RESUMO: O objetivo do presente estudo é discutir a responsabilidade civil do Estado na promoção de políticas sociais para efetivação do direito à moradia. Reconhece-se o dever de atuação estatal em conjunto com a construção civil com vistas à concretização de um direito fundamental. Entretanto, nasce o problema relativo à sua legitimidade, por meio da CEF, para responder sobre os vícios e atrasos decorrentes da obra, contrapondo-se à sua forma de atuação como agente promotor de políticas públicas ou mero financiador das construções civis.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil do Estado. Construção civil. Políticas sociais.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito à moradia e os avanços legais: uma questão de “responsabilidade”; 3. Responsabilidade civil na construção civil: aspectos gerais; 4. Atuação e responsabilidade da CEF na construção civil; 5. A (i)legitimidade da CEF, como agente financeiro em sentido estrito, pelos vícios e atrasos das obras de programas sociais; 6. Considerações finais; 7. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO.
A Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente em seu art. 6º, a partir da Emenda Constitucional nº. 26/2000, o direito social fundamental à moradia, atribuindo uma força normativa ainda mais relevante ao já contido na prescrição de seu art. 23, IX, que fixou como competência comum e responsabilidade dos entes federativos o dever de “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Vê-se que este dispositivo determina a obrigação que tem o Estado em fornecer o necessário para concretização do direito contido no art. 6º, colocando-o, pois, como pauta política dos agentes estatais, não só administrativos, mas também legiferantes e jurisdicionais.
Como consequência de tais proposições normativas, o Estado brasileiro passou a prescrever as políticas públicas necessárias ao atendimento da disposição constitucional, criando programas sociais de fomento à construção civil para realização de obras de habitação a partir de financiamentos bancários a particulares e com a atuação direta dos agentes estatais na execução de políticas sociais referentes a tal direito.
Nesse cenário, a atuação da Caixa Econômica Federal – CEF na concretização desse interesse jurídico constitucional sobressai e mostra-se de fundamental relevância, já que a mesma, não raro, atua nos dois papéis delegados ao Poder Público pelo Constituinte, financiando e executando programas de construção de moradias. Assim, sua responsabilidade enquanto empresa pública atuante na persecução de tal finalidade, variará conforme seu papel, seja na persecução do interesse público, ou no exercício de atividade econômica.
Isto posto, este estudo tem por objetivo analisar a responsabilidade civil do Estado pela atuação da CEF na promoção de políticas públicas e financiamento de entes privados para satisfação do direito à moradia. Inicialmente, partindo da consagração deste direito pelo ordenamento pátrio e sua concepção constitucional, analisaremos a responsabilidade civil na construção civil, primariamente em geral e posteriormente em específico, tendo como base a participação da empresa pública em questão (CEF), distinguindo, pois, seus papéis e colocando em relevo o problema relativo à sua (i)legitimidade para responder por vícios e atrasos na obra quando sua atuação for financiadora em programa habitacional, no caso, o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.
Para tanto, o presente trabalho fará uma abordagem metodológica dedutiva com a base nos posicionamentos doutrinários sobre o tema e sua compreensão prática pela jurisprudência, utilizando-se de uma pesquisa qualitativa e documental sobre os julgados referentes às ações de responsabilidade civil abarcadas pela temática aqui proposta. No mais, utilizar-se-á da técnica comparativa com vistas aos papéis assumidos pelo Estado em programas referentes a tais direitos, buscando a fundamentação da conclusão que será aqui defendida.
2. DIREITO À MORADIA E OS AVANÇOS LEGAIS: UMA QUESTÃO DE “RESPONSABILIDADE”.
Como já visto, o direito à moradia possui assento constitucional (art. 6º, CF/1988), estando também na pauta política dos agentes estatais para o fim de sua promoção e efetivação por determinação expressa do Constituinte originário (art. 23, IX, CF/1988). Ante isto, vê-se que seu conteúdo possui grande relevância, principalmente social, para o Estado brasileiro, tendo também como base a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 ao assegurar, em seu artigo XXV, o direito que todo ser humano possui “a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família (...) habitação”[1].
Seu conteúdo, conforme lição de José Afonso da Silva (2014, p. 318), é expresso no direito que todo sujeito possui de “ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar”. É, no dizer de Maurício Conti (2014)[2], “um direito fundamental de segunda dimensão que exige prestações positivas do Estado para que se torne real, e seja efetivamente exercido”, de modo que sua concreção, já que exige atuação fática do Estado, depende de prestações materiais, como condição de possibilidade de sua efetivação.
Não é outra a conclusão de José Afonso da Silva (2014, p. 319) que, com a objetividade que lhe é costumeira, localiza as duas facetas deste direito:
(...) uma negativa e uma positiva. A primeira significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e de terceiros. A segunda, que é a nota principal do direito à moradia, como dos demais direitos sociais, consiste no direito de obter uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de taráter prestacional, porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado. É nessa ação positiva que se encontra a condição de eficácia do direito à moradia.
É ante essa fundamentalidade, enquanto direito social carente de prestação material, que justifica-se a previsão do art. 23, IX, da CF/1988 ao prescrever, como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o dever de promover as mínimas condições de habitação por programas de construção e melhoria das moradias, de sorte que é a partir de tal previsão que sobressai a responsabilidade dos entes da Administração direta e indireta (incluindo a CEF) sobre os efeitos de suas atitudes no âmbito de consagração do referido direito, o que nos leva ainda à observância da prescrição do art. 37, §6º, da Lei Maior que impõe a responsabilização do Estado por seus atos.
Nessa senda, impõe-nos a obrigação de analisar os avanços da lei infraconstitucional e, consequentemente, as pautas de políticas na persecução do direito fundamental aqui debatido. Desde a Constituição de 1988 muitos foram os programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais adotados pelos governos. Tal fato pode ser expresso nas formulações legislativas que buscaram implementar os fundamentos para tais políticas. Como exemplo, podemos citar, primeiramente, a Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991, que em seu art. 86 alterou a redação do art. 8° da Lei n°. 4.380, de 21 de agosto de 1964, para incluir como finalidade do Sistema Financeiro de Habitação a construção e aquisição de moradias. A Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, por seu turno, criou o Estatuto da Cidade, cuja finalidade é a orientação da política urbana das cidades brasileiras, impondo para tanto a observância do direito à moradia, conforme seu art. 2, I.
No mais, a Lei nº. 11.124, de 16 de junho de 2005, inaugurou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS, colocando o direito à moradia como um dos fundamentos de atuação de tais órgãos, como se depreende das disposições de seus arts. 4, I, “b”, e 11, V.
Não obstante as leis até aqui relatadas, o ápice da evolução legal na busca pela satisfação do direito à moradia veio com a Lei nº. 11.977, de 7 de julho de 2009, que institui o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, cuja finalidade é a criação de “mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais” para o segmento de “famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais)”, segundo seu art. 1º. Seu objetivo é “promover a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos” (art. 4º, Lei nº. 11.977/09).
Foi com esse último avanço legal que fora implementada a principal política pública de concretização do direito à moradia. Demonstração disso é que a perspectiva somente para este ano corrente de 2018 gira em torno da construção de 650 mil residências e investimento estimado em R$ 72,7 bilhões a partir do referido programa[3].
Ante essa amplitude, devemos proceder à análise específica da responsabilidade da CEF, enquanto gestora do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, na concretiazação de suas finalidades, já que é a ela designada a tarefa de gerências dos recursos para tal política (arts. 9 e 16, Lei nº. 11.977/09). Assim, após o início da execução do PMCMV, surgiu-se a questão acerca das possibilidades de responsabilização da referida empresa pública frente aos atrasos nas entregas dos imóveis, bem como nos defeitos e problemas das construções. Acerca desta questão, a jurisprudência pátria fixou um entendimento delimitativo para a existência de responsabilidade da CEF, presente enquanto promotora de política pública e ausente quando mero agente financiador, o que será analisado neste texto.
Entretanto, impõe-nos agora, antes de adentramos nas referidas formas de responsabilização, a análise da responsabilidade civil inserta na construção civil em geral, fixando os parâmetros mínimos para sua aferição, como condição necessária para enfrentamento do problema proposto, qual seja a (i)legitimidade da CEF enquanto agente de financiamento em programa social de acesso à moradia.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONSTRUÇÃO CIVIL: ASPECTOS GERAIS
Em termos gerais, é sabido que a responsabilidade civil caracteriza-se pela existência de de alguns elementos, ou pressupostos do dever de indenizar. No dizer de Flávio Tartuce (2016, p. 503), tais pressupostos são a conduta humana, culpa genéria ou lato sensu, nexo de causalidade e o dano ou prejuízo. Eles expressam o mínimo necessário, as exigências para caracterização do dever de reparação pelo agente que, com seu comportamento, tencional ou intencional, gera uma redução na esfera jurídica da vítima.
Essa compreensão geral, é a base para estruturação da responsabilidade no âmbito da construção civil. Assim, iniciaremos o exame deste tópico com as formas de condutas lesivas e danos que decorrem de sua concreção, quando efetivadas pelos sujeitos, estudados logo em seguida. Posto isto, partiremos ao estudo do nexo de causalidade do comportamento individualizado de cada sujeito aos possíveis danos decorrentes daí, para, em conclusão, compreender as formas de responsabilização neste âmbito de relação.
Os comportamentos que geram perdas e danos são aqueles que, por ação ou omissão, tencional ou intencional (culpa lato sensu), de algum modo levam à diminuição na esfera jurídica da vítima (TARTUCE, 2016), o adquirente da unidade habitacional. Os danos decorrentes são expressos por vícios na construção, tais como aqueles que firam a perfeição, a “solidez e segurança do trabalho” prevista no art. 618 do CC/2002, que no dizer de Sílvio Venosa (2011, p. 243) é “aplicável a qualquer modalidade de construção, empreitada ou administração”, bem como o atraso decorrente da entrega extemporânea do bem imóvel, ou seja, fora, para além do prazo estipulado.
Acerca do primeiro dano, Cavalieri Filho (2012, p. 386), faz as seguintes considerações sobre a responsabilidade de garantir a segurança e a solidez da obra:
(...) Quando a lei fala em solidez e segurança, está a se referir não apenas à solidez e segurança globais, mas, também, parciais. Esses vocábulos devem ser interpretados com certa elasticidade, abrangendo danos causados por infiltrações, vazamentos, quedas de blocos do revestimento etc.
Ou seja, a responsabilização não é somente com relação aos vícios que possam ofender à integridade da obra em sua totalidade, mas também em virtude das pontuais deficiências existentes no imóvel ou que venham a aparecer e macular a sua higidez. No mais, vê-se que a interpretação do desembargador fluminense, a qual acolhemos, é ampliada para além da literalidade do art. 618 do CC/2002, que fala em “edifícios e outras obras consideráveis”. Nesse ponto, discordamos de Venosa (2011, p. 243), já que para ele, o dispositivo em questão aplica-se somente às “obras consideráveis, isto é, de grande vulto”.
Acerca do tardamento da entrega, há que se diferenciar quando o mesmo gera reparação a título de dano moral e/ou material e quando é apenas um mero aborrecimento, entendido aqui como “contratempo, mágoa - inerentes à vida em sociedade -, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano” (STJ, REsp 1.296.944/RJ). Há entendimento consolidado pelo Egrégio STJ de que o atraso da entrega do imóvel em desatempo ao prazo ajustado contratualmente gera, em regra, o dano material, mas não ocasiona, em si mesmo, o dano moral, já que este pende de efetiva violação a direito da personalidade do adquirente do imóvel[4].
Nesse diapasão, o atraso na entrega da unidade habitacional pode gerar dano moral quando, a partir da análise das circunstâncias fáticas e particulares ao caso, verifica-se a existência de lesão extrapatrimonial à pessoa em sua integridade psíquica ou moral, de modo que, a partir disso, não é possível, nem desejável, fixar um período de tempo específico de retardo na tradição do bem para que possa ser aferível a compensação pelo dano de cunho existencial aqui debatido.
Agora, passemos à análise dos sujeitos responsáveis. É latente que a construção doutrinária acerca do assunto está embasada na caracterização da responsabilidade contratual de duas figuras, o construtor e o incorporador, sem, no entanto, dar a devida importância sobre a possível responsabilização do financiador, a depender de seu papel não só econômico, mas também promotor de direitos. Por isso, analisaremos os papéis destes sujeitos com vistas à individualizar suas obrigações e consequente responsabilidade.
A pessoa do construtor é, segundo Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 378-379), o responsável por “executar a obra, tal como lhe foi encomendada”, possuindo uma “obrigação de resultado, entendendo-se como tal aquela em que o devedor assume a obrigação de conseguir um resultado certo e determinado, sem o que haverá inadimplemento”. Sua responsabilidade, como afirma o mesmo autor (2012, p. 378), “decorre do contrato de empreitada”. Nesse sentido, o Código Civil, em seu art. 618, já pugnava pela responsabilidade do empreiteiro de materiais e execução, durante cinco anos, pela “solidez e segurança do trabalho”, que, mesmo ante a omissão legislativa, aplicar-se-ía ao construtor (CAVALIERI, 2012, p. 383)[5]. Ademais, a responsabilidade objetiva deste sujeito nos vícios e atrasos nas obras é reconhecida expressamente pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (vide arts. 6, X, 12 e 18) e pela jurisprudência pátria[6], já que o mesmo é o efetivo executor do trabalho, responsável por sua concreção.
Já o incorporador, por seu turno, é “a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas (...)” (art. 29, Lei nº. 4.591/1964). É, pois, um sujeito que atua no âmbito dos contratos de incorportação imobiliária, ou seja, “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (art. 28, Lei nº. 4.591/1964). Esse sujeito é, no dizer de Farias, Rosenvald e Braga Netto (2015, p. 875), “o garantidor do empreendimento imobiliário”, sendo um fornecedor de serviços, segundo prescrição do art. 3 do CDC. Assim, caso este participe da relação, poderá ser responsabilizado por vícios dos imóveis que comercializa.
Referente a ambos sujeitos, construtor e incorporador, Cavalieri Filho (2012, p. 389) faz importante ressalva acerca de possíveis alegações de ilegitmidade por tais partes:
O incorporador, via de regra, alega ser parte passiva ilegítima ad causam pelo fato de não ter construído o prédio; empreitou as obras a um construtor, a quem, no seu entender, caberia a responsabilidade pela construção. O construtor, por seu turno, nega também a sua legitimidade passiva por não ter celebrado nenhum contrato com o condomínio e nem com os adquirentes das unidades autônomas.
Sustena que a avença dó vincula ao incorporador, sendo estranha aos condôminos. Essas objeções, aparentemente corretas, fundam-se em premissas falsas, facilmente repelidas quando se examinam os preceiros legais que estabelecem a responsabilidade do incorporador.
Como se vê, tais alegações por estes sujeitos não podem prosperar ante a argumentação expressa pelo citado autor, já que, como bem lembra o mesmo, a responsbilidade de ambos não decorre dos contratos celebrados, mas pelos próprios preceitos legais que envolvem suas práticas (Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e Lei nº. 4.591/1964).
No mais, da atuação destes agentes, resulta, segundo Farias, Rosenvald e Braga Netto (2015, p. 875), na responsabilidade objetiva que possuem “pelos vícios, aparentes ou ocultos, apresentados pelo imóvel (CDC, art. 12)”. Em nosso sentir, tal constatação deve ser ampliada para albergar as hipóteses de atraso na obra, como já amparado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 1.582.318/RJ)[7].
Em relação à responsabilidade civil do financiador na construção civil, a doutrina é parca em produções específicas sobre sua atuação. Para além do problema que aqui será desenvolvido, a jurisprudência do STJ[8] pugna, em termos gerais de responsabilidade, conforme entende Farias, Rosenvald e Braga Netto (2015, p. 876), pela existência desta na obrigação do “empreiteiro, construtor ou financiador” de “entrega do imóvel ao comprador”. De mais a mais, os referidos autores também pregam pela existência de responsabilidade do agente financeiro quando a obra for financiada sob o regime do Sistema Financeiro de Habitação[9], fazendo-o com base na prescrição do art. 8 da Lei nº. 4.380/1964.
Vista a conduta, o dano e os sujeitos responsáveis na construção civil, vamos agora à análise do nexo de causalidade. Por essa ideia, compartilhamos o entendimento do professor Flávio Tartuce (2016, p. 513) ao conceitua-lo como a “relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano suportado por alguém”.
Vê-se que a responsabilidade imprescinde desse elemento, pois é a partir dele que liga-se a conduta ao dano, sendo este um efeito daquela (causa). Nesse linha, pela teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato (ambas adotadas pelo CC/2002)[10], o comportamento responsável é aquele mais adequado à produção do prejuízo, ou aquele cujo efeito necessário é expresso no dano causado à vítima (TARTUCE, 2016).
A partir de tais considerações conceituais envolvendo o nexo de causalidade, tem-se que as condutas do construtor, incorporador e financiador são capazes de produzir o resultado lesivo à vítima, o que enseja reparação: ao primeiro, como executor direto da obra, cabe zelar pela higidez do produto, sendo responsável pela segurança e incolumidade do imóvel que construiu; ao segundo, como garantido do empreendimento e comprometido com a venda das unidades habitacionais, responsabiliza-se pela conformidade do produto que comercializa àquele informado ao consumidor, mesmo que não o tenha construído; em relação ao financiador, este é responsável em razão da fundamentalidade de seu papel nos programas sociais de acesso à habitação, em especial no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, pois sua função é destinada “a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população” (art. 8º da Lei nº. 4.380/1964).
Com relação à modalidade de responsabilidade, a mesma pode ser subjetiva (quando necessita da demonstração da conduta culposa, tencional ou não, do agente) ou objetiva (quando a responsabilidade independe da demonstração de culpa lato sensu) (TARTUCE, 2016). Não obstante o fato desse ramo de conflitos de interesses orbitar, em regra, o campo do direito privado, a responsabilidade desses sujeitos pelos defeitos e atrasos na entrega do imóvel vem sendo classificada atualmente, em termos gerais, como objetiva, haja vista da determinação legal do art. 8 do CDC. Este dispositivo afirma que o “construtor” – ao que, em nosso entender, é expansível ao demais sujeitos devido aos princípios do protecionismo e vulnerabilidade do consumidor, ambos previstos nos arts. 1º e 4º da legislação consumeirista (TARTUCE e NEVES, 2017) – responde, “independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de (...) construção”. Ademais, é possível, mesmo que remotamente, a possibilidade de responsabilidade subjetiva, desde que afastada a caracterização da relação de consumo.
No mais, cabe aqui o entendimento advindo do direito administrativo quanto à atuação de tais sujeitos, quando de direito público ou de direito privado na prestação de serviço público, dê-se na promoção de políticas sociais referentes aos interesses da coletividade (como é o caso do direito à moradia): na circunstância de atuação de uma empresa estatal como a CEF, a prestação de serviço público ateniente à moradia impõe que sua responsabilidade pelos vícios e atrasos nas obras por ela financiadas seja objetiva, em razão do “art. 37, §6º, da Constituição, que estabelece para as pessoas de Direito Privado prestadoras de serviço público a mesma responsabilidade que incumbe às pessoas de Direito Público” (MELLO, 2015, p. 222).
Em conclusão ao que toca à responsabilidade, cumpre ressaltar que a mesma é solidária[11] entre o construtor, incorporador (caso participe da relação) e o agente financeiro, quando exista legitimidade de ambos para estar na relação processual.
Assim, debatida a responsabilidade destes sujeitos na construção civil, cumpre-nos agora passar à especificidade da problemática aqui debatida, adentrando na análise das formas de atuação da CEF na construção civil, seja como agente financeiro (atuação debatida em termos gerais neste ponto do trabalho), seja como agente executor de políticas federais para a promoção do direito à moradia, bem como suas respectivas responsabilizações decorrentes de suas condutas.
4. ATUAÇÃO E RESPONSABILIDADE DA CEF NA CONSTRUÇÃO CIVIL.
Tendo como ponto de partida as bases teóricas, legais e jurisprudenciais que norteiam a responsabilidade civil na construção civil, passamos agora à análise da atuação da CEF neste campo, seja como agente financeiro, ou como prestadora de serviços públicos, tendo em vista em ambos os casos a forma de sua responsabilidade. Para tanto, inciaremos com um esborço do papel da CEF enquanto empresa estatal, para posteriormente individualizarmos suas formas de atuação na concretização do direito à moradia, sem descurar da forma de responsabilidade ligada a essa modalidade de papel na relação.
A Caixa Econômica Federal – CEF é “instituição financeira sob a forma de emprêsa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada ao Ministério da Fazenda” (art. 1º, Decreto-Lei nº. 759, de 12 de agosto de 1969). Dentre as finalidades previstas no art. 2º do Decreto-Lei que a instituiu está o dever de “operar no setor habitacional, como sociedade de crédito imobiliário (...) com o objetivo de facilitar e promover a aquisição de sua casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população” (art. 2º, alínea “c”, Decreto-Lei nº. 759/1969).
Vê-se, pois, a fundamentalidade da atuação dessa empresa estatal na concretização do direito à moradia, já que atua como principal instituição financeira para sua promoção e encentivo a partir da concecessão do crédito imobiliário com os valores sob sua administração. Nesse sentido, a formação histórica desse papel ocorreu do seguinte modo[12]:
Em 1986, a Caixa incorporou o Banco Nacional de Habitação (BNH) e assumiu definitivamente a condição de maior agente nacional de financiamento da casa própria e de importante financiadora do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico. No mesmo ano, com a extinção do BNH, tornou-se o principal agente do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), administradora do FGTS e de outros fundos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
A incorporação do Banco Nacional de Habitação e a assunção de principal agente estatal de financiamento da aquisição da casa própria ou das obras para construção de moradias elevaram a CEF ao exercício de um munus público de crucial relevância para concretude do dever imposto no art. 23, IX, da CF/1988, bem como para ampliação de suas formas de atuação, não apenas “como sociedade de crédito imobiliário”, mas também na prestação de um serviço público.
A partir da fundamentalidade de sue papel, podemos distinguir formas de atuação desta empresa pública federal no ramo habitacional. Nas lides envolvendo este agente, os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem duas formas de participação do financiamento da CEF nos contratos imobiliários: como agente financiador, em sentido estrito, da obra ou da compra do bem e como agente promotor de políticas sociais e serviços púlicos referentes ao direito à moradia. Essas modalidades de atuação na relação contratual influem diretamente na responsabilidade que assume perante o adquirente da unidade, bem como na sua legitimidade para figurar no polo passivo de ações de responsabilidade civil em razão de vícios na obra ou atrasos na sua entrega.
Primeiramente, a CEF pode atuar como agente financiador concedendo crédito imobiliário ao adquirente da unidade habitacional ou ao construtor e incorporador na construção da obra e em sua comercialização. Nessa forma, sua responsabildade está adstrita ao financiamento e liberação dos valores a que se comprometeu no contrato, não havando qualquer obrigação quanto à perfeição da obra e sua entrega no tempo estipulado. É esse o entendimento do STJ, REsp 897.045/RS:
(...) 2. Nas hipóteses em que atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato.
É nessa situação que não presta serviço público e atua como exploradora de atividade econômica, já que inserta no âmbito do financiamento como qualquer outra instituição financeira e com vistas a interesses secundários do Estado (nesse caso, a União), e não ao interesse público em si mesmo[13].
Ademais, como já dito, a CEF pode ainda atuar como agente promotor de serviço público ligado à efetivação do direito à moradia. Nesse ponto, seu papel é expresso na consagração do direito socaial do art. 6º da CF/1988 e sua responsabilidade, como já visto, passa a ser objetiva e solidária em relação ao vício de construção ou entrega extemporânea do bem imóvel. Assim entende o STJ sobre a matéria (REsp 1.163.228/AM, Informativo nº 0506):
A CEF possui legitimidade para responder por vícios de construção nos casos em que promove o empreendimento, tem responsabilidade na elaboração do projeto com suas especificações, escolhe a construtora e/ou negocia os imóveis, ou seja, quando realiza atividade distinta daquela própria de agente financeiro em estrito senso.
Nessa seara de atuação, seu papel não é somente relativo ao financiamento, mas também à promoção das condições materiais necessárias à persecução do direito em debate. É aqui que adquire, segundo jurisprudência dominante e consolidada, a legitimidade para figurar no polo passivo das ações de responsabilidade civil decorrentes dos defeitos e atrasos nos imóveis financiados por programas sociais de habitação.
Vistas essas formas de atuação e responsabilidade do agente financeiro CEF, que varia conforme seu papel na relação de financiamento, surge uma questão de legitimidade (mas também de responsabilidade) desta empresa pública: a CEF é legítima na relação processual e responsável pelo dano causado à vítima quando sua atuação é de financiamento da obra, mas esta é referente à programas habitacionais de acesso à moradia, como o PMCMV?
Tal questionamento, que será debatido em seguida, é de crucial importância, não somente em relação a maior necessidade de proteção do consumidor, mas também de defesa aos hipossuficientes que participam de programas como, por exemplo, o “Minha Casa, Minha Vida” e que, ante problemas estruturais ou de cumprimento dos prazos contratuais, muitas vezes não tem a devida reparação do dano sofrido. Tendo em vista isto, como também o dever público assumido pela CEF no art. 2º, alínea “c”, do Decreto-Lei nº. 759/1969, passemos agora à questão da (i)legitimidade da referida empresa estatal nas ações de responsabilidade civil na construção civil, quando atuante como agente financeiro em sentido estrito, mas no âmbito de programa social-habitacional.
5. A (I)LEGITIMIDADE DA CEF, COMO AGENTE FINANCEIRO EM SENTIDO ESTRITO, PELOS VÍCIOS E ATRASOS DAS OBRAS DE PROGRAMAS SOCIAIS.
Vimos aqui que a moradia é um direito social fundamental expressamente previsto na CF/1988, que impõe ao Estado o dever de sua efetivação. Ante essa importância, a responsabilidade dos agentes que atuam em sua concretude, que dar-se, em rega, nas relações de consumo, é objetiva e solidária quando produz o resultado danoso (vícios na obra ou atraso em sua tradição) com sua conduta tencional ou não. Nessa temática, analisou-se em específico a atuação do empresa estatal CEF, já que, conforme visto, é a principal figura pública responsável pela persecução deste direito a partir da concessão de crédito imobiliário, atuando como agente financeiro e, nesse sentido, assumindo dois possíveis papéis: financiador em sentido estrito e agente promotor de serviço público ligado ao direito à moradia.
Em decorrência dessa constatação, em reverência a tratar-se de um direito social fundamental previsto no Texto Magno e aplicável a relações consumeristas, bem como às construções jurisprudenciais e a grande recorrência de casos sobre a matéria, surgiu o problema ligado à legitimidade da CEF em contratos onde atua como agente financiador, estritamente falando, nos progmas sociais referentes à habitação. Acerca dessa questão, a conclusão que se impõe é a da responsabilidade do financiador público, quando atuante nesse contexto de programa habitacional.
Não obstante nosso entender, há julgado do STJ (REsp 1.534.952/SC) firmando o contrário:
RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. LEGITIMIDADE DA CEF. AUSÊNCIA. AGENTE FINANCEIRO. (...) 2. O exame da legitimidade passiva da CEF está relacionado com tipo de atuação da empresa pública no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional, ora como agente meramente financeiro, em que não responde por pedidos decorrentes de danos na obra financiada, ora como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, em que responde por mencionados danos. Precedente. (...) 4. No caso dos autos, considerando-se que a participação da CEF na relação jurídica sub judice ocorreu exclusivamente na qualidade de agente operador do financiamento para fim de aquisição de unidade habitacional, a instituição financeira não detém legitimidade para responder pelo descumprimento contratual relativo ao atraso na entrega do imóvel adquirido com recursos destinados ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). (Grifamos)
Data vênia, não concordamos com a conlusão do acórdão paradigma. Em nosso sentir, mesmo ante ao fato de atuar como agente financeiro em sentido estrito, esse papel foi executado em um contexto de prestação de serviço público ligado a direito social fundamental, de modo que a responsabilidade da CEF é medida que se impõe.
Como já visto, a moradia, enquando direito fundamental e humano (já que reconhecido também em instrumento internacional), deve ser garantida pelo Estado, em competência comum de seus entes federativos, segundo previsão do art. 23, IX, da CF/1988. Em razão disso, a legislação infraconstitucional passou a prever mecanismos de concretização deste direito a partir de programas sociais de acesso à habitação, sendo o principal na atualidade o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, instituído pela Lei nº. 11.977/2009, cuja finalidade é promover o incentivo à produção e aquisição de unidades habitacionais para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais), conforme prevê o art. 1 da referida Lei.
Esse público-alvo, bem como aquele expresso no art. 3º da Lei nº. 11.977/2009, indica, segundo jurisprrudência majoritária, o grupo de pessoas ou famílias de baixa renda[14]. Ora, conforme visto mais acima no REsp 579.464/DF, a responsabilidade do financiador existe nos contratos firmados sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação, sendo este fundado na facilitação e promoção da construção e aquisição da moradia própria, “especialmente pelas classes de menor renda da população” (art. 8º da Lei nº. 4.380/1964), ou seja, a mesma base de existência do PMCMV.
Então, se neste caso do contrato firmado pelo SFH inexiste diferenciação entre as formas de atuação do agente financeiro, a distinção feita sobre o regime do PMCMV mostra-se irrazoável e inoportuna, haja vista da própria finalidade social do referido, bem como a maior necessidade de proteção daqueles beneficiários de baixa renda e considerados vulneráreis à luz da legislação consumerista, que constituem o público de ambos os programas.
Na situação do REsp 1.534.952/SC, onde o financiamento do imóvel deu-se sob égide do referido PMCMV, a atuação da CEF como agente financeiro em sentido estrito não poderia afastar sua responsabilidade pelos vícios e atraso na entrega do imóvel, já que neste caso ela atua na persecução do interesse público referente à promoção da moradia para pessoas de baixa renda (vide arts. 1º e 3º da Lei nº. 11.977/2009). Ou seja, sua atuação nesse contexto não é apenas no campo de atividade econômica, mas vai além para a prestação de serviço público expresso na persecução dos interesses da coletividade, impondo-lhes responsabilidade de um agente público (art. 37, §6º, CF/1988).
Essa conclusão, em nosso entender, se impõe, não somente em razão dos postulados legais e constitucionais aqui ressaltados, mas também em nome da amplitude tomada atualmente pelo PMCMV com relação aos sujeitos que busca amparar. O número de habitações financiadas pelo mesmo, bem como o número de ações envolvendo atrasos e vícios das construções tomadas sob sua égide imprimem à empresa pública que o dirige uma responsabilidade sobre seus rumos, principalmente por se tratar de direito fundamental.
O direito social à moradia previsto expressamente no art. 6º da CF/1988 impõe ao Estado o dever de atuação, enquanto prestação positiva, na promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais (art. 23, IX, CF/1988), impondo uma responsabilidade na efetivação desse serviço público fundamental. Para tanto, viu-se que a legislação infraconstittucional passou a prever instrumentos positivos de busca deste direito, criando mecanismos, como o Programa Minha Casa, Minha Vida, sob responsabilidade da CEF, enquanto agente financeiro.
Nesse diapasão, em um segundo momento, o presente trabalho debateu em termos gerais a responsabilidade civil na construção civil, analisando os sujeitos, suas condutas e o nexo causal entre estas e os danos causados aos adquirentes de unidades habitacionais. Do mesmo modo, analisou-se as formas de responsabilidade dos agentes construtores, instituidores e financiadores na persecução deste interesse coletivo, dando nesse ponto especial atenção à constatação de que tais agentes, quanto atuantes em conjunto na relação consumerista, possuem responsabilidade solidária e objetiva pelos vícios e defeitos na perfeição, solidez e higides da obra do imóvel, bem como na entrega temporânea do mesmo, em observância aos prazos contratuais. Deu-se especial relevo à responsabilidade civil do financiador naqueles contratos firmados à luz do Sistema Finandeiro de Habitação - SFH, consoante tratamento jurisprudencial do tema.
A partir das análises gerais sobre a temática proposta, passou-se à análise do problema específico aqui proposto, qual seja a legitimidade que possui a CEF, enquanto financiadora, mesmo que em sentido estrito, nos casos dos imóveis adquiridos sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida. A partir da compreensão do papel institucional que possui a referida empresa pública no campo da construção civil, estudo-se suas formas de atuação neste mesmo âmbito e o acolhimento de sua responsabilidade no entendimento dos tribunais. Viu-se que a sua atuação é de agente financeiro, podendo ser em sentido estrito, ou na promoção de política pública referente ao direito à moradia, possuindo responsabilidade sobre vícios es atrasos nas obras somente neste último caso (conforme entendimento acolhido pelos tribunais).
Não obstante, a problemática aqui traçada envolveu as duas formasde atuação da CEF em uma só questão relativa à atuação da empresa estatal como agente financeiro em sentido estrito, mas no âmbito de progama social de habitação, como é o caso do PMCMV. Conclui-se, segundo entendimento que reputamos mais correto à luz da Constituição e da legislação infraconstitucional, que neste caso, a CEF é responsável, já que sobressai sua atuação na persecução do interesse público, bem como a equiparação à responsabilidade que possui o financiador na égide do SFH, já que em ambos os programas os beneficiários são pessoas de baixa ou menor renda e suas finalidades giram em torno do mesmo fundamento constitucional.
Posto isso, o presente estudo buscou realizar uma análise, em termos gerais, da responsabilidade civil na construção civil e, no particular, questionar as formas de responsabilização do agente financeiro estatal (no caso, a CEF) nos casos de vícios na construção ou atraso em sua tradição. À luz da lesgislação lato sensu, bem como da doutrina e, principalmente, jurisprudência dos tribunais, entendemos, portanto, pela existência de responsabilidade da CEF, não somente quando presta diretamente a política pública referente ao direito à moradia, mas quando também financia em sentido estrito, com base nos referido PMCMV, a aquisição ou construção da habitação, tendo em vista que a sua atuação dar-se em nome de toda a coletividade, em expressa observância à Constituição.
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_____. Superior Tribunal de Justiça. Ação de rescisão de contrato. Responsabilidade do agente financeiro pela solidez e segurança da obra. Ausências de prova dos vícios alegados. Súmula nº 7 da Corte. Precedentes. REsp 579.464/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2004, DJ 11/04/2005, p. 289.
_____. Superior Tribunal de Justiça. Civil. Recurso especial. Ação de indenização por perdas e danos e rescisão contratual. Julgamento "extra-petita". Inocorrência. REsp 590.385/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2004, DJ 05/09/2005, p. 399.
_____. Superior Tribunal de Justiça. RECURSOS ESPECIAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO. ILEGITIMIDADE. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VÍCIO NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. REsp 897.045/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 15/04/2013.
_____. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS CUMULADA COM COBRANÇA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE. DISSONÂNCIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AgInt no AREsp 947.202/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 15/03/2018.
_____. Superior Tribunal de Justiça. RECURSOS ESPECIAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. SEGURADORA. AGENTE FINANCEIRO. LEGITIMIDADE. REsp 1163228/AM, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 31/10/2012.
_____. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO NÃO INTENCIONAL DE ARBITRAGEM. REsp 1.296.944-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013.Publicado no Informativo nº 0526 Período: 25 de setembro de 2013.
_____. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. LEGITIMIDADE DA CEF. AUSÊNCIA. AGENTE FINANCEIRO. REsp 1534952/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 14/02/2017.
_____. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO DA OBRA. ENTREGA APÓS O PRAZO ESTIMADO. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL. PECULIARIDADES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATENUAÇÃO DE RISCOS. BENEFÍCIO AOS CONTRATANTES. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAR. PRAZO DE PRORROGAÇÃO. RAZOABILIDADE. REsp 1582318/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 21/09/2017.
_____. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. DIREITO CIVIL. OBRA. ATRASO NA ENTREGA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. LUCROS CESSANTES. ESPELHAMENTO DA CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. APLICAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. Apelação Cível no PROCESSO: 08101795120164058300, AC/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1º Turma, JULGAMENTO: 09/03/2018.
_____. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. CONJUNTO RESIDENCIAL. VERBAS DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. PAGAMENTO DE ALUGUÉIS. IMPOSSIBILIDADE. Agravo de Instrumento no PROCESSO: 08075045220174050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª Turma, JULGAMENTO: 07/01/2018.
_____. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Processual Civil. Apelação contra sentença que indeferiu a inicial, extinguindo o processo, sem julgamento do mérito, sob o fundamento de que os valores pleiteados em danos materiais e morais (total de R$ 21.460,35) são inferiores a 60 salários mínimos, e, ainda, que a avaliação do valor da causa é feita dividindo tal importância pelo número de autores, importando em montante bem inferior a 60 salários mínimos. Apelação Cível no PROCESSO: 08004203920164058502, AC/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 30/11/2017.
_____.Tribunal Regional Federal da 5ª Região. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. IMÓVEL OBJETO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. DANOS DECORRENTES DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA CEF. RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR E VENDEDOR DO IMÓVEL. CONFIGURADA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPROVADOS. INDENIZAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. Apelação Cível no PROCESSO: 08009942920154058201, AC/PB, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 16/03/2018.
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[1] Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>.
[2] Disponível em <https://www.conjur.com.br/2014-jul-29/poder-publico-financiamento-direito-moradia>.
[3] Disponível em <http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2018/02/moradia-digna-650-mil-residencias-serao-construidas-pelo-minha-casa-minha-vida>.
[4] Ver: STJ, AgInt no AREsp 947.202/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 15/03/2018
[5] Nesse sentido é o acórdão do TRF5, PROCESSO: 08039718520174050000, AG/SE, TRF5, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª Turma, JULGAMENTO: 07/11/2017.
[6] Ver, a título de exemplo, o acórdão do TRF5, PROCESSO: 08009942920154058201, AC/PB, TRF5, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 16/03/2018.
[7]“(...) 2. A compra de um imóvel ‘na planta’ com prazo e preço certos possibilita ao adquirente planejar sua vida econômica e social, pois é sabido de antemão quando haverá a entrega das chaves, devendo ser observado, portanto, pelo incorporador e pelo construtor, com a maior fidelidade possível, o cronograma de execução da obra, sob pena de indenizarem os prejuízos causados ao adquirente ou ao compromissário pela não conclusão da edificação ou pelo retardo injustificado na conclusão da obra (arts. 43, II, da Lei nº 4.591/1964 e 927 do Código Civil). (...)” (STJ, REsp 1582318/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 21/09/2017).
[8]“(...) - A entrega do imóvel ao comprador não corresponde ao exaurimento, por parte do empreiteiro, construtor ou financiador de imóvel residencial, de sua obrigação contratual ante a impossibilidade de que haja, neste instante, comprovação plena da segurança e solidez da unidade residencial. (...)” (STJ, REsp 590.385/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2004, DJ 05/09/2005, p. 399).
[9] Há entendimento jurisprudencial do STJ nesse sentido: “(...) 1. Precedentes da Corte reconhecem a solidariedade do agente financeiro pela solidez e segurança de obra sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação. (...) (STJ, REsp 579.464/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2004, DJ 11/04/2005, p. 289).
[10]É esse o entendimento de Flávio Tartuce (2016, p. 515), do qual compartilhamos, onde a teoria da causalidade adequada está expressa nos arts. 944 e 945 e a teoria do dano direto e imediato consta no art. 403, todos do CC/2002.
[11] Ver, como exemplo, o acórdão do TRF5, PROCESSO: 08101795120164058300, AC/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1º Turma, JULGAMENTO: 09/03/2018.
[12] Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/sobre-a-caixa/apresentacao/Paginas/default.aspx>.
[13] Nesse ponto, adotamos a diferenciação feita por Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 66-67) entre os interesses do Estado: primários, quando sejam “interesses públicos propriamente ditos”, e secundários, aqueles “interesses que lhes são particulares, individuais, e que (...) se encarnam no Estado enquanto pessoa”.
[14] Nesse sentido: acórdão do TRF5, PROCESSO: 08004203920164058502, AC/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 30/11/2017.
Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (FDA/UFAL). Pós-Graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale e em Advocacia Pública pela Faculdade Educamais. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (FDA/UFAL). Procurador do Estado de Alagoas (PGE/AL). Advogado (OAB/AL). .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTENEGRO, ISAAC MESSIAS DOS SANTOS. A responsabilidade do Estado na construção civil: uma análise da legitimidade passiva da CEF pelos vícios e atrasos nos imóveis financiados para promoção de políticas sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60123/a-responsabilidade-do-estado-na-construo-civil-uma-anlise-da-legitimidade-passiva-da-cef-pelos-vcios-e-atrasos-nos-imveis-financiados-para-promoo-de-polticas-sociais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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