MAÍRA BOGO BRUNO[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho aborda sobre a capacidade dos animais serem sujeitos suscetíveis de guarda compartilhada nos casos de dissolução conjugal, visto que não existe legislação específica que confere esse instituto aos animais. O objetivo proposto é constatar a caracterização dos animais como sujeitos suscetíveis a guarda compartilhada na hipótese de dissolução conjugal. Para tanto, utiliza-se a metodologia da pesquisa jurídica, com método de abordagem dedutivo e com técnica de coleta de dados exploratória bibliográfica e documental e de análise de dados qualitativa. O Código Civil classifica os animais como bens semoventes e a Constituição Federal apenas resguarda a proteção jurídica a eles contra maus-tratos. Todavia, os Tribunais estaduais e o Superior Tribunal de Justiça, devido à falta de legislação específica, passaram a decidir por analogia e aplicam o instituto de guarda compartilhada aos filhos, reconhecendo que animais merecem ser tratados de forma diferente. Esta pesquisa poderá contribuir para proporcionar aos animais um tratamento adequado aos animais. Portanto, verificou-se que é fundamental que legislação brasileira acompanhe as mudanças sociais no que diz respeito a classificação dos animais como sujeitos passíveis de guarda compartilhada após dissolução conjugal.
Palavras-chave: Animais de Estimação; Dignidade Animal; Família Multiespécie; Guarda Compartilhada.
ABSTRACT: The present work deals with the capacity of animals to be susceptible subjects of shared custody in cases of marital dissolution, since there is no specific legislation that grants this institute to animals. The proposed objective is to verify the characterization of animals as subjects susceptible to shared custody in the event of marital dissolution. For this purpose, the methodology of legal research is used, with a deductive method of approach and an exploratory bibliographical and documental data collection technique and qualitative data analysis. The Civil Code classifies animals as movable property, and the Federal Constitution only protects their legal protection against mistreatment. However, the state courts and the Superior Court of Justice, due to the lack of specific legislation, have decided by analogy and apply shared custody to children, recognizing that animals deserve to be treated differently. This research may contribute to provide animals with adequate treatment for animals. Therefore, it was found that it is essential that Brazilian legislation follows social changes about the classification of animals as subjects subject to shared custody after marital dissolution.
Keywords: Pets; Animal Dignity; Multispecies Family; Shared Guard.
A presente pesquisa alude sobre a possibilidade de animais domésticos serem suscetíveis de direito a guarda compartilhada em caso de dissolução de vínculo conjugal entre seus tutores e de como os tribunais estaduais e Superior Tribunal de Justiça decidem perante a falta de previsão legal sobre o assunto.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB) além de reconhecer a proteção jurídica aos animais, proibindo as práticas de crueldade, nos termos do artigo 225, §1º, inciso VII, também assegura a livre formação familiar perante a tutela jurídica do Estado em seu artigo 226 e parágrafos. (BRASIL, 1988)
Cristian Kilfer da Silva (2020) aponta que o Código Civil Brasileiro de 2002 classifica animais silvestres como bens de uso comum e animais domésticos como seres passíveis de serem objetos de direitos reais, sendo reduzidos a condição de semoventes. O autor considera o ordenamento jurídico brasileiro antiético em relação aos animais em razão destas disposições do Código Civil.
Nesse sentido, faz-se necessário, observar que a legislação brasileira precisa acompanhar as transformações sociais, pois, animais estão ocupando um lugar importante na vida dos indivíduos, de modo que passaram a ser considerados como membros do seio familiar, tanto para aqueles litigantes que já possuem filhos ou para aqueles que não pretendem ter filhos.
Sucede-se que o questionamento que se pretende responder no decorrer desta pesquisa é o de que seria possível a concessão de guarda compartilhada de animais de estimação em caso de dissolução de vínculo conjugal conforme as decisões judiciais?
Esta pesquisa é justificada pelo fato de que os direitos dos animais precisam ser reconhecidos em casos de dissolução conjugal dos seus tutores sendo necessária a aplicação da guarda compartilhada como meio de responsabilidade parental.
Desse modo esta pesquisa tem como objetivo geral o de constatar a caracterização dos animais como sujeitos suscetíveis a guarda compartilhada na hipótese de dissolução conjugal. Visando o alcance do objetivo geral, foram definidos os seguintes objetivos específicos: a) expressar a necessidade de preencher as lacunas do ordenamento jurídico através da proteção à dignidade animal; b) descrever os direitos dos animais de estimação que devem ser preservados perante a dissolução conjugal; e, c) estudar os entendimentos jurisprudências acerca da qualificação dos animais de estimação como sujeitos de direito passíveis de guarda compartilhada.
Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utiliza a pesquisa bibliográfica e documental para chegar à conclusão se é necessário a criação de lei específica que regule a relação humano-animal, assim como o reconhecimento jurisprudencial da possibilidade de guarda compartilhada de animais de estimação.
No que se refere à estruturação desta pesquisa, a segunda seção aborda a tutela jurídica dos animais de estimação destacando a proteção da dignidade do animal e natureza jurídica; a terceira seção trata das famílias multiespécies enfatizando o princípio da afetividade no reconhecimento da filiação e a guarda compartilhada na dissolução conjugal. Por fim, a quarta seção se conclui com a possibilidade de concessão de guarda compartilhada de animais de estimação segundo as decisões dos tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça.
O resultado a ser apresentado na presente pesquisa contribuirá para a busca do tratamento igual entre humanos e animais, da dignidade animal e de uma melhor qualidade de vida após a dissolução conjugal de seus tutores.
2 TUTELA JURÍDICA DO ANIMAL DOMÉSTICO
A tutela jurídica dos animais se refere ao conjunto de leis e normas que buscam proteger os direitos dos animais, bem como garantir seu bem-estar e vida digna. Essas leis são adotadas para evitar maus-tratos, abusos, negligências, além de promover a preservação da fauna e flora.
Com as modificações sociais, a tutela jurídica dos animais teve um papel importante no meio social. Com o passar dos anos, os estudos demonstraram que é necessário garantir os direitos aos animais, buscando uma proteção jurídica mais efetiva, levando em consideração as relações afetivas que surgiram com os seres humanos.
Somente a CRFB 1988 garantiu aos animais a proteção jurídica, por meio do artigo 225, §1º, inciso VII, que determina que os Entes Federativos protejam a fauna e a flora brasileira. Porém, nota-se que o objetivo do supramencionado artigo é garantir a proteção do meio ambiente para as futuras gerações, limitando os animais apenas para não serem submetidos a crueldade (BRASIL, 1988).
Em contrapartida, o Código Civil de 2002 engloba os animais no conceito de propriedade, considerando-os como bens que se movem em virtude de força própria. (BRASIL, 2002).
Atualmente revela certa discussão jurídica sobre o reconhecimento a proteção a dignidade do animal e a sua inserção no meio social. A seguir será abordado sobre a proteção, a natureza jurídica e como são tratados os animais no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Constituição federal, Código Civil e leis infraconstitucionais.
2.1 PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DO ANIMAL DOMÉSTICO
A discussão sobre a proteção da dignidade do animal no Brasil é consideravelmente recente, sendo acrescida ao artigo 225 § 1º, inciso VII pela emenda constitucional 96/2017. O artigo positivou o reconhecimento a vedação de práticas cruéis aos animais, como “direito fundamental à existência digna”. (JUNIOR, 2018, p. 52).
O texto constitucional trata os animais como seres detentores de proteção para as futuras gerações, garantindo a eles apenas os direitos básicos. Nesse sentindo, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (2008) aponta que a CRFB de 1988 sepultou o paradigma liberal que via, e que ainda insiste em ver, o Direito apenas como um instrumento de organização da vida econômica, unicamente orientado a resguardar certas liberdades básicas e a produção econômica, de forma a reduzir o Estado à tímida tarefa de estruturar e perpetuar as atividades do mercado, sob o manto de certa preferência social.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (2008) apontam ainda que com o advento da CRFB de 1988 abandonou-se o enfoque convencional da Constituição condenada a se tornar um mero regulamento econômico-administrativo, mutável ao sabor dos interesses e conveniências dos grupos dominantes.
Com a proibição de maus tratos aos animais, a Carta Magna, de forma tácita reconhece esses seres como sencientes, sendo capazes de sentir. Entende-se que todos os seres vivos são iguais, possuem a capacidade de sentir os sentimentos e merecem respeito, independentemente de sua origem e capacidade cognitiva. (SINGER apud VALLE et al.,2018).
Relacionando o direito constitucional dos animais à existência digna com a sua capacidade de sentir, Vicente de Paula Ataíde Junior (2018) pondera que a dignidade animal é oriunda de fato biológico da senciência, sendo essa a capacidade de sentir dor e experenciar sofrimentos físicos e até psíquicos.
Sobre a dignidade animal, Clara Maria Antunes Venâncio (2019) afirma que defender a dignidade animal com base na sua consciência e senciência é legitimo, de forma que deveria bastar para garantir o respeito a esses. A autora aponta ainda que todos os seres, independentemente das suas capacidades, são dignos de respeito, pelo simples fato de existirem e estarem vivos. Isto é válido para os seres de outras espécies bem como para todos os seres humanos, mesmo aqueles cuja consciência ou senciência possa estar comprometida (VENÂNCIO, 2019).
Ao serem abarcados pela dimensão ecológica do princípio da dignidade, para além da vida humana, os animais como sujeitos de direitos devem ser respeitados e tutelados pelo Estado e pela sociedade, servindo tais direitos ainda para que se minimize qualquer conduta que viole os direitos que possuem, como a liberdade, a integridade física e mental e, acima de tudo, o direito a uma vida digna (GOMES; COSTA. 2021).
Os animais são dotados de sensibilidade, as relações criadas entre eles e os humanos comprovam uma forte ligação sentimental. Nesse sentido Ana Carolina Neves Amaral do Valle e Izabela Ferreira Borges (2018) explicam que a sociedade contemporânea tem levado ao Poder Judiciário questões que comprovam essa forte ligação sentimental entre os indivíduos e os animais, de forma que continuar tratando-os como objetos afronta o sentido de sensciência, presente no atual modelo de família composto por pessoas e seus animais de estimação.
No julgamento do Recurso Especial em Apelação Cível que trata da regulamentação de guarda para animais de estimação a corte superior decidiu que os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente, ou seja, dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais, também devem ter o seu bem-estar considerado (BRASIL, 2020).
O princípio da dignidade animal também se encontra respaldado na Declaração Universal dos Direitos dos Animais, tratado internacional assinado pelo Brasil em 1978, previsto expressamente no artigo 10 que diz que nenhum animal deve ser usado para divertimento de seres humanos. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal (UNESCO, 1978).
Renata Duarte de Oliveira Freitas (2013) aponta que Decreto Federal n. 24.645 publicado em 1934, já trazia o conceito de maus tratos, consistindo esse Decreto em aumentar a proteção legal animal por meio de uma variedade de mecanismos próprios, permitindo a interpretação de um novo status quo para os animais como sujeitos de direito devido ao potencial para o Ministério Público representá-los em tribunal como um substituto legal.
Diante do reconhecimento da proteção jurídica aos animais regido pelo texto constitucional, ao proibir práticas de crueldade, fica evidente que os animais merecem tratamento similar ao ofertado aos filhos, tendo em vista que o direito dos animais se encontra em evolução.
O direito a guarda compartilhada garante proteção adequada aos animais, e determina responsabilidades aos seus donos, de forma que Nathalie Santos Caldeira Gomes (2010) explica que como os animais não-humanos são seres protegidos pela legislação brasileira, é mais adequado falar-se em guarda de animais domésticos ao invés de posse ou propriedade. A autora fundamenta que no Direito, aquele que detém a guarda de alguém possui responsabilidades e obrigações, e os “proprietários” de animais domésticos também possuem responsabilidades e obrigações adquiridas ao abrigar um animal em sua residência. “A palavra guarda possui uma conotação de proteção, de amparo, de abrigo e conservação. É, portanto, o termo mais hábil para definir a relação jurídica do ser humano com o animal doméstico”. (GOMES, 2010, p. 09)
Assim, faz-se necessário que o sistema legislativo acompanhe a evolução social de forma geral e passe a observar os direitos fundamentais dos animais, tornando isso um tema de ordem federal.
Na subseção seguinte, será abordado sobre a inserção do animal no meio social e a sua natureza jurídica no Código Civil de 2002.
2.2 NATUREZA JURÍDICA DO ANIMAL DOMÉSTICO
O texto constitucional determinou por meio do art. 225 a proteção da fauna e flora, responsabilidade do Poder Público, passando o direito à proteção constitucional a ser considerado um direito fundamental. Diferentemente do texto constitucional, no código Civil de 2002, o artigo 82, classifica animais como “coisa” ou “bens semoventes”. (BRASIL, 2002).
Sobre essa classificação dos animais, Héron José de Santana Gordilho e Amanda Malta Coutinho (2017) explicam que a legislação brasileira, se encontra omissa e até mesmo defasada em alguns sentidos, considerando que o tratamento dado ao animal doméstico como propriedade, quando o novo modelo social familiar os coloca como membros da família, gera situações em que o juiz, na falta de legislação específica, acaba por equiparar os animais às crianças ou, erroneamente, considera-los simples propriedade, o que pode ocasionar uma grande insegurança jurídica e inúmeras dúvidas a respeito do tema.
A omissão legislativa cria decisões divergentes, de forma que alguns juízes consideram os animais como filhos e outros consideram como coisa. Devido a senciência animal estes não podem ser considerados como tal. O legislador precisa atuar no sentido de preservar a consciência e a senciência animal. Nesse sentido, Deborah Regina Lambach Ferreira da Costa e Fabiano Montiani Ferreira (2018) explicam que animais não podem mais ser considerados coisas, como uma peça de mobiliário, objeto de bem de consumo, devendo ter status diferenciado justamente por terem vida e sentimentos. Os autores denotam ainda que, embora em princípio não se possa dotá-los de personalidade ou considerá-los como sujeito de direitos, os seus interesses não podem mais ser defendidos de modo indireto quando se defendem os interesses do homem.
Dessa forma, tratar animais de estimação como mera “coisa” ou “propriedade” é equivocado, conforme preceitua Ana Carolina Neves Amaral do Valle e Izabela Ferreira Borges (2018, p. 10):
O preceito de propriedade ainda recai sobre os animais, mas com mudança comportamental da sociedade, como os questionamentos filosóficos, as preocupações com os direitos dos animais e a efetividade permeando as relações entre seres humanos, passou-se a questionar o título de coisa e propriedade humana atribuído a estes, isso porque, com o passar do tempo, animais e seres humanos ficaram mais próximos disseminando uma relação de afeto entre ambos ao ponto de os animais passarem a integrar o grupo familiar.
As leis presentes no nosso ordenamento jurídico não consideram os animais como sujeitos passíveis de direito. No âmbito nacional existem alguns projetos de lei que tramitam com o objetivo de mudar o status normativo do animal não-humano para sujeitos de direito personificados.
O Projeto de Lei Complementar (PLC) Nº 27/2018 de autoria do deputado Ricardo Izar teve como ementa determinar que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa (BRASIL, 2019)
Esse PLC tem como objetivo mudar o conceito normativo dos animais, atribuído pelo Código Civil de 2002 como “coisas”, criando uma natureza específica para os animais. O referido Projeto prevê o art. 3º e 4º da seguinte forma:
Art. 3º Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Art. 4º A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 79-B: “Art. 79-B. O disposto no art. 82 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), não se aplica aos animais não humanos, que ficam sujeitos a direitos despersonificados”. (BRASIL, 2019, não paginado).
Visto ao objetivo do PLC de reconhecer os animas como sujeitos de direito, Vicente de Paula Ataíde Junior e Daniel Braga Lourenço (2020) consideram ser importante apontar a amplitude subjetiva dessa requalificação jurídica pois todos os animais passam a ser sujeitos de direitos, ainda que sem personalidade jurídica, de forma que abandonam o regime jurídico da propriedade móvel semovente, cumprindo-se, agora também no plano legislativo federal, os princípios constitucionais da dignidade animal e da universalidade, extraídos do artigo 225, § 1º, VII, da Constituição brasileira de 1988.
Assim, apesar do PLC ser um possível avanço para o status jurídico dos animais, este precisa de melhorias significavas que poderão tornar todos os tipos de animais, além dos animais de estimação, merecedores de direitos.
A Lei 9.605/98, alterada para a Lei 1.095/19 que está em vigência, é uma das poucas legislações brasileiras que buscam proteger o bem-estar animal, punindo com detenção de três meses a um ano e multa aquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (BRASIL, 2019)
Devido a percepção jurídica dos animais como sujeitos de direito, Gabriela de Almeida Rodrigues e Rogério Santos Rammê (2019) fundamentam que a discussão acerca da possibilidade de os animais serem considerados sujeitos de direitos se faz presente não apenas no Brasil, mas também, em ordenamentos jurídicos alienígenas, como se observa nos Códigos Civis da Suíça, Áustria e da Alemanha.
A Lei Fundamental Alemã reformada em 2002 incluiu a proteção ao animal no texto constitucional no artigo 20-A, determinando ao Estado a proteção das bases naturais da vida e dos animais (ALBUQUERQUE; SILVEIRA, 2018).
Já o Código Civil Alemão modificado em 1990 no § 90-A na integra: “Animais não são coisas. Eles serão protegidos por meio de legislação especial. Salvo disposição em contrário, às regras aplicáveis às coisas são a eles aplicáveis”. (ALEMANHA, 1990)
Gabriela Franziska Schoch Santos Carvalho (2015) explica que atualmente existe uma regulamentação particular na Suíça que foi projetada para regular de forma definitiva e exclusiva a interação entre humanos e animais. O Código Civil Sueco no artigo 641 diz que os animais não são mais coisas. Foi levado em consideração quando o legislador infraconstitucional suíço decidiu fornecer proteção constitucional aos animais.
Por fim, no que concerne a união europeia, Taís Rodrigues Moreira (2015) entende que a Áustria se tornou um país precursor ao promulgar uma lei federal referente ao estatuto jurídico do animal em 1988. O Código Civil da Áustria no artigo 285–A afasta a definição dos animais como coisas, apontando a aplicação de legislação especial no trato de animais.
É perceptível que com o passar dos anos diversos países modernizaram o status jurídico dos animais, criando leis que facilitam a atuação do Judiciário quanto aos casos de dissoluções litigiosas, o que evidencia a necessidade de uma reforma legislativa no Brasil para acompanhar a evolução da relação jurídica entre os animais e os humanos.
Os animais com o passar dos anos estão cada vez mais presentes nas famílias, sendo considerados parte desse arranjo familiar. A constituição de família tem-se modificado, não necessitando de filhos para os casais constituírem lar familiar.
Devido a evolução social e o surgimento de novas constituições de família, Ana Carolina Neves Amaral do Valle e Izabela Ferreira Borges (2018) entendem que se tornou comum a existência de famílias multiespécies, resultado do mundo contemporâneo, no qual os indivíduos, com muitas atividades e pouco tempo, optam por animais de estimação em seus lares, em substituição aos filhos.
Embora o texto constitucional não preveja a dignidade animal, ao vedar a crueldade quanto aos animais, está reconhecendo a consciência e a senciência destes, que engloba a afetividade. Sendo assim, é possível integrá-los no conceito da família multiespécie.
As leis brasileiras são omissas quanto à família multiespécie, por isso não fica clara a aplicação do direito de família aos animais e consequentemente o direito a guarda compartilhada, como fundamenta Carolina Fernandes Tejero da Silva (2021, p. 20):
[...] fica evidente que embora a visão da sociedade contemporânea frente aos animais não humanos evoluiu muito, as normas não encontram-se em consonância com essas evoluções, tendo em vista que não existe nenhuma lei que regulamente efetivamente as questões da guarda compartilhada no que diz respeito aos animais, sendo que essa já é uma realidade fática predominante na sociedade.
A omissão legislativa está em descompasso com a realidade social, uma vez que há um progressivo aumento da consideração dos animais como membros da família e consequentemente, decorre um aumento de demanda ao Poder Judiciário sobre a possibilidade de guarda compartilhada dos animais em casos de dissolução da família multiespécie.
3.1 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO
Para o entendimento do papel do princípio da afetividade no reconhecimento de filiação é preciso entender o conceito de família. A Constituição Federal no artigo 226 considera a família como base da sociedade e merecem a devida proteção do Estado. Nos §§ 1º ao 4º deixam explicito os tipos de entidades familiares.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988, não paginado).
Além das entidades familiares explícitas na CRFB de 1988, Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva Lima (2018) entende que existem outros tipos de entidades familiares não expressas, sendo essas, baseadas principalmente na afetividade.
Existem outras normas que tratam sobre o assunto como o Código Civil de 2002, este possui um capítulo próprio do artigo 1.511 ao artigo 1.783-A, que aborda a importância da instituição familiar. Entretanto, o Código Civil não traz conceito claro de família para o ordenamento jurídico, apenas regulamenta as relações familiares. (BRASIL, 2002)
No que concerne à família multiespécie, nenhuma outra legislação considera os animais como membro da família. Assim, para conceituar família traz-se as palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2022, p. 60) como sendo o “núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”.
Ao longo da evolução do direito de família, estando presentes os interesses do Estado além dos interesses individuais, a concepção de família como célula básica da sociedade evoluiu para incluir a perspectiva da preservação do ser humano e da tutela à dignidade da pessoa humana nas relações familiares (MALUF; MALUF, 2021).
Adriana do Rego Freitas Dabus Maluf e Carlos Alberto Dabus Maluf (2021) explicam que a afetividade pode ser entendida como a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. Nesse sentido, o Princípio da Afetividade é um dos princípios fundamentais que norteiam o Direito de Família, embora não esteja explícito no texto constitucional, esta deriva do princípio da dignidade da pessoa humana. Percebe-se que devido as mudanças sociais as famílias estão se formando através do vínculo afetivo.
O princípio da afetividade é fundamental na família multiespécie, pois a convivência entre humanos e animais é baseado em um forte vínculo emocional, que se desenvolve a partir do contato físico e carinho mútuo. A presença de animais na vida das pessoas é uma prática antiga e difundida em muitas culturas ao redor do mundo. No entanto, o reconhecimento dos animais como membros da família e a valorização de seu papel afetivo na relação familiar é uma ideia recente (BIASOLI; CALGARO, 2017).
A afetividade entre os indivíduos é base para se formar uma família, conforme discorrem Ana Carolina Valejo da Silveira, Adriane de Oliveira Ningeliski e Patricia Minini Wechinewsky (2022). As autoras explicam que a afetividade entre os indivíduos é base para se formar uma família, de forma que as relações familiares não são apenas aquelas compostas por casais heteroafetivos em relacionamentos monogâmicos e com vínculos consanguíneos, mas sim, tem-se que o principal vínculo formador da família deve ser pautado pela afetividade entre indivíduos unidos por laços de liberdade e responsabilidade.
Cristina Gazzana e Beatriz Schmidt (2015) corroboram com essa afirmação e explicam que a afetividade tem sido reconhecida quando se trata do relacionamento entre humanos e animais pelo fato de que humanos desenvolvem relações afetuosas e complexas com animais, de forma que essas relações podem ser benéficas para ambas as espécies envolvidas, tornando-os parte da família.
Historicamente os animais eram vistos como propriedade ou bens, e sua presença na vida das pessoas era baseada em uma função utilitária, como para trabalho ou alimentação. Porém, Raquel Prudente de Andrade Neder Issa (2018) aponta que a Família multiespécie surge quando os casais optam por não ter seus próprios filhos, e passam a desenvolver vínculos afetivos com seres de outras espécies, sendo o afeto como principal condutor para configurar o novo conceito familiar.
Raquel Prudente de Andrade Neder Issa (2018) explica ainda que a entidade familiar vai além dos vínculos formados por laços sanguíneos e além da legislação vigente, dando espaço a uma relação alicerçada na afetividade e a família multiespécie se encaixa exatamente nessa noção. Com isso, é fundamental que a sociedade reconheça a importância dos animais de estimação como membros da família e que essas relações afetivas sejam valorizadas e respeitadas.
Portanto, diante das mudanças das relações sociais e da constituição familiar fica evidente a necessidade de que o legislador reconheça os vínculos afetivos entre diferentes espécies e diferentes origens de família e torná-los merecedores de direitos.
3.2 GUARDA COMPARTILHADA EM CASO DE DISSOLUÇÃO CONJUGAL
Na família moderna, os animais são considerados parte do núcleo familiar. Estes começaram a ser reconhecidos como indivíduos de direitos e para muitas famílias tratados como se fossem filhos, sendo em alguns casos, designado para que um de seus tutores se torne possuidor da guarda deste em caso de dissolução conjugal.
Diante do problema do aumento de demandas pleiteando a guarda compartilhada dos animais de estimação o Poder Judiciário passou a utilizar a aplicação da analogia nos casos que envolvam disputas pelos cônjuges-tutores em processo de divórcio (BRAGA; OLIVEIRA, 2021)
Larissa Florentino Kellermann e Carolina Moares Migliavacca (2018) entendem que a previsão legal expressa no Código Civil é análoga a um ser semovente, e caracteriza os animais apenas como propriedade, o que perante a sociedade eles não são tratados dessa forma. Para as autoras os animais podem receber tratamento jurídico específico nos casos de separações matrimoniais entre casais.
No Direito Civil está descrito as normas sobre a formação do casamento e a sua dissolução. A partir do casamento as partes estabelecem a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial, cessado esse vínculo afetivo e inexistindo interesse na continuidade do casamento, a legislação estabelece a possibilidade de dissolução dessa união por meio do divórcio (GONÇALVES, 2012).
Para o caso da guarda no divórcio a redação da Lei nº 11.698/08, altera o Código Civil, trazendo uma nova possibilidade de guarda, sendo esta, compartilhada que é definida como “a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (BRASIL, 2008)
Ao regulamentar o instituto da guarda, o Código Civil não se refere especificamente à sua aplicação aos animais de estimação. A esse respeito, Camilo Henrique Silva (2015) pondera que em virtude da inexistência de lei a regulamentar a guarda dos animais de estimação em caso de divórcio, a tarefa pode ser ardilosa, principalmente quando não há consenso entre as partes. O autor conclui que, diante da celeuma, o magistrado deve buscar a melhor solução para cada caso concreto, socorrendo-se à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Carlos Roberto Gonçalves (2012) explica que no caso dos animais, a guarda é um direito natural dos tutores, sendo atribuída a uma das partes, independente do título de propriedade, levando-se em consideração o bem-estar do animal e o vínculo afetivo.
Assim, diante da ausência de lei específica deve ser aplicado o artigo 1.584, § 5º, do Código Civil de 2002, se durante a instrução processual não houver acordo entre as partes, a guarda do animal pode ser atribuída a uma pessoa da família de um dos tutores. Nesse sentido julgamento de Apelação Cível n.º 1003813 20.2020.8.26.0001, em seu voto (nº 20543), o relator José Rubens Queiroz Gomes salientou que:
Não há em nosso ordenamento jurídico uma norma ou lei específica acerca da ‘partilha’ de animais de estimação, os quais, todavia, não podem continuar a ser tratados como “bens” porquanto cada vez mais são considerados como membros da família. Dessa forma, tem - se entendido possível, em casos como o presente, aplicar - se por analogia as regras estipuladas para a guarda de filho. (BRASIL, 2021).
Como não há norma legal, o magistrado deve decidir conforme analogia para resolver a demanda da melhor forma. Devendo observar as regras estabelecidas no Código Civil de 2002 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Com isso, o titular que se tornar possuidor da guarda do animal terá as mesmas imposições do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, prestar ao animal toda a assistência necessária (SILVA, 2015).
Esse também é o entendimento esposado no enunciado nº. 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família, que indica aos animais o direito de guarda compartilhada nos seguintes termos: “Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”. (IBDFAM, 2015, p. 1)
Camilo Henrique Silva (2015) entente que por serem animais seres sencientes, a simples definição da guarda pelo título de propriedade não se incorpora com o melhor entendimento e solução, pelo contrário, evidencia o apego dos operadores do Direito a preconceitos especistas e o descompasso com a realidade científica e social.
A dissolução da sociedade conjugal traz para as partes impactos na vida pessoal, sendo doloroso para os casais como para os filhos provenientes dessa união, por essas razões, a legislação deve acompanhas as mudanças sociais. Além dos filhos, o animal passou a ocupar um lugar importante no meio familiar, devendo ser reconhecido como um sujeito de direito
Os animais de estimação são considerados por muitas pessoas como companheiros, melhores amigos, filhos e até mesmo irmãos. Estudos demostram que a presença de um animal em casa pode evitar doenças e em caso de separação conjugal, pode até mesmo ajudar seus tutores. Estes são seres inteligentes que sentem dor e dão amor, e devemos tratá-los com respeito e proporcioná-los uma vida digna (DIAS; POLETTO, 2017).
É evidente que no Brasil a disputa de guarda compartilhada para os animais vem crescendo, Zwetsch (2015) apud Dias et alii (2017, p. 18) pontua que:
A definição da guarda de um animal de estimação que integrou uma família desfeita deve ser encarada com seriedade e sem preconceitos. Não por tratar-se de uma questão cada vez mais recorrente a ser dirimida pelos operadores jurídicos no âmbito dos tribunais, mas por envolver sentimentos e interesses de animais humanos e não humanos capazes de sofrer. O rompimento da sociedade conjugal é um momento difícil para qualquer casal, e se a situação do animal é controvertida a ponto de ser levado para que um terceiro sobre ela decida, mínimo que se espera do magistrado é que ele possua sensibilidade para perceber o quanto isso é importante para aqueles litigantes e para aquele animal.
Portanto, ao decidir as questões de guarda compartilhada relacionada aos animais o juiz deve levar em consideração o interesse entre as partes litigantes, pois esses estão em momento difícil e buscam o Judiciário, sendo assim, o Juiz precisa estar sensível a isso, tendo em mente que a família multiespécie é constituída por laços afetivos.
4 POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CONFORME DECISÕES JUDICIAIS DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Diante da inexistência de legislação específica que regulamente a guarda compartilhada de animais, em casos de dissolução conjugal, não havendo acordo entre as partes, os juízes, estão sendo compelidos a utilizarem a analogia para decidir disputas em torno da guarda de animais de estimação.
A questão problemática acerca da possibilidade de concessão de guarda compartilhada tem sido bastante discutida nos tribunais superiores, devido à falta de regulamentação específica.
Ana Carolina Neves Amaral do Valle e Izabela Ferreira Borges (2018) trazem como exemplo a Apelação Cível nº 0019757-79.2013.8.19.0208, da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tendo como tema da ementa o destino de um animal de estimação, após a dissolução da união estável de seus tutores.
No caso em questão, a Apelada alegou que convivia maritalmente com o Apelante, mas em razão ter sido vítima de agressões, foi obrigada a se afastar da residência deixando todos os seus pertences adquiridos no período da união e o animal de estimação. O Apelante recorreu, apresentando contestação e confirmando os fatos narrados pela Apelada, mas quanto ao animal, este alegou que foi o único responsável pelos cuidados ao animal (RIO DE JANEIRO, 2015).
A sentença proferida em primeira instância julgou procedente a ação promovida pela autora, determinando a extinção da união do casal e a guarda definitiva do cão de estimação à Apelada, por ter comprovado que esta era a legítima proprietária do animal. Não satisfeito, o apelante entrou com recurso de apelação se manifestando unicamente pela guarda do animal, alegando ser o único responsável pelos cuidados e custos com o animal. Sustentou ainda que o cão chamado “Dully” havia sido dado de presente a Apelada após esta sofrer um aborto, com o objetivo de animá-la. Porém, sempre arcou com os custos provenientes do animal (RIO DE JANEIRO, 2015).
Nota-se que no referente caso, as partes desenvolveram com o animal vínculos emocionais e afetivos, sendo este adquirido após os prejuízos emocionais do casal. O relator declarou a questão enfrentada quanto a falta de regulamentação legal sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro e observou o princípio da dignidade da pessoa humana levando em consideração a importância do animal para as partes litigantes (RIO DE JANEIRO, 2015).
Ao final, levando em consideração a importância do animal para os litigantes e a inexistência de previsão legal, o julgador concedeu ao Apelante o direito de permanecer na vida do animal “Dully” através da guarda compartilhada. Fundamentou o magistrado que:
[...] atento a todos os parâmetros até aqui apresentados, aos quais acresço o fato de que o animal em questão, até por sua idade (avançada), demanda cuidados que recomendam a divisão de tarefas que lhe digam respeito é que, a despeito da propriedade reconhecidamente conferida à apelada, seja permitido ao recorrente ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 08:00h de sábado, restituindo-lhe às 17:00fs do domingo, na residência da apelada. (RIO DE JANEIRO, 2015).
Desta forma, o Apelante pode usufruir da posse provisória e exercer a sua responsabilidade em relação as necessidades do animal.
Em outro caso semelhante, discutido no Tribunal de Justiça de São Paulo, os litigantes estavam disputando pela guarda do animal de estimação da família e regime de visitas. O relator José Rubens Queiroz Gomes no Agravo de Instrumento nº 2052114-52.2018.8.26.0000 da 7ª Câmara de Direito Privado enfatizou que diante da inexistência de regulamentação brasileira para solucionar as demandas que versam sobre possibilidade de concessão de guarda compartilhada aos animais, é necessário utilizar analogia da guarda imposta aos filhos:
Considerando que na disputa por um animal de estimação entre duas pessoas após o término de um casamento e de uma união estável há uma semelhança com o conflito de guarda e visitas de uma criança ou de um adolescente, mostra-se possível a aplicação analógica dos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil, ressaltando-se que a guarda e as visitas devem ser estabelecidas no interesse das partes, não do animal, pois o afeto tutelado é o das pessoas. (SÃO PAULO, 2018).
A 7ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP reconheceu à competência as varas de família para resolver as demandas relacionadas a guarda e visitação de animais de estimação.
No ano de 2018 o STJ no Recurso Especial nº 1.713.167 reconheceu a existência de vínculo afetivo criado entre humanos e animais e garantiu o direito de guarda compartilhada do animal de estimação adquirido durante a união estável ao ex-companheiro. No caso em questão, o ex-companheiro queria o direito de visitar a cadela “Kimi” da raça Yorkshire adquirida durante a união estável que durou mais de 07 (sete) anos. Após 05 (cinco) anos do divórcio com regime de comunhão universal de bens, o homem recorreu à Justiça alegando que após a separação foi impedido de ter contato com o animal (BRASIL, 2018)
Inicialmente o magistrado julgou o pedido do ex-companheiro improcedente, tendo em vista, que a relação afetiva com animais não poderia integrar as relações familiares equivalentes entre pais e filhos, sob pena de ferir os princípios jurídicos. Ao final, concluiu que como sendo animal objeto de direito, não era possível conceder a visitação (BRASIL, 2018)
Apresentada apelação o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento parcial ao recurso e determinou a regulamentação de visitas à cadela, baseando-se na guarda compartilhada estipulada aos filhos. Insatisfeita com a decisão, a ré interpôs recurso especial (BRASIL, 2018)
O ministro Luís Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça entendeu que as decisões sobre a relação entre os animais e as pessoas precisam ser tratadas com cautela no ordenamento jurídico e fundamentou que:
Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional. (BRASIL, 2018, p. 01).
Em suma, o ordenamento jurídico brasileiro deve levar em consideração que existem vínculos afetivos entre pessoas e animais, além de que são seres sensíveis e são capazes de sentir dor, assim como os seres humanos. As relações pertencentes à família multiespécie são claramente relevantes, tendo em vista que essa relação é semelhante à de pais e filhos, é proporcional e adequada a utilização do instituto da guarda para resolver as demandas judiciais relativas à guarda de animais.
Por tudo o que foi exposto, é notável o crescimento de novas configurações familiares na sociedade moderna, baseadas em vínculos afetivos. A família multiespécie se caracteriza nas relações entre humanos e animais que desenvolvem uma conexão através dos sentimentos, e passam a ser considerados como membros do núcleo familiar.
Nesse novo conceito de família, a afetividade forma o vínculo conjugal entre as partes, sendo desenvolvida por contato físico e mútuo. Nos casos de dissolução conjugal, além dos litigantes sofrerem com a separação, acabam sofrendo ainda mais com a disputa do animal de estimação, visto que em muitos casos as partes optaram por não terem filhos.
No Brasil, perante a legislação, os animais são considerados como “coisas” e não são sujeitos passíveis de direito. Porém, atualmente, pode-se dizer que os animais se tornaram importantes para as famílias tanto quanto os filhos, e deixaram de ser vistos apenas como meros objetos.
As relações conflituosas quanto a possibilidade de guarda compartilhada aos animais de estimação do casal que se separa vem crescendo ano após ano, e em algumas decisões os tribunais definem a vara de família como órgão competente para analisar esses casos, visto que a família multiespécie também pode se dissolver.
A legislação brasileira é falha em garantir a devida proteção aos animais, e força os operadores do direito a decidirem por analogia, sobre as demandas levadas ao Poder Judiciário que tratem da possibilidade de guarda compartilhada aos animais nos casos de dissolução conjugal.
Ainda que seja um tema difícil para que os magistrados decidam, estes devem levar em consideração o bem-estar do animal em suas decisões, possibilitando a eles vida digna, pois são seres sensíveis e vulneráveis que dependem de cuidados e proteção jurídica.
A análise dos julgamentos deste trabalho mostra que, apesar de os animais serem seres sencientes capazes de sentir dor e demonstrar compaixão de maneiras próprias e únicas, o Poder Judiciário não tem desejo de tratar como sujeitos de direito os animais que convivem em famílias multiespécies. Os tribunais não tendem a conectar a posse de animais de estimação com a guarda dos filhos.
Assim, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro precisa acompanhar as mudanças sociais e considerar a criação de um novo regime jurídico que proteja e garanta o bem-estar aos animais após a separação conjugal de seus tutores, preocupando-se em atender o melhor interesse do animal.
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[1] Titulação. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, JULIA FERNANDES. A tutela jurídica dos animais como sujeitos suscetíveis a guarda compartilhada na hipótese de dissolução de vínculo conjugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61388/a-tutela-jurdica-dos-animais-como-sujeitos-suscetveis-a-guarda-compartilhada-na-hiptese-de-dissoluo-de-vnculo-conjugal. Acesso em: 22 nov 2024.
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