RESUMO: Cada vez mais juízes recorrerem à interpretação da Constituição no seu cotidiano, principalmente quando recorrem à hermenêutica para conseguir tomar decisões voltadas para o Judiciário. No entanto existem casos chamados de Ativismo Judicial no qual os juízes acabam tomando decisões com base na sua própria interpretação da lei, se valendo de que a sua decisão é a mais coerente mesmo superando os limites estabelecidos na hermenêutica constitucional. O ativismo judicial também está presente em casos em que os juízes tomam decisões dentro do Judiciário de matérias que estão relacionadas a outros poderes, podendo resultar em um acúmulo de demandas para o Judiciário. Este artigo tem como objetivo geral analisar o ativismo judicial e a sua reformulação do uso da hermenêutica perante as decisões do Judiciário frente aos direitos fundamentais dos cidadãos. Trata-se de uma revisão de literatura, onde se busca apresentar estudos apontados para a prática do ativismo judicial, no qual foram consultadas as bases de dados Scielo e Google Acadêmico, bem como leis, decretos, artigos e livros para embasar a prática do ativismo judicial para efetiva os direitos fundamentais. Como resultados, o ativismo judicial pode colaborar com a efetividade dos direitos fundamentais pois parte da interpretação do juiz para tomar decisões tanto em no Poder Judiciário como em outro Poder.
PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica. Ativismo Judicial. Direitos Fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Separação dos Poderes: 2.1 Evolução histórica; 2.2 Visão de Montesquieu; 2.3 Concepção atual; 3. Ativismo Judicial: 3.1 Conceito e Origem; 3.2 Ativismo no Brasil; 3.3 Ativismo judicial e a interpretação jurídica; 3.4 Casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal. 4. Conclusão. 5. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário passou a assumir outros papéis que foram se tornando cada vez mais importantes porque se apresentou como o responsável pela concretização da Carta Magna, no entanto, para que possa garantir os direitos fundamentais à população, foi necessário existir uma intepretação jurídica inovadora para que pudesse fazer com que a Constituição fosse cumprida.
Para alguns doutrinadores, o Poder Judiciário se apresentou não condizente com a Constituição Federal de 1988, quando apresentou normas que pudessem violar as cláusulas pétreas voltadas para os direitos fundamentais que envolvem os cidadãos. Com base nisso, o caráter criativo voltado para as decisões ativistas pertencentes ao judiciário trouxe consigo maneiras de realizar a interpretação jurídica da hermenêutica filosófica, jurídica e constitucional, como tem sido feito pelo Supremo Tribunal Federal.
Este artigo, tem como principal objetivo analisar o ativismo judicial e a sua reformulação no uso da hermenêutica perante as decisões do Judiciário frente aos direitos fundamentais dos cidadãos. Como objetivos específicos busca-se demonstrar através da evolução histórica do constitucionalismo, o processo de positivação e conquista dos direitos fundamentais na Carta de 1988; Descrever o caráter criativo voltado para as decisões ativistas do Judiciário, no qual se direciona diferentes formas de aplicar a interpretação jurídica; Explicar como ocorreu o processo de surgimento e divergências doutrinárias voltadas para o ativismo judicial no país, verificando-se a análise da ação de constitucionalidade.
Trata-se de uma revisão de literatura, onde se busca apresentar estudos apontados para a prática do ativismo judicial, no qual foram consultadas as bases de dados Scielo e Google Acadêmico, bem como leis, decretos, artigos e livros para embasar a prática do ativismo judicial efetiva dos direitos fundamentais.
2 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Compreende-se que o princípio da separação dos poderes traz consigo um modelo político que busca aplicar uma melhor governança por parte do Estado através da divisão de órgãos que passaram a serem independentes e distintos, pois está especializado em uma área do governo. Esse princípio entende que o Governo possui áreas que precisam ser independentes, mas que precisam estar em harmonia, mas que não precisa e nem deve ingressar na área do outro poder.
2.1 Evolução histórica
Para que possa haver uma compreensão de como ocorre a separação dos poderes, faz-se necessário primeiramente compreender como surgiu o Estado. Assim, pode-se explicar que a expressão Estado advém do latim status, que por sua vez foi citada pela primeira vez na obra famosa de Maquiavel, conhecida como O Príncipe, como descreve Dallari (2010, p.51), que “ É fora de discussão que a palavra “Estado” se impôs através da difusão e pelo prestígio do Príncipe de Maquiavel”. A obra começa como se sabe, como estas palavras: “Todo os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”.
Assim, há certos rumores com relação em que época de fato surgiu os Estados. Alguns doutrinadores afirmam que surgiu em meados do século XVII, por outro lado outros autores descrevem como no período posterior aquele século. Entretanto, há quem possa mencionar que o Estado existe desde a época do surgimento do ser humano na terra; por outro lado, outros também afirmam que o Estado passou a surgir depois que o homem ficou com necessidades no qual forma estabelecidas e impostas, como ocorreu no surgimento das primeiras cidades ou comunidades (SCHREIBER, 2019, p. 122).
Com a concretização do Estado, surgiu o absolutismo e a soberania de um rei ficou consolidada, sendo a sua principal função a de Estado, vista como uma autoridade superior em todo o território atuante e pertencente ao seu reinado. Assim, todo o Estado estava diretamente relacionado com a decisão do monarca, e não a uma instituição que se apresentaria despersonalizada. Sendo assim, considerando o monarca como o “fiador da segurança social” (QUEIROZ, 2015, p. 88).
De acordo com Carvalho (1999, p. 99) o absolutismo foi considerado como um vocábulo que trouxe consigo uma filosofia polícia junto com toda a sua história, dentro de um sistema político que tomou toda a Europa durante o século XII, nos primeiros séculos da Idade Moderna, logo após a queda do feudalismo, com o surgimento do liberalismo político que veio consigo a devida separação dos poderes.
Vale ressaltar, que essa mudança de paradigma não ocorreu de forma imediata. Houve um processo lento e gradual que resultou na finalização da base legitimadora do absolutismo monárquico, visto que sucedeu uma ligação junto com outros assuntos, tais quais: economia, política e o exercício do poder político (BITTAR, 2007, p.211).
Entretanto, posteriormente o excessivo poder concentrado nas mãos de uma única pessoa, que no caso seria o monarca, causou tempos depois uma série de indignação por parte das próprias camadas sociais que eram submetidas à decisão do rei, com a principal acusação de abuso de poder e alta rigidez. Algumas revoluções foram acontecendo ao redor do mundo nesse mesmo período, todos com o principal intuito de retirar o poder centralizado das mãos de um rei, como a que aconteceu na França com a Revolução Francesa, representada pela Queda da Bastilha, que era o principal símbolo da opressão absolutista.
Entretanto, a separação de poderes não é algo que é da modernidade, pois esta filosofia encontra-se presente desde a época de Aristóteles, visto que nesse período já foi presenciada a necessidade de existir uma divisão orgânica e funcional do poder estatal. Porém, nesses primórdios, o foco principal era de evitar que houvesse desigualdade ao longo do tempo, visto a necessidade de limitar o poder do homem sobre outro. Por isso, grandes pensadores surgiram para marcar essa época como Platão, Aristóteles, Locke e Montesquieu (CARVALHO, 1999).
Dessa maneira, Ferreira Filho (2015, p.135) discrimina que: “A Separação de Poderes”, como se indicou acima, pressupõe a tripartição das funções do Estado, ou seja, a distinção das funções legislativa, administrativa (ou executiva) e jurisdicional. Essa classificação que é devida a Montesquieu encontra, porém, antecedentes na obra de Aristóteles e Locke”.
A literatura traz consigo a ideia de que se foi se tornando ainda mais complicado relacionar a criação da teoria da separação de poderes somente a uma única pessoa, Visto que, filosoficamente, o primeiro a mencionar a separação de poderes foi Platão, no qual passou a identificar a necessidade de existir uma divisão das funções do Estado. Depois disso, surgiu Aristóteles que trouxe consigo o conceito de constituição mista, no qual discrimina existir três tipos de autoridades, sendo elas: realeza, aristocracia e governo constitucional (CARVALHO, 1999).
2.2. Visão de Montesquieu
Apesar de existirem outros pensadores, na época, que tratasse sobre a separação dos poderes, somente a visão de Montesquieu se apresentou como a principal para sistematizar a teoria da Separação dos Poderes, quando criou a sua obra intitulada de L’Espreit des Lois, que foi publicada no ano de 1748. Assim, pode-se afirmar que essa obra se apresentou como uma definição e classificação dos Poderes do Estado, que além de tudo trouxe consigo toda a esquematização das suas próprias funções, extensões e limites no intuito de evitar com que um poder pudesse sobrepor outro (NOVELINO, 2014, p. 111).
Além disso, Montesquieu ressaltou que em cada Estado existem três tipos de poderes, que por sua vez são: Poder Legislativo, Poder Executivo e o Poder Judiciário (que depende do direito civil). Dessa maneira, pode-se afirmar que o primeiro cria leis temporárias ou permanentes, bem como possui autoridade para corrigi-las ou ainda ab-roga as que são criadas. Por outro lado, o segundo poder traz consigo o poder diplomata de receber ou enviar embaixadas para defender a pátria de guerras ou ainda criar alianças com outros países, estabelecendo com suas decisões a segurança nacional contra invasões ou atentados. O terceiro, por sua vez, está direcionado para julgar crimes, delitos litígios da esfera particular além de ser ter também o poder executivo do Estado (MONTESQUIEU, 2010, p.100).
A crítica gira em torno da problemática que pode acontecer quando um Poder quer exercer função do outro, diante disso pode-se citar a visão de Montesquieu (2010, p. 75), no qual discrimina que:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade; porque é de temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las tiranicamente. Tampouco há liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estiver unido ao poder legislativo será arbitrário o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos; pois o juiz será legislador. Se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor.
Por isso que em sua obra, Montesquieu apresentou o receio pertinente em torno do acúmulo de decisões em um determinado Poder, sendo este a capacidade atribuída para legislar, julgar e executar, passando a exercer uma tirania, indo em desarmonia à visão democrática, agindo contra a própria liberdade dos cidadãos. Assim, estaria comprometida a democracia se o mesmo homem pudesse criar as leis, executar estas e ainda julgá-las.
Por isso, o próprio pensador francês passou a estabelecer três órgãos que são distintos para exercer três funções (poderes), como descreve Lenza (2016, p.433): [...] o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano.
Desse modo, a visão de Montesquieu está pautada na separação dos poderes no qual nenhum dos três deve ampliar seu espaço ao ponto de tomar decisões que não estejam dentro de sua esfera, visto a centralização de poderes pode causar excessos. Além disso, a teoria voltada para a separação de poderes passou por um tempo de ressignificação por causa de situações no qual um Poder passou a intervir direta ou indiretamente nas atribuições de outros poderes.
2.3 Concepção atual
Destaca-se que Montesquieu tinha uma visão rigorosa sobre a separação dos poderes, no qual frisava a função de cada um e seus respectivos poderes, focando apenas na divisão dos poderes deixando de lado a harmonia e o controle de um Poder em relação ao outro. Por outro lado, Canotilho (2003, p. 101) ressalta que foi demonstrado por Eisenmann que essa teoria trazida à baila por Montesquieu não existiu, visto que se tratava apenas de uma combinação de Poderes. Além disso, o próprio Montesquieu descreveu que esses três poderes isolados causariam impasse na ordem e que precisariam caminhar em concordância.
Dentro desse contexto, Silva (2007, p. 109):
Hoje o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes.
Dentro dessa percepção também pode-se afirmar que as relações entre os poderes não podem ser vistas como atribuições que precisam ser impermeáveis. Dessa maneira, a única forma de fazer com essa separação de Poderes possa conseguir conviver normalmente com a democracia seria combatendo o arbítrio através do diálogo constitucional que existe entre eles (ABRAMOVAY, 2012, p.89).
Com base nisso, entende-que os Estados Modernos de fato admitiram a visão de Montesquieu, mas permitiu com que tivesse uma participação entre os poderes, retirando a separação rígida trazida pelo pensador francês.
A partir disso, pode-se constatar que além das funções típicas os órgãos também realizam funções atípicas, pode-se com isso verificar que na atualidade, por exemplo o Legislativo além de sua função típica focada em legislar também exercer outras funções consideradas atípicas que estão incluídas no Poder Executivo e outras atípicas pertencentes à natureza jurisdicional. No entanto, destaca-se que o poder é único, mas que se apresentam através de órgãos que realizam suas funções (LENZA, 2016, p.436).
Além disso, Lenza (2016, p. 437) afirma ainda que o poder do Estado é único, mas o que é separado são as funções para esse poder, que por sua vez é desempenhada por órgãos conforme suas atribuições, mas não há de fato uma divisão entre Poderes. Como também afirma Clève (2016, p.31):
Portanto, a noção de Estado Constitucional (ou de Direito) repousa sobre a ideia da unidade. Aliás, bem ao disse Rousseau, o poder soberano é uno. Não pode sofrer divisão (...). O que a doutrina liberal clássica pretende chamar de separação dos poderes, todavia, não poderia consistir numa estratégia de partição de algo, por natureza, uno e indivisível. Tanto, não poderia ser divido que as primeiras Constituições procuraram conciliar o pensamento de Rousseau com aquele de Montesquieu. A separação de poderes corresponde a uma divisão de tarefas estatais, de atividades entre distintos órgãos e ai sim, autônomos órgãos assim denominados de poderes.
Assim, pode-se afirmar que o Poder é único, mas as funções são separadas, por isso cada órgão possui uma função paralela, não sendo necessário que um faça a função do outro, pois cada um deles já possuem suas funções estabelecidas. Essa separação permite com que os poderes possam exercer seus papéis que é de fazer valer o que está discriminado na Constituição Federal.
3 ATIVISMO JUDICIAL
Adentrar no ativismo precisa primeiramente abordar sobre hermenêutica, visto que o ativismo judicial depende exclusivamente desta. Pode-se afirmar que a hermenêutica tem contraído diferentes significativos, dentre os quais pode-se destacá-la como uma ferramenta de execução da interpretação voltada para tudo que por sua vez possui um significado e sentido. Dentro do campo jurídico, a interpretação está voltada para a forma como se lê os textos jurídicos, em que sofrem influências pela realidade social no qual está inserido o caso litigioso. Desse modo, a hermenêutica é considerada como um fenômeno conhecido por suas duas acepções: mesmo significado de interpretação ou como teoria da interpretação. Dessa maneira, Maximiliano (1999, p.1): “[...] o erro dos que pretendem substituir uma palavra pela outra; almejam, ao invés de hermenêutica, interpretação. Esta é aplicada daquela; a primeira descobre e fixa os princípios que regem a segunda. A hermenêutica é teoria científica da arte de interpretar”.
Por isso, cada vez mais juízes recorrerem à interpretação da Constituição no seu cotidiano, principalmente quando recorrem à hermenêutica para conseguir tomar decisões voltadas para o Judiciário. Diante isto, Coelho (2009, p.63) afirma que:
Ilustrativa dessa realidade é a revolucionária jurisprudência dos cortes constitucionais desenvolvidas a partir da técnica de intepretação das leis conforme a constituição, cujo manejo, cada vez mais ousados, lhes permite construir decisões substancialmente legislativas, em que pesem os esforços de quantos ainda sustentam, com evidente constrangimento, que tais decisões, a despeito das críticas que suscitam, ainda se contêm nos marcos normativos traçados pela constituição.
No entanto, alguns doutrinadores tecem críticas voltadas para o Ativismo Judicial, visto que entendem que o Poder Judiciário padece com a falta de representatividade popular e, por sua vez acaba ferindo o Princípio da Separação dos Poderes quando se manifesta em outros assuntos e matérias que são pertinentes a outros Poderes. Diante a isto, pode-se compreender que o ativismo judicial é a teoria que descreve um comportamento no qual o juiz utiliza-se da sua visão pessoal, ultrapassando limites voltados ao seu poder de julgar e passa a fazer a lei. Além disso, o ativismo judicial é percebido também quando o judiciário passa a tomar decisões dentro de outros Poderes, como acontece quando o Poder Legislativo não chega a um determinado consenso para uma decisão, fazendo-se necessária a atuação do Poder Judiciário.
3.1 Conceito e origem
Vale destacar, a diferenciação que existe entre judicialização e ativismo judicial, no qual precisa ser analisado ambos dentro do Estado Democrático, pois a partir dessa compreensão sabe-se quais reflexões envolvem esses dois fenômenos, como pode-se observar, in verbis:
O ativismo sempre é ruim para a democracia, porque decorre de comportamentos e visões pessoais de juízes e tribunais, como se fosse possível uma linguagem privada, construída à margem da linguagem pública. Já a judicialização pode ser ruim ou pode não ser. Depende dos níveis e da intensidade em que ela é verificada. Na verdade, sempre existirá algum grau de judicialização (da política) em regimes democráticos que estejam guarnecidos por uma Constituição normativa (STRECK, 2016, p. 724).
Dessa maneira, pode-se também compreender que a judicialização envolve a capacidade de algumas questões de repercussão política ou social serem atendidas por órgãos do Poder Judiciário, não sendo pelos órgãos convencionais. Além disso, o processo de judicialização faz com que ocorra uma transferência de poder para juízes e tribunas, com modificações voltadas para a argumentação e na forma como a sociedade participa das decisões (BARROSO, 2018, p.2)
Perante o exposto, o ativismo está negativamente relacionado com a democracia, porque envolve a hermenêutica de cada um dos juízes nos tribunais, partindo de visões e comportamentos pessoais. Por isso, pode-se afirmar que o ativismo judicial pode trazer resultados negativos, pois centraliza decisões em uma única pessoa, que muitas vezes não pertence aquele Poder adequado para realizar tal decisão (STRECK, 2015, p. 727).
Insta salientar, que o ativismo judicial é atualmente um assunto que possui ainda uma polêmica a ser discutida, visto que há controvérsias sobre o seu surgimento e toda a sua conceituação, pois existem diversificadas definições. Em vista disso, cita-se que o surgimento desse termo não ocorreu através dos meios judiciais.
Os primeiros marcos da presença desse termo surgiram através de uma revista americana chamada de Arthur Schlesinger Jr., no seu artigo intitulado de “The Supreme Court: 1947”, no qual houve uma análise nos perfis dos juízes relacionados, no qual alguns foram considerados ativistas judiciais e outros com uma postura de autolimitação, verificando-se a presença de uma postura conservadora e outra mais liberal para cada magistrado analisado (TAVARES; VALLE; VIEIRA, 2008, p. 7713).
Depois dessa análise, o termo passou a ser usado de forma negativa nos Estados Unidos por alguns magistrados constitucionalistas como uma forma de criticar as decisões e posturas de juízes, por não serem de acordo com a opinião judicial que predominava no país (TAVARES; VALLE; VIEIRA, 2008, p. 7714).
Barroso (2018, p.7) afirma que o ativismo judicial surgiu depois de uma decisão da Suprema Corte Norte Americana em uma decisão voltada para a segregação racial. Visto que atuou enfrentando as leis vigentes que por sua vez apoiavam a discriminação, sendo considerada como uma ação progressista. Assim, o termo ativista judicial foi nesse contexto inicial nos Estados Unidos usado para reivindicar direitos voltados para os direitos fundamentais, segue em, in verbis:
Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte, durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. [...] Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
Em uma outra versão, Carvalho (2009,p.21), afirma que a expressão denominada como Ativismo judicial teve seu surgimento em um tempo mais antigo, na imprensa belga em meados do século XIX, mas que obteve maior repercussão no século XX, nos Estados Unidos, quando a Suprema Corte deu mais importância e efeito para esse termo tornando-o mais abrangente.
3.2 Ativismo no Brasil
O ativismo no Brasil surgiu através da própria Constituição Federal de 1988, no qual a sua promulgação permitiu com que fosse criado um novo padrão constitucional e passou a instituir um Estado Democrático de Direito com o amparo de vários direitos fundamentais, ampliando com isso os meios de busca e efetivação (SILVA, 2017, p.188).
Com isso, o ativismo passou a ter defensores e os que criticam a sua prática. Os que defendem acreditam que envolve a resolução de variadas problemáticas sociais, em contrapartida outros doutrinadores apontam que seu uso causa prejuízos ao poder Judiciário. Entretanto, os apoiadores afirmam que precisa existir uma certa cautela no seu uso na prática e concretização do mesmo, pois acredita-se também que não resolve as problemáticas sociais. Dessa maneira, pode ser considerada como um certo antibiótico poderoso que precisa ter cautela, pois precisa se atentar para que atenção à democracia não seja de fato desviada, deixando passar desapercebido toda a representatividade, legitimidade e funcionalidade que o Poder Legislativo possui ao tomar decisões importantes sobre a legislação vigente (BARROSO, 2018, p.19).
Por outro lado, no Brasil o ativismo judicial pode ser representado pelo bom ativismo quando defende a Constituição Federal de 1988, ajudando-a ser concretizada, fazendo com que esta tenha força normativa perante as decisões tomadas nos tribunais. No entanto, se torna um fator negativo quando o ativismo é praticado de forma excessiva fazendo com que seja reconsiderado todo o papel do Poder Judiciário (ABBOUD; MENDES, 2019).
Assim, ao contrário de como o ativismo judicial é visto nos Estados Unidos, muitas vezes como negativo, o chamado “ ativismo à brasileira” atua como uma forma de garantir os direitos fundamentais. Dessa Zaneti Jr (2007, p.100) ressalta que no Brasil, o ativismo judicial tem sido usado como uma manifestação da democracia participativa, pois a hermenêutica dos juízes tem sido usada para realizar uma interpretação voltada para o acesso aos direitos fundamentais, mesmo que tenha sido resultado de uma intepretação subjetiva dos juízes e do tribunal.
3.3 Ativismo judicial e a intepretação jurídica
Pode ser considerada ativista a atitude que parte do próprio Poder Judiciário em invalidar algumas ações realizadas por parte de outros poderes pertencentes ao Estado. Afirma-se que seria ativista a ação de um tribunal que agisse diretamente no sentido de declarar a inconstitucionalidade em alguns atos normativos que estão relacionados a outros poderes. Por outro lado, também pode ser considerado um ativismo judicial quando um determinado tribunal começa a se afastar dos seus próprios precedentes e que deveria respeitar, passando a adotar outra visão própria do que é o Direito em relação a hermenêutica já consagrada em outros precedentes. Além disso, entende-se também como ativismo judicial quando a Corte que deveria julgar passa a legislar, isto é, passa a realizar funções que pertencem a outro Poder. Como resumo, o ativismo judicial é visto como um procedimento realizado por parte de um tribunal no qual suas decisões se afastam da interpretação aceita (ARAÚJO, 2017,p.140).
Assim, a interpretação tem atuado diretamente para a atuação de juízes perante à decisões judiciais. Pode-se concordar que diariamente juízes precisam tomar decisões pautados na lei e na Constituição, mas quando estes apresentam lagunas a serem respondidas e preenchidas, os papéis dos juízes continuam sendo de tomar a decisão mais assertiva à frente de toda a sua interpretação jurídica. No entanto, cada um dos magistrados possui entendimentos diferentes sobre um determinado assunto e suas decisões sofrerão influencias sobre as leis e principalmente sobre o entendimento individual acerca de todos os fatores que se apresentam à sua disposição. No entanto, pode-se afirmar que uma postura deverá ser adotada, o incrementalismo, interpretação evolutiva, ao invés de optar por mudanças radicais de entendimento (ARAÚJO, 201, p.143).
Com base nisso, a hermenêutica passou a ser usada para a efetivação do caráter criativo dentro da interpretação jurídica no qual passou também e envolver a hermenêutica filosófica e jurídica. A hermenêutica filosófica envolve a superação de ideologias que possam estar sendo impregnadas de forma incorreta na sociedade, no qual impossibilita os sujeitos sociais a atuarem além do que estão sendo postos, sendo aplicada para que todos possam compreender de forma correta e racional, evitando com isso conceitos anteriores ou antigos, passando ao olhar como o objeto é atualmente. Por outro lado, em complemento com àquela, a hermenêutica jurídica se utiliza da filosofia para aplicar a interpretação de textos normativos, desempenhando um papel de extrema relevância no Direito (NAKASHIMA, 2009, p.117).
3.4 Casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal
Dentre os exemplos de caso de ativismo judicial no Brasil, o que ganha maior destaque são as práticas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal, por parte do entendimento e interpretação jurídica dos seus magistrados, efetivando o direito fundamental que se apresentaram como inovador, mas sem cometer ativismo judicial. Como no caso das Uniões Homoafetivas, no qual precisou que fosse feita uma nova interpretação sobre os conceitos de homem e mulher para que fosse possível o reconhecimento de pessoas do mesmo sexo, in verbis:
[...] No julgamento da ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132, da relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, com o julgamento em 5/5/2011. No julgamento dessas ações, o Supremo Tribunal fez a interpretação conforme o artigo 1.723 do Código Civil, de sorte a entender pe4la mutação constitucional do art. 226 § 3º, da Constituição Federal, para reconhecer as pessoas do mesmo sexo o regramento infraconstitucional da união estável (no caso em julgamento, união homoafetiva). (ARAÚJO, 2017,p.146).
No julgamento supracitado, o Supremo compreendeu que os conceitos voltados para a união estável entre um homem e uma mulher não poderia ser aplicado para a união entre duas pessoas do mesmo sexo e que por isso não poderia subsistir. Por isso, passou-se a realizar uma outra interpretação judicial no qual cita-se o art. 1.723 do Código Civil que discrimina o impedimento de qualquer intepretação que possa impedir a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Evidentemente, por outros doutrinadores tal decisão representou uma prática de ativismo judicial, pois contraria a própria Constituição Federal no sentindo controverso sobre o seu art. 226, § 3º, que discrimina que para o reconhecimento da união estável precisa partir da união entre um homem e uma mulher para que possa compor uma entidade familiar, no qual a lei converte essa união em casamento. No entanto, vale salientar que já fazem anos que as novas intepretações passaram a ser realizadas de forma progressista no qual veio buscando meios de reconhecer a união entre casais homoafetivos, evidenciando que o Supremo Tribunal Federal veio seguindo a linha evolutiva da intepretação jurídica (BRASIL, 1998).
Outro caso de ativismo judiciário, voltado para a interpretação sobre união homoafetiva, ocorreu da seguinte maneira:
No julgamento do Recurso Especial 395.904 (STJ, 2005), por sua vez, foi reconhecida a condição de dependente do parceiro homoafetivo perante o INSS para fins previdenciários. O RESP 395.904 foi julgado em sede de Ação Civil Pública ajuizada perante a 3ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre (ACP 2000.71.00.009347-0). Por efeito de decisão proferida na ACP, o INSS editou a INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/ DC Nº 25, DE 07 DE JUNHO DE 2000 – DOU DE 08/06/2000, reconhecendo a condição de dependente do parceiro homoafetivo, dando mais um passo no sentido do reconhecimento de direitos inerentes a uniões estáveis homoafetivas (ARAÚJO, 2017,p.146).
Perante às decisões mais inovadoras voltadas a uma legislação vigente, cabe citar a importância dos métodos tradicionais de Hermenêutica Jurídica, no sentido de estabelecer com que existam constrangimentos interpretativos. Nesse sentido, cita-se os métodos gramaticais, conhecimento sistemático histórico e teleológicos não podem ser compreendidos como constrangimentos interpretativos. Alguns constitucionalistas passaram a elaborar teorias de interpretação mais abrangente para fazer com que exista um limite para a discricionariedade judicial por parte dos tribunais (KRELL, 2014, p.295).
De acordo com Wilkinson (2012, p.3) a teoria que envolve a capacidade de interpretar a Constituição ou itens que não constam nela pode ser de teoria cósmica (cosmic constitutional theories), apresentando uma forte dose de ironia pela parte em que precisa desvendar os mistérios da Constituição Federal. No entanto, o que o Supremo Tribunal Federal tem feito até então foi realizar uma intepretação judicial no sentido de garantir os direitos fundamentais para situações que são consideradas inovadoras e que ainda não apresentou precedentes nos casos atribuídos pela Constituição, sendo considerado por outros juristas como um ativismo judicial, mas sendo passível de interpretações por parte dos seus magistrados.
Sendo a constituição de família e o reconhecimento da união homoafetiva um direito fundamental da população, pode-se afirmar que o STF intervém de forma inovadora e pode ser considerado como um exemplo no qual o ativismo judicial pode ser considerado como efeito positivo por tentar salvaguardar os direitos fundamentais, visto que, os termos inovadores e as novas configurações sobre união e família tem passado cada vez mais por mudanças que não estão previstas na própria Constituição Federal, passando a sua atualização e interpretação judicial a ser realizada para que possa garantir os direitos fundamentais do povo brasileiro, uma vez que no país existe uma grande dificuldade em realizar tais concretizações voltadas aos direitos fundamentais por parte dos Poderes Executivo e Legislativo, fazendo com que o Poder Judiciário seja necessário para intervir no intuito de garantir os direitos básicos e fundamentais que está citado na Constituição, mas que precisa de nova interpretação para que possa cumprir com o direito fundamental, não cometendo violação dos poderes porque o STF é o guardião da Constituição Federal, fundamentando suas ações no princípio da dignidade da pessoa humana (GRANJA, 2014, p. 3471).
4 CONCLUSÃO
De acordo com a pesquisa realizada, pode-se compreender que o ativismo judicial teve a sua origem através da segregação racial, no qual as leis americanas traziam consigo a própria discriminação de raças e atuação de magistrados foi justamente transformar a interpretação judicial em práticas que garantissem o direito de todos. No entanto, não há ainda na literatura um conceito efetivo e único sobre a atuação do ativismo judicial, em vista que existe o ativismo no qual representa a atuação do Poder Judiciário na tomada de decisões que pertencem a outros poderes e o ativismo judicial que busca garantir com que os direitos fundamentais possam ser aplicados em interpretações jurídicas que partem da própria Constituição Brasileira.
Apesar dos riscos que o ativismo judicial traz, por depender da hermenêutica de seus magistrados, o caráter positivo e que deve ser aplicado é utilizar do ativismo judicial para trazer intepretações inovadoras que possam incluir e garantir o direito fundamental da população brasileira.
O caráter criativo está voltado para as intepretações que precisam ser realizadas para que possa ser estudada uma nova forma de garantia, uma vez que a sociedade está em constante mudanças voltadas para os principais conceitos relacionados à sexualidade, família, autonomias, classes sociais e outros assuntos que estão em constante debates por se tratar de perspectivas que estão em ininterruptas transformações.
No entanto, a divergência passou a surgir quando passou a existir mais possibilidades do ativismo judicial ser realizado, passando com isso a ter defensores e críticos sobre a sua atuação. Os defensores acreditam em um ativismo que possa ajudar a garantir o direito fundamental do cidadão brasileiro, por outro lado os críticos apontam as falhas relacionadas à judicialização, no qual o Poder Judiciário tenta resolver situações que são pertinentes a outros poderes e que, inclusive a interpretação judicial pode advir por insegurança quando parte-se de algo inovador e que dependa de uma compreensão pessoal e subjetiva do tribunal, visto que cada juiz possui uma base interpretativa própria.
Com base nisso, conclui-se que no Brasil o foco principal do Supremo Tribunal Federal está voltado para as garantias que outros Poderes podem encontrar dificuldade em decidir, voltando-se para garantir os direitos fundamentais a partir de intepretações inovadoras da própria Constituição Federal, como no caso sobre os direitos das uniões homoafetivas como união estável e seus direitos como a todo e qualquer cidadão.
Sugere-se com isso para estudos futuros a prática do ativismo judicial para a garantia dos direitos de trabalhadores, uma vez que a tecnologia tem mudado o conceito sobre o trabalho e práticas laborais, principalmente com o início de práticas denominadas “home office”, que passou a surgir a partir de novas adaptações e configurações de atividades.
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Graduado em Direito pelo Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, JULIAN MIGUEL DE. O ativismo judicial à luz da efetividade dos direitos fundamentais e do caráter criativo da intepretação jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60293/o-ativismo-judicial-luz-da-efetividade-dos-direitos-fundamentais-e-do-carter-criativo-da-intepretao-jurdica. Acesso em: 22 nov 2024.
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