RESUMO: Considerando o atual ordenamento jurídico, a adoção homoafetiva ainda passa por muitos obstáculos sociais, havendo critérios a serem debatidos, como a falta de respaldo jurídico, tanto ao casal quanto ao adotado. O processo de adoção por um casal homoafetivo no Brasil passa por muitos desafios e entraves, sendo um tema ainda muito polêmico. O estudo foi desenvolvido na construção doutrinária, jurisprudencial e normativa, sendo analisadas as espécies de adoção, a adoção por casais homoafetivos, verificando o panorama histórico e evoluções do direito de adoção conforme doutrina e jurisprudência, e as várias formas de entidade familiar. Deste modo, restou demonstrado que ainda é necessário mudanças positivadas dentro do Direito acerca desse tema, uma vez que há preconceito e discriminação dentro do processo de adoção homoafetiva, e não se pode negar que configuram uma entidade familiar às células familiares formadas por parceiros do mesmo sexo, demonstrando que o ambiente familiar saudável independe da orientação sexual dos adotantes, configurando novos modelos de família.
PALAVRAS-CHAVE: Adoção Homoafetiva. Casal Homoafetivo. Espécies de Adoção. Família.
ABSTRACT: Considering the current legal system, homoaffective adoption still faces many social obstacles, with criteria to be debated, such as the lack of legal support, both for the couple and the adoptee. The process of adoption by a homoaffective couple in Brazil goes through many challenges and obstacles, and is still a very controversial topic. The study was developed in the doctrinal, jurisprudential and normative construction, being dependents as types of adoption, adoption by homoaffective couples, verifying the historical panorama and evolutions of the right of adoption according to doctrine and jurisprudence, and the various forms of family entity. In this way, it remains demonstrated that positive changes within the Law on this subject are still necessary, since there is prejudice and discrimination within the homoaffective adoption process, and it cannot be denied that they configure a family entity to the family cells formed by partners of the same gender, demonstrating that a healthy family environment is independent of the adopters' sexual orientation, configuring new family models.
KEYWORDS: Homoaffective adoption. Homoaffect Couple. Adoption Species. Family.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda acerca dos desafios da nova concepção familiar homoafetiva, uma vez que os institutos familiares como o casamento, reconhecimento de união estável e adoção homoafetivas eram considerados verdadeiros tabus, e em como parcela da população ficou, por muito tempo, à margem do Direito de Família. Além disso, também retrata acerca da falta de norma regulamentadora de adoção homoafetiva no Brasil, uma vez que no Brasil o sistema de adoção pelos casais homoafetivos não se encontra legalmente formalizado, o respaldo jurídico que atualmente tem vigorado no Brasil seria da jurisprudência que regulamenta a união estável homoafetiva e adoção unilateral.
Com o avanço das relações na sociedade, assim como a obediência aos princípios constitucionais de igualdade e as inovações a respeito da entidade familiar, permite-se que qualquer obstáculo referente à adoção de crianças por casais homossexuais fosse afastado, logo, é de extrema relevância social a ser debatido e abordado.
O presente artigo tem como objetivo geral analisar o sistema de adoção por casal homoafetivo no Brasil, e como objetivos específicos demonstrar o panorama histórico do direito de adoção, assim como verificar o processo de adoção no Brasil, considerando também as várias formas de entidade familiar, e explicar as evoluções do direito de adoção relacionado com o Direito de Família.
Portanto, uma vez que como o Direito é consuetudinário, isto é, aquele que se forma a partir dos costumes da sociedade, que se consolidam em normas jurídicas, dessa forma, evoluções aconteceram, e como não poderia ser diferente, o ordenamento jurídico seguiu a tendência da mudança, devendo dessa forma regulamentar esse fator presente na sociedade, para segurança jurídica familiar dessa nova concepção familiar.
1 ADOÇÃO
Considera-se a adoção um contrato, ato solene, ou então, filiação criada pela lei, ou ainda, instituto de ordem pública. Existem doutrinadores que consideram como sendo uma figura híbrida, ou seja, um misto de contrato e de instituto de ordem pública, mas em geral, a natureza jurídica da adoção é de negócio bilateral e solene, equivalente a um contrato, pois é necessário que ambas as partes tenham interesse para concretizar uma adoção.
1.1 Conceito e panorama histórico
O processo de adoção no Brasil começou através das Ordenações Filipinas e a promulgação da lei que tratava sobre adoção no ano de 1828, com características do direito português. Na época o processo de adoção era judicializado, devendo ser realizada audiência para a expedição da carta de recebimento do filho, e visava trazer uma solução para aqueles casais que não podiam, ou não tiveram filhos biológicos.
A adoção é a inserção de uma criança ao ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor no Estatuto da Criança e do Adolescente, através de um processo afetivo e legal, por meio pelo qual um adulto ou um casal de adultos passam a ser pais de uma criança gerada por outras pessoas.
Para Diniz (2010, p.522), adoção é:
Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.
O instituto da adoção no Brasil é regulado pelo Código Civil, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 39 a 52-D, mas também é abordada na Constituição Federal no artigo 227 que estabelece como dever da família da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes seus direitos básicos, e no § 6º do artigo, proíbe “quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” nos casos de adoção, e estabelece a equiparação dos direitos dos filhos adotivos aos dos filhos biológicos.
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988, art. 227, § 6º)
O art. 41, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), também estabelece o conceito legal de adoção:
A adoção atribui a condição de filho ao adotando, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.”. Dessa forma, garante a prioridade, às crianças e adolescentes, a conviverem no ambiente familiar, usufruindo também de todos os seus direitos. (BRASIL, Lei nº 8.069/1990, art. 41)
1.2 Espécies de adoção e processo de adoção no Brasil
No Sistema Normativo Jurídico Brasileiro, há duas espécies legais de adoção, a adoção estatutária, prevista pelo ECA, que se aplica as crianças e adolescentes menores de 18 anos, assim como aqueles que quando atingiram a maioridade, já se encontravam sobre a tutela e guarda do adotante, e a adoção civil, de maiores de 18 anos, prevista no Código Civil, cabendo também a aplicação do ECA em alguns casos previstos em Lei, como dispõe sobre algumas modalidades de adoção: a unilateral, a conjunta/bilateral, e a póstuma.
A adoção pode ser feita por pessoa, solteira, casada ou em união estável, maior de idade, brasileira ou estrangeira, residente ou não no território nacional, configurando assim também a adoção internacional, por testamento, e a adoção homoparental.
O processo de adoção, apesar de lento e árduo, podendo levar em média cerca de um ano ou mais, é gratuito, devendo ser iniciado na Vara de Infância e Juventude, onde os interessados na adoção deverão levar todos os documentos necessários que serão autuados pelo cartório e depois remetidos ao Ministério Público para análise e prosseguimento do processo, entretanto o promotor de justiça poderá requerer outras documentações.
Após esse procedimento, haverá uma das mais importantes fases do processo, que é a avaliação da equipe interprofissional, na qual serão avaliados os postulantes à adoção por uma equipe técnica do Poder Judiciário, onde orientarão as partes acerca do processo em si, e será analisado a realidade social do casal, seus motivos para entrarem com o processo, e as expectativas do casal quanto à adoção, afim de que seja verificada as condições para a chegada da criança ou adolescente.
Ademais, ocorrerá posteriormente a participação em programa de preparação para adoção, sendo um requisito legal, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para aqueles que buscam habilitação no cadastro para adoção, sendo recomendável o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional, sob orientação, supervisão e avaliação técnica.
O curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção é obrigatório, e o seu resultado, configurando a certificação de participação em programa de preparação para adoção, será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância, que após parecer do promotor, o juiz irá proferir decisão podendo deferir ou indeferir o pedido de habilitação à adoção.
Com a validação da habilitação, esta terá validade de 3 (três) anos, podendo ser renovada em igual período, para que não fique inativo do cadastro no sistema, e caso seja indeferido o pedido, poderão entrar novamente com o processo caso queiram, verificando os motivos do indeferimento. Para a conclusão da habilitação, há um prazo máximo de 120 dias, que poderá ser prorrogado em igual período mediante decisão do juiz.
Após todo esse trâmite, são inseridos os dados dos postulantes no sistema nacional de adoção e acolhimento, sendo observado a ordem cronológica da decisão judicial de deferimento. Nessa fase do processo será permitida a aproximação das partes com a criança ou adolescente, como realizar passeios, visitações no abrigo onde mora, para que ambos possam se conhecer melhor.
E por fim, finalizando de forma positiva a aproximação entre as partes, iniciará o estágio de convivência, onde a criança ou o adolescente passa a morar com a família, sendo acompanhados e orientados pela equipe técnica do Poder Judiciário, tendo como prazo máximo de 90 dias, podendo ser prorrogado em igual período. Após o estágio de convivência, poderão os postulantes propor a ação de adoção, que será determinado pelo juiz as condições de adaptação e vinculação socioafetiva da criança ou adolescente e de toda a família, e caso sejam favoráveis as condições, será proferida sentença pelo juiz, determinando uma nova confecção do registro de nascimento com o sobrenome da nova família, passando a ter todos os direitos de um filho legítimo.
2 FAMÍLIA
Para Nader (2016, p. 41) a família é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física que se irmanam num propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum.
Já Horsth (2008, p.220-242) conceitua família e explana que se há mais de uma pessoa e elas se relacionam com base no amor e respeito, se ajudando e apoiando nas manutenções diárias, superando dificuldades e barreiras, logo são consideradas família.
A autora conclui que após analisar todos os conceitos acerca do que é a nova família estruturada pela Constituição Federal de 1988 e do Código Civil, há uma repetição de que a família atualmente deve ser entendida como um agrupamento de duas ou mais pessoas, de forma estável e franca, com a presença indiscutível do amor e do afeto entre os seus membros, devendo os integrantes dessa família se ajudarem de forma mútua nas dificuldades cotidianas, se respeitarem como indivíduos dignos e únicos, em comunhão de interesses e planos comuns para o futuro.
A resolução de 14 de maio de 2013, dispõe a habilitação, e a celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo:
1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Dessa forma, se duas pessoas de mesmo sexo vivem relação afetiva que reúne os elementos primordiais de afeto, respeito mútuo, assistência mútua, projetos de vida comuns e comunhão de interesses, essa relação não pode ser afastada do conceito e do direito de família pelo simples fato de seus integrantes serem do mesmo sexo (2008, p.232).
A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, inseriu um capítulo voltado para a família. Trata-se do Capítulo VII , sob a título: Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, sendo que os artigos que tratam da família são o 226 até o 230. Definiu a mesma como sendo o fundamento da sociedade. Garantiu-lhe proteção do Estado, independente da forma que se originou a entidade familiar. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, preceitua a referida proteção, visto que o caput menciona que a família, base da sociedade, e em todas as suas formas, tem especial proteção do Estado. Acerca da referida proteção, Venosa (2005, p.20) menciona:
O direito de família disciplina a relação básica entre os cônjuges, se casados, ou entre companheiros, na ausência de núpcias. A sociedade conjugal tem proteção do estado com ou sem casamento, nos termos da nossa Constituição de 1988.
A Família é a base da sociedade, tem especial proteção do Estado, podendo se originar do Casamento, ou da União Estável, conforme o artigo 226, da Constituição Federal de 1988.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º – Entendese, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação data Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010). § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Dessa forma, o conceito de família não se limita apenas na celebração do casamento, mas sim na convivência, na relação interpessoal, e na afetividade entre as pessoas, como preceitua:
O conceito de família não mais se identifica pela celebração do patrimônio vislumbrando-se um novo conceito de entidade familiar fundada nos vínculos afetivos. Nesse sentido o enunciado constitucional, ao fazer referência expressa a união estável entre homem e mulher, por óbvio, não reconheceu somente essa convivência como digna da proteção do Estado, sendo tal enunciado meramente exemplificativo. O que existe é uma simples recomendação em transforma-la em casamento. (DIAS, 2009).
O Direito de Família é um ramo do Direito Civil responsável por regular as relações pessoais e patrimoniais decorrentes do matrimônio, da união estável, do parentesco, da tutela e da curatela. Acerca do direito de família, Wald (2004) explanou, que:
O Direito de Família se preocupa com o status ocupado pela pessoa dentro do quadro familiar, defendendo os interesses não apenas do indivíduo, mas também do grupo. Como dependem do status da pessoa, pode tal estado na família ser modificado, ou adquirido, seja por um fato jurídico (nascimento), seja por ato jurídico (adoção, casamento) (2004, p. 6).
2.1 Espécies de Família
A concepção de que a família era tão somente aquela que advinha do casamento mudou com o advento da Constituição Federal. A união estável, que até então não era reconhecida como família, ganhou reconhecimento jurídico e amparo constitucional, gerando assim uma nova espécie de família. Em nosso país, especialmente por influência religiosa, vigorou até a promulgação da constituição federal de 1988, um conceito de família centrado exclusivamente no casamento.
Sendo assim, qualquer outro modo de vida em comum, como na sociedade de fato e a união pela convivência amorosa entre homem e mulher sem as formalidades do casamento, era considerado como uma forma ilegítima de constituição de um vínculo familiar (DIAS, 2009).
Em relação à filiação, a Constituição Federal trouxe algumas mudanças, conforme menciona Ferreira (2003, p. 141):
A nova definição constitucional de família, tornando-a mais inclusiva e com menor número de preconceitos; a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal; a consagração do divórcio; a afirmação do planejamento familiar como livre decisão do casal e a previsão da criação de mecanismos para coibir a violência no interior da família, assim como a afirmação do direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, o reconhecimento da igualdade de direitos dos filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção, ficando proibidas as designações discriminatórias relativas à filiação, são as conquistas que mudaram a face da questão familiar na constituição.
Outro ponto importante a ser destacado trata da família monoparental, onde os filhos vivem sob o pátrio poder apenas do pai ou da mãe. Neste sentido, Sechieri (2008, p.02) comenta:
Qualquer que seja a postura adotada pela doutrina, relativamente à previsão constitucional, ficou suficientemente claro que o surgimento da noção de entidade familiar ao lado da família tradicional, ou da família monoparental, abandona o vocabulário moralizador que qualificava situações relativamente atípicas para reconhecer, sem vacilações, a existência de um fenômeno social, uma nova forma familiar com a qual será necessário bom ou malgrado, conviver e legislar daqui para o futuro.
2.2 Princípio da Afetividade no Aspecto Jurídico
A afetividade é a base de tudo para uma família, é o calor afetivo que acaba configurando uma família, não importando se há laço sanguíneo. No entanto, tem diversas formas de se demonstrar este calor afetivo por alguém, tanto como, os olhares, os gestos, as vezes sem a presença de público, e estas manifestações de afetividade não são de formas isoladas, estes gestos de afeto tem comportamentos variados e várias formas de passar o calor de afeto.
Assim, com o objetivo deste estudo e dando-lhe ênfase a tudo explanado, por Pereira (2006, p. 180).
De fato, uma família não deve estar sustentada em razões de dependência econômica mútua, mas, exclusivamente, por se constituir um núcleo afetivo, que se justifica, principalmente, pela solidariedade mútua. [...] o que se conclui é ser o afeto um elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental.
Deste modo, pode se dizer que a imposição de restrições deve ser justificada pela promoção de outros bens jurídicos de mesma hierarquia, igualmente tutelados pela ordem jurídica. Essa é uma exigência do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, mais especificamente do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.
2.3 O princípio do melhor interesse do menor
O princípio do melhor interesse tem como objetivo determinar a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, para solução de conflitos ou mesmo para elaboração de futuras normas.
Considera-se “melhor interesse da criança” aquilo que a Justiça acredita ser o melhor para o menor, e não o que os pais acham que seja. Com o advento da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada em casos de divórcio e dissolução de união estável torna-se a primeira opção para o judiciário.
Nesse diapasão, observa-se o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Para Andréa Rodrigues Amin, o princípio do melhor interesse deve ser observado com atenção no caso concreto. Vejamos:
Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou seja, atenderá o princípio do melhor interesse toda e qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Melhor interesse não é o que o Julgador entende que é melhor para a criança, mas sim o que objetivamente atende à sua dignidade como criança, aos seus direitos fundamentais em maior grau possível. À guisa de exemplo, vamos pensar em uma criança que está em risco, vivendo pelas ruas de uma grande cidade, dormindo ao relento, consumindo drogas, sujeita a todo tipo de violência. Acolhê-la e retirá-la das ruas, mesmo contra sua vontade imediata, é atender ao princípio do melhor interesse. Com o acolhimento, busca-se assegurar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao respeito como pessoa, à sua dignidade, a despeito de não se atender, naquele momento, ao seu direito de liberdade de ir, vir e permanecer, onde assim o desejar. Trata-se de mera ponderação de interesses e aplicação do princípio da razoabilidade. Apesar de não conseguir assegurar à criança todos os seus direitos fundamentais, buscou-se a decisão que os assegura em maior número, da forma mais ampla possível.
Dessa forma, a doutrina da proteção integral tem forte relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que ambos traduzem a ideia de que os aplicadores do direito (advogados, defensores públicos, promotores de justiça e juízes) devem buscar a solução que proporcione o maior benefício para a criança ou adolescente.
3 ADOÇÃO HOMOAFETIVA NO BRASIL
A homossexualidade acompanhou a história da humanidade, onde foi desigualmente interpretada e explicada, sem que, entretanto, jamais fosse aceita, esteve presente, principalmente no meio masculino, sendo eles romanos, egípcios, gregos e assírios, e tornou-se em maior proporção, dentre os gregos, pois, além de relacioná-la à carreira militar, acreditavam que o esperma transmitiria o heroísmo e a nobreza dos grandes guerreiros e religiosa, como os demais.
A adoção por casais homossexuais, na prática se equipara a adoção conjunta, não há impedimentos legais, pois em nenhuma hipótese o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Código Civil, faz menção a orientação sexual do adotando, considerando também que a própria Constituição assegura que não deve em hipótese alguma haver distinção ou preconceito em razão de orientação sexual ou posicionamento religioso entre as pessoas.
No brasil tem-se a famosa ideia de família tradicional perfeita que acaba estando atrelada ao jurisdicional, especialmente em legisladores e juízes, dificultando ou até mesmo negando outros tipos de adoção, o qual não levam em consideração o bem estar do menor, sendo de extrema importante essa discussão, uma vez que muitos ignoram e não levam a sério como deveria.
Muitas crianças são prejudicadas devido a esse preconceito estrutural presente nos tribunais e Varas da Infância e Juventude em relação a adoção homoafetiva. Uma família não existe e é formada apenas pela existência de laços sanguíneos, na realidade uma família é construída com o tempo, através de um contínuo convívio, na qual forma um vínculo inseparável de amor e afeto, e seus integrantes não precisam ter o mesmo sangue.
Hoje em dia há inúmeras crianças e adolescentes em abrigos precisando de um lar, passando por um processo árduo e lento a espera de que um dia seja adotado por uma família, enquanto há possibilidade de adoção homoafetiva. Esses trâmites são extremamente desgastantes para aqueles que pretendem adotar, dessa forma existem casais que após anos de espera e luta para conseguirem concretizar uma adoção, acabam desistindo durante o processo, ou até mesmo antes de inicia-lo, o que com um processo de adoção célere não ocorreriam tantas desistências, sendo benéfico tanto para essas crianças quantos para casais que desejam constituir uma família.
É importante salientar o quanto é desvantajoso para as crianças ficarem em lares temporários em vez de estarem com família, ganhando suporte educacional, emocional, e entre outros, enquanto isso, existem milhares de crianças no sistema de adoção precisando e esperando um lar, uma criança que está há anos esperando por uma adoção não necessita ou precisa de uma família que seria considerada tradicional, aquela formada por um homem e uma mulher, e sim de uma família que o acolha, lhe dê amor, carinho, afeto e possa prover suas necessidades.
3.1 Jurisprudência e o direito de adoção
O Supremo Tribunal Federal atendeu a necessidade de um entendimento para esse problema e tema de muita importância, reconhecendo a igualdade de direitos e deveres em todas as entidades familiares existentes:
[...] o Colendo Supremo Tribunal Federal já reconheceu a igualdade e isonomia de tratamento entre todas as entidades familiares, sejam elas heteroafetivas ou homoafetivas, atribuindo-lhes igualdade de direitos e deveres (julgamento conjunto da ADPF n° 132 e da ADI n° 4.277).
Portanto, não havendo vedação pela lei muitos pedidos de adoção requeridos por casais homossexuais são deferidos, havendo também o reconhecimento da relação homoafetiva como entidade familiar, e desta forma, já houve o reconhecimento pelos Tribunais a união estável homoafetiva, uma vez que se possuem um lar, e um ambiente familiar bem estruturado, podendo oferecer uma boa criação, com carinho e afeto a criança ou ao adolescente, não há o que impedir uma adoção para essas famílias.
Assim, qualquer pessoa pode ser adotada, exigindo-se previamente o consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos. Mas a lei dispensa o consentimento em relação à criança ou ao adolescente, quando forem os seus pais desconhecidos, desaparecidos ou tenham eles sido destituídos do poder familiar sem que haja nomeação de tutor, ou ainda, quando comprovadamente tratar-se de infante exposto, ou órfão que há mais de um ano não tenha sido procurado por qualquer parente. Deste modo pode se dizer que o consentimento é revogável, podendo arrepender-se quem o prestou, desde que o faça até a publicação (e não intimação, veiculando-a na Imprensa Oficial) da sentença constitutiva da adoção (RIBEIRO, 2004, p. 76).
À vista disso, afirma Bezerra (2011) que a doutrina que se mantém favorável à adoção de menores por homossexuais, afirma que o sucesso da colocação da criança e do adolescente em família adotiva, está ligado ao ambiente familiar e não à orientação sexual dos adotantes, que, por serem homossexuais, não perdem os sentimentos de paternidade e maternidade e não acarretam, aos adotados, prejuízos ao seu desenvolvimento psicológico.
Assim como ressalta Dias (2009, p.214) que:
Não há proibição acerca da adoção por casais do mesmo sexo, pois a faculdade de adotar é tanto do homem quanto da mulher e ambos em conjunto ou isoladamente, independentemente do estado civil. Não importando a orientação sexual do mesmo, devendo ter em vista sempre o bem-estar da criança e do adolescente. Não se deve. Justificar a adoção de uma criança e adolescente tendo em vista a orientação sexual dos adotantes, pois o princípio da igualdade veda a discriminação por orientação sexual, e sim observar sempre o bem-estar e melhor interesse da criança. (Dias, 2009, p.214).
5 CONCLUSÃO
O trabalho abordou que a adoção é um tema de profunda relevância social, uma vez que traz consigo questões como o preconceito, problemas jurídicos, a concepção familiar e entre outros. A concepção jurídica de adoção é entendida como a inclusão de uma criança ou adolescente em um ambiente familiar de forma definitiva, havendo vínculo jurídico, conforme as leis.
Ademais, observou-se que muito embora ainda de forma lenta, e sem provisão legal, a jurisprudência vem levantando e garantindo, conforme os princípios fundamentais os direitos inerentes a família homoafetiva, e dessa forma, aproximando o Poder Judiciário da efetiva aplicação da Justiça e suprindo a falta de legislação brasileira acerca desse tema tão presente no dia a dia do povo brasileiro.
Além do mais, conclui-se que o papel do Estado e do Direito é garantir o respeito a diversidade, prezando pela igualdade, e contribuindo na superação dos obstáculos sociais, como a discriminação e o preconceito, como já abordado, no qual se fazem presentes, quando falado sobre a entidade familiar das relações homoafetivas, havendo discriminação na ideia de que um ambiente familiar saudável depende da orientação sexual dos adotantes, sem levar em consideração todo o amor, carinho, afeto, assistência, educação que podem proporcionar, igualmente, a uma criança ou a um adolescente.
Há de se levar em consideração a evolução do Direito de Família com o processo evolutivo do direito à adoção, dessa forma, os casais homossexuais estão sujeitos aos mesmos direitos e obrigações de um casal heterossexual, não havendo mais diferenças, do ponto de visto jurídico, entre os casais heteroafetivos e os homoafetivos que desejam adotar.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal reconhece a união homoafetiva como um núcleo familiar como qualquer outro e, além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma única pessoa, sem fazer qualquer restrição quanto a sua orientação sexual. Nesse sentido, atualmente, é possível que os casais do mesmo sexo possam adotar um bebê da mesma maneira e em iguais condições que um casal hétero, desde que comprovem o preenchimento de todos os requisitos previstos pela lei.
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Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, PATRICIA BARBOSA DE. Os desafios da nova concepção familiar e a falta de norma regulamentadora de adoção homoafetiva no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60281/os-desafios-da-nova-concepo-familiar-e-a-falta-de-norma-regulamentadora-de-adoo-homoafetiva-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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