RESUMO: O presente artigo faz uma análise sobre a rigidez constitucional e sua consequência em relação ao quórum de deliberação e apresentação de Propostas de Emendas à Constituição. O estudo busca analisar, também, caso enfrentado pelo autor em sua atuação profissional junto à Comissão de Constituição e Justiça da ALE/PE, em que houve proposta no intuito de igualar o quórum de apresentação de PEC’s ao da apresentação de projetos de lei, proposta devidamente não acatada, conforme será demonstrado no presente ensaio.
Palavras-chave: Limites ao Poder de Reforma Constitucional. Constituição Rígida. Quórum de apresentação. Quórum de Deliberação. Procedimento mais dificultoso.
1.INTRODUÇÃO
O presente estudo é fruto de pesquisa realizada na área do Direito Constitucional, com análise centrada nos limites ao Poder de reforma à Constituição, sobretudo no que diz respeito a uma limitação formal, qual seja: a iniciativa para apresentação de Emendas em âmbito estadual.
O interesse deste autor pelo tema nasceu ainda durante as aulas de Direito Constitucional no início da Faculdade, quando do tempo do primeiro contato com a ideia de que o processo de alteração das Constituições (federal e estadual) no Brasil deve ser mais dificultoso do que o das demais espécies normativas. Passados alguns anos, e sempre com interesse no tema, este autor se deparou, em sua atuação profissional (é ocupante do cargo de agente legislativo da ALE/PE, onde assessora a Comissão de Constituição e Justiça), com Proposta de Emenda à Constituição do Estado de Pernambuco, com a necessidade, justamente de estabelecer critérios para a iniciativa de alteração da Constituição Estadual.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Rigidez e supremacia constitucional
Inicialmente, é imperioso tratar sobre a supremacia da Constituição e sobre o Poder Constituinte em si, para em seguida poder debruçar-se sobre os limites a esse poder de reformar a Constituição.
Tem-se a Constituição como norma suprema, verdadeiro sustentáculo do ordenamento jurídico, de onde todas as demais normas retiram sua validade, o ponto de partida da produção jurídica do Estado. Se o ordenamento for idealizado como uma pirâmide, estaria a Constituição na base dessa pirâmide, transformando a norma fundamental que é uma espécie de fantasia jurídica em norma concreta, a primeira e mais importante positivação jurídica do Estado, à qual as demais normas devem obediência. Qualquer ato jurídico para que componha e permaneça de forma válida o ordenamento tem que estar em conformidade com os preceitos da Constituição[1].
Outro ponto importante no estudo das Constituições é quanto à sua classificação, que pode se dar sob a análise de variados aspectos. Para efeitos desta obra, entende-se ser a mais importante dessas classificações a que diz respeito à estabilidade da Constituição, por guardar relação com a dificuldade de alterá-la, e, portanto, com os limites ao poder de reforma. Tal classificação divide as Constituições entre rígidas e flexíveis. Rígidas seriam aquelas que demandam um procedimento de modificação mais difícil do que o processo para modificar as demais leis, requerem um rito mais solene e que deve obedecer a formalidades. No entanto, é variável esse grau de rigidez ou flexibilidade, de forma que alguns autores falam em Constituições rígidas, flexíveis, ou semirrígidas, que teriam uma parte rígida e outra flexível[2].
As flexíveis, por sua vez, seriam aquelas que podem ser reformadas da mesma maneira que se criam leis ordinárias, sem exigência de qualquer requisito especial, como ocorre nas rígidas ou semirrígidas.
Importante a lição de José Afonso da Silva, que afirma:
A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabilidade. Não há constituição imutável diante da realidade social cambiante, pois não é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo, também, de progresso social. Deve-se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência e durabilidade das instituições, mas sem prejuízo da constante, tanto quanto possível, perfeita adaptação das constituições às exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social. A rigidez relativa constitui técnica capaz de atender a ambas as exigências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas impondo processo especial e mais difícil para essas modificações formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária[3].
A Constituição Federal de 1988 requer um rito especial, diferenciado para que seja alterada, o que nos faria, em um primeiro momento, classificá-la como rígida. Acontece que alguns pontos nela são imutáveis dentro da ordem constitucional vigente, não podendo ser alterados sob qualquer hipótese. Não há formalidade ou rito que legitime a mudança dessas matérias, que são as chamadas cláusulas pétreas, positivadas no Parágrafo 4º do artigo 60 da Carta Magna. Neste sentido, alguns doutrinadores classificam nossa atual Constituição como super-rígida[4].
2.2 Limites ao poder de reforma constitucional
Como mencionado anteriormente, da rigidez constitucional decorre a ideia de uma maior estabilidade do texto constitucional, com solidez jurídica aparente. Alguns teóricos da Constituição chegaram até a imaginar uma Constituição que fosse imutável, ideia que claramente não se sustentaria, em virtude das transformações sociais ocorridas ao longo do tempo, de forma que não é imaginável que uma Lei formulada em determinada época possa continuar atendendo as expectativas das pessoas com o passar dos anos. As leis constitucionais, fruto do Poder Constituinte, obrigam os poderes constituídos, mas nunca a Nação, que é o titular desse Poder Constituinte Originário. Assim sendo, natural que haja mecanismo para alteração da norma constitucional, com o intuito de maior adequação aos anseios populares atuais[5].
Inicialmente, convém analisar os limites formais para a edição das Emendas Constitucionais, que é a forma de manifestação do Poder de Reforma que será analisada nesse estudo, deixando de lado o poder de revisão constitucional, previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e que já foi consumado. São bastante severas as normas constitucionais que estabelecem os limites formais para reforma da Constituição, reforçando o caráter de Constituição rígida adotado pela nossa Carta Magna. O artigo 60 da Constituição de 1988, em seus incisos I, II e III traz as primeiras regras relativas a esses limites formais:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros[6]. ..........
Fica claro, pois, que não é qualquer pessoa ou instituição que pode propor uma Emenda à Constituição, mas somente essas pessoas e órgãos previstos no artigo supracitado. Mesmo os membros do Poder Legislativo federal não podem isoladamente propor uma modificação da Constituição, devendo contar para tal com no mínimo 1/3 dos membros da Casa à qual estão vinculados.
2.3 Quórum previsto para reforma por iniciativa popular na Constituição do Estado de Pernambuco
Para fins deste estudo, devemos analisar a previsão da Constituição do Estado de Pernambuco, acerca da iniciativa para modifica-la. Assim dispõe a CE/PE:
Art. 17. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
III - de iniciativa popular, subscrita por, no mínimo, um por cento do eleitorado estadual, distribuído, pelo menos, em um quinto dos Municípios existentes no Estado, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles;[7]
Neste ponto, importantíssimo atentar para o fato de que a rigidez constitucional demanda não apenas um quórum mais elevado para deliberar sobre a Emenda (3/5 dos membros do Legislativo) , mas também para apresentar a proposta. Assim sendo, interessante citar discussões travadas no âmbito da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça – CCLJ – da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco – ALEPE –, órgão onde este autor exerce suas atribuições de Agente Legislativo, no ano de 2019. As discussões foram travadas no bojo de debate acerca da Proposta de Emenda à Constituição do Estado nº 5/2019, que pretendia abrandar os requisitos para propositura de projetos de lei de iniciativa popular.
Durante as discussões sobre a referida PEC, chegou-se a propor que o abrandamento dos requisitos fosse estendido também às PEC’s de iniciativa popular – já que a Constituição do Estado de Pernambuco admite Propostas de Emenda à Constituição Estadual de iniciativa popular, ao contrário da Constituição Federal- e não somente aos Projetos de Lei. Prevaleceu a tese apresentada pelo autor deste artigo ao Deputado Relator da matéria, reproduzida no trecho do Parecer emitido pela CCLJ, abaixo transcrito, de que as Emendas à Constituição requerem sim um quórum diferenciado não somente para deliberação mas já desde o momento da propositura. Veja-se excerto do Parecer nº 339/2019, exarado pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da ALEPE, em que é reforçada a ideia de que o quórum qualificado em relação às Emendas deve ser seguido em ambos momentos, iniciativa e deliberação:
“Conforme explicitado, a alteração proposta através da PEC nº 05/2019 encontra-se em conformidade com todo o desenho político-organizacional de Estado elaborado pelo Constituinte Originário ao promulgar a Constituição Federal de 1988. Além disso, coaduna-se com a ideia de rigidez constitucional, haja vista manter o quórum de apresentação de Emendas Constitucionais de iniciativa popular (art. 17, III, da Constituição Estadual) mais elevado em relação ao quórum para apresentação de Projetos de Lei de iniciativa popular, que restará alterado (art. 19, §2º da Constituição Estadual).
Por fim, cumpre ressaltar que ao facilitar a participação da população no processo legislativo, há o fortalecimento do princípio democrático e da soberania popular.”[8]
3. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, fica provado, portanto, que a rigidez constitucional pode ser entendida como causa e consequência da supremacia constitucional, e, em virtude da rigidez e da supremacia, algumas limitações são verificadas no processo de alteração das Constituições. Neste sentido, uma dessas limitações é o quórum qualificado no que concerne às Emendas Constitucionais, sejam elas à Constituição Federal, sejam elas à Constituição Estadual.
Contudo, mister salientar que o quórum qualificado deve ser observado não apenas na hora de votar a alteração – no caso, 3/5 dos membros da casa legislativa – mas também para a própria apresentação da PEC. Ora, a apresentação de uma Emenda à Constituição é ato de extrema importância na vida jurídica do ente federado, de forma que não faz sentido que os requisitos de oferecimento de PEC de iniciativa popular no âmbito estadual (já que no âmbito federal não há essa possibilidade) sejam os mesmos da apresentação de uma lei ordinária, a fim de se manter a rigidez constitucional e a maior dificuldade em se alterar a Constituição Estadual.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 19 abr. 2019.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
Parecer CCLJ ALEPE Nº 339/2019. Disponível em: <http://www.alepe.pe.gov.br/proposicao-texto-completo/?docid=1368&tipoprop=pc2>. Acesso em: 19 out. 2019.
BRASIL. Constituição do Estado de Pernambuco de 1989. Disponível em < https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?id=4937>. Acesso em: 14 de abril de 2022.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. e ampl. 2. tir., São Paulo: Malheiros, 1993.
[1] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. e ampl. 2. tir., São Paulo: Malheiros, 1993. p. 44.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 16 abr. 2016.
[7] BRASIL. Constituição do Estado de Pernambuco de 1989. Disponível em < https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?id=4937>. Acesso em: 14 de abril de 2022.
[8] Parecer CCLJ ALEPE Nº 339/2019. Disponível em: <http://www.alepe.pe.gov.br/proposicao-texto-completo/?docid=1368&tipoprop=pc2>. Acesso em: 19 out. 2019.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da UFPE, Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Advogado e ocupante do cargo efetivo de Agente Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, onde assessora a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Raul Queiroz de. Rigidez constitucional e quórum de apresentação e deliberação de emendas constitucionais no âmbito do Estado de Pernambuco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2023, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61098/rigidez-constitucional-e-qurum-de-apresentao-e-deliberao-de-emendas-constitucionais-no-mbito-do-estado-de-pernambuco. Acesso em: 22 nov 2024.
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