RESUMO: A presente pesquisa busca investigar a utilização das medidas cautelares como mecanismo processual na proteção do acervo hereditário no âmbito das empresas familiares. O que se verifica na prática é que, ao mesmo tem que as empresas familiares representam uma enorme fração na produção do PIB de um país, também possuem sofrem pela falta de planejamento sucessório no caso de falecimento de seus sócios/familiares. Dessa maneira, o estudo gravita em torno da eficiência da utilização das cautelares processuais nesse contexto. Para tanto, utilizou-se o método hipotético-dedutivo para, em três partes, chegar à uma conclusão. Na primeira parte, discorre-se resumidamente sobre a sucessão no âmbito da empresa familiar; na segunda, resume-se o estudo sobre as medidas cautelares, comparando o atual sistema brasileiro com o sistema Argentino, a fim de verificar as similaridades entre ambos; e ao final, discorre-se sobre as possibilidades de utilização desses mecanismos processuais no âmbito da empresa familiar, com exemplificações de casos julgados no Brasil e Argentina.
Palavras-chave: medidas cautelares; empresa familiar; proteção patrimonial.
ABSTRACT: The present research aims to investigate the use of precautionary measures as a procedural mechanism to protect the inheritance assets within family-owned companies. In practice, it is observed that while family-owned companies represent a significant portion of a country's GDP, they also suffer from a lack of succession planning in the event of the death of their partners/family members. Thus, the study revolves around the efficiency of using precautionary measures in this context. To do so, the hypothetical-deductive method was used to reach a conclusion in three parts. In the first part, the succession within the family-owned company is briefly discussed. In the second part, the study on precautionary measures is summarized, comparing the current Brazilian system with the Argentinean system to verify the similarities between them. Finally, the possibilities of using these procedural mechanisms within family-owned companies are discussed, with examples of cases judged in Brazil and Argentina.
Keywords: precautionary proceedings; family-owned company; asset protection.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A SUCESSÃO NO ÂMBITO DAS EMPRESAS FAMILIARES. 1.1 Aspectos gerais sobre as sucessões . 1.2 Sucessão e quotas empresariais . 1.3 Sucessão empresarial-familiar. 2 ASPECTOS GERAIS SOBRE AS MEDIDAS CAUTELARES. 2.1 Novo Código de Processo Civil Brasileiro e as tutelas provisórias . 2.2 Medidas cautelares no ordenamento jurídico Argentino. 3 O USO DAS MEDIDAS CAUTELARES PARA PROTEÇÃO DO ACERVO HEREDITÁRIO. 3.1 Sucessão e as medidas cautelares . 3.2 Falhas na sucessão familiar. 3.3 Medidas cautelares e proteção do acervo hereditário empresarial-familiar . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A morte é fenômeno que ainda traz uma infinidade de incertezas, principalmente quando tais incertezas carregam o destino de bens e valores acumulados em vida por alguém. No âmbito pessoal-financeiro, a morte provoca a transferência dos bens aos sucessores; no âmbito empresarial, a morte de um sócio promove a transferência das quotas empresariais aos herdeiros. Todavia, a continuação da empresa, neste caso, vai depender de inúmeros fatores.
Já de plano é possível verificar que a sucessão empresarial causa mortis guarda em seu escopo variáveis complicadoras que extrapolam uma sucessão pessoal. A situação fica ainda mais grave quando a sucessão ocorre no âmbito de uma empresa familiar, haja vista que sentimentos familiares automaticamente serão misturados à gestão. Por este motivo é que, no caso de abertura de sucessão em empresa familiar, medidas urgentes sejam tomadas para permitir a continuação do funcionamento da atividade.
Nesse sentido, a presente pesquisa bibliográfica propõe a utilização das medidas cautelares para proteção do acervo hereditário no âmbito das empresas familiares. Para tanto, será desenvolvido um estudo hipotético-dedutivo separado em três seções: na primeira, será investigada a sucessão no âmbito da empresa familiar; em seguida, buscar-se-á uma delimitação e conceituação das medidas cautelares; por fim, o texto será focado na possibilidade de aplicação das medidas cautelares para proteção do acervo hereditário no âmbito das empresas familiares.
1. A SUCESSÃO NO ÂMBITO DAS EMPRESAS FAMILIARES
Em estudo realizado no ano de 2017, Daniele Rosa, Rafael Cardoso e Valentina Mazon demonstraram a importância da empresa familiar para a economia brasileira. Apesar da revisão de literatura dos autores ser voltada para a investigação das características e compreensão das dificuldades na gestão deste tipo de empresa, seus estudos apontaram, com base em dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que no Brasil, aproximadamente 90% das empresas registradas são familiares, gerando algo em torno de 62% do PIB e 60% dos empregos[1].
E ao menos no contexto brasileiro, o maior desafio do empresário é manter seu negócio em tempos de instabilidade, sejam eles ocasionados pelo advento de uma nova legislação (trabalhista/tributária), por questões socioeconômicas, sanitárias, políticas ou até mesmo por fatores internos, de modo que cabe ao administrador/empresário adotar meios de proteção e preservação de sua empresa. No âmbito de uma empresa familiar, os problemas a serem enfrentados ainda aumentam quantitativamente. Conforme Boreto[2], a empresa familiar apresenta as seguintes debilidades: 1) falta de profissionalismo; 2) falta de planejamento sucessório; 3) inexistência de canais idôneos de comunicação e 3) confusão patrimonial entre família e empresa.
Em uma situação comum, o falecimento de um sócio/administrador, já é capaz, por si só, de trazer uma grande instabilidade à empresa. Todavia, no âmbito de uma empresa familiar esse problema pode significar um divisor entre o sucesso e a ruína da atividade.
O objetivo desta seção é discorrer sobre os meios legais possíveis diante da abertura de sucessão em uma empresa familiar. Para tanto, traça-se, em linhas gerais, alguns conceitos sobre sucessões, para em seguida, enfrentar as opções legislativas conferidas pela legislação no âmbito empresarial.
1.1 Aspectos gerais sobre as sucessões
A legislação brasileira define, no artigo 6º do Código Civil, que “a existência da pessoa natural termina com a morte”, além de estabelecer, com supedâneo no princípio da saisine, que a sucessão é inaugurada no exato momento em que termina a vida (Art. 1.784, Código Civil). Ambas as disposições podem ser lidas no artigo 2227 do Código Civil e Comercial Argentino[3].
Do ponto de vista de uma empresa familiar, o evento morte representa não só um fato jurídico a ser tratado no âmbito empresarial – o que por si só pode ser desastroso –, mas também a perda, por vezes, de um ente querido. A abertura da sucessão provoca, então, inúmeros dissabores: a dor provocada pelo óbito do sucedido; e a necessidade da abertura de procedimento para a divisão dos bens deixados pelo falecido.
No direito brasileiro, a sucessão pode ser legal (cuja vontade do falecido é presumida e o destino dos bens é regulado pela lei) ou testamentária (quando a vontade do falecido é expressa em testamento válido). Porém, mesmo nos casos de sucessão testamentária, o autor da herança não possui poderes absolutos sobre o acervo hereditário, já que é obrigado a reservar pelo menos metade de seus bens para os herdeiros que a lei classifica como “necessários”[4].
Em relação à sucessão legítima, o legislador brasileiro presumiu, no artigo 1.829 do Código Civil, que a vontade do falecido seria deixar seus bens em uma ordem específica: a) primeiramente aos descendentes; b) na falta de descendentes, aos ascendentes; c) na falta destes, ao cônjuge sobrevivente; d) e por último, aos colaterais[5].
Diante do falecimento de alguém, nasce a obrigação dos herdeiros de regularizar a transmissão dos bens, o que se dá por meio do processo de inventário. O Código Civil e Comercial Argentino define esse processo: “ARTICULO 2335.- Objeto. El proceso sucesorio tiene por objeto identificar a los sucesores, determinar el contenido de la herencia, cobrar los créditos, pagar las deudas, legados y cargas, rendir cuentas y entregar los bienes”.
Assim, todo o acervo hereditário do falecido, composto por todos os seus bens, dívidas e créditos, são reunidos, a fim de serem liquidados, repartidos e então transmitidos aos herdeiros conforme a ordem de vocação estabelecida por lei ou testamento. Ocorre que, entre os bens que possivelmente compõe o acervo hereditário, podem existir quotas de participações em sociedades empresariais, o que pode criar uma situação bastante específica.
1.2 Sucessão e quotas empresariais
Inicialmente cumpre esclarecer que sucessão empresarial não significa exatamente sucessão “causa mortis” no âmbito da empresa familiar. Tal definição é importante devido ao fato de, basta uma pesquisa rápida em algum mecanismo de busca com os termos “sucessão empresarial”, para que retornem inúmeros resultados de artigos e matérias com informações sobre o falecimento de sócios/administradores no âmbito das empresas familiares.
O termo sucessão e bem mais amplo, e envolve não somente a sucessão “causa mortis”, mas toda transferência de estado de uma pessoa para outra. Não sem motivos o Código Tributário Nacional, em seu capítulo V (Responsabilidade tributária), seção II (responsabilidade dos sucessores), trata todos os tipos de sucessão para efeitos tributários. Assim, cumpre, neste primeiro momento, tratar a sucessão empresarial de uma maneira genérica, para então adentrar aos pormenores da sucessão empresarial.
Diante do falecimento de um sócio empresarial, por óbvio que suas cotas são transmitidas aos herdeiros imediatamente, tendo em vista que estas são bens. Porém, como lembra Gladson Mamede, o primeiro efeito da abertura da sucessão vai depender do tipo de sociedade empresarial. Isto porque nas sociedades “intuito pecuniae”, onde as quotas de cada sócio circulam livremente, a transferência de tais bens se dá livremente. Todavia, nas sociedades onde predominam o “afectio societatis”, ou seja, “intuito personae”, é dada uma importância capital à identidade de cada sócio, devendo haver a aceitação mútua entre os contratantes[6].
Nesses casos, a legislação civil brasileira estabelece a liquidação das quotas do sócio falecido, salvo disposição em contrário no contrato social, os sócios remanescentes optem pela dissolução da sociedade, ou por acordo com os herdeiros para a substituição do sócio falecido[7]. A situação no direito argentino é tratada com bastante similaridade.
A Lei de Sociedades Comerciais (Ley N° 19.550) estabelece que a morte de um dos sócios não dissolve automaticamente a sociedade. No entanto, a dissolução pode ser requerida pelos herdeiros do sócio falecido ou pelos demais sócios, dependendo do caso. Caso a sociedade não seja dissolvida, os herdeiros do sócio falecido têm direito a receber sua parte correspondente no patrimônio social da empresa. Esse valor pode ser pago em dinheiro ou com a entrega de ações da empresa, a depender do acordo feito entre os sócios ou previsto no contrato social [8].
Todavia, quando se fala em sociedade familiar, a morte de um sócio pode ter um apelo muito psicológico do que negocial.
1.3 Sucessão empresarial-familiar
Pode-se definir a sucessão empresarial, no âmbito da empresa familiar, como sendo a “transferência de poder e/ou de capital entre a geração, que atualmente dirige a empresa, e a que virá a dirigir, este processo é assim caracterizado também por Leone, Silva e Fernandes[9].
Como mencionado no início desta seção, a empresa familiar tem uma relevância econômica subestimada pela academia. Estima-se que ao menos 40% das empresas que figuram na revista Fortune são familiares, ou controladas por famílias [10].
Ainda assim, a sucessão empresarial é um dos principais fatores de fracasso deste tipo de negócio. Pesquisas mostram que apenas 30% das empresas familiares sobrevivem após a primeira geração, e apenas 10% a 15% sobrevivem até a terceira geração [11]. Gladson Mamede também ressalta este ponto:
São incontáveis os casos de negócios que eram vantajosos até a morte do responsável pelo comando das atividades e, a partir da sucessão, começaram a definhar. Em alguns casos, vê-se claramente que a empresa ingressou na crise já a partir da sucessão não planejada. [...] A sucessão é um dos pontos mais críticos na história das empresas. Perde-se, assim, todo o trabalho de uma vida, quando não o trabalho de algumas gerações [12].
E o fracasso na sucessão dentro da empresa familiar se deve à concepção errônea de que o falecimento de um dos sócios/parente é um evento isolado. A recomendação, ao contrário, é de que a sucessão deve ser encarada como um processo formal e planejado de atividades, de modo a desenvolver um sucessor, com a definição clara e delimitação de responsabilidades dos envolvidos[13].
De maneira complementar, Renato Bernhoeft também entende que a sucessão é um processo que engaja diversas partes interessadas, que são:
a) SUCEDIO (S): fundador (es), sócio(s) etc;
b) SUCESSOR(ES/AS): filho(s), genro(s), nora(s), funcionário(s), esposa etc;
c) A FAMÍLIA: esposa, mãe filhas, genros, noras, filhos etc;
d) A EMPRESA: funcionários;
e) O MERCADO: clientes, fornecedores, concorrentes;
f) A COMUNIDADE: social, política, econômica [14].
É justamente essa formalidade no tratamento da sucessão empresarial que deve ser levada em consideração na implementação de um planejamento. Em pesquisa realizada em 2000, na região de Blumenau-SC, foi verificado que em 58% das empresas que compuseram a amostragem, sequer foi pensado na sucessão, quiçá tinha um planejamento ou plano contingente para este tipo de situação[15].
Nesse contexto, o planejamento sucessório surge como um instrumento de preservação da empresa, evitando o seu perecimento após o falecimento do proprietário administrador. Sua implantação pode se realizar por diversos meios, sejam eles doações, elaboração de testamento, treinamentos ou até mesmo pela criação de uma sociedade “holding”, a depender das especificidades de cada caso.
E o planejamento sucessório ataca o principal problema das empresas familiares: a subjetividade dos critérios de competência, que acaba por desestimular os membros mais competentes, gerando disputas judiciais [16].
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira[17] o planejamento sucessório consiste em uma organização, realizada pelo titular do futuro espólio, visando a distribuição e a destinação de seu patrimônio, de modo a evitar os procedimentos inventariais e o incômodo dos bens condominiais.
Destarte, o autor ainda ressalta que tal gerenciamento pode ser efetivado por meio de testamentos, doações, apólices securitárias ou pela constituição de uma empresa familiar.
Nesse ínterim, seria o planejamento sucessório o resultado de uma conduta administrativa do titular de bens visando organizar, de maneira lícita, eficiente e econômica, a transferência de seu patrimônio e de suas funções/cargos.
Ainda, deve-se ressaltar que tal planejamento é personalíssimo, ou seja, não seguirá um padrão geral, principalmente porque as famílias e empresas possuem necessidades diversas, de modo que um planejamento pode ser feito e executado de diversas maneiras.
Nesse ponto, sai na frente o Direito Argentino, que passou a permitir, a partir do Código Civil e Comercial de 2015, o “pacto sobre herança futura”, quando se trata de empresa familiar. A regra o artigo 1010 traz uma exceção:
ARTICULO 1010.- Herencia futura. La herencia futura no puede ser objeto de los contratos ni tampoco pueden serlo los derechos hereditarios eventuales sobre objetos particulares, excepto lo dispuesto en el párrafo siguiente u otra disposición legal expresa.
Los pactos relativos a una explotación productiva o a participaciones societarias de cualquier tipo, con miras a la conservación de la unidad de la gestión empresaria o a la prevención o solución de conflictos, pueden incluir disposiciones referidas a futuros derechos hereditarios y establecer compensaciones en favor de otros legitimarios. Estos pactos son válidos, sean o no parte el futuro causante y su cónyuge, si no afectan la legítima hereditaria, los derechos del cónyuge, ni los derechos de terceiros [18].
A norma atende a necessidade de facilitar a sucessão da empresa familiar, permitindo que seu fundador transmita a administração ao herdeiro que considerar mais apto, excluindo os demais. O “pacto sobre herança futura” “aparece como uma convencíon accesoria de um acuerdo de sócios entre herederos, e vale decir que no podrá ser autónomo, sino que deberá estar dentro o vinculado diretamente a um protocolo familiar” [19].
Esclarece-se que a utilização de um planejamento sucessório não se restringe àqueles de vasto patrimônio ou às sociedades de grande porte, haja vista que, segundo Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede [20], o instrumento jurídico estudado pode beneficiar até mesmo aqueles de pequeno ou médio patrimônio, microempresas, empresas de pequeno porte ou medianas.
2. ASPECTOS GERAIS SOBRE AS MEDIDAS CAUTELARES
Em geral, os estudiosos do processo civil classificam as ações em: a) processo de conhecimento – qual se procura somente a declaração ou determinação do direito; b) processo de execução – pelo qual se busca a efetividade de um direito já reconhecido em uma sentença ou em um título executivo, com as medidas de coação adequadas; e c) processos cautelares – em que se procura, preventivamente e mediante conhecimento preliminar, a segurança de bens ou de situações que serão discutidas posteriormente [21].
O objetivo da presente seção é aprofundar o estudo sobre a medida cautelar, que, conforme será demonstrado, foi pulverizado no direito processual moderno em diversas outras medidas processuais.
Todo procedimento judicial, por certo, pressupõe a existência de uma causa de pedir, ou seja, uma tutela específica que busca a satisfação efetiva de um direito, e portanto, a realização da paz social mediante a vigência da norma jurídica [22].
Como lembra Fredie Didier, essa tutela pode ser definitiva ou provisória. A tutela definitiva seria aquela obtida com profundo debate acerca do objeto da decisão, garantindo-se o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, e pode ser satisfativa ou cautelar. Assim, uma tutela definitiva satisfativa seria a tutela padrão, aquela que visa certificar ou efetivar o direito material [23].
A tutela definitiva cautelar, portanto, teria cunho assecuratório, “para conservar o direito afirmado e, com isso, neutralizar os efeitos maléficos do tempo. [...] A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito, mas sim, assegurar a sua futura satisfação” [24]. O procedimento cautelar atua exatamente nesse sentido. Conforme Luiz Rodrigues Wambier:
O processo cautelar [...] é aquele por meio do qual se obtém meios de garantir a eficácia pela – tomada esta expressão no sentido de produção efetiva de efeitos no mundo empírico – do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio de futuro (ou concomitante) processo de conhecimento, ou da própria execução (seja esta desenvolvida em processo autônomo ou não)[25].
O Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 trazia em seu texto diversos tipos de processos cautelares específicos: arresto (art. 813), sequestro (art. 822), caução (art. 826), busca e apreensão (art. 839), exibição (art. 844), produção antecipada de provas (art. 846), alimentos provisionais (art. 852), arrolamento de bens (art. 855), justificação (art. 861), protestos, notificações e interpelações (art. 867), homologação do penhor legal (art. 874), posse em nome do nascituro (art. 877), atentado (art. 879), protesto e da apreensão de títulos (art. 879), outras medidas provisionais (art. 888).
Ocorre, mesmo em procedimentos cautelares que visam garantir a satisfação futura da tutela, por envolverem a concatenação de atos que levam tempo, acabam por carecer de mecanismos que garantam o não perecimento da tutela. Afinal, o decurso temporal traz diversas formas de risco [26].
Com a finalidade de diminuir os efeitos prejudiciais do tempo é que foi implementada a técnica processual da antecipação provisória dos efeitos finais da tutela definitiva, “quer permite o gozo antecipado e imediato dos efeitos próprios da tutela definitiva pretendida (seja satisfativa, seja cautelar)[27]. Esta é a chamada “tutela antecipada”, implementada nas cautelares, e que permitia uma decisão precária em sede de cognição sumária.
Embora o direito processual civil brasileiro previsse procedimentos específicos para resguardar determinados tipos de objetos, ainda possuía o procedimento genérico do artigo 888, e a possibilidade de determinação, pelo magistrado, de outras medidas provisórias específicas (art. 798). Ademais, a lei 8.952, de 1994, alterou o Código de Processo Civil, incluindo a possibilidade da concessão da “antecipação de tutela” em qualquer procedimento. A referida alteração alargou ainda mais as possibilidades de obtenção de medidas para satisfação de determinado direito postulado antes do fim do processo [28].
O novo Código de Processo civil de 2015 passou a prever as medidas cautelares de maneira diversa de seu antecessor, aprofundando os termos. A começar pelo termo “tutela provisória”, que passou a substituir o antigo termo “antecipação de tutela” [29]. Seus requisitos e formas serão descritos a seguir.
2.1 Novo Código de Processo Civil Brasileiro e as tutelas provisórias
Tradicionalmente o processo cautelar possui dois pressupostos, designados pelas expressões latinas “fumus bonis iuris” e “periculum in mora”. A primeira significa a aparência do direito, e é correlata à expressão “cognição sumária”. “Quem decide com base em fumus não tem conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza quanto a qual seja o direito aplicável” [30]. Já o “periculum in mora” é a urgência da situação, o risco de, não sendo concedida, o processo principal não ser eficaz.
A partir do novo Código de Processo Civil, a tutela provisória passou a ser dividida em dois grandes grupos: a tutela de urgência, e a de evidência. A tutela de urgência (satisfativa ou cautelar), pressupõe a demonstração da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado do processo[31]. A tutela de evidência (satisfativa/antecipada) pressupõe a demonstração de que as afirmações de fato estejam comprovadas, tornando o direito evidente. Assim, para a obtenção de uma tutela provisória satisfativa, é preciso “alegar e demonstrar urgência ou evidência – ou ambas, obviamente; mas a tutela provisória cautelar somente pode ser pleiteada em situações de urgência [32].
De forma um pouco mais direta: “o novo Código de Processo Civil utiliza a premissa de que a tutela cautelar e a antecipação de tutela são espécies do gênero tutela provisória de urgência” [33].
O processo civil brasileiro estabelece ainda que a tutela provisória de urgência – aquela requerida para obtenção de medida satisfativa ou cautelar – pode ser requerida em caráter antecedente ou incidental. A tutela incidental é aquela requerida no processo em que se pede a tutela definitiva; e a tutela de urgência antecedente é aquela requerida antes da formulação do pedido principal, de forma parecida às antigas medidas cautelares do Código de 1973.
Levando em consideração que o objetivo do presente estudo é a obtenção e características gerais das medidas cautelares para a finalidade de aplicação para a proteção do acervo hereditário, é interessante fazer a comparação com outro sistema processual civil.
2.2 Medidas cautelares no ordenamento jurídico Argentino
Conforme será explanado no final desta seção, as medidas cautelares pouco se diferenciam de um sistema jurídico para outro. Todavia, comparar tais sistemas permite uma visão geral do instituto. Para tal, optou-se por estudar, ainda que superficialmente, o ordenamento jurídico Argentino, que se diferencia bem pouco do sistema brasileiro de 1973. Inicia-se com o conceito:
Se denominam cautelares o precautorias a las medidas adoptadas em el curso e um processo o antes de su iniciación, para resguardar bienes o pruebas, o para mantener o modificar la situación de hecho o derecho existente en la oportunidade em que son decretadas, o para amparar la integridade de personas, o proveer a la satisfacción de algunas de sus necessidades urgentes, com la finalidade de garantizar el cumplimiento de uma sentencia potencialmente favorable a los beneficiários de las mismas [34].
Gladis Estigarribia de Midón elenca ainda como características das medidas cautelares no direito argentino: a) são decretadas sem a oitiva da parte contrária; b) são provisórias; c) são acessórias ou instrumentais; d) são mutáveis; e) são decididas em juízo de aparência, ou seja, cognição sumária; f) não produzem os efeitos da coisa julgada material; g) não constitui um ato de impulso processual; h) são executáveis imediatamente [35].
Assim como ocorria com o Código de Processo Civil Brasileiro de 1973, a Medida Cautelar no Direito Argentino é medida acessória, ou seja, trata-se de um procedimento autônomo que se liga à um principal, e depende da existência deste. Por tal motivo, o juízo competente é o mesmo que julgará o pedido principal [36].
Igualmente ao direito brasileiro, é requisito para procedência também a verossimilhança das alegações (verosimilitud en el derecho) e o perigo na demora (el peligro en la demora), já explicados anteriormente. Exige-se também uma contracautela para efetivação das medidas cautelares, nos termos dos artigos 199 e 200.
Jorge Alberto Germano relembra ainda que, na prática argentina, são utilizados diversos mecanismos com efeitos cautelares, incluindo as medias precautelares, medidas autosatisfativas, medidas cautelares, medidas urgentes e as medidas protetoras [37].
Assim, seja no enxuto sistema processual Argentino, ou no confuso sistema brasileiro, as medidas cautelas parecem possuir pontos em comum. De maneira a resumir, cita-se a seguinte passagem de Luiz Rodrigues Wambier:
Medida cautelar é termo genérico e abrange todo e qualquer meio de proteção à eficácia de provimento jurisdicional posterior ou de execução. Abrange, portanto, as ações cautelares. Açambarca, também, as medidas liminares proferidas em ação cautelar. E mais: diz respeito também a tantas quantas liminares houver, em outros procedimentos, fora do Código de Processo Civil ou mesmo dentro dele, que tenham como pressuposto o periculum e, correlatamente, como finalidade, a de evitar a ineficácia do processo principal [38].
Feitas tais considerações, é possível passar então para a verificação de como as medidas cautelares – aí entendidas as ações cautelares, medidas liminares, entre outros procedimentos – podem servir à proteção do acervo hereditário no âmbito de uma sucessão em empresa familiar.
3. O USO DAS MEDIDAS CAUTELARES PARA PROTEÇÃO DO ACERVO HEREDITÁRIO
Na primeira parte do presente estudo, apresentou-se o conceito e peculiaridades de uma empresa familiar. Como visto, tal modalidade de negócio é a intersecção de família com ambiente corporativo. Exatamente por este motivo, a abertura de uma sucessão nesse âmbito pode significar a linha divisória entre o sucesso e o fracasso do empreendimento.
Na segunda parte, discorreu-se brevemente sobre os fundamentos e mecanismos das medidas cautelares. Em síntese, e de uma forma genérica, verificou-se que as medidas cautelares são mecanismos processuais acessórios utilizados para garantir a manutenção do objeto processual principal.
O objetivo da presente seção é apontar de que maneira as medidas cautelares podem ser utilizadas no âmbito das empresas familiares para proteção e manutenção do acervo hereditário, a fim de manter o estado do negócio.
3.1 Sucessão e as medidas cautelares
Inicialmente, cumpre esclarecer como as medidas cautelares são utilizadas no âmbito do direito sucessório. A sucessão, conforme mencionado, é uma forma de transmissão de propriedade que ocorre no momento do falecimento de uma pessoa (princípio da saisine).
A regularização dessa transmissão se dá por meio de um processo judicial ou extrajudicial denominado “inventário”. Como informa Rodrigo da Cunha Pereira, o “processo de inventário é também um importante ritual de passagem, que além de resolver questões práticas ajuda na elaboração do luto” [39].
No direito brasileiro, o inventário está regulamentado tanto no Código de Processo Civil (artigos 610 a 692), quanto no Código Civil (artigos 1991 a 2027). No direito da vizinha Argentina, o “processo sucesorio” encontra previsão nos artigos 2335 a 2362 do Código Civil e Comercial, e nos artigos 689 a 735 do Código de Processo Civil e Comercial. Também existem diversas previsões, no âmbito da Legislação Comercial de Sociedades.
Como visto, o direito processual civil brasileiro trata o procedimento cautelar de uma forma genérica, admitindo seu processamento em qualquer ação, inclusive no inventário. Todavia, é interessante destacar que o Código de Processo Civil e Comercial argentino prevê que o magistrado poderá, a pedido da parte interessa ou mesmo de ofício, aplicar as medidas que considere convenientes para a segurança dos bens e da documentação do falecido [40].
Em que pese as diferenças de ordenamento, como lembra Jorge Alberto Germano, “en matéria sucesoria, es admisible la petición de medidas cautelares al igual que em cualquier outro processo judicial” [41]. A previsão do artigo 690 do CPC argentino é uma peculiaridade específica que torna possível a classificação da utilização das medidas cautelares.
Cabe señalar que existen tres formas claramente definidas de aplicación del instituto de la medida cautelar em materia sucesoria: a) aquellas que tienden a proteger un derecho de la comunidad indivisa que existe fuera de la misma pero fue originada por reclamos de la comunidad indivisa o del causante contra otro sujeto; b) aquellas que tienden a proteger derechos particulares dentro de la misma comunidad indivisa por reclamos efectuados contra ella o el causante por parte de otro sujeto o comunidad indivisa; y c) aquellas que tienden a proteger derechos de particulares ante reclamos efectuados por estos contra los herederos a título personal y no como herederos (se aplica sobre la proporción indivisa del sujeto demandado dentro de la comunidad indivisa) [42].
Os usos de medidas cautelares no âmbito da sucessão empresarial-familiar são tão numerosos quantos os problemas que possivelmente podem surgir nesse meio, sendo essa classificação uma forma de delimitar melhor o espaço de cada um desses usos para fins didáticos. A seguir, expõe-se alguns desses possíveis problemas.
3.2 Falhas na sucessão familiar
Conforme mencionado anteriormente, as empresas familiares que possuem um planejamento sucessório são minorias. Diante desta realidade, é comum que, aberta a sucessão de um dos sócios (principalmente do administrador), problemas graves ocorram. Renato Bernhoeft elenca algumas causas recorrentes:
- Divergência entre sócios;
- Número excessivo de sucessores (filhos, genros, noras, etc.);
- Falta de uma liderança natural ou bem aceita entre os possíveis sucessores;
- Desinteresse dos sucessores pelo negócio;
- Diferenças muito marcantes na participação acionária entre os sócios e, portanto, os sucessores;
- O fundador encarar a empresa apenas como uma forma de gerar segurança para os filhos;
- Divergências familiares muito marcantes;
- Insegurança dos funcionários da empresa quanto ao seu futuro, por falta de uma orientação estratégica e operacional;
- Insatisfação ou desinteresse pessoal do fundador com relação ao seu futuro, da empresa e dos familiares [43].
O autor, levando em consideração a falta de uma solução na estrutura familiar, aponta algumas alternativas de solução. Entre elas: a) a venda do controle da empresa para terceiros pode ser considerada, quando o nível de divergência ainda é tolerável. b) divisão entre as famílias ou sucessores, caso seja possível, entregando a cada parte uma fração para ser administrada de forma autônoma. c) quando a divergência surge da dificuldade de encontrar um gestor dentro da própria família, é uma solução a indicação de um executivo da própria empresa. d) caso tal indicação não seja possível, pode-se contratar um executivo externo; e) e aquisição de controle por uma das partes.
Note-se que as soluções apontadas não levam em consideração um grau de desacordo capaz de causa a judicialização das questões. Todavia, cada um dos problemas apontados é capaz, por si só, de provocar uma ruptura cuja solução envolverá a provocação do poder judiciário.
E é exatamente nesse ponto – de ruptura – que todo acerto hereditário empresarial se encontra vulnerável. O desacordo em relação à administração, por exemplo, pode levar o negócio ao abandono. Diante de tal cenário, as medidas cautelares podem prevenir situações catastróficas.
3.3 Medidas cautelares e proteção do acervo hereditário empresarial-familiar
Como visto, a judicialização de questões sucessórias no âmbito das empresas familiares é situação extrema, que pode ser remediada de inúmeras maneiras, inclusive com a adoção de cláusulas de mediação e arbitragem. Todavia, em dadas situações, mormente quando o conflito já se tornou inevitável e o acervo hereditário se encontra em risco, a judicialização não só é bem-vinda como recomendável.
No direito brasileiro, as medidas cautelares nominadas foram substituídas pelos mecanismos genéricos de tutelas provisórias, não havendo qualquer especificidade. Por este motivo, é interessante olhar para o ordenamento jurídico Argentino, a fim de se identificar em que hipóteses, dentro de um processo sucessórios as medidas cautelares podem ser utilizadas.
Germano[44], ao discorrer especificamente sobre tais medidas utilizadas no âmbito da sucessão, começa separando-as de outros procedimentos preliminares que também possuem a mesma finalidade [45]. Dentre as medidas cautelares que são tipicamente utilizadas para proteção do patrimônio sucessório, o autor elenca as seguintes: o sequestro de bens móveis registrados ou não [46]; intervenção, administração e fiscalização judicial; inibição de bens[47] e anotação de litígio; proibição de inovar e proibição e contratar; medidas cautelares genéricas e de proteção das pessoas. Tais designações podem não coincidir com os modelos tradicionalmente utilizados no Brasil, mas ainda assim, guardam certas semelhanças.
O arresto, por exemplo, é medida cautelar baseada em um crédito, e está sempre associado à uma execução. A medida seria o equivalente ao embargo preventivo do direito argentino. Assim, serve ao propósito de garantir que, no futuro, a execução estará garantida por bens do devedor. Dentro de um contexto empresarial familiar, a medida serve principalmente ao propósito de proteger os créditos da empresa, diante da incerteza dos devedores em relação ao falecimento do administrador.
Entre outras medidas utilizadas no Brasil, está o sequestro. Este tem a finalidade de preservar bens determinados e específicos, sobre os quais recairão o litígio. Ao contrário do arresto, que se presta à garantia de uma futura execução de dinheiro (ou bens fungíveis), o sequestro seve ao propósito de se garantir execução para entrega de coisa certa. Todavia, na hipótese de abertura de sucessão em empresa familiar, inúmeras são as hipóteses de utilização do sequestro para proteção do acervo hereditário.
No direito brasileiro não possui previsão legal expressa de “Intervención, administración y veedor judicial”, muito menos uma ferramenta específica para tanto, como um processo específico ou medica cautelar.
Todavia, alguns dispositivos ligados ao direito empresarial, e ao direito sucessório, trazem previsões que podem embasar um pedido de tutela provisória específica para tanto. As leis 11.101/2005 (Lei de falências e recuperação de empresas), lei 6.024/74 (lei de intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras), entre outras, preveem a nomeação de administrador judicial em casos específicos. O artigo 617 do Código de Processo Civil brasileiro prevê a possibilidade de nomeação de inventariante judicial, que possui, entre outras competências, o de administrar o espólio.
Em todo caso, é juridicamente possível a utilização da tutela provisória com a finalidade de intervir na administração de empresa, sobretudo no caso de a mesma estar em fase de transição por conta de uma sucessão [48].
O que se percebe, de todo o exposto, é que as medidas cautelares para proteção do acervo hereditário são tantas quanto são os problemas possíveis de ocorrerem no âmbito de uma empresa familiar. Porém, de uma forma concisa, é interessante a exemplificação dada por Germano. O autor elenca algumas situações em que medidas antecipatórias são bem-vindas:
No direito brasileiro, várias são as situações que chegaram aos tribunais superiores no sentido de utilização das medidas cautelares no âmbito sucessório. No julgamento do Agravo no Recurso Especial n. 1.921.746-DF, o Superior Tribunal de Justiça avaliou justamente a utilização de medida cautelar no Processo de Inventário. Em primeira instância, as partes requereram cautelar de bloqueio de bens de uma determinada empresa cujo autor da herança era sócio, a fim de garantir a liquidação das quotas e posterior partilha entre os herdeiros. O STJ acabou por confirmar a decisão de piso, inclusive em relação à remoção da inventariante, por excesso de litígio (AgInt no Recurso Especial 1.921.746/DF, 2022).
No direito argentino, apenas a título de exemplo do uso da medida cautelar no processo de inventário, citamos o Expediente nro. 38798/2015/CA1, julgado pela Câmara Nacional de Apelações Civis da Capital Federal em 15 de fevereiro de 2018 (Expediente nro. 38798/2015/CA1, 2018).
Nesse processo, um dos herdeiros ingressou com uma ação judicial de inventário e requereu a nomeação de um administrador para gerir os bens deixados pelo falecido, bem como a proibição da venda de um imóvel até que o processo de inventário fosse concluído. O requerente alegou que os outros herdeiros estavam agindo de forma irregular e que havia o risco iminente de perda ou degradação dos bens.
O juiz de primeira instância indeferiu o pedido de nomeação de administrador, mas deferiu a proibição da venda do imóvel. Os demais herdeiros recorreram da decisão, argumentando que não havia perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que o imóvel estava desocupado e não havia indícios de que seria vendido a curto prazo.
A Câmara Nacional de Apelações, porém, entendeu que a proibição da venda do imóvel era medida cautelar adequada para garantir a segurança e a integridade dos bens envolvidos. De acordo com o relator do caso, a medida cautelar tinha como objetivo assegurar que os demais herdeiros não alienassem o imóvel de forma irregular ou sem a devida autorização judicial.
Além disso, a Corte entendeu que a medida cautelar não causaria prejuízo aos demais herdeiros, uma vez que a proibição da venda do imóvel não impedia o uso do bem ou a realização de reformas ou melhorias. A medida cautelar tinha como único objetivo impedir a venda ou a transferência do imóvel até que o processo de inventário fosse concluído e os bens fossem distribuídos entre os herdeiros.
Assim, a Câmara Nacional de Apelações civis da capital federal confirmou a decisão de primeira instância e deferiu a medida cautelar de proibição da venda do imóvel até o fim do processo de inventário.
Assim, elencar as medidas cautelares – que são quase infinitas no direito brasileiro – é algo impossível. Porém, o objetivo do presente trabalho não foi exaurir as possibilidades, mas sim apresenta-las como um rol aberto, que podem e devem ser utilizadas.
O objetivo do presente estudo foi analisar o uso das medidas cautelares no âmbito das sucessões em empresas familiares. Tal modelo de empresa representa uma importante parcela da geração de Riquezas no mundo, e por vezes tem como principal dificuldade a ausência de um planejamento sucessório e a consequente morte de seu administrador.
Para tanto, na primeira seção apresentou-se aspectos gerais sobre as sucessões, para então aprofundar tal instituto no âmbito empresarial. Como mencionado, a sucessão é um dos principais gargalos de extinção das empresas familiares, sobretudo pela prática ainda rara de execução de um planejamento.
Na segunda seção, nos aprofundamos nas medidas cautelares. Para tanto, foi estudado o sistema de medidas cautelas do Código de Processo Civil de 1973, do Código de Processo Civil de 2015, e do Código de Processo Civil e Comercial da Argentina. Como visto, em que pese cada um desses códigos possua normativas próprias, as medidas cautelares podem ser entendidas como medidas preliminares para proteção de determinado bem ou direito a fim de garantir a satisfação de uma medida futura.
Por fim, enfrentou-se o problema do presente estudo: o uso das medidas cautelares para proteção do acervo hereditário. Os problemas enfrentados pelas empresas familiares, por envolverem também sentimentos e relações de parentesco, podem se agravar, e eventualmente podem ser judicializados. Para tais ocasiões, é de suma importância o oferecimento de uma especial proteção ao acervo hereditário. A uma porque o andamento não pode parar, demandando atitudes urgentes que não podem aguardar a formulação de um acordo entre os herdeiros. A duas, porque uma demora na movimentação do acervo hereditário pode ocasionar a perda de créditos e bens perecíveis.
Para tanto, é de máxima conveniência a utilização das medidas cautelares, a fim de proporcionar o resguardo do acervo patrimonial empresarial (em seu poder, ou em poder de terceiros), até uma decisão definitiva.
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[1] ROSA, Daniele Aparecida; CARDOSO, Rafael Vinicius; MAZON, Valentina Elizabeth Rossini, Gestão de empresas familiares: Uma Revisão de Literatura, p. 14, 2017.
[2] BORETTO, Mauricio, La empresa familiar en el derecho argentino a la luz del Nuevo Código Civil y Comercial de la Nación, Civilistica.com, v. 3, n. 8, 2019.
[3] ARTICULO 2277.- Apertura de la sucesión. La muerte real o presunta de una persona causa la apertura de su sucesión y la transmisión de su herencia a las personas llamadas a sucederle por el testa-mento o por la ley. Si el testamento dispone sólo parcialmente de los bienes, el resto de la herencia se defiere por la ley.
La herencia comprende todos los derechos y obligaciones del causante que no se extinguen por su fallecimiento.
[4] Estabelece o Código Civil Brasileiro:
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
[5] A redação do art. 1.829 é duramente criticada pela doutrina civilista brasileira, pois é confusa na redação de seu inciso primeiro, que estabelece a concorrência sucessória entre descendentes e cônjuge sobrevivente, a depender do regime patrimonial do casamento. Estabelece o inciso I do artigo 1.829: “I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;”. O entendimento atual, fixado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é que o cônjuge não herdará sobre os bens particulares do falecido, em concorrência com os descendentes, somente quando estes foram casados sob o regime de separação obrigatória de bens, ou seja, quando a lei impõe o regime de separação de bens.
[6] MAMEDE, Gladson, Direito Societário: sociedades simples e empresárias, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 146.
[7] Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
[8] ARGENTINA, República Federativa da, Ley general de sociedades.
[9] FLORIANI, Oldoni Pedro; RODRIGUES, Leonel Cezar, Sucessão empresarial: processo sucessório em empresas familiares, in: Anais do I EGEPE, Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, 2000, p. 299–312.
[10] GERSICK, Kelin E., Generation to Generation: Life Cycles of the Family Business’, [s.l.]: Harvard Business School Press, 1997, p. 2.
[11] DAVIS, Peter S.; HARVESTON, Paula D., The Influence of Family on the Family Business Succession Process: a Multi-Generational Perspective, Entrepreneurship Theory and Practice, v. 22, n. 3, p. 31–53, 1998.
[12] MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta, Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar, 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 91–92.
[13] CANÇADO, Vera L. et al, Ciclo de vida, sucessão e processo de governança em uma empresa familiar: um estudo de caso no Grupo Seculus, REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 19, n. 2, p. 485–516, 2013.
[14] BERNHOEFT, Renato, Empresa familiar: sucessão profissionalizada ou sobrevivência comprometida, 2. ed. São Paulo: Nobel, 1989, p. 45.
[15] FLORIANI; RODRIGUES, Sucessão empresarial: processo sucessório em empresas familiares.
[16] LAURETTI, Lélio, Ética e códigos de conduta nas empresas familiares, in: Acontece nas melhores famílias: repensando a empresa familiar, São Paulo: Saraiva, 2012.
[17] PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Dicionário de direito de família e sucessões, 2. ed. São Paulo: Trevisan, 2017.
[18] ARGENTINA, República Federativa da, CODIGO CIVIL Y COMERCIAL DE LA NACION.
[19] BORETTO, La empresa familiar en el derecho argentino a la luz del Nuevo Código Civil y Comercial de la Nación.
[20] MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta, Planejamento sucessório: introdução à arquitetura estratégica patrimonial e empresarial com vistas à sucessão causa mortir, São Paulo: Atlas, 2015.
[21] COUTURE, Eduardo J., Fundamentos del derecho procesal civil, 3. ed. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1958, p. 81–82; GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 287; WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais, 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 54.
[22] COUTURE, Fundamentos del derecho procesal civil, p. 479.
[23] DIDIER, Fredie, Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 562.
[24] Ibid.
[25] WAMBIER, Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais, p. 56.
[26] GONÇALVES, Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar, p. 288–289.
[27] DIDIER, Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p. 567.
[28] TESSER, André Luiz Bauml, As diferenças entre a Tutela Cautelar e a Antecipação de tutela no CPC/2015, in: Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 29–50.
[29] DIDIER, Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p. 568.
[30] WAMBIER, Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais, p. 57.
[31] Conforme artigo 300 do Código de Processo Civil brasileiro: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
[32] DIDIER, Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, p. 570.
[33] TESSER, As diferenças entre a Tutela Cautelar e a Antecipação de tutela no CPC/2015.
[34] MIDÓN, Gladis E. de; MIDÓN, Marcelo Sebastián, Manual de derecho procesal civil, 2. ed. Buenos Aires: La Ley, 2014, p. 641.
[35] Ibid., p. 642–644.
[36] 6) En las acciones sobre rendición de cuentas, el del lugar donde éstas deban presentarse, y no estando determinado, a elección del actor, el del domicilio de la administración o el del lugar en que se hubiere administrado el principal de los bienes. En la demanda por aprobación de cuentas regirá la misma regla, pero si no estuviere especificado el lugar donde éstas deban presentarse, podrá serlo también el del domicilio del acreedor de las cuentas, a elección del actor (Codigo Procesal Civil Y Comercial de La Nacion, 1981).
[37] GERMANO, Jorge Alberto, Medidas cautelares en procesos sucesorios, Buenos Aires: García Alonso, 2019, p. 53.
[38] WAMBIER, Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais, p. 58–59.
[39] PEREIRA, Dicionário de direito de família e sucessões, p. 626.
[40] Art. 690. - El juez hará lugar o denegará la apertura del proceso, previo examen de su competencia y recepción de la prueba que resultare necesaria.
[...]
A petición de parte interesada, o de oficio, en su caso, el juez dispondrá las medidas que considere convenientes para la seguridad de los bienes y documentación del causante.
El dinero, los títulos, acciones y alhajas se depositarán en el banco de depósitos judiciales. Respecto de las alhajas se adoptará la misma medida, salvo que los herederos decidieren que quedaren bajo su custodia (Codigo Procesal Civil Y Comercial de La Nacion, 1981).
[41] GERMANO, Medidas cautelares en procesos sucesorios, p. 41.
[42] Ibid., p. 42.
[43] BERNHOEFT, Empresa familiar: sucessão profissionalizada ou sobrevivência comprometida, p. 159–160.
[44] GERMANO, Medidas cautelares en procesos sucesorios.
[45] O autor classifica tais medidas como “anticipos jurisdiccionales”, e informa que, embora pareçam, não são medidas cautelares. São elas: as medidas autosatisfativas, as medidas protetoras, medidas urgentes e medidas preventivas.
[46] Civil y comercial. Se decreta el sequestro de bienes muebles como medida cautelar, ante el peligro de que los mismos sean vendidos y la insuficiencia de las medidas de seguridad que los recaudos ofrecen. Se aclara que el hecho de que la medida importe el cese de la actividad económica no es, en principio, decisivo para denegarla, siempre que se asegure el derecho del actor y no se vulneren otros principios jurídicos (Corte Suprema de Justicia de la Nación. (2006). Barreiro, Guillermo Antonio y Otros c/ Fernández, Graciela y Otros s/ Usucapión. Expediente N° 116. XXXVIII. Recuperado de https://www.cij.gov.ar/SCBA001004.xhtml).
[47] "La medida cautelar de inhibición general de bienes procede cuando existen indicios suficientes para pensar que el deudor, frente a la obligación que se discute en el proceso, puede intentar frustrar el resultado del mismo". (Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil, Sala C, 19/06/2007, "Valcrosa Guillermo contra Ríos Luis y otro s/ordinario").
[48] Cita-se como precedente jurisprudencial brasileiro o seguinte caso: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR PROVISÓRIO PARA EMPRESA. POSSIBILIDADE. RISCO DE PREJUÍZOS À EMPRESA E SEUS FUNCIONÁRIOS. 1. Em se tratando de medida cautelar, é suficiente a presença de indícios de verossimilhança das alegações do requerente e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação para a concessão da liminar. 2. O fato de a empresa estar sem sócio-administrador e a possibilidade de prejuízos aos seus interesses, como a suspensão de suas atividades e o desemprego de seus funcionários, justificam a nomeação de administrador provisório, com poderes para gerir e administrar a empresa no período de vigência da liminar. 3. Agravo de instrumento desprovido." (Tribunal Regional Federal da 3ª Região - TRF3. Processo: 0001882-28.2012.4.03.6130
Data do julgamento: 21/02/2013. Órgão julgador: Quinta Turma). Ressalta-se que o mesmo foi julgado na vigência do Código de Processo Civil de 1973, que possuía medidas cautelares nominadas.
[49] GERMANO, Medidas cautelares en procesos sucesorios, p. 75–76.
Doutorando pela UMSA – Universidad Del Museo Social Argentino e pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Mestre em Direito pela Escola Paulista de Direito – EDP e pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas, Tabelião de Notas e Protesto da comarca de Pontes e Lacerda/MT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SEGANFREDO, RICARDO FABRÍCIO. Sucessão e empresas familiares: proteção do acervo hereditário por meio de medidas cautelares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2023, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61329/sucesso-e-empresas-familiares-proteo-do-acervo-hereditrio-por-meio-de-medidas-cautelares. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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