ALCIVANDO FERREIRA DE SOUSA[1]
(orientador)
RESUMO: Apesar da Alienação Parental consistir em uma prática que possivelmente pode ser observada desde as primeiras sociedades, somente com o advento da Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010, é que a conduta passou a ser tratada na legislação nacional, alternado inclusive dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Caracterizada por uma série de comportamentos que geram um sentimento negativo do menor em relação ao genitor vítima, pode consistir em uma das hipóteses exemplificativas contidas no rol do parágrafo único do artigo 2º da lei mencionada, bem como outras situações, se assim reconhecidas como alienação pelo juiz da causa. Por se tratar de norma relativamente ultrapassada, a Lei da Alienação Parental foi objeto de recente atualização, ocorrida através da sanção da Lei nº 13.340/2022, que causa impacto relevante à sociedade em geral. O presente artigo busca facilitar o entendimento a respeito de alienação parental, bem como entender e explicar os traumas psicológicos que geram na vida dos filhos. As crianças e os adolescentes que são vítimas das brigas entre seus genitores podem desenvolver sérios problemas psicológicos, que consequentemente afetam a vida adulta. Para alcançar o objetivo almejado, a pesquisa se classifica como bibliográfica, cujos materiais selecionados foram objeto de análise qualitativa, resultando em artigo científico destinado ao esclarecimento de operadores do direito e toda a sociedade.
Palavras-chave: Alienação Parental. Características. Efeitos. Traumas Psicológicos.
ABSTRACT: Although Parental Alienation consists of a practice that can possibly be observed since the first societies, only with the advent of Law no. 12,318, of August 26, 2010, is that the conduct came to be dealt with in national legislation, even alternating provisions of the Child and Adolescent Statute. Characterized by a series of behaviors that generate a negative feeling on the part of the minor towards the victim parent, it may consist of one of the illustrative hypotheses contained in the list of the sole paragraph of article 2 of the aforementioned law, as well as other situations, if recognized as alienation by the judge of the case. As it is a relatively outdated norm, the Parental Alienation Law was the subject of a recent update, which took place through the sanction of Law No. This article seeks to facilitate the understanding of parental alienation, as well as to understand and explain the psychological traumas they generate in the lives of children. Children and adolescents who are victims of fights between their parents can develop serious psychological problems, which consequently affect adult life. In order to achieve the desired objective, the research is classified as bibliographic, whose selected materials were the object of qualitative analysis, resulting in a scientific article aimed at clarifying legal operators and society as a whole.
Keywords: Parental Alienation. Features. Effects. Psychological Trauma.
Sumário: Introdução. Material e Métodos. 1. As famílias no ordenamento jurídico brasileiro: a criação dos filhos. 2. A responsabilidade dos pais na criação dos filhos e o melhor interesse da criança e do adolescente. 3. A alienação parental e suas formas de caracterização: a Lei nº. 12.318/2010. 3.1. Consequências da alienação parental para o genitor alienante e as alterações na lei da alienação parental trazidas pela Lei nº. 14.340/2022. 4. Entendimentos jurisprudenciais: a caracterização da alienação nos casos concretos. 5. Efeitos da alienação parental: traumas psicológicos para as vítimas. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A criação de filhos já é por si só uma tarefa difícil e de grande responsabilidade para os pais, mais ainda quando se tratam de genitores ou guardiões que não mais residam juntos como um casal.
Uma vez divorciados os genitores, principalmente mediante processo litigioso, podem persistir para eles uma série de ressentimentos em relação ao antigo parceiro, sentimento este que, caso não seja coibido, pode ensejar a transferência para as crianças e adolescentes fruto da união desfeita.
Tais acontecimentos são sintomas da chamada alienação parental, que ocorre quando um dos genitores deprecia a imagem do outro para a criança ou dificulta a convivência entre eles, causando abalo na relação deles de forma com que esse menor acabe criando uma barreira contra o alienado.
Trata-se de atitude amplamente coibida na legislação, uma vez que, além de privar o menor do convívio saudável com um dos seus genitores, ainda pode causar para ele, uma séria de traumas psicológicos advindos da alienação sofrida em fase de desenvolvimento de sua vida e formação da sua personalidade.
No Brasil, é a Lei nº. 12.318/2010 que trata da alienação parental, recentemente alterada pela entrada em vigor da Lei nº 14.340/2022, mantida a função principal de proteger os direitos das crianças e adolescentes filhos de pais separados. Objetiva-se com a legislação prevenir ainda as consequências sérias dela decorrente, como por exemplo, alteração da guarda do menor, perda do pátrio poder, modificação das visitas, etc.
Portanto, este artigo contém um assunto de suma importância, pois as consequências psicológicas podem afetar drasticamente a vida das crianças e dos adolescentes, gerando a responsabilidade dos alienadores de acordo com o exposto na legislação vigente.
MATERIAL E MÉTODOS
Este artigo cientifico busca apresentar à sociedade, mediante pesquisas bibliográficas, informações atualizadas acerca da caracterização da alienação parental e os traumas psicológicos dela decorrente e ainda a responsabilidade dos pais ou do detentor da guarda.
O material bibliográfico coletado em sites, bibliotecas, jornais, revistas e outros meios de divulgação de informação, são objeto de análises qualitativas, buscando respaldos em profissionais do direito e da psicologia, baseando-se em entendimentos jurisprudenciais e pesquisas cientificas de relevância, expostos na forma de texto.
1 AS FAMÍLIAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: A CRIAÇÃO DOS FILHOS
Antes de analisar o objeto deste estudo científico, é indispensável a compreensão acerca do conceito atual de família, bem como as mais diversas formas de entidade familiar admitidas no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que não se limita a união formal de um homem e uma mulher e sua prole.
Do latim famulus, de famel (escravo), designava um conjunto de pessoas aparentadas entre si que viviam na mesma casa (famulus), mas também cumprindo a função de servos ou escravos para outro grupo, as gens, que eram seus patrões. Em inglês family, em francês famille, em alemão familie, italiano famiglia. O seu conceito tem sofrido variações ao longo do tempo. Embora a antropologia, sociologia e psicanálise já tivessem estabelecido um conceito mais aberto de família conjugal, no Direito esteve restrito, até a Constituição da República de 1988, ao casamento (art. 226).
Com a Carta Magna, ela deixou sua forma singular e passou a ser plural, estabelecendo-se ali apenas um rol exemplificativo de constituições de família. E nem poderia ser diferente, já que a ideia e o conceito de família está em constante mutação, adaptando-se às evoluções e costumes. Portanto, novas estruturas parentais e conjugais estão em curso, e muitas delas já são realidade absorvida pela ordem jurídica, como as famílias mosaicos, famílias geradas por inseminação artificial, famílias simultâneas, poliafetivas, famílias homoafetivas, filhos com dois pais ou duas mães, parcerias de paternidade, enfim, as suas diversas representações sociais atuais e, que estão longe do tradicional conceito de família, que era limitada à ideia de um pai, uma mãe, filhos, casamento civil e religioso (p. PEREIRA, 2021, p. 65).
Independente de qual seja a constituição familiar, havendo filhos menores de idade, são os genitores ou guardiões/tutores os responsáveis pela criação das crianças e dos adolescentes, conforme a legislação estabelece.
A Constituição Federal diz no caput do artigo 227 que é dever da família assegurar prioritariamente o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, profissionalização, liberdade e dignidade da criança e do adolescente. Diz ainda que deve assegurar ao infante a convivência familiar (BRASIL, 1988).
O mesmo texto legal foi reproduzido no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - (Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990), o que confirma a relevância dos direitos dos menores de idade, bem como a responsabilidade não apenas da família, mas da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público em assegurar o acesso aos direitos fundamentais.
2 A RESPONSABILIDADE DOS PAIS NA CRIAÇÃO DOS FILHOS E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Além dos dispositivos mencionados no tópico anterior, para dar maior amplitude à responsabilidade dos genitores, o ECA destina o seu artigo 22 para fixar os deveres dos pais frente aos seus filhos menores:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (BRASIL, 1990)
Todos os dispositivos contidos no ECA se destinam, seja explica ou implicitamente, ao alcance do melhor interesse do menor. De modo que, todo o sistema de proteção das crianças e dos adolescentes considera, além da vontade dos pais, o que será melhor para o infante. Trata-se, portanto, de um princípio fundamental a ser observado.
O que interessa na aplicação deste princípio fundamental é que a criança/adolescente, cujos interesses e direitos devem sobrepor-se ao dos adultos, sejam tratados como sujeito de direitos e titulados de uma identidade própria e também uma identidade social. E, somente no caso concreto, isto é, em cada caso especificamente, pode-se verificar o verdadeiro interesse sair da generalidade e abstração da efetivação ao Princípio do Melhor Interesse. Para isso é necessário abandonar preconceitos e concepções morais estigmatizantes. Zelar pelo interesse dos menores de idade é cuidar de sua boa formação moral, social, relacional e psíquica. É preservar sua saúde mental, estrutura emocional e convívio social (PEREIRA, 2021, p. 178-179).
Além do citado princípio, ainda há que se observar o da paternidade responsável, que diz que aos pais compete, além do dever de sustento e criação dos filhos, também o de convívio com a família, não se excluindo com a separação dos genitores.
A paternidade é mais que fundamental para cada um de nós. Ela é fundante do sujeito. A estruturação psíquica dos sujeitos se faz e se determina a partir da relação que ele tem com seus pais. Eles devem assumir os ônus e bônus da criação dos filhos, tenham sido planejados ou não. Tais direitos deixaram de ser apenas um conjunto de competências atribuídas aos pais, convertendo-se em um conjunto de deveres para atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, principalmente no que tange à convivência familiar. A responsabilização dos pais pela condução da educação e criação de seus filhos também está prevista na legislação infraconstitucional. Independentemente da convivência ou relacionamento entre os pais, a eles cabe a responsabilidade pela criação e educação dos filhos, pois é inconcebível a ideia de que o divórcio ou o término da relação do casal acarrete o fim da convivência entre os filhos e seus pais. E quando nos referimos à paternidade e maternidade não estamos nos referindo apenas à biológica, mas também à socioafetiva. (PEREIRA, 2021, p. 196)
Ante todo o exposto, a violação ao direito de convívio familiar representa uma grave ofensa aos infantes, podendo ser caracterizada a alienação parental, passível de responsabilidade dos genitores.
3 A ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS FORMAS DE CARACTERIZAÇÃO: A LEI Nº 12.318/2010
O debate jurídico sobre a alienação parental ganhou peso em 2010, com a criação da lei 12.318 que trata de alienação parental e de lá para cá, muito se tem discutido sobre o assunto, uma vez que tornou-se o instrumento legal de combate à práticas que afastavam filhos de seus pais sem qualquer punição, mas motivada pelo sentimento de vingança.
Sobre os sentimentos que originam a alienação, Maria Berenice Dias leciona:
Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Sentir-se vencido, rejeitado, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode fazer emergir impulsos destrutivos que ensejam desejo de vingança, dinâmica que faz com que muitos pais se utilizem de seus filhos para o acerto de contas do débito conjugal (DIAS, 2016, p. 907-908).
De fato, desde antes da legislação analisada, ainda que sem qualquer referência legal, já era possível constatar a prática de alienação, mas pouca solução poderia ser dada ao problema diante dos casos concretos.
A partir do momento que se pôde nomear, isto é, dar nome a uma sutil maldade humana praticada pelos pais que não se entendem mais, e usam os filhos como vingança de suas frustrações, disfarçada de amor e cuidado, tornou-se possível protegê-los da desavença dos pais. Trata-se de implantar na psiqué e memória do filho uma imago negativa do outro genitor, de forma tal que ele seja alijado e alienado da vida daquele pai ou mãe. Alienação Parental é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e psíquica de uma criança/adolescente (PEREIRA, 2021, p. 710).
Para pôr fim em qualquer celeuma doutrinária, a própria Lei em seu artigo 2º conceitua a alienação parental nos seguintes termos:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010).
Para melhor esclarecimento, o mencionado artigo, em seu parágrafo único, aponta um rol exemplificativo de situações que caracterizam a alienação parental. São elas:
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (BRASIL, 2010).
A doutrina de Maria Berenice Dias resume a alienação como sendo uma campanha de desmoralização do outro genitor, utilizando-se o filho como um instrumento de agressividade, cuja ocorrência pode se dar não apenas quando os pais residem em lares separados, mas também ainda que residentes sob o mesmo teto, mediante a indução a odiar um dos genitores. Segundo ensina, o efeito da alienação pode se propagar para os demais parentes próximos, atingidos os avós, tios, irmãos, entre outros (DIAS, 2016).
3.1 CONSEQUENCIAS DA ALIENAÇÃO PARENTAL PARA O GENITOR ALIENANTE E AS ALTERAÇÕES NA LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL TRAZIDAS PELA LEI 14.340/2022
Além de indicar exemplos de alienação, o legislador agiu bem em prever sanções ao genitor que pratica esse ato.
Deste modo, havendo indícios de alienação parental, em caso de necessidade de prova pericial, poderá ser designada uma equipe multidisciplinar que irá fazer visitas na casa do infante, consultas com psicólogos e etc. ficando evidenciado que a criança ou adolescente está sendo alienada, o pai, a mãe ou o detentor poderá perder a guarda do menor (artigo 5º, Lei nº 12.813/2010).
Sobre o procedimento a ser adotado, diz o legislador:
Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso (BRASIL, 2010).
Acontece que, por se tratar de uma legislação existente há mais de dez anos, considerando a evolução da sociedade e a necessidade de se manter atualizada perante os casos reais vivenciados pelos jurisdicionados, a Lei nº 12.318/2010 passou por alterações com a entrada em vigor da Lei nº. 14.340/2022.
A primeira mudança ocorreu em relação ao artigo 4º, parágrafo único da lei 12.318/10, passando a estar expressamente definido os locais em que a convivência mínima entre filhos(as) e genitores(as) ocorrerá em situações em que há indícios da prática de alienação parental e a visitação necessita ser feita de forma assistida. Neste sentido, a lei 14.340/22 acrescentou que a convivência deve ser realizada no fórum onde tramita o processo em que se discute a alienação parental ou em entidades conveniadas com a justiça que são especificamente criadas para esta finalidade (SANTOS, 2022, p. 1).
Com isso, a lei assegura ao genitor e a criança a garantia de visita mínima, desde que não haja risco iminente de prejuízo físico ou mental à criança ou adolescente. A lei também inovou ao trazer a possibilidade de nomeação de perito especializado, caso tenha uma deficiência de serventuários para realização de estudo psicológico, biopsicossocial, permitindo quando necessário o depoimento ou oitiva da criança ou adolescente, sob pena de nulidade processual.
Aprovada em maio de 2022, a Lei nº 14.340 modificou também os procedimentos referentes a suspensão do poder de família, retirando das medidas contidas no artigo 6º a possibilidade de suspender a autoridade parental do genitor alienante. O texto legal passou a ter seguinte redação:
Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
VII – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.340, de 2022) (BRASIL, 2010)
Também merece destaque a inclusão do parágrafo 2º ao artigo 6º inovou ao prever que o menor deverá ser submetido a acompanhamento psicológico e biopsicossocial periodicamente, com emissão de laudo inicial e laudo final, com a indicação do caso e das metodologias a serem adotadas (BRASIL, 2022). Tal fato se justifica dos incontestes traumas psicológicos, mais adiante apresentados.
Por fim, tem-se que a nova lei visa dar mais celeridade aos processos de alienação parental, a garantia do genitor ou genitora e crianças de ter visitas mínimas, bem como a possibilidade de oitiva dos menores, dispondo no incluído artigo 8º-A: “Sempre que necessário o depoimento ou a oitiva de crianças e de adolescentes em casos de alienação parental, eles serão realizados obrigatoriamente nos termos da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, sob pena de nulidade processual”. (BRASIL, 2022)
4 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS: A CARACTERIZAÇÃO DA ALIENAÇÃO NOS CASOS CONCRETOS
Tão relevante quanto a compreensão do que determina a legislação aplicável, é a sua aplicação diante dos casos concretos levados à apreciação dos Tribunais de Justiça brasileiros, a fim de que estes declarem a ocorrência ou não de alienação parental.
Por compreender uma série de condutas parentais, não limitadas ao rol exemplificativo contido no artigo 2º da Lei 12.813/2010, os fatos são apresentados ao Judiciário cabendo-lhe a análise dos fatos e aplicação das sanções, caso reste caracterizada a alienação.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar um divórcio litigioso, reconheceu como alienação parental, a prática da genitora ao impor obstáculos à convivência da adolescente com o genitor e os familiares paternos:
AÇÃO DE DIVÓRCIO – DIREITO DE VISITAS – APLICAÇÃO DE MEDIDAS PELA PRÁTICA DE ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA – Possível o reconhecimento da prática de atos de alienação parental e a aplicação de medidas pertinentes, de ofício, pelo Juízo, a teor do artigo 4º, da Lei de Alienação Parental – Princípio do atendimento do melhor interesse da criança e do adolescente – Sentença extra petita não caracterizada – Sentença de procedência parcial dos pedidos iniciais, e dos pedidos formulados pelo réu, quanto ao direito paterno de visitação quinzenal à filha adolescente, para declarar a existência da prática de atos de alienação parental pela genitora, fixar medidas pertinentes e estabelecer visitas ao genitor na casa da avó paterna – Autora apelante que pretende regime de adaptação prévio à realização das visitas – Estudos Social e Psicológico produzidos pelo Setor Técnico do Juízo que não apontam obstáculos à convivência da adolescente com o genitor e os familiares paternos – Regime de visitas na casa da avó paterna que deve ser mantido, pois respeita o melhor interesse da adolescente, assegurado o convívio familiar necessário ao seu desenvolvimento afetivo e social de forma sadia – O direito de visitas do genitor à filha deve ser exercido livre de obstáculos injustificados – Manutenção das medidas aplicadas com fundamento na Lei de Alienação Parental – Sentença mantida – Honorários recursais devidos – PRELIMINAR REJEITADA – RECURSO DESPROVIDO. (BRASIL. TJSP – Apelação Cível AC XXXXX20178260002 SP. 9ª Câmara de Direito Privado – 19/10/2020. Angela Lopes.)
O mesmo tribunal, em outro caso, ao considerar a ocorrência de alienação parental, impôs como sanção à genitora alienante o pagamento de uma multa, advertindo-a quanto à continuidade da prática ilícita.
GUARDA. ALIENAÇÃO PARENTAL RECONHECIDA. MULTA MANTIDA. Insurgência contra sentença de parcial procedência. Sentença mantida. Caraterizada alienação parental praticada pela genitora da menor J. em face do pai dela, multa adequadamente aplicada. Advertência quanto à continuidade da conduta. Recurso desprovido. (BRASIL. TJ-SP – Alienação Cível – AC XXXXX-61.2016.8.26.0003. 3ª Câmara de Direito Privado 29/10/2019. Carlos Alberto Salles.)
Em que pese o impedimento à visitação nos casos anteriores tenham caracterizado a alienação parental, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, já negou a caracterização desta conduta, por entender que não haviam no caso provas suficientes da intenção do genitor.
FAMÍLIA. MODIFICAÇÃO DE VISITAS. ALIENAÇÃO PARENTAL. NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. A alienação parental, quando configurada, deve ser tratada com rigor pelo Judiciário. No entanto. Como de sua declaração decorre a imposição de sanção, a medida a ser adotada deve estar pautada em elementos seguros e irrefutáveis de prova. 2. Não configurados os elementos que ensejariam a declaração de alienação parental, impõe-se reformar a sentença, em parte, para afastar as sanções impostas, e modificar o regime de visitas, ampliando-o em favor do melhor convívio da criança com o pai. 3. Deu-se provimento ao recurso. (BRASIL – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF – Apelação Cível: APC XXXX... 2ª Turma Cível. Relator: Desembargadora Leila Arlanch.)
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins também não reconheceu como comportamento de alienação parental o comportamento da mãe adotiva em relação ao relacionamento existente entre criança adotada e a genitora biológica. No caso em apreço, a produção de prova pericial foi essencial, haja vista que os laudos comprovam a ausência de irrealidades prejudiciais ao desenvolvimento da criança.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COM PEDIDO DE GUARDA. BOAS CONDIÇÕES DE CUIDADO PELA MADRINHA. CONVÍVIO COM A CRIANÇA DESDE OS DOIS ANOS. DÚVIDAS QUANTO ÀS CONDIÇÕES DA GENITORA. MANUTENÇÃO DA ROTINA E DAS CONDIÇÕES DE VIDA DA INFANTE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. ALIENAÇÃO PARENTAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DE CONVÍVIO. PEDIDO DE GUARDA REJEITADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A criança que encontra-se sob a tutela de sua madrinha, ora recorrida, desde os 2 (dois) meses de idade, sendo por ela sustentada, compondo com esta o convício familiar, segundo o acervo probatório. 2. Laudos contidos nos eventos 258, 26 e 27 de origem, em que analisam as condições sociais, psicológicas e pedagógicas ofertadas pela recorrida são incontroversos ao mencionarem que inexistem irregularidades capazes de conturbar a vida da criança. 3. As alterações de guarda devem ser evitadas tanto quanto possível, pois em regra, são prejudiciais à criança, que tem modificada a sua rotina de vida e os seus referenciais, gerando-lhe transtornos de ordem emocional. 4. Pairam dúvidas sobre as condições financeiras e de moradia da genitora da criança, tendo em vista os diversos endereços informados por esta nos autos. 5. O acervo probatório não demonstra a ocorrência da alienação parental, tendo em vista que, segundo os laudos realizados, a criança tem consciência de que vive com família adotiva, possui afeto em relação a sua genitora biológica, embora prefira residir com sua madrinha, bem como considerando ser inconteste que a recorrida não impôs óbice ao convívio da recorrente com sua filha. 6. Para resolução da lide, mostra-se adequada a fixação de convivência da genitora com sua filha aos finais de semana e feriados, de forma alternada. 7. Recurso conhecido e não provido. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Tocantins. TJTO – Apelação Cível 0000757-93.2017.8.27.2742. Rel.: Angela Issa Haonat, Gab. Da Desembargadora Angela Haonat, Julgado em 10/08/2022, DJe 17/08/2022.)
Da leitura dos entendimentos jurisprudenciais nota-se que é na análise individual de cada situação é que se verá se caracterizada ou não a alienação parental. De igual modo, ao juiz caberá decidir qual a melhor medida para prevenir a continuação do comportamento do alienante e restabelecerá a relação entre o menor e o outro genitor.
5 EFEITOS DA ALIENAÇÃO PARENTAL: TRAUMAS PSICOLÓGICOS PARA AS VÍTIMAS
O pai e a mãe são os responsáveis pela criação social, moral e emocional dos filhos, todavia, quando os dois não conseguem conviver em harmonia os infantes acabam sofrendo os efeitos negativos das decisões dos pais. Isto porque, “os menores que sofrem com a alienação parental, podem apresentar uma certa quebra de personalidade, além de transtornos comportamentais, e isso afeta diretamente em seu desenvolvimento e construção social. ” (LOPES, 2020, p. 27)
Nessas situações, merece respaldo o cuidado com a saúde mental das crianças e das adolescentes vítimas de alienação parental, já que tal prática afeta significativamente a vida desses infantes.
O primeiro fator a ser observado consiste no disposto na própria lei da alienação parental, que reconhece que a alienação viola o direito fundamental do menor vitimado.
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda (BRASIL, 2010).
A ofensa ao direito mencionado reflete diretamente no desenvolvimento da criança e do adolescente periodicamente submetido a situações de depreciação do outro genitor ou seus familiares, podendo causar resultados perversos, nas palavras da professora Maria Berenice Dias:
Os resultados são perversos. Pessoas submetidas à alienação mostram-se propensas a atitudes antissociais, violentas ou criminosas; depressão, suicídio e, na maturidade - quando atingida -, revelase o remorso de ter alienado e desprezado um genitor ou parente, assim padecendo de forma crônica de desvio comportamental ou moléstia mental, por ambivalência de afetos (DIAS, 2016, p. 909).
De fato, especialistas destacam os danos causados à saúde das crianças e adolescentes submetidos a alienação parental, posto que, não se resumem à infância, mas podem ter repercussões significativas na sua vida adulta.
A psicóloga clínica Bruna Luiza Ongaratti faz um alerta sobre os traumas e suas consequências:
Uma criança que sofre alienação parental pode apresentar sérios problemas de autoestima, que pode vir a refletir na sua aprendizagem e relações com o grupo, ansiedade, tristeza e agressividade. Sua insegurança e impulsividade também podem influenciar suas relações amorosas no futuro. No adolescente os danos não são menos leves, podendo levar inclusive a condutas de risco (ONGARATTI, 2015, p. 1).
Como consequência, os traumas podem desencadear o uso de mecanismos de refúgio na adolescência, consubstanciado na busca de alívio para as angústias através da ingestão de bebidas alcóolicas e drogas de forma precoce, influenciando tanto o rendimento escolar como também social (LOPES, 2020).
CONCLUSÃO
Por serem indivíduos em fase de desenvolvimento, o cuidado das crianças e dos adolescentes é de competência da família, da sociedade e do Estado, de modo que, havendo a negligência dos genitores, permite-se a interferência judicial a fim de assegurar o acesso aos direitos fundamentais desses cidadãos.
Dentre os direitos das crianças e dos adolescentes, com previsão constitucional e no Código de Defesa do Consumidor, encontram-se o direito à vida, à saúde, à educação, cultura, lazer e o convívio familiar, entre outros. Portanto, ainda que os genitores sejam separados, aos filhos permanece a garantia de estar igualmente com seus pais, avós e demais familiares.
Ocorre que, diante da divergência entre os genitores, podem acontecer situações que colocam os filhos do lado de apenas um deles, criando em relação ao outro, um sentimento de desgosto e recusa, tudo decorrente da relação conturbada dos pais.
Uma vez caracterizada a culpa do genitor no surgimento e manutenção desse sentimento, poderá ser enquadrado em uma das várias condutas previstas na Lei de Alienação Parental, qual seja a Lei nº. 12.318/2010, recentemente objeto de atualização pela entrada em vigor da Lei nº 14.340/2022.
Tratam-se de situações prejudiciais à criança e ao adolescente vítima de alienação parental, que podem desencadear uma série de traumas psicológicos que, em casos mais graves, pode levar ao adoecimento do menor, além de atrapalhar o seu desenvolvimento social, familiar e educacional.
Em razão da gravidade da conduta e de seus resultados, a legislação brasileira permite a fixação de várias medidas de combate à alienação parental, dentre as quais se apresenta o pagamento de multa e a alteração do regime de guarda, em casos mais extremos; tudo isso após o desenvolvimento de uma ação que, pautada em laudos psicológicos e psicossociais, indicarão a melhor providencia a ser tomada diante do caso concreto.
REFERENCIAS
BRASIL – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. TJ-DF – Apelação Cível: APC XXXX... 2ª Turma Cível. Relator: Desembargadora Leila Arlanch. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/321774443>. Acesso em 31 out. 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 19 out. 2022.
BRASIL. Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso em 18 out. 2022.
BRASIL. Lei nº. 14.340, de 18 de maio de 2022. Altera a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, para modificar procedimentos relativos à alienação parental, e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer procedimentos adicionais para a suspensão do poder familiar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Lei/L14340.htm>. Acesso em 31 out. 2022.
BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 31 nov. 2022.
BRASIL. TJ-SP – Alienação Cível – AC XXXXX-61.2016.8.26.0003. 3ª Câmara de Direito Privado 29/10/2019. Carlos Alberto Salles. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/914016692>. Acesso 31 out. 2022.
BRASIL. TJSP – Apelação Cível AC XXXXX20178260002 SP. 9ª Câmara de Direito Privado – 19/10/2020. Angela Lopes. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1108936847>. Acesso em 06 nov. 2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Tocantins. TJTO – Apelação Cível 0000757-93.2017.8.27.2742. Rel.: Angela Issa Haonat, Gab. Da Desembargadora Angela Haonat, Julgado em 10/08/2022, DJe 17/08/2022. Disponível em: < https://jurisprudencia.tjto.jus.br/consulta.php?q=aliena%C3%A7%C3%A3o+parental>. Acesso em 04 nov. 2022.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 4. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
LOPES, João Vitor Lemos. Alienação Parental: consequências psicológicas. Curso de Direito da UniEvangélica, 2020. Disponível em: <https://repositorio.aee.edu.br/bitstream/aee/10026/1/JO%C3%83O%20VITOR%20LEMOS%20LOPES%20%20.pdf>. Acesso em 04 nov. 2022.
ONGARATTI, Bruna Luiza. Alienação parental e os traumas psíquicos na infância. Publicado em 9 de março de 2015. Disponível em: <https://laparola.com.br/alienacao-parental-e-os-traumas-psiquicos-na-infancia>. Acesso em 05 nov. 2022.
Pereira, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias / Rodrigo da Cunha Pereira; prefácio Edson Fachin. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.
SANTOS, Luís Eduardo Tavares dos. O que mudou na lei sobre alienação parental? Migalhas, 3 de junho de 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/367269/o-que-mudou-na-lei-sobre-alienacao-parental>. Acesso em 01 nov. 2022.
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Meridalva Alves dos. Traumas psicológicos em decorrência da alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2022, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60201/traumas-psicolgicos-em-decorrncia-da-alienao-parental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.