PAULO IZIDIO DA SILVA REZENDE[1].
(orientador)
RESUMO: Nos últimos anos, as leis do Trabalho tiveram significativas mudanças. Dentre elas, destaca-se as novidades trazidas pela Lei nº 13.467/2017 que reformou parte área. Cabe destacar que a presente norma, também conhecida como Reforma Trabalhista, não criou uma nova legislação do trabalho, mas fez mudanças estruturais fundamentais nas normativas até então vigentes. Nesse aspecto, já nesse período, trouxe maior evidência a regulamentação do teletrabalho, ou trabalho em home office. Esse tipo de trabalho ficou ainda mais em evidência com a expansão da Covid-19 que impactou o mundo de 2020 até a presente data. Frente a esse novo cenário, o presente estudo teve o objetivo de analisar o impacto jurídico e social que o teletrabalho trouxe para o mercado. Buscou-se compreender os pontos positivos e também negativos do teletrabalho e os desafios encarados pelos empregadores e empregados nesse cenário. Na metodologia empregada, realizou-se uma revisão da literatura, tendo como base livros, artigos científicos e normas pertinentes ao tema proposto. Os dados foram coletados em base de banco de dados tais como Google Acadêmico e Scielo, dentre outros. Os trabalhos foram limitados aos anos de 2017 a 2022. Nos resultados, ficou claro que o cenário apresentado pela pandemia causada pela Covid-19 colocou em evidência o teletrabalho. Após a Reforma Trabalhista que trouxe novas regras a esse tipo de trabalho, verificou-se que com a pandemia, o teletrabalho ainda precisa de maior atenção, principalmente no que se refere a infraestrutura, equipamentos e horários de trabalho limitados.
Palavras-chave: Home office. Telerabalho. Reforma Trabalhista.
ANALYSIS ON TELEWORK AFTER THE LABOR REFORM
ABSTRACT: In recent years, labor laws have had significant changes. Among them, we highlight the news brought by Law nº. 13.467/2017 that reformed part area. It is noteworthy that the present norm, also known as labor reform, did not create a new labor legislation, but made fundamental structural changes in the previously current normatives. In this regard, during this period, it brought greater evidence the regulation of teleworking, or work in home office. This type of work was even more evident from the expansion of COVID-19 that impacted the world from 2020 to the present date. Faced with this new scenario, the present study aimed to analyze the legal and social impact that teleworking brought to the market. We sought to understand the positive and negative points of teleworking and the challenges viewed by employers and employees in this scenario. In the methodology employed, a literature revision was held, based on books, scientific articles and norms pertinent to the proposed theme. The data were collected on database base such as Google Academic and Scielo, among others. The works were limited from 2017 to 2022. In the results, it was clear that the scenario presented by the pandemic caused by COVID-19 highlights the teleworking. After the labor reform that brought new rules to this type of work, it was found that with the pandemic, teleworking still needs greater attention, especially regarding infrastructure, limited equipment and working hours.
Keywords: Home Office. Telework. Labor reform.
Sumário: 1. Introdução. 2. Reforma Trabalhista: síntese geral. 3. Teletrabalho: aspectos gerais. 3.1. Contextualizando a temática. 4. Efeitos jurídicos do teletrabalho. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
As mudanças trazidas pela denominada Reforma Trabalhista impactaram de modo significativo o âmbito trabalhista. Promulgado pela nova Consolidação das Leis Trabalhistas através da Lei nº 13. 467/2017, a matéria referente às normas de trabalho trouxe novas mudanças e introduziu outros modelos de trabalho. Dentre as novidades encontradas, para fins desse estudo, encontra-se o teletrabalho.
De modo conceitual, Fachini (2020) nos explica que o teletrabalho é uma categoria onde a jornada de trabalho é feita majoritariamente fora do ambiente empresarial, ou seja, da sede do empregador. Sua regulamentação jurídica se deu justamente após a Reforma Trabalhista.
O teletrabalho, como bem acentua Delgado (2017), é uma das consequências do avanço tecnológico digital que já se encontra firmado no meio jurídico. A pluralização do acesso à internet e a criação de ferramentas de comunicação avançada acabaram por permitir que outras formas de exercer uma atividade laborativa surgissem no mundo, ao passo que o teletrabalho é a modalidade mais aparente dessas mudanças.
Nos dias atuais, grande parte de todo o sistema jurídico nacional tem sido realizado por mecanismos digitais. Nesse sentido, as atividades laborativas também vêm sendo feitas de modo remoto.
Se em 2017 quando a Reforma Trabalhista entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro o teletrabalho já era previsto, ao fim de 2019 e no decorrer dos anos de 2020 e 2022 essa modalidade ficou ainda mais em evidência. Isso se deu pelo surgimento da pandemia global gerada pela expansão de contágio da Covid-19, doença mortal que impactou o mundo.
No período mais crucial da pandemia, o isolamento e o distanciamento social, deixaram de ser alternativas preventivas para se tornarem regras. Dessa forma, várias empresas, organizações e comércios locais foram fechados. Para que a economia e o trabalho não fossem ainda mais impactados pela pandemia, o teletrabalho foi a solução mais usual (LUNA, 2023).
Nesse sentido, entendendo a sua importância no cenário global e atual, e verificando a sua prática cada vez mais recorrente, esse trabalho buscou compreender o impacto social e jurídico do teletrabalho no Brasil. Sendo assim, essa pesquisa se baseou em responder a seguinte indagação: quais os efeitos jurídicos e sociais do teletrabalho no Brasil?
Desta feita, esse estudo teve como objetivo analisar as mudanças trazidas pela norma trabalhista sobre a matéria, as adaptações a serem feitas e as vantagens e desvantagens dessa modalidade.
No que tange a metodologia utilizada, esse trabalho é uma revisão de literatura, onde “esse tipo de artigo caracteriza-se por avaliações críticas de materiais que já foram publicados, considerando o progresso das pesquisas na temática abordada” (KOLLER et al, 2014, p. 40), pois trata-se de avaliar o impacto do teletrabalho no âmbito jurídico e social no Brasil.
Tratando-se de um artigo de revisão de literatura, a coleta de dados realizou-se no mês de março de 2023, mediante análise de documentos por meio de pesquisa doutrinaria e artigos já publicados sobre o tema.
2. REFORMA TRABALHISTA: SÍNTESE GERAL
A Lei 13.467/2017 também denominada de Lei da Reforma Trabalhista, alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Com isso, inúmeros novos dispositivos foram incluídos e muitos outros foram alterados ou excluídos, sob pretexto de adequação às novas relações de trabalho existentes.
Desse modo:
A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467 de 2017, dentre diversas alterações à Consolidação das Leis do Trabalho, introduziu ao cenário brasileiro o contrato de trabalho intermitente que consiste na prestação de serviços com alternância de períodos de trabalho e de inatividade, sem prejuízo ao caráter empregatício da relação (MENEZES; ALMEIDA, 2018, p. 01).
Cumpre salientar que, ainda que por curto período de existência, a MP 808/2017, que perdeu validade por não ter sido submetida pelo Congresso Nacional no prazo devido, também trouxe algumas alterações e regulamentações com relação à nova CLT, os quais não podem ser ignorados, pois produziram efeitos naquele curto período (NORBIM, 2017).
Um dos mais polêmicos textos da MP foi a revogação do §4º do artigo 452-A que previa (e como a MP perdeu a validade, continua prevendo), a possibilidade de após aceita a oferta para comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
Como bem apontado pelo magistrado e doutrinador Barba Filho (2018), a reforma trabalhista possuiu duas claras intenções. A primeira delas de cunho político, com a intenção de combate ao desemprego, pois estatisticamente os trabalhadores registrados com contratos de trabalho intermitente, oficialmente estarão empregados, o que reduzirá significativamente os índices de desemprego, mesmo que não haja qualquer garantia advinda deste contrato firmado.
A segunda intenção, segundo o magistrado, é a real preocupação prática e casual de proteger os direitos dos trabalhadores desamparados pela legislação trabalhista e que poderiam ter uma relação de trabalho intermitente (BARBA FILHO, 2018).
De todo modo, as reformas nas leis do Trabalho não foram unânimes. Do lado positivo, Oliveira (2019) defende que esta reforma trouxe, de fato, a normatização de algumas relações de trabalho que ainda não eram previstas na Consolidação das Lei do Trabalho (CLT), mas que ocorriam dentro do mercado de trabalho de qualquer forma.
Dessa forma, teve-se relativamente um progresso na atualização das leis do Trabalho nacional, haja vista que normas dessa natureza começaram a reconhecer vínculos de trabalho e modalidades que anteriormente não eram devidamente regulamentadas (OLIVEIRA, 2019).
Em entendimento contrário, Martinez (2018) interpreta que a Reforma não trouxe uma maior possibilidade de geração de emprego, ou seja, as novas mudanças não possibilitaram que novos postos de trabalho fossem criados ou que facilitassem a abertura de vagas.
Importante salientar que a Reforma Trabalhista não é uma nova lei trabalhista. Ela é apenas um regramento jurídico que traz novas mudanças na lei já existente, que no caso presente trata-se da CLT. Entretanto, as suas mudanças foram tão significativas, que de fato a norma trabalhista brasileira teve uma nova concepção (DELGADO, 2017).
Em apenas 6 (seis) artigos, a respectiva Reforma inovou em trazer novas formas de trabalho, revisou textos jurídicos e modificou regras no direito individual e coletivo do trabalho. A Reforma Trabalhista, cabe destacar impactou não apenas os trabalhadores, mas também os empregadores (BRASIL, 2017).
Segundo Lima e Lima (2017) o novo texto Trabalhista trouxe maior segurança jurídica aos empregadores que contratam trabalhadores em regimes intermitentes, parciais, remotos, ou ainda, fazem uso de trabalho terceirizado. É nesse ponto, que se discute o tema central desse estudo.
O teletrabalho, como bem apresenta a norma, é uma modalidade de trabalho remoto, pelo qual o trabalhador realiza o seu serviço à distância, não estando no ambiente físico de trabalho da empresa. Sobre essa modalidade, apresenta-se o tópico seguinte.
3. TELETRABALHO: ASPECTOS GERAIS
O termo teletrabalho para o ordenamento jurídico brasileiro ganha outras nomenclaturas. É também chamado de home office, trabalho à distância, teletrabalho, trabalho remoto, virtual work e telecommuting. No entanto, é importante frisar que apesar de semelhantes em muitos aspectos, as suas definições não são iguais.
O conceito de teletrabalho, por exemplo, está ligado como uma forma de trabalho realizado prevalecentemente fora do campo de trabalho da empresa, sendo feito com o uso de aparatos tecnológicos da informação e de comunicação. Essa conceituação se encontra na CLT em seu art. 75-B (BRASIL, 1943).
Essa modalidade, como acentua Silva (2019) traz a ideia de que o trabalhador fica “em casa” amparado por um aparelhamento tecnológico para que possa realizar a sua função. Além disso, tem-se a condicionante de ter caráter exclusivo e com comprometimento total do empregado com o empregador, respeitando o contrato de trabalho estipulado pelas partes.
Praun (2020) explica que o teletrabalho se difere do trabalho comum pelo fato de que o funcionário não realiza sua atividade laborativa nas dependências da empresa, podendo ser realizado em qualquer lugar. Nesse sentido, ele também pode ser chamado de trabalho remoto.
Ainda em seu conceito, a Medida Provisória nº 1.108/22 inovou no sentido de estabelecer que o teletrabalho pode ser realizado de modo remoto ou não. Aqui, adentra-se o chamado trabalho híbrido, no qual parte do tempo, o funcionário poderá fazer seu trabalho em casa e em outra parte pode ser feita na organização (BRASIL, 2022).
Uma vez estabelecido o conceito de teletrabalho, importante distingui-lo do home office. Losekann e Mourão (2020) explicam que o home office é entendido como um trabalho feito no domicílio do funcionário. É considerado como uma modalidade do teletrabalho. Ele é exercido exclusivamente na residência do empregado.
Assim, o teletrabalho pode ser realizado em qualquer lugar (desde que seja de forma remota), enquanto que o home office é exercido na residência do empregado (FARIA et al., 2023).
A reforma trabalhista também trouxe a normatização do home office, estabelecendo o seu conceito como sendo o cumprimento de atividade laboral majoritariamente realizada fora do estabelecimento do empregador, utilizando-se de aparatos tecnológicos, não constituindo assim um trabalho externo (BRASIL, 2017).
Além do home office, existem outras espécies de teletrabalho. A saber:
UADRO 1 – Modalidades do teletrabalho
MODALIDADE |
DESCRIÇÃO |
Espaços compartilhados |
São locais disponibilizados pela empresa contratante para que o trabalhador possa desempenhar suas atividades. Esses ambientes geralmente são divididos com outras empresas da mesma área ou de áreas que necessitam dos mesmos equipamentos para uma parcela dos seus colaboradores. |
Trabalho itinerante |
É todo aquele cujo desempenho ocorre em ambientes externos aos da área física de trabalho da empresa. Dessa forma, o trabalhador itinerante desempenha suas funções em diferentes locais, podendo conseguir novas atividades ou atualizar sua equipe de qualquer ambiente. |
Teletrabalho coletivo ou situacional |
É desempenhado de forma transnacional, com a montagem de uma equipe multidisciplinar ou de pessoas com habilidades complementares em uma área de atuação específica. Essas equipes são montadas a partir da necessidade de atuação em alguma área ou para a realização de projetos. |
Fonte: Fachini (2020)
No cenário atual, tanto o teletrabalho quando o home office estão em alta. Diversas pesquisas tem apontado que essa modalidade de trabalho tem crescido nos últimos anos. A título de exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) trouxe dados recentes sobre o teletrabalho no Brasil. Segundo esse instituto, cerca de 20,5 milhões de pessoas se encontram em trabalhos com chances de serem feitos de forma remota, representando 22,6% do total de ocupados (IPEA, 2023).
Ainda na pesquisa, as mulheres são a maioria dos trabalhadores em teletrabalho potencial (cerca de 58%), mas os homens são responsáveis por mais da metade (54,5%) da massa salarial desse regime laboral (IPEA, 2023).
Outro dado importante mostrou que esse tipo de trabalho é mais realizado por pessoas com alta escolaridade, onde dentro desta pesquisa, 58,2% dos respondentes possuem ensino superior completo. No que tange a idade, a faixa etária mais provável de trabalhar remotamente é de 20 a 49 anos, com mais de 70% do total. Em particular, a maioria desse grupo populacional (29,1%) tem entre 30 e 39 anos (IPEA, 2023).
Apenas com esse dado, entende-se que o teletrabalho é uma realidade cada vez mais presente na sociedade brasileira. Todavia, grande parte do aumento do número de trabalhadores que exercem seu ofício de modo remoto se deu pela adaptação social ocorrida pela pandemia provocada pela Covid-19 que, dentre os seus efeitos, trouxe uma atenção especial a esse tipo de atividade. Sobre esse cenário, apresenta-se a sua contextualização no tópico a seguir.
3.1 CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA
A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maioria dos pacientes com COVID-19 (cerca de 80%) podem ser assintomáticos e cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória e desses casos aproximadamente 5% podem necessitar de suporte para o tratamento de insuficiência respiratória (suporte ventilatório). (FARO et al. 2020).
Os seus sintomas variam entre um resfriado até uma pneumonia severa. Além destes, encontram-se ainda a tosse, a febre, a coriza, a dor de garganta e a dificuldade de respirar (KUPFERSCHMIDT; COHEN, 2020).
A sua transmissão acontece de uma pessoa doente para outra ou por contato próximo por meio de: toque do aperto de mão; gotículas de saliva; espirro; catarro. Ou ainda por meio de objetos ou superfícies contaminadas, como celulares, mesas, maçanetas, brinquedos, teclados de computador, etc.
A partir do janeiro de 2020 esse vírus se espalhou para outros países até que em meados de março, o mundo todo estava com casos de contaminação. Virou então, uma pandemia global.
Os efeitos da pandemia do novo coronavírus extrapolaram a área da saúde. Eles permearam a sociedade como um todo, que vive e ainda vai passar por mais mudanças provocadas pela Covid-19. Isolamento social, distanciamento, ações de saúde pública, medidas econômicas, desemprego, um grande número de mortes. No entanto, ainda não é possível afirmar se as mudanças imediatas, verificadas até o momento, serão encaradas como transformações de comunidades ou da sociedade como um todo. Os impactos históricos e sociais provocados pela pandemia da Covid-19 ainda estão sendo "construídos" e analisados (MEDEIROS, 2020).
Como citado anteriormente, o COVID-19 trouxe uma série de consequências para toda a população mundial. Muitos países implementaram uma série de intervenções para reduzir a transmissão do vírus e frear a rápida evolução da pandemia. Tais medidas incluem o isolamento de casos; o incentivo à higienização das mãos, à adoção de etiqueta respiratória e ao uso de máscaras faciais caseiras; e medidas progressivas de distanciamento social, com o fechamento de escolas e universidades, a proibição de eventos de massa e de aglomerações, a restrição de viagens e transportes públicos, a conscientização da população para que permaneça em casa, até a completa proibição da circulação nas ruas, exceto para a compra de alimentos e medicamentos ou a busca de assistência à saúde (KUPFERSCHMIDT; COHEN, 2020).
Com a entrada da pandemia (Covid-19), o Governo Federal solicitou que a sociedade permanecesse em seus lares, a fim de evitar a propagação da doença e para a diminuição de contágio e eventualmente de mortes.
Em razão disso, escolas, indústrias, empresas de todos os ramos e demais estabelecimentos foram fechados, trazendo danos financeiros. Além disso, hospitais ficaram sobrecarregados de pacientes por conta da transmissão do vírus. Ou seja, a pandemia gerada pela Covid-19 impactou sobremaneira a sociedade (TEIXEIRA, 2020).
No âmbito do mercado de trabalho, com empresas fechadas ou com pouco funcionário, o trabalho remoto foi a solução mais plausível e indicada. Na proteção de seus lares, os trabalhadores continuaram a exercer seu ofício de modo remoto. Com isso, a sociedade, as empresas, os empregados e empregadores começaram a perceber in loco, o potencial que o serviço feito de modo remoto gera para o mercado. A respeito disso, apresenta-se a discussão a seguir.
4. EFEITOS JURÍDICOS DO TELETRABALHO
Desde que fora implantada em grande parte pela pandemia gerada pela Covid-19, o teletrabalho se tornou o meio mais ágil de controle da doença, sem que o comércio fosse ainda mais afetado. Os postos de trabalho agora ficaram mais centralizados nos domicílios dos empregados.
Esse fato, que já não se encontra mais presente no cenário atual, uma vez que a doença já está sob controle – ainda que não se tenha a cura – ainda reverbera no ambiente de trabalho. Mesmo após o período mais crítico da pandemia, o teletrabalho ainda se faz presente.
Luna (2023) acentua que os aparatos tecnológicos como tablets, celulares, Smartphones, computadores, dentre outros, se tornaram aliados do mercado de trabalho, uma vez que servem não apenas para realizar as atividades do trabalho, mas também atender as demandas do mercado.
De todo modo, para que o teletrabalho se torne possível, é preciso que tanto a empresa quanto o empregado observem alguns requisitos inerentes a esse tipo de serviço. Primeiramente nesse assunto, encontra-se o contrato de trabalho. Como explica Fincato (20219) o contrato de trabalho nesses casos é obrigatório, tendo no seu conteúdo a definição de que a modalidade ao qual o funcionário realizará a sua função seja o teletrabalho.
Soma-se a isso que nesse contrato, deve-se estar presente a descrição dos equipamentos e ferramentas que o empregado deve utilizar para realizar a sua atividade laborativa, bem como a definição de como será feita a aquisição e manutenção dos equipamentos, conforme explana o art. 75-D da norma trabalhista (LOPES et al., 2020)
Destaca-se ainda nesse contexto, que os aparatos utilizados no trabalho não integram o salário do empregado. Dessa forma, a obtenção dos equipamentos e ferramentas não estão inseridos como parte do salário do trabalhador, de igual modo que a soma dos valores dos equipamentos não é acrescida ao salário do mesmo (SANTOS; RITA; LEVINO, 2022)
Outra questão a ser discutida diz respeito a alteração de modalidade. Lazzareschi (2018) explica que a CLT traz a possibilidade de o trabalhador, conjuntamente com o empregador, poder modificar a sua modalidade de trabalho do presencial para o teletrabalho. Para isso, é preciso ter comprovada a demonstração de interesse do trabalhador, a concordância do empregador e a adição no contrato de trabalho da mudança de modalidade laboral.
A concordância do empregador, inclusive, é necessária para que o teletrabalho seja concedido. É o que assenta a seguinte jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. SERVIDOR PÚBLICO - ENFERMEIRO - PEDIDO DE RETIRADA DA ESCALA REGULAR DE TRABALHO PARA ATUAR DE REMOTA EM HOME OFFICE. TUTELA INDEFERIDA - REQUISITOS PREVISTOS NOS ART. 300 E SS DO CPC. AUSENTES - RECURSO NÃO PROVIDO. DECISÃO MANTIDA.
Nos termos do art. 300 do Código Processual Civil de 2015, a tutela de urgência antecipatória deve ser deferida quando presentes os requisitos da probabilidade do direito invocado e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. In casu, o pedido do autor para laborar como enfermeiro em home office, visando obter a mudança de escala do serviço exercido no hospital, passando para a modalidade de teletrabalho, não restou efetivamente comprovado quais atividades o município agravado necessita que o autor realize por essa modalidade a enseja a concessão da cautelar. Recurso conhecido e improvido. (TJTO, Agravo de Instrumento, 0008817-79.2020.8.27.2700, Rel. JOSÉ DE MOURA FILHO, 1ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 11/11/2020, DJe 27/11/2020 13:54:20). (grifo meu)
No caso em tela, o Magistrado entendeu que, no que tange ao pleito de trabalhar home office, alterando sua escala do serviço exercido no hospital, passando para a modalidade de teletrabalho, este, não restou efetivamente provado a real importância e necessidade para o município em receber tais serviços, nem sequer, quais atividades a município necessita que o autor/recorrente realize por essa modalidade, ou qual pretendia cumprir em sua residência.
Em relação a jornada de trabalho, no caso do teletrabalho, o controle de jornada por meio de cartão-ponto ou qualquer outra forma de controle de horário, não é obrigatório. Isso quer dizer que caso o trabalhador que esteja em teletrabalho não tenha a sua jornada de trabalho controlada pelo seu empregador, com horário para começar e terminar suas funções, ele não estará apto a receber horas extras ou adicionais por horário noturno (DURÕES; BRIDI; DUTRA, 2021).
Entretanto, esses adicionais só não devem ser pagos se não houver controle sobre as horas trabalhadas. Se o empregador optar por manter algum método de controle da jornada de trabalho, os adicionais e demais bonificações por trabalho além do período comum ou em outros momentos do dia devem ser mantidos (ADERALDO, 2023).
É o que traz o seguinte julgado:
HORAS EXTRAS. TELETRABALHO. [...] Assim, havendo a menor possibilidade de aferição da jornada trabalhada por esse empregado, ainda que de forma mista (em ambiente institucional e home office), as horas prestadas em sobrejornada devem ser devidamente remuneradas, na forma do art. 7º, XVI, da Constituição da República. (Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região TRT – 3 – Recurso Ordinário Trabalhista: RO XXXXX – 05.2018.5.03.0178). (grifo meu)
Ademais, insta salientar a Medida Provisória nº 1.108/2022 que trouxe inovações nesse conteúdo. Pela presente norma, o colaborador que trabalhe de modo remoto, tem o garantismo dos mesmos direitos que os que trabalham de outra modalidade (presencial). Nesse sentido, inclui-se o salário, 13º, férias, FGTS e outros benefícios (auxílio doença, por exemplo). (BRASIL, 2022)
Um ponto importante a ser mencionado é que a alternância do trabalho presencial para teletrabalho é decidida somente à empresa. Os custos do retorno, contudo, cabem aos funcionários.
TELETRABALHO. RETORNO AO REGIME PRESENCIAL. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. A determinação ao retorno ao regime de trabalho presencial encontra-se inserida no poder diretivo do empregador, sem qualquer necessidade de consentimento do empregado, nos termos do art. 75-C, parágrafo 2º, da CLT, incluído pela Reforma Trabalhista. E, nem se alegue violação do art. 468, da CLT, eis que o artigo 75-C, da CLT trata-se de norma específica ao teletrabalho. (Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região TRT-2-: XXXXX-07.2019.5.02.0384 SP). (grifo meu)
Também merece destaque nesse tema, a questão sobre os adicionais de periculosidade e de insalubridade em campo de teletrabalho. Nesse sentido, a jurisprudência é clara no sentido de que não se aplica a esses casos, como mostra o julgado abaixo:
JUIZADO ESPECIAL. FAZENDA PÚBLICA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. TELETRABALHO. PAGAMENTO INDEVIDO. TEMA 1009 DE RECURSOS REPETITIVOS. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. AUSENTE MÁ-FÉ DO SERVIDOR. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré contra a sentença que julgou procedente o pedido para declarar indevida a restituição dos valores pagos a título de adicional de insalubridade no período de 23 de março de 2020 a março de 2021, com a consequente determinação para que o Distrito Federal se abstenha de efetuar qualquer medida para o desconto dos valores percebidos referente à matéria debatida nos autos. A parte recorrente destaca que o adicional de insalubridade possui natureza propter laborem, não sendo devido durante o período de teletrabalho. [...]. (07263685320218070016 - (0726368-53.2021.8.07.0016 - Res. 65 CNJ). Primeira Turma Recursal. TJDFT. Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA. Data de Julgamento: 27/02/2023. Publicado no DJE: 09/03/2023). (grifo meu)
ma vez estabelecido que o teletrabalho está presente no cenário laborativo brasileiro, as consequências não são menos importantes. Na pesquisa elaborada por Faria et al. (2023) tinha-se a finalidade de compreender as consequências que o teletrabalho possui na sociedade atual. Nos resultados deste estudo apontou que nos pontos positivos, a flexibilidade da jornada de trabalho foi a mais citada. Por outro lado, o ponto negativo dessa modalidade são as dificuldades pessoais de organizar o próprio tempo; além de não possuir um aparato de equipamentos suficientes ou adequados.
Com isso, fica claro que as empresas devem estar atentar as demandas dos seus empregados quanto a realização do teletrabalho. É necessário que se tenha uma infraestrutura adequada para que o trabalho seja efetivado.
Ademais, entende-se que o teletrabalho já é uma realidade no mercado de trabalho. Esse cenário tende a aumentar a cada ano, não apenas pelos avanços tecnológicos que irão permitir cada vez mais essa possibilidade, mas porque está se institucionalizando no mercado de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de terem sido editados na década de 40, as leis trabalhistas devem ser lidas considerando as novas modalidades de vínculos empregatícios que se desenvolveram nos cenários culturais, sociais e econômicos que surgiram e se modificaram com o passar dos tempos, como por exemplo, as relações que se viabilizam, se concretizam e são permeadas pelos avanços tecnológicos.
Foi neste contexto que se criaram possibilidades de teletrabalho – em que o labor subordinado de forma tradicional no estabelecimento do empregador é substituído por outro que se baseia em relações externas, coordenadas pela empresa – e evoluíram outras formas de vinculação, como o trabalho sob demanda via aplicativo.
E, foi em atenção a este novo quadro que o Legislador se atualizou e adaptou a regra do art. 6º, “caput” e parágrafo único, da CLT, por meio da Lei n° 12.551/2011. A função de atualização da legislação trabalhista, diante de tais alterações fáticas, cabe também ao intérprete. Nesta adaptação, deve se ter em mente que a flexibilização dos elementos tradicionais do art. 3º da CLT não impede a configuração da relação de emprego; por conseguinte, a flexibilização da disponibilização do trabalho tampouco a desnatura.
É que aquele que interpreta as leis deve situar as normas no contexto temporal em que serão aplicadas, atualizando seu significado linguístico, já que não existe autonomia da forma jurídica em relação ao mundo social – ou seja, uma visão engessada, tradicional e presa ao passado dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego deve ser evitada, buscando-se a compatibilização da legislação jus trabalhista, quando for o caso, às relações contemporâneas de labor.
Destarte, a análise das novas relações laborais que são criadas, inovadas e que decorrem dos avanços tecnológicos não pode deixar de levar em conta a valorização do trabalho humano.
As relações de trabalho alicerçadas nos inúmeros avanços tecnológicos e diretamente interligadas aos mais modernos dispositivos eletrônicos impõem à Justiçado Trabalho especial cautela na apreciação de pedidos correlacionados ao vínculo de emprego, a fim de se evitar a precarização do instituto.
Nesse cenário, a Reforma Trabalhista ao trazer como novidade o teletrabalho como forma de vínculo de trabalho e de reconhecimento jurídico, evidenciou a importância em se acompanhar os avanços tecnológicos sociais. Sendo assim, essa modalidade de trabalho hoje é plenamente reconhecida.
Com o advento da pandemia provocada pela Covid-19, o teletrabalho ganhou protagonismo, se tornando a principal forma de trabalhar em períodos de isolamento e distanciamento social. Como demonstrado nesse estudo, a legislação nacional trouxe regras para esse tipo de trabalho como forma de autenticação da sua relevância nesse campo.
No mais, é imperioso salientar que para as empresas, tais mudanças também devem acompanhar os avanços. Nesse sentido, entende-se que as organizações devem se adequar a essa nova modalidade de trabalho, apresentando medidas de cunho educacional para seus membros e empregados. Criar regras e limites nessa relação torna-se essencial, haja vista que gera segurança jurídica para as partes e evita eventuais processos judiciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADERALDO, Carlos Victor Leal. Teletrabalho, temporalidades e espacialidades: produção de subjetividades dos teletrabalhadores. 2023. 148 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2023.
BARBA FILHO, Roberto Dala. Reforma trabalhista & direito material do trabalho: atualizada de acordo com a MP 808 de 14.01.2017. Curitiba: Juruá, 2018. p 99.
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[1] Mestre em Direito Digital pelo Univem - Marília SP. Docente do curso de Direito na Universidade de Gurupi – UNIRG, Gurupi/TO. E-mail: [email protected].
Acadêmico do curso de Direito na Universidade de Gurupi – UNIRG. Gurupi/TO. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, João Victor Dias. Análise sobre o teletrabalho depois da reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2023, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61417/anlise-sobre-o-teletrabalho-depois-da-reforma-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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