma orientação profissional para que a preparação desse produto fosse para atender a necessidade de um cliente de forma individualizada/personalizada, se constituiria em um serviço, reclamando incidência do ISS.
Nesse diapasão o STF decidiu que:
EMENTA Recurso Extraordinário. Repercussão geral. Direito Tributário. Incidência do ICMS ou do ISS. Operações mistas. Critério objetivo. Definição de serviço em lei complementar. Medicamentos produzidos por manipulação de fórmulas, sob encomenda, para entrega posterior ao adquirente, em caráter pessoal. Subitem 4.07 da lista anexa à LC nº 116/03. Sujeição ao ISS. Distinção em relação aos medicamentos de prateleira, ofertados ao público consumidor, os quais estão sujeitos ao ICMS. 1. A Corte tradicionalmente resolve as ambiguidades entre o ISS e o ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar. 2. O critério objetivo pode ser afastado se o legislador complementar definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços ou sempre que o fornecimento de mercadorias seja de vulto significativo e com efeito cumulativo. 3. À luz dessas diretrizes, incide o ISS (subitem 4.07 da Lista anexa à LC nº 116/06) sobre as operações realizadas por farmácias de manipulação envolvendo o preparo e o fornecimento de medicamentos encomendados para posterior entrega aos fregueses, em caráter pessoal, para consumo; incide o ICMS sobre os medicamentos de prateleira ofertados ao público consumidor e produzidos por farmácias de manipulação. 4. Fixação da seguinte tese para o Tema nº 379 da Gestão por temas de repercussão geral: “Incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda. Incide ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira.” 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 605552, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020)
Assim, gerou-se a tese de que incidirá ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados pelas farmácias de manipulação sob encomenda e incidirá ICMS sobre as vendas de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira.
Com efeito, a manipulação de fórmulas medicamentais sob encomenda tem relação com a atividade do profissional, ou seja, ao invés de optar por medicamento industrializado (de prateleira), o cliente busca a fórmula e privilegia o labor do técnico farmacêutico, o que caracteriza a prestação de serviço, justificando, desta forma, a incidência do ISS.
Seguindo, outro tema bastante discutido foram os relacionados à tributação dos softwares, que consistia em saber qual seria a forma de tributação, se se tratava de uma mercadoria (ICMS) ou de um serviço (ISS), tendo em vista que há programas que são vendidos em larga escala e há programas vendidos de forma individual e personalizada.
O STF, deliberou sobre o assunto:
Ementa: Direito constitucional e tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Incidência de ISS ou ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador. 1. Ação direta em que se discute a validade da incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. 2. A Primeira Turma deste Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 176.626, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence (j. em 10.11.1998), declarou a impossibilidade de incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Isso porque essa operação tem como objeto o direito de uso de bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria. Na mesma ocasião, porém, a Turma reconheceu a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a circulação de cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, os chamados softwares “de prateleira” (off the shelf). 3. Posteriormente, analisando de forma específica a legislação do Estado de São Paulo, a Primeira Turma reafirmou essa tese e concluiu que a comercialização e revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual produzida em massa não caracterizam o licenciamento ou cessão do direito de uso da obra. Trata-se de genuínas operações de circulação de mercadorias sujeitas ao ICMS (RE 199.464, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 02.03.1999). Este entendimento também foi seguido pela Segunda Turma no RE 285.870-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 17.06.2008. 4. A jurisprudência desta Corte, no entanto, recentemente foi modificada, afastando a distinção em função do caráter customizado ou não do programa de computador. 5. O Plenário deste Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADIs 1.945 e 5.659 (j. em 24.02.2021), entendeu que as operações relativas ao licenciamento ou cessão do direito de uso de software, seja ele padronizado ou elaborado por encomenda, devem sofrer a incidência do ISS, e não do ICMS. Tais operações são mistas ou complexas, já que envolvem um dar e um fazer humano na concepção, desenvolvimento e manutenção dos programas, além “[d]o help desk, disponibilização de manuais, atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato”. Nesse contexto, o legislador complementar buscou dirimir o conflito de competência tributária (art. 146, I, da CF), no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à Lei Complementar nº 116/2003, prevendo o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”. Com isso, nos termos do entendimento atual desta Corte, essas operações não são passíveis de tributação pelo ICMS, independentemente do meio de disponibilização do programa. 6. Pedido conhecido em parte e, nessa parte, julgado procedente, para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996 e ao art. 1º da Lei do Estado de São Paulo nº 6.374/1989, de modo a impedir a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. 7. Modulação dos efeitos desta decisão, para atribuir eficácia ex nunc, a contar de 03.03.2021, data em que publicada a ata de julgamento das ADIs 1.945 e 5.659, ressalvadas as seguintes situações: a) as ações judiciais já ajuizadas e ainda em curso em 02.03.2021; b) as hipóteses de bitributação relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021, nas quais será devida a restituição do ICMS recolhido, respeitado o prazo prescricional, independentemente da propositura de ação judicial até aquela data; c) as hipóteses relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021 em que não houve o recolhimento do ISS ou do ICMS, nas quais será devido o pagamento do imposto municipal, respeitados os prazos decadencial e prescricional. 8. Fixação da seguinte tese de julgamento: “É inconstitucional a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador.”.
(ADI 5576, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 09-09-2021 PUBLIC 10-09-2021)
Por conseguinte, o STF firmou que independente de ser em larga escala (padronizado) ou personalizado (elaborado por encomenda), os programas de computador devem ser tributados por ISS, tendo em vista que o desenvolvimento, manutenção, atualizações tecnológicas dispõem de um serviço que é prestado por meio de “um dar e um fazer humano” (sic).
4.2 Apontamentos doutrinários
Os questionamentos em relação à tributação por ISS ou ICMS são bastante acalorados nos tribunais, principalmente no que se refere à natureza da atividade desempenhada, inclinando-se entre uma mera prestação de serviço ou circulação de mercadoria.
Importa destacar aqui que prestar um serviço compreende em uma obrigação de fazer (integrando as cessões de direito, prestação de trabalho e locação de bens móveis), enquanto os bens corpóreos, implica na obrigação de dar (transmissão).
Aponta-se que para haver a incidência do ISS, a prestação de serviço pode se concretizar com uma simples prestação pessoal de serviços ou por meio de uma empresa prestadora de serviços, ambas com fornecimento ou não de mercadorias (PAULSEN, 2021, p.484).
Outrossim, só é de competência municipal o que está descrito na Lei complementar, excluindo-se os serviços prestados em regime celetista (relação de emprego), em regime estatutário (públicos e prestados pelos órgãos da administração pública) e os autosserviços, o que importa dizer que a área tributável do ISS é totalmente delimitada (COELHO, 2022).
Ainda, conforme o artigo 155 da CF/88, em relação ao ICMS, a incidência se sobrepõe à circulação de mercadoria (com a transmissão de posse ou titularidade através de um ato de comércio) ou prestação de serviços interestaduais ou intermunicipais de transporte (ao cruzar limites municipais ou divisas estaduais de forma onerosa) e de comunicação (prestado de forma onerosa), ainda que iniciados no exterior.
Nessas situações em que não há certeza sobre qual vai ser a hipótese de incidência, Sacha Calmon, diz que não são propriamente conflitos de competência, mas “invasões de competência em razão da insuficiência intelectiva dos relatos constitucionais pelas pessoas políticas destinatárias das regras de competência relativamente aos fatos geradores de seus tributos” (COELHO, 2022, p. 94).
A Constituição Federal, por meio do artigo 146, institui os impostos, traça suas competências, e às leis complementares, que tratam dos assuntos tributários, cumpre a missão de dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como estabelecer normas gerais em matéria tributária, sem alterar, portanto, os dispositivos constitucionais (BRASIL, 1988).
5 CONCLUSÃO
Este trabalho, a partir de dois casos apreciados pela Suprema Corte, visou demostrar como definir se uma operação será tributada pelo imposto sobre serviço de qualquer natureza ou pelo imposto de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.
Para tanto, fez-se um breve apontamento sobre os principais assuntos que norteiam o direito tributário, os quais dão sustentabilidade a base de definição da incidência dos tributos e suas competências, tendo em vista que tal matéria trata de uma obrigação pecuniária.
O tributo, sendo uma prestação pecuniária, cobrado pela Administração Pública está presente em todas as ações envolvendo compra e venda de mercadorias e também nas tomadas de serviços sejam elas simples e/ou complexas, que, como visto nas operações mistas, geram conflitos de interesse entre o Estado e Município.
Como evidenciado, ao Estado é conferido a instituição e cobrança do ICMS, que contém uma base de cálculo diversificada, possuindo três fatos geradores (mercadorias, transporte interestadual e intermunicipal e comunicação). Aos municípios, por sua vez, compete o ISS, com incidência sobre os serviços regulamentados e listados e na Lei Complementar nº 116/2003.
Como demostrado, houve duas situações de operações mistas, nas quais se verifica a prestação de serviço juntamente com o fornecimento de mercadoria, que ensejaram um conflito de competência, causando insegurança jurídica ao contribuinte.
Ambos os casos, levados ao STF para julgamento, tiveram seus temas amplamente debatidos e analisado à luz da Constituição e das normas existentes no ordenamento brasileiro que incidem sobre matéria tributária, bem como à intensa interpretação, no intuito de pacificar o assunto conflituoso e evitar a bitributação pelos entes políticos.
As referidas análises basearam-se no fato gerador, a partir do que o Supremo Tribunal Federal extirpou as supostas dúvidas por meio de sua atividade interpretativa máxima, para se fixar que quando em exame a mera prestação de serviço (obrigação de fazer), tem-se a competência dos municípios (ISS) e quando diante da entrega de mercadoria, por se tratar de uma obrigação de dar, tem-se a competência dos Estados (ICMS).
REFERÊNCIAS
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro CTN Comentado. Ed. Forense – 14ª edição. 2018.
BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm. Acesso em: 03 jun. 2022.
______. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI KANDIR). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm. Acesso em: 03 jun. 2022.
______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 19 set. 2021.
______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/CodTributNaci/ctn.htm. Acesso em: 27 jun. 2021.
CARNEIRO, Claudio. Impostos federais, estaduais e municipais. Saraiva Educação SA, 2017.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Grupo Gen-Editora Forense, 2022.
_______. A experiencia jurídica e a história dos homens. 2019. Disponível em: Correio Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/09/15/internas_opiniao,782461/a-experiencia-juridica-e-a-historia-dos-homens.shtml .Acesso em 20 set. 2021.
CRUZ, Luiz Sávio de Souza. JÚNIOR, Onofre Alves Batista. Orgs. Desonerações de ICMS, Lei Kandir e o pacto federativo / Luiz Sávio de Souza Cruz, Onofre Alves Batista Júnior, organizadores. – Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2019.
HARADA, Kiyoshi. ISS–Doutrina e Prática. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2014.
CORREIA NETO, Celso de Barros. Os impostos e o Estado de Direito. São Paulo: Almedina, 2017.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2021.
PAULSEN, Leandro; MELO, Omar Augusto L. ISS: Constituição Federal e LC 116 Comentadas. Editora Saraiva, 2021.
STF. RE: Recurso Extraordinário Nº 605552. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=conflitos%20iss%20e%20icms&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 01 de maio de 2022.
_______. ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 556. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=conflitos%20iss%20e%20icms&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 01 de maio de 2022.
TORRES, Ricardo Lobo. O poder de Tributar no Estado Democrático de Direito. IN: Direito e poder: nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Barueri: Manole, p. 460-504, 2005.
[1] Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Professora de Direito Tributário da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Assessora Jurídica de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins.
Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Raysnara Adriana de Menezes. Como definir se uma operação será tributada pelo ISS ou ICMS? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60040/como-definir-se-uma-operao-ser-tributada-pelo-iss-ou-icms. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.