RESUMO: O presente artigo faz uma análise sobre a separação de Poderes, abordando seus fundamentos e sua previsão na ordem jurídico-constitucional brasileira de 1.988. Ao longo do estudo, o autor analisará, também, a possibilidade ou não de serem alteradas por Emenda Constitucional dispositivos que versem sobre o tema, já que é expressamente listado como uma das cláusulas pétreas.
Palavras-chave: Separação de Poderes. Separação Funcional. Freios e Contrapesos. Controle Recíproco. Cláusula Pétrea. Possibilidade de alteração. Precedentes.
1.INTRODUÇÃO
O presente estudo é fruto de pesquisa realizada na área do Direito Constitucional, com análise centrada na separação de Poderes. O interesse pelo tema surgiu há bastante tempo, já durante aulas de Direito Constitucional no início da Faculdade, quando do tempo do primeiro contato com a ideia de que os para o bom exercício do Estado, é interessante que haja uma separação das funções (tripartição de poderes, de Montesquieu), bem como um controle de um Poder sobre o outro, a fim de evitar concentração excessiva e corrigir eventuais abusos (checks and balances).
O interesse aumentou quando o autor da presente obra, após aprovação em concurso público da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, passou a assessorar a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça daquela casa legislativa, elaborando pareceres a projetos de lei e propostas de Emenda à Constituição Estadual em que o tema da separação de Poderes era assunto indispensável para a elaboração dos estudos necessários à execução das minutas de pareceres.
Por fim, este autor traz à baila a discussão a respeito da extensão da separação de Poderes enquanto cláusula pétrea. Será que qualquer alteração que impacte na distribuição de Poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário afronta a cláusula pétrea da separação de Poderes, devendo ser reputada inconstitucional ? Ou há espaço para que seja alterado algum desenho institucional realizado pelo constituinte originário, sem que haja mácula à separação de Poderes ? A resposta a tais questionamentos será dada ao longo do presente artigo.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Considerações sobre a separação de Poderes
De início, imperioso destacar que a contenção do potencial uso abusivo e autoritário do poder político exercido pelo Estado tem sido uma preocupação constante da humanidade. Como evitar que o governante viole os direitos e liberdades das pessoas, persiga desafetos e beneficie protegidos, e use o poder para seu próprio benefício em detrimento da coletividade? O axioma de Lord Acton, de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, permanece incontestável na história.
Ana Paula de Barcellos traz boa indagação a respeito não apenas da vertente da separação dos Poderes como “freios e contrapesos”, mas também da vertente da separação funcional de poderes. Assim dispõe a doutrinadora carioca:
“Ao lado dessas preocupações, que procuram conter ou limitar o exercício do poder político, desenvolveu-se também uma outra, a respeito da organização do exercício desse poder, ocupando-se de sua funcionalidade, isto é: daquilo de positivo que ele possa fazer para a sociedade, e não apenas dos males que possa causar.
Assim, a pergunta é: como o exercício do poder político pode/deve organizar-se para atingir melhor seus fins e levar a cabo algo que possa ser considerado um governo bom?
Essas duas preocupações – o limite do poder e a melhor organização possível do seu exercício – se entrelaçam em alguma medida, já que uma exigência inicial de um governo bom (seja qual for o sentido que se queira atribuir a bom) é que ele não seja abusivo e arbitrário, respeitando os direitos e liberdades das pessoas.”[1]
Ademais, importante destacar que quando se fala em “separação de Poderes”, estamos tratando de uma divisão horizontal dos Poderes, das funções, que não deve ser confundida com uma divisão territorial do Poder, típica de um Estado Federal. Assim leciona Ana Paula de Barcellos a respeito do tema:
“A separação de Poderes é frequentemente descrita como uma divisão/separação horizontal de Poderes. É possível cogitar ainda de uma divisão vertical ou territorial, classificação por vezes identificada como “formas de Estado” que, em geral, ocupa-se de descrever como o poder político se distribui pelo território, identificando três principais modelos: os sistemas federativos, os Estados regionais e os Estados unitários mais ou menos descentralizados.
Também a divisão territorial ou vertical, sobretudo quando haja uma efetiva separação entre vários centros de poder no território, como acontece na Federação, tem por objetivo, entre outros, dividir o poder político para controlar.”[2]
Como o presente artigo não tem por objeto a separação de Poderes do ponto de vista espacial, territorial, dentro de um Estado Federal, assunto já abordado por este autor em outros artigos e livros, não se aprofundará a análise de tal tema, centrando-se o estudo, por óbvio, na separação de Poderes dita horizontal, separação das funções estatais.
Neste diapasão, importante trazer distinções entre dois Sistemas de Governo consagrados no mundo atualmente: Parlamentarismo e Presidencialismo. Nas palavras de Ana Paula de Barcellos:
“O primeiro deles é o parlamentarismo. Na tradição britânica, já referida, sua instituição não decorreu de um ato deliberado, mas de uma paulatina construção institucional e consolidação de costumes. A principal marca do parlamentarismo é a responsabilidade política do Governo – i.e., dos Ministros – perante o Legislativo. Para isso, o Governo assume as mais importantes e efetivas competências do Executivo, remanescendo ao Chefe de Estado (monarca ou Presidente) um papel mais simbólico e cerimonial.
Todas as decisões relevantes são tomadas ou referendadas pelo Governo, que responde por elas diante do Parlamento e, por isso, só assume ou permanece no poder enquanto tiver a sua confiança. Diante de impasses entre o Governo e o Legislativo, ou os Ministros renunciam coletivamente e assume uma nova composição, com o apoio do Parlamento; ou se dissolve este para que, convocadas eleições, forme-se nova maioria ou coalizão que sustente o Governo existente ou promova sua substituição”[3]
Prossegue a autora, agora tratando acerca do Presidencialismo:
“O segundo tipo puro de sistema de governo é o presidencialismo – este, sim, produto de uma decisão consciente, com certidão de nascimento específica: a Constituição dos EUA de 1787. Neste sistema de governo, o Executivo não é composto por derivação, a partir da maioria parlamentar; ao contrário, ele tem uma investidura própria e autônoma: seu Chefe é eleito pelo povo, direta ou indiretamente, para um mandato fixo, que não pode ser abreviado pela simples insatisfação política do Poder Legislativo.
Como o Presidente tem um título democrático próprio para governar, não é necessário cindir o Executivo, que permanece uno: o Presidente é Chefe de Estado e de Governo. Somente em hipóteses muito graves é que se admite a remoção do Presidente antes do fim do seu mandato: pelo voto de uma elevadíssima maioria, o Legislativo pode declarar o impedimento (impeachment) do Presidente, tendo em vista a prática de ilicitudes tão graves que são aproximadas da noção de crimes (tanto que são chamados, no Brasil, de crimes de responsabilidade).”[4]
Percebe-se, portanto, que a separação de Poderes tanto está presente na ideia de que os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, na experiência brasileira pós-1891, quando havia um Poder Moderador) devem estabelecer limites recíprocos uns aos outros, quanto na própria ideia da “tripartição de Poderes”, proposta por Monstequieu, e que consagra a divisão funcional do Poder.
Se acima citamos exemplos de relação entre o Executivo e o Legislativo, com os contornos que lhe são próprios, seja no Parlamentarismo, seja no Presidencialismo, também é importante citar exemplo de Separação de Poderes entre o Legislativo e o Judiciário. Eis decisão do STF que trata do tema, ao vedar controle excessivo de CPI sobre atuação de membros do Poder Judiciário:
“O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional”[5]
Por fim, necessário citar que a escolha do sistema de governo é norma de reprodução obrigatória, e sua modificação no âmbito de um Estado ou Município viola cláusula pétrea. Sobre o tema, assim leciona Gilmar Mendes:
A adoção de medidas parlamentaristas pelo Estado -membro, quando no âmbito da União se acolhe o presidencialismo, também é imprópria, por ferir o princípio da separação de Poderes, como desenhado pelo constituinte federal. As fórmulas de compromisso entre ambos os regimes somente podem ser estabelecidas na Constituição Federal.[6]
2.2 Dispositivos Constitucionais que tratam sobre a Separação de Poderes
Pela própria abrangência da separação de Poderes, que tanto versa sobre a separação funcional quanto sobre o controle de um Poder sobre o outro, diversos são os dispositivos constitucionais a respeito do tema. Vamos, neste ponto, abordar alguns dos dispositivos, tecendo alguns comentários sobre cada um deles.
De início, podemos citar artigo clássico a respeito da separação de Poderes no direito brasileiro, que garante a independência e também a harmonia entre os Poderes da União:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”[7]
Do ponto de vista da separação funcional de Poderes, imprescindível citar alguns dispositivos constitucionais que trazem a previsão das competências de cada um dos Poderes. Neste ponto, opta o autor por apenas citar os dispositivos, a fim de evitar uma desmedida extensão do tamanho deste estudo. Seriam eles, dentre outros, todos da CF/88, o artigo 48 para o Poder Legislativo, artigo 84 para o Executivo, artigos 102 e 109 para o Poder Judiciário.
Por outro lado, podemos listar, também, dispositivos que consagram justamente a fórmula de “freios e contrapesos”, com os mecanismos desenhados pelo constituinte originário com a finalidade de garantir um controle recíproco dos Poderes entre si. De início, podemos citar o poder de veto a projetos de lei, garantido ao Poder Executivo:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;”
Ora, se ao Legislativo foi garantida, primordialmente, a função de legislar, como garantir que o exercício de tal prerrogativa por parte do Legislativo não seria executado de forma abusiva ? Pois bem, a forma encontrada foi, dentre outras, assegurar que o Poder Executivo poderia vetar os projetos (atente-se o leito para o fato de que o veto incide sobre projetos e não sobre leis) que fossem inconstitucionais ou contrários ao interesse público. Percebe-se, no caso, flagrante instrumento de controle de um Poder sobre o outro, evitando arbítrios e abusos.
De idêntica maneira, ao Poder Legislativo também foi garantida a possibilidade de controlar exercícios abusivos de posições jurídicas por parte de outros Poderes. Como exemplo podemos citar os seguintes dispositivos:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
[...]
III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias;”
Assim sendo, no caso dos tratados internacionais não basta que o Poder Executivo, ao representar a República Federativa do Brasil no plano internacional (é sempre importante traçar a distinção entre a República Federativa do Brasil, sujeito de direito público internacional e a União, sujeito de direito público interno), assine um Tratado para que tal acordo passe a vincular o país. É preciso que o Congresso Nacional, exercendo claro mecanismo controlador, manifeste sua vontade, para que, só então, o Presidente da República ratifique tal Tratado em âmbito internacional. Assim se manifestou o STF sobre a matéria:
“O exame da vigente CF permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto.”[8]
O outro dispositivo colacionado acima também é manifestação da separação de Poderes em sua vertente de “freios e contrapesos”, já que assegura ao Congresso Nacional o poder de autorizar ou não que o Presidente e o Vice-Presidente da República se afastem do território nacional por mais de 15 dias. Tal previsão, inclusive, é tida pelo STF como norma essencial à Federação, sendo, portanto, de reprodução obrigatória por parte dos Estados-Membros, que não podem prever que a autorização deva ocorrer para qualquer período de afastamento do País, incidindo na espécie o Princípio da Simetria. Vejamos decisão do STF a respeito do tema:
“E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR DO ESTADO – AFASTAMENTO DO PAÍS “EM QUALQUER TEMPO” – NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, SOB PENA DE PERDA DO CARGO – ALEGADA OFENSA AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E SUPOSTA TRANSGRESSÃO AO MODELO NORMATIVO ESTABELECIDO PELA VIGENTE CONSTITUIÇÃO (ART. 49, III, E ART. 83) – MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE DEFERIDA PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE – REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA – PRECEDENTES – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. – A exigência de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o Governador e o Vice-Governador do Estado ausentarem-se, em qualquer tempo, do território nacional mostra-se incompatível com os postulados da simetria e da separação de poderes, pois essa restrição – que não encontra correspondência nem parâmetro na Constituição Federal (art. 49, III, c/c o art. 83) – revela-se inconciliável com a Lei Fundamental da República, que, por qualificar-se como fonte jurídica de emanação do poder constituinte decorrente, impõe ao Estado-membro, em caráter vinculante, em razão de sua índole hierárquico-normativa, o dever de estrita observância quanto às diretrizes e aos princípios nela proclamados e estabelecidos (CF, art. 25, “caput”), sob pena de completa desvalia jurídica das disposições estaduais que conflitem com a supremacia de que se revestem as normas consubstanciadas na Carta Política. Precedentes.[9]
2.3 (Im)possibilidade de modificação de dispositivos que versem sobre a separação de poderes
Após termos analisado o que vêm a ser as cláusulas pétreas e como elas se relacionam com a mutabilidade ou não da Constituição Federal, bem como após tecermos análise com maior grau de detalhamento acerca de uma cláusula pétrea em espécie (separação de Poderes), cumpre determinar se a impossibilidade de uma Emenda Constitucional modificar a estrutura de separação de Poderes posta pelo constituinte originário é absoluta ou se comporta alguma flexibilização.
Neste sentido, a doutrina entende que não há uma impossibilidade absoluta de uma Emenda Constitucional alterar dispositivos que versem sobre a separação de Poderes, desde que mantido o núcleo essencial de tal limitação material ao poder de reforma constitucional. Corroborando tal entendimento, o STF já analisou modificações realizadas no texto constitucional por parte do poder reformador que, em tese, enfraqueciam prerrogativas de algum dos Poderes constituídos, e entendeu que não houve violação à cláusula pétrea da separação de Poderes, como se demonstrará a seguir.
Cite-se um exemplo dado pela Professora Ana Paula de Barcellos:
“A Emenda Constitucional nº 32/01 restringiu a competência do Chefe do Poder Executivo para editar medidas provisórias. Embora houvesse diversas vozes na doutrina que reputavam inconstitucional a sistemática das sucessivas e ilimitadas reedições, fato é que a praxe contava com a chancela do STF33 e, dessa forma, integrava na prática o elenco de competências do Poder Executivo. É interessante observar que a atividade legislativa do Poder Executivo integra o rol de controles recíprocos. Nada obstante, a referida emenda restringiu essa competência, sem que se falasse em inconstitucionalidade por ruptura do modelo de separação de Poderes instituído pelo constituinte originário.”[10]
Outro exemplo dado tanto pela doutrinadora acima citada como pelos grandes professores Luis Roberto Barroso (cujo livro colacionamos excerto abaixo) e Daniel Sarmento envolve a criação do CNJ. Vejamos:
“A questão, no entanto, já foi debatida em mais de uma ocasião, inclusive em ação direta movida contra a Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004), na parte em que criou o Conselho Nacional de Justiça.A Corte entendeu inexistir violação ao princípio porque o CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário e a presença, em sua composição, de um número minoritário de membros de fora do Judiciário – e não egressos diretamente da estrutura interna dos outros dois Poderes, ainda quando por eles indicados – não caracterizava ingerência de um Poder em outro.”[11]
A doutrina[12] advoga, portanto, que o fato de a “separação de Poderes” ser cláusula pétrea não significa que qualquer dispositivo da CF/88 que estruture a relação entre os Poderes seja imutável, seja impassível de ser modificada. Ao revés, a eventual inconstitucionalidade da Emenda Constitucional (por violação à cláusula pétrea da separação de Poderes) somente ocorrerá caso o núcleo daquele preceito for afetado. Tal mácula à separação de Poderes pode ocorrer por meio de exacerbada concentração de Poderes em um dos Poderes ou por meio de esvaziamento de instâncias de controle recíproco de um Poder sobre o outro ou esvaziamento de suas competências típicas.
Valiosa a lição de Daniel Sarmento[13] e Cláudio Pereira de Souza Neto, para quem:
“Diante deste contexto, a cláusula pétrea da separação de poderes deve ser pensada sem fetichismos institucionais que inibam qualquer possibilidade de experimentalismo democrático na busca de arranjos estruturais mais adequados aos desafios do Estado contemporâneo. Tais arranjos não devem ser banidos apenas por não se espelharem em visão tradicional e ortodoxa da separação de poderes, desde que não importem em concentração excessiva de poderes nas mãos de qualquer órgão ou autoridade estatal, e se mostrem compatíveis com os valores referidos no parágrafo anterior.”
No entanto, tema bastante palpitante e que por vezes ganha força no debate público brasileiro diz respeito à mudança do sistema de governo brasileiro, saindo do Presidencialismo e passando para o Parlamentarismo ou Semi-Presidencialismo. Enquanto os dois primeiros sistemas já foram abordados em tópico anterior, o Semi-Presidencialismo é explicado por Márcio Nuno Rabat[14] da seguinte maneira:
A experiência política e institucional de alguns países foi sendo vista, com o tempo, como dificilmente integrável em qualquer dos dois desenhos de sistema de governo acima descritos, merecendo designação própria. Essa experiência discrepante se assemelha ao desenho parlamentarista fundamentalmente por distinguir chefe de governo (frequentemente chamado de primeiro-ministro) de chefe de Estado (frequentemente chamado de presidente da República) e por ser o governo (primeiro-ministro e seu gabinete) formado a partir da correlação de forças presente no parlamento e dependente de sustentação da maioria parlamentar para subsistir. No entanto, o presidente da República guarda legitimidade democrática própria, decorrente da eleição popular direta para exercício do cargo por período fixo, e exerce atribuições políticas mais amplas que o chefe de Estado em sistemas propriamente parlamentaristas. Os sistemas de governo com essas características têm sido designados de semipresidencialistas
Em relação a tal mudança, não há ainda resposta concreta acerca de haver ou não afronta à Separação de Poderes. Se, por um lado haveria uma espécie de enfraquecimento do Poder Executivo, por outro é possível defender que a referida modificação não seria tendente a abolir a separação de Poderes, que continuaria a existir, apenas com contornos distintos. É um debate rico e sem resposta pré-definida, que, caso venha a ocorrer, atrairá a atenção de toda a população brasileira para o julgamento por parte do STF. No tocante a tal tema, Ana Paula de Barcellos[15] assim se manifesta:
Uma questão mais específica nesse debate envolve saber se emenda constitucional poderia alterar o sistema de governo para instituir um parlamentarismo, no lugar do atual sistema presidencialista. Além da previsão do art. 60, § 4º, III, são relevantes para examinar essa pergunta duas outras: a do art. 2º, que descreve os Poderes como independentes, já mencionada; e a do art. 2º do ADCT, por força da qual a escolha do sistema de governo foi submetida a consulta popular após a promulgação da Constituição de 1988, que optou pela manutenção do presidencialismo.
Existem diferentes posições na matéria e a questão está posta para apreciação perante o STF por meio de um mandado de segurança, impetrado em 1997, por força do qual se pretendia impedir a tramitação de proposta de emenda constitucional que instituía um parlamentarismo no País, sob o argumento de que a proposta violaria cláusula pétrea36. Para alguns, o resultado do plebiscito teria complementado a opção do constituinte originário na matéria, que seria não apenas no sentido da adoção de uma separação de Poderes qualquer, mas do presidencialismo como o único modelo – ainda que admitindo variações internas – de separação de Poderes admitido no sistema brasileiro. Ou seja: apenas um novo poder constituinte originário poderia produzir essa alteração.
Outros sustentam, porém, que a alteração seria possível, já que a cláusula pétrea é a separação de poderes, e não o presidencialismo, e ela pode assumir outras formas; mas dependeria, em qualquer caso, de submissão e aprovação específicas da população em nova consulta popular, de modo a que se respeitasse a manifestação anterior. A premissa hermenêutica aqui, de certo modo, é a de que não se deve interpretar de forma ampliativa as cláusulas pétreas, tendo em conta a restrição que elas impõem às maiorias de cada momento histórico.
3. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, percebe-se que a separação de Poderes tem importância tão grande para o funcionamento do Estado Democrático de Direito no Brasil que o constituinte originário resolveu alça-la à posição de cláusula pétrea. Ao longo do artigo foi citada a diferenciação existente entre a concepção de separação de Poderes enquanto divisão funcional das funções estatais e e a concepção da separação de Poderes do ponto de vista do federalismo, com a separação de poder entre os entes federados, sendo a primeira das concepções a abordada neste estudo.
Ademais, também foi explicada a diferença entre a separação de Poderes em sua vertente de separação funcional de funções e em sua vertente de “checks and balances” ou “freios e contrapesos”, que garante um sistema de controle recíproco entre os três Poderes da República, evitando arbítrio por parte de um poder sobre o outro. Foram analisados dispositivos constitucionais que consagram uma e outra vertente da separação de Poderes.
Por fim, o estudo analisa a questão da viabilidade de serem alterados dispositivos constitucionais que versem sobre separação de Poderes, contanto que as Emendas que o façam não sejam tendentes a abolir o núcleo essencial da separação de Poderes, realizando, por exemplo, uma excessiva concentração de Poderes nas mãos de um dos Poderes constituídos, ou esvaziando a função de algum deles.
REFERÊNCIAS
STF, DJU, 12 maio 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.
BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018
RABAT, Márcio Nuno, LUGAR DO SEMIPRESIDENCIALISMO ENTRE OS SISTEMAS DE GOVERNO, disponível em : https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/40872 .
BARROSO, Luís Roberto ; Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.,
Souza Neto, Cláudio Pereira de Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte : Fórum, 2012.-- 1. ed. -- Belo Horizonte : Fórum, 2012
[1] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 303
[2] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 304
[3] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 312
[4] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 313
[5] “STF, DJU, 12 maio 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 741.
[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 02.05.2022.
[8] . ADI 1.480 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-9-1997, P, DJ de 18-5-2001.
[9] ADI 5373, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-229 DIVULG 16-09-2020 PUBLIC 17-09-2020
[10] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 322
[11] [11] BARROSO, Luís Roberto ; Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva
Educação, 2020., p. 183
[12] [12] BARROSO, Luís Roberto ; Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva
Educação, 2020., p. 182
[13] Souza Neto, Cláudio Pereira de Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte : Fórum, 2012.
-- 1. ed. -- Belo Horizonte : Fórum, 2012. P. 269
[14] RABAT, Márcio Nuno, LUGAR DO SEMIPRESIDENCIALISMO ENTRE OS SISTEMAS DE GOVERNO, disponível em : https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/40872 , acesso em 14 de agosto de 2022.
[15] BARCELLOS, Ana Paula de Curso de direito constitucional / Ana Paula de Barcellos. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 323
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da UFPE, Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Advogado e ocupante do cargo efetivo de Agente Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, onde assessora a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Raul Queiroz de. A separação de Poderes na Constituição de 1988: origens e possibilidade de edição de Emendas Constitucionais tratando sobre o tema Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 fev 2023, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61094/a-separao-de-poderes-na-constituio-de-1988-origens-e-possibilidade-de-edio-de-emendas-constitucionais-tratando-sobre-o-tema. Acesso em: 22 nov 2024.
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