LEONARDO GUIMARÃES TORRES[1]
(orientador)
RESUMO: A discussão sobre o reconhecimento da união estável nas relações extraconjugais tem sido pauta de inúmeras discussões na última década. Tal situação tem sido discutida em razão do crescente número de casos que batem à porta do Poder Judiciário buscando o reconhecimento dessa relação e os direitos patrimoniais e previdenciários. Com base nisso, essa pesquisa teve o objetivo de analisar o posicionamento jurisprudencial e doutrinário acerca da partilha de bens port mortem nas relações extraconjugais. No campo metodológico, realizou-se uma revisão da literatura cuja coleta de dados se deu nos bancos de dados como Scielo, Google Acadêmicos e em sites de tribunais para a coleta de julgados sobre a temática. Nos resultados encontrados, ficou estabelecido que para ter direito a partilha de bens post mortem, é preciso que a relação extraconjugal seja formalmente reconhecida como união estável, e para isso é preciso preencher os seus requisitos, tais como relação duradoura, contínua, pública e com intenção de formar uma família.
Palavras-chave: União estável. Patrimônio. Morte. Extraconjugal.
ABSTRACT: The discussion about the recognition of a stable union in extramarital relationships has been the subject of numerous discussions in the last decade. This situation has been discussed due to the growing number of cases that knock on the door of the Judiciary seeking the recognition of this relationship and property and social security rights. Based on this, this research aimed to analyze the jurisprudential and doctrinal position on the sharing of goods port mortem in extramarital relationships. In the methodological field, a literature review was carried out whose data collection took place in databases such as Scielo, Google Scholars and on court websites for the collection of judgments on the subject. In the results found, it was established that in order to have the right to share post mortem assets, the extramarital relationship must be formally recognized as a stable union, and for that it is necessary to fulfill its requirements, such as a lasting, continuous, public relationship with intention to form a family.
Keywords: Stable union. Patrimony. Death. Extramarital.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. União Estável: Aspectos gerais. 4. Das relações extraconjugais. 5. Das consequências jurídicas e sociais. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, assegura a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. A ação de reconhecimento de união estável é uma ação de estado, assim entendida como a que se refere a uma determinada situação jurídica de alguém, no caso, o estado civil. Por esta natureza, a procedência do pedido exige prova estreme de dúvidas.
Ocorre que apesar do seu regulamento jurídico, a união estável tem sido pauta de inúmeras discussões em razão do seu alcance nas relações extraconjugais. Muito tem-se debatido sobre a possibilidade de reconhecimento de união estável oriunda de relação extraconjugal.
Cabe lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro, não se reconhece a união estável e o casamento concomitantemente. Tal entendimento tem como base o dever de fidelidade e da monogamia consagrados na legislação vigente. A existência de união estável tem proteção constitucional, desde que não haja impedimento legal. As provas colacionadas aos autos de um processo, devem provar que, ainda que tenha existido um relacionamento amoroso entre a autora e o falecido, tal união configura vínculo marital.
Dessa forma, verifica-se uma questão bastante complexa: primeiramente a busca pelo reconhecimento de união estável de uma relação extraconjugal e, em seguida, o garantismo de requerer o direito da partilha de bens post mortem. É com base nesse cenário, que se discute o presente estudo.
No decorrer da análise desse tema procurou-se responder a seguinte indagação: há a possibilidade do reconhecimento do direito da partilha de bens post mortem oriunda de uma relação extraconjugal?
Ademais, essa pesquisa teve a finalidade de analisar o contexto situcional das relações extraconjugais no Direito brasileiro e a possibilidade (ou não) na partilha de bens post mortem.
2. METODOLOGIA
Pretendeu-se com esta pesquisa discorrer a respeito da possibilidade jurídica do reconhecimento da união estável das relações extraconjugais frente a partilha de bens post mortem. Para isso, o método a ser empregado foi o dedutivo, onde parte da compreensão da regra geral para então compreender os casos específicos (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Trata-se de pesquisa bibliográfica, onde “revela explicitamente o universo de contribuições científicas de autores sobre um tema específico” (SANTOS; CANDELORO, 2006, p. 43). Os meios de buscas empregados foram as doutrinas jurídicas encontradas em livros, artigos, sites, jornais, revistas, etc., assim como material jurisprudencial. A coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os meses de outubro e novembro de 2022.
3. UNIÃO ESTÁVEL: ASPECTOS GERAIS
A família é um dos maiores alicerces para o desenvolvimento do ser humano. De acordo com Venosa (2014) a família pode ser entendida como um agrupamento de pessoas que ligadas pelo afeto, constituem um grupo de convívio e harmonia, gerando um vínculo jurídico.
Nota-se que o afeto é o elo que forma uma família. É por meio desse aspecto que pode-se entender o conceito de uma família. Quando se pensa em família, seja no aspecto social ou jurídico, deve-se ter em mente a constitucionalização feita por meio do afeto.
Esse fato é importante, porque ao se debater sobre a união estável, tema central desse tópico, é preciso compreender que o afeto como a base central. Isso porque o afeto fez com que surgissem diversos tipos de famílias. Nos dias atuais, é possível encontrar famílias homoafetivas, anaparentais, monoparentais, avoengas etc. E dentre essa diversidade familiar, encontra-se a formada por meio da união estável.
A formação familiar constituída pela união estável, no regimento jurídico brasileiro, é normalizada na Constituição Federal de 1988, no art. 226, §3º. Para Santos (2013) é possível observar que o texto constitucional reconheceu a união estável como uma forma legal de formação familiar, dando-a direitos e garantias assim como as concedeu ao casamento. Importante mencionar ainda nesse contexto, que esse rol, como já conferido anteriormente, não é taxativo, havendo outras formas de reconhecimento familiar.
A união estável, em seu conceito, é a união formada pela convivência entre duas pessoas, de modo como se fossem casados. Assim, para estabelecer uma união estável é preciso que ela seja configurada respeitando determinado aspectos, tais como ser pública, contínua e que tenha como finalidade a formalização de uma família, independentemente se tiverem filhos ou não (GONÇALVES, 2018).
Assim, percebe-se que a união estável tem o objetivo de coabitação dos pares, como casados fossem. Deve ter o respeito de ambos, e o cumprimento dos deveres e observação dos direitos. Há de ter fidelidade, lealdade, companheirismo etc. (GONÇALVES, 2018).
Oliveira (2017) nos explica que a união estável é a publicidade do contrato de casamento, sem que seja obrigatório o cumprimento dos requisitos formais dele. No entanto, o autor enfatiza que mesmo não possuindo a formalidade do casamento, é preciso que se respeite os deveres inerentes ao casamento, como os mencionados nos tópicos anteriores.
A legislação brasileira em seu turno deixa claro que para configurar em união estável é necessário que tal relação seja pública, ou seja, deva ser de conhecimento da sociedade. Sendo assim, nota-se que não há um caráter objetivo que estabeleça o que seja uma união estável. Isso vai depender de cada caso concreto.
Leitão (2017) cita os requisitos do art. 1.723 do Código Civil de 2002 como elementares a esse cenário; além de não se ter nenhum impedimento como o encontrado no art. 1.723 do mesmo Código.
Apesar de não ter o mesmo regramento do casamento, na união estável possui algumas especificidades formais. Para o seu reconhecimento, por exemplo, se faz preciso que haja um documento formal, que no caso é uma escritura pública de união estável.
Leitão (2017) aduz que a escritura é de suma importância para o reconhecimento da união estável, principalmente porque ela auxilia na formalização do regime de bens aplicável à união. Caso não se tenha uma escritura pública ou se nela não estiver estabelecido regras de regime de bens, caso essa união se dissolva, serão aplicadas as regras da comunhão parcial.
Desse modo, é indispensável que o casal que opte pela união estável reconheça essa união por meio de escritura pública, porque assim poderão indicar o regime de bens e de outros aspectos que considerem relevantes.
Soma-se a isso, o fato de que uma escritura pública serve também para fins de concessão de benefícios previdenciários, como planos de saúde, pensão alimentícia ao ex-cônjuge, dentre outros (LEITÃO, 2017).
No que tange aos requisitos para se formar uma união estável, eles são caracterizados como objetivos e subjetivos. A respeito deles, explicam-se:
Quadro 1 – Requisitos objetivos e subjetivos da união estável
REQUISITOS OBJETIVOS |
REQUISITOS SUBJETIVOS |
Ausência de impedimentos matrimoniais |
Convivência more uxória |
Comunhão de vida |
Affectio maritallis |
Lapso temporal de convivência |
|
Fonte: Medeiros Junior (2014).
Buscando melhorar o texto sobre a união estável o Código Civil de 2002 trouxe uma regulamentação mais ampla e direta sobre esse tema. Em seu art. 1.723, trouxe o reconhecimento da união estável, estabelecida pela convivência mútua e pública, duradoura e que busque a formação familiar. Em seu § 3º traz ainda que também será efetivada a união estável frente aos efeitos do art. 1.576 do mesmo Código (BRASIL, 2002).
4 DAS RELAÇÕES EXTRACONJUGAIS
No tópico anterior, ficou claro que o fator preponderante para que uma família seja estabelecida é o afeto. É esse aspecto que de fato faz com que seja entendida uma família. Por essa razão, a sociedade encontrou diversas formas de união formada pelo afeto, constituindo assim diversas formas de famílias, como por exemplo, a da união estável.
Ocorre que dentre das relações humanas, muitas não são formalizadas conforme se estabelece no Direito brasileiro. Nesse sentido, estar-se a falar das relações extraconjugais.
As relações extraconjugais ou famílias paralelas (ou simultâneas), são relações em que a ligação não se encontra amparada pelo Direito. São uniões que se configuram à margem da sociedade ou casamento. De modo mais popular, são relações de pessoas que mesmo casadas ou com outro regimento matrimonial ainda criam outros vínculos afetivos.
De acordo com Ghelman (2020) as relações extraconjugais são aquelas oriundas de uma relação já estabelecida. É uma espécie de ramificação de um casamento, onde nasce uma outra relação conjugal.
Buscariolo (2019) afirma que esse tipo de relação é aquele que um dos pares casado ou em união estável possui uma segunda relação conjugal com outra pessoa. O autor menciona que essa relação não pode ser confundida com as famílias concubinas, uma vez que essas são formalizadas por pessoas que nutrem relações concomitantes.
Albuquerque (2020) ao explicitar sobre a relação extraconjugal ensina que essas relações sempre existiram na história. No entanto, desde sempre foram consideradas irregulares ou não legítimas. Por essa razão, as relações extraconjugais sempre estiveram submetidas ao posicionamento de serem um segredo, ou seja, para serem escondidas dos outros.
Prado (2019) por sua vez, acentua que a relação extraconjugal possui a natureza de ser oculta, justamente porque não é vista como legítima e legal. A religião (seja ela qual for) contribuiu imensamente para que essas relações não tenham espaço jurídico e social. Dessa forma, elas acabam ficando na clandestinidade, sendo efetivadas longe do olhar público e familiar.
Ainda que elas sejam de longe não reconhecidas, quem cria esse tipo de relação também não pode reclamar, uma vez que nelas é possível encontrar uma união harmônica, equilibrada, cujo resultado traz felicidade e afeto. Justamente por criarem vínculos afetivos, é que muitas relações extraconjugais deixaram a obscuridade e buscaram o reconhecimento social e principalmente jurídico (PRADO, 2019).
Araújo et al. (2021) ao discorrer sobre a relação extraconjugal afirma que os seus membros há muito vêm buscando o reconhecimento jurídico dessa relação. Apesar de possível, os autores advertem que a moralidade social é amplamente forte, o que impede de elas serem aceitas na comunidade.
Grande parte das relações extraconjugais são formadas por homens casados e com mulheres solteiras, aos quais são chamadas de “amantes”. Elas se submetem a uma relação extraconjugal por entenderem que em algum momento poderão ser reconhecidas e formalizadas (ARAÚJO et al., 2021).
Ghelman (2020) cita que essas relações chegam em algum ponto onde a busca por reconhecimento jurídico e social se torna latente e necessário. Isso fica mais evidente quando se encontra nessas relações o surgimento de filhos e de compartilhamento de patrimônio, o que ocorre no casamento lícito.
Gagliano (2018) nos alerta que é preciso entender que as relações extraconjugais não devem ser confundidas com relações fugazes e esporádicas. As relações extraconjugais são relações que possuem os mesmos parâmetros que um casamento ou uma união estável, principalmente quando envolvem filhos e patrimônios.
O supracitado autor adverte que ela não pode ser vista como algo passageiro ou uma simples relação baseada no sexo. Ao contrário, a relação extraconjugal é caracterizada por ser um de relacionamento com afeto e que perdura ao longo dos anos, construindo uma sólida parceria e convivência mútua (GAGLIANO, 2018).
Por terem essa natureza oculta, muitos membros inseridos nesse tipo de relação busca o seu reconhecimento. E o caminho mais utilizado tem sido por meio da união estável.
Apesar de possível, a relação extraconjugal que busque o seu valor jurídico através da união estável deve se adequar a determinados requisitos. O primeiro, como explica Albuquerque (2020) é que seja uma relação nascida de um desconhecimento da “amante”. Em outras palavras, é preciso que a mulher ou homem que participe desse tipo de relação não tenha conhecimento que o outro seja casado (a).
Gagliano (2018) afirma que isso é importante, porque reconhece-se a boa-fé, permitindo que haja o reconhecimento desse relacionamento, denominada nesse caso de união estável putativa. Venosa (2015) explica que a união estável acontece quando um dos membros da relação, agindo de boa-fé, acreditava que esta relação não possuía qualquer impedimento.
Caso contrário, ou seja, a outra parte já tinha conhecimento sobre o comprometimento matrimonial do parceiro, não há de se falar em relacionamento extraconjugal, porque perde o sentido da boa-fé e da natureza putativa, fazendo com a Justiça não reconheça essa relação (ALBUQUERQUE, 2020).
De todo modo, quando se verifica esse tema com base nos julgados brasileiros, é perceptível que não há uma unanimidade sobre uma decisão única nesses casos. Há sempre que se verificar cada caso concreto como único.
Muitos julgados têm se baseado suas decisões em questões morais, religiosas e sociais, sem olhar com mais afinco a presente situação, haja vista que, como mencionado anteriormente, as relações extraconjugais ainda sofrem muito preconceitos e obstáculos sociais, não sendo plenamente aceitas.
Canto (2020) comenta que esse tipo de pensamento não mais vigora atualmente. Muitas relações extraconjugais são criadas e instituídas ao longo do tempo, ainda que na margem da sociedade. Elas, em muitos casos, resultam em filhos e em construção de patrimônios. Portanto, devem ser respeitadas e olhadas com maior atenção, porque são relações que se encontram na sociedade e não na ilusão ou de modo figurativo.
Por essa razão, a Justiça brasileira vem aos poucos reconhecendo essas uniões. E o caminho para isso, acaba por se basear em uniões estáveis. Araújo et al. (2019) entendem que trazer um reconhecimento de uma união extraconjugal como união estável é amplamente possível e legal, devido ao fato de se trata de uma família idêntica a qualquer outra, ou seja, é originada pela liberdade de escolha de cada um, criando-se vínculos afetivos e amorosos.
Dias (2020) corrobora com esse posicionamento, ao opinar que esse tipo de relação nasce de uma vontade mútua das partes em criarem um vínculo para além do sexual. Muitas mulheres deixam de serem simples amantes de homens casados e se tornam suas companheiras, parceiras, que caminham lado a lado, construindo laços de afeto, de amor, de cumplicidade, o que é igual a qualquer outra relação.
A jurisprudência pátria, no entanto, tem-se decidido pela não inserção desse tipo de relação no rol de constituições familiares. Apesar disso, há outros julgados, ainda que ínfimos, que ao analisar o caso concreto e todas as suas particularidades, tem acatado o reconhecimento dessas relações.
A título de exemplo, no ano de 2011, através do Agravo nº 0009704-09.2011.8.17.0000, à Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco julgou o caso de uma relação concubinária, onde se averiguou uma relação de 17 anos. Tal união, conforme conferido no processo, era pública, contínua e duradoura. Ainda que uma das partes seja casada, o relator desse processo, compreendeu que esse caso não mais se tratava de uma união adulterina, e sim extraconjugal. Por essa razão, decidiu-se pelo reconhecimento da união estável, tendo como base o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Apenas pelo exemplo mostrado, nota-se que existe um caminho que permite que as relações extraconjugais sejam reconhecidas, por meio da união estável. Apesar disso, insta salientar que essa possibilidade só é existente quando observadas as mesmas características da união estável.
Uma vez reconhecidas, outra questão surge: como fica a situação da partilha de bens post mortem. Sobre essa situação, analisa-se o tópico seguinte.
5. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
Na situação aqui exposta, para os efeitos patrimoniais sejam considerados, aqueles indivíduos oriundos da relação extraconjugal, deve sumariamente ter essa relação reconhecida juridicamente. Não havendo esse reconhecimento, não existe possibilidade de discutir a partilha de bens.
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. A presente hipótese consiste em analisar a possiblidade de reconhecer a ocorrência de união estável post mortem. 2. A união estável é ato-fato jurídico substanciado pela conduta dos conviventes, que passam a se comportar como um verdadeiro núcleo familiar. 2.1. É reconhecida como entidade familiar, configurada na convivência pública (notória), contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (animus familiae). 2.2. A intenção de constituir família, por sua vez, deve ser analisada de acordo com os elementos probatórios coligidos aos autos e em conformidade com os requisitos normativos pertinentes. 3. No caso, constata-se que foram produzidas, nos autos, provas suficientes para demonstrar que o relacionamento entre a demandante e o falecido não preencheu os requisitos previstos no art. 1723 do Código Civil. 4. Ressalte-se que, de acordo com a tese fixada por meio da edição do Tema de Repercussão Geral nº 529, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, não é possível a subsistência da união estável concomitante com o casamento de um ou de ambos os conviventes. 5. Recurso conhecido e desprovido. (07173631720198070003 - (0717363-17.2019.8.07.0003 - Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. TJDFT. 2º Turma Cível. Relator: ALVARO CIARLINI. Data de julgamento: 21/09/2022. Publicado no PJe: 13/10/2022). (grifo meu)
Assim, é preciso que a união estável seja reconhecida para que posteriormente seja pleiteado os direitos previdenciários de uma relação extraconjugal. O reconhecimento da união estável, conforme expressa o julgado acima, deixa claro que se deve preencher os requisitos previstos no art. 1.723 do Código Civil. É preciso que o casal seja público, de relação duradoura e que passem a se comportar como um verdadeiro núcleo familiar.
Nas relações extraconjugais que busquem o reconhecimento de união estável post mortem, tais requisitos se tornam essenciais, como mostra a seguinte jurisprudência:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DO RECURSO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. VIOLAÇÃO NÃO VERIFICADA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS. REQUISITOS. ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ANIMUS FAMILIAE. NÃO COMPROVAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. 1. Princípio da dialeticidade. O recurso que não ataca especificamente os fundamentos da decisão impugnada impõe indesejada dificuldade de exercício pleno à defesa, porque obstaculiza sobremaneira a resposta, malferindo princípios processuais e constitucionais relacionados ao contraditório e à ampla defesa. 1.1. Tem-se por inviabilizado o reconhecimento da inépcia de recurso de apelação, quando observado que a parte recorrente impugnou satisfatoriamente a sentença hostilizada em observância ao artigo 1.010, inciso III, do Código de Processo Civil. Preliminar rejeitada. 2. A Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º, estabelece que deve ser reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 3. O artigo 1.723 do Código Civil dispõe que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 4. O animus familiae constitui conditio sine qua non para caracterização da relação como união estável. Não demonstrada pela prova documental e testemunhal a estabilidade, publicidade, continuidade e ânimo de constituir família na convivência, inviável o reconhecimento da união estável no período alegado. 4. Não se desincumbindo a parte autora de comprovar a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com objetivo de constituição de família, não há como ser reconhecida a existência de união estável. 5. Apelação Cível conhecida e não provida. Honorários recursais majorados. (07111760420218070009 - (0711176-04.2021.8.07.0009 - Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. TJDFT. 1º Turma Cível. Relatora: CARMEN BITTENCOURT. Data do Julgamento: 21/09/2022. Publicado no DJE: 05/10/2022). (grifo meu)
Novamente frisando, com base no julgado acima, não se desincumbindo a parte autora de comprovar a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com objetivo de constituição de família, não há como ser reconhecida a existência de união estável.
Conforme lecionam Farias e Rosenvald (2017), o animus familiae constitui verdadeira conditio sine qua non para caracterização da relação como união estável, sendo os demais elementos compreendidos de forma acessória, porquanto a presença deles sem a intenção de constituir família conduz ao não reconhecimento da união estável.
Nessa linha, percebe-se que, para fins de reconhecimento da união estável, não é exigido lapso temporal mínimo de relacionamento, tampouco a convivência sob o mesmo teto. Ou seja, é possível sua caracterização independentemente de um prazo de convivência mesmo que os conviventes residam em casas separadas (NEVES, 2018).
Apesar de serem observados esses requisitos, quando configurado e provado o vínculo de afeto e de relação matrimonial entre as partes em uma relação extrajudicial, não pode o Poder Judiciário desamparar ou excluir a outra parte.
Nesse ponto, menciona-se o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, primordial em qualquer contexto jurídico, uma vez que protege a dignidade de cada pessoa em qualquer contexto.
Com esse pensamento, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 380 que em seu turno traz o reconhecimento do direito do concubinato como sociedade de fato, fazendo valer o direito de poder participar da partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum. Com isso, entende-se que no caso da partilha de bens, existe uma possibilidade de gerar a garantia parte devida às “amantes” (BARCELLOS, 2019).
No campo jurisprudencial, no ano de 2020, a 8º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) no caso em que se buscou o reconhecimento de união estável numa relação extraconjugal, a suprema corte decidiu favoravelmente o pedido da autora da ação, que comprovou o relacionamento afetivo durante 50 anos com um homem casado legalmente. Depois de seu falecimento, a demandante buscou o reconhecimento da relação e o direito à partilha dos bens, que fora também reconhecida.[2]
Importante explicar que na situação ao qual o de cujus não deixou descendentes ou ascendentes, a herança terá de ser compartilhada entre a viúva e a companheira, em iguais proporções (BARCELLOS, 2019).
Diante do exposto, fica claro constatar que é possível que haja a partilha de bens do de cujus quando encontrado uma relação extraconjugal. Isso é positivo na medida em que traz justiça para muitas mulheres que vivem essa situação, e que constroem uma relação duradoura, de afeto e de aquisição patrimonial.
Independentemente de qualquer valor moral ou religioso, o Direito não pode se ausentar de amparar qualquer situação social que se estabeleça. Nem pode deixar de reconhecer uniões que também são baseadas no amor e no afeto, ainda que de maneira diferente da encontrada no texto da lei.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme expresso no decorrer as relações extraconjugais são uma realidade cada vez mais presente na sociedade. Diversas famílias são construídas oriundas das relações extraconjugais. Esse fato não pode ser anulado pelo Direito.
A sociedade ainda é muito resistente sobre o reconhecimento da união extraconjugal. Isso, em parte, se deve pelo enorme preconceito que ainda paira sobre a figura da “amante”, uma vez que o Direito e principalmente a Igreja só consideram casados aqueles que são fiéis e leais.
De todo modo, a sociedade não caminha apenas em cima de regras morais, religiosas e tampouco jurídicas. Elas vão se amoldando conforme a complexidade das relações humanas. Uma vez entendido que o afeto é principal aspecto para o entendimento sobre o que seja uma família, é com base nele que se pode entender o surgimento das relações extraconjugais.
O que se pretendeu discorrer nesse estudo fora a respeito dos efeitos patrimoniais vindas de relações extraconjugais. No mostrado pelos julgados nesta pesquisa, entendeu-se que é possível a outra parte requerer e ser atendido sobre essa pretensão.
No entanto, é preciso primeiramente que a relação extraconjugal seja reconhecida como união estável. Nesse sentido, não é possível o reconhecimento de união estável caso os documentos e as testemunhas coligidos aos autos não corroborem a publicidade, a continuidade, a estabilidade e, notadamente, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família. Inexistente a unidade familiar, não é possível reconhecer qualquer efeito jurídico da relação como partilha de bens ou benefício legal próprio de ex-companheiros.
Apesar disso, reconhecida a união estável da relação extraconjugal, pode a parte requerer o direito a partilha de bens post mortem. Sendo assim, firma-se entendimento, ao qual esse estudo também se baseia, de que os efeitos previdenciários e patrimoniais podem ser reconhecidos, desde que a parte autora comprove a união estável da relação.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTILHO, Laryssa Coelho. A união estável nas relações extraconjugais e a partilha de bens post-mortem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2022, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60197/a-unio-estvel-nas-relaes-extraconjugais-e-a-partilha-de-bens-post-mortem. Acesso em: 22 nov 2024.
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