Resumo: O direito de família é a área que tem uma evolução rápida devido o avanço rápido da sociedade e o surgimento de novos problemas com avanço da sociedade. O tema da minha pesquisa diz respeito a necessidade em ter uma legislação específica que tenha a previsão de reparação civil as crianças e adolescentes que sofram abandono afetivo de seus responsáveis de forma intencional. O problema do tema é não ter um aparato legal que determine uma reparação civil ao abandono afetivo, logo assim havendo uma lacuna jurídica que vem sendo suprida por alguns julgados que determina a indenização por danos morais a quem sofre abandono afetivo. Havendo um amparo legal que normatizasse a indenização a quem comete o abandono afetivo a crianças e adolescentes, impondo sanções. O objetivo do artigo é mostrar a necessidade de haver uma norma específica, a partir dos impactos negativos causados nos menores que são abandonados afetivamente, pois desencadeiam um abá-lo a saúde mental e causam traumas prementes nestas vítimas. Salienta-se que a legislação visando à proteção do filho, impõe deveres aos pais o que proporciona uma convivência familiar, e assim a relação de pais e filhos é vista através do afeto.
Palavras Chaves: Abandono. Afetivo. Crianças e adolescentes.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Proteção a Crianças e Adolescentes. 1.1. O Poder Familiar e suas atribuições. 2. O impacto do Abandono Afetivo. 3. A Normatização de Reparação de Danos Morais por Abandono Afetivo. 3.1. O Direito Como Forma de Coibir o Abandono Afetivo. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A presente monografia foi uma proposta de estudo acerca da temática: “A Reparação Civil a Crianças e Adolescentes Que Sofrem Abandono Afetivo no Brasil”. Atualmente o conceito de família tornou-se muito amplo, abrangendo mães e pais solteiros, além das uniões homoafetivas. Não importa qual tipo instituição familiar, afinal os pais ou responsáveis devem valer-se de ética e afetividade.
Caracteriza-se como abandono afetivo a indiferença, omissão, negligência, ausência de amor e de assistência da obrigação constitucional de cuidar, bem como a privação do direito à comunhão familiar e dignidade da pessoa humana, que se dá em razão da ruptura da relação conjugal, normalmente pelo genitor não guardião ou decorrente da falta de convívio originada de relacionamentos extraconjugais ou violência entre os indivíduos inseridos no núcleo familiar, causando diversos desdobramentos negativos na formação da personalidade da criança ou do adolescente.
Nesse contexto, o objetivo do trabalho foi mostrar a necessidade de haver uma norma específica, a partir dos impactos negativos causados nos menores que são abandonados afetivamente, pois desencadeiam um abá-lo a saúde mental e causam traumas prementes nestas vítimas.
Salienta-se que devido a nova perspectiva do contexto familiar, o padrão de família, viu-se ampliado, mas os pais continuam com o dever de assistir, criar e educar os filhos conforme a Constituição Federal em seus art. 227 c/c 229, sendo eles umas das normas primordiais no direito das crianças e adolescentes.
O tipo de delineamento utilizado na metodologia apoiou-se em uma pesquisa bibliográfica e qualitativa. Para compreender mais a temática em questão o presente estudo foi baseado em livros, artigos científicos, dispositivos legais vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, por meio de leituras e fichamento, pesquisados em sítios da internet.
A justificativa da escolha do tema se deu devido a necessidade de aprofundamento do tema de tal relevância na atualidade, uma vez que, a gravidade da situação e os danos que isso pode causar por quem as sofre, interfere em toda sua vida, no seu psicológico, na sua convivência com a sociedade. Conforme Moraes (2020) o Código Civil em seu art. 186 diz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Assim, procura-se demonstrar ao público acadêmico e demais interessado no assunto a gravidade da situação e esclarecer dúvidas acerca da reparação civil quando houver ausência de afeto dos pais em relação os filhos.
2 PROTEÇÃO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Estatuto da criança e do adolescente foi elaborado para fazer cumprir a lei 8.069 de 13 de julho de 1990 fala sobre as diretrizes sociais que incluía garantia do direito de proteção integral de todas as crianças, adolescentes e jovens (BRASIL, 1990). Se assenta no princípio de que:
Todas as crianças e adolescentes sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e se sujeitam a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo definitivamente com a ideia até então vigente de que o Juizado de Menores seria uma justiça para os pobres, na medida em que, na doutrina da situação irregular, constatava-se que, para os bem-nascidos, a legislação baseada naquele primado lhes era absolutamente diferente (SARAIVA, 2003, p. 61)
Além disso, a ECA (BRASIL, 1990) determina que toda a criança e adolescente entre zero e 18 anos deve receber proteção integral e especial. Sendo assim, o ECA veio para proteger integralmente a criança e ao adolescente. É uma lei inovadora que chegou para extinguir o regime de internato adotado desde a colonização do Brasil, cerca de 440 anos atrás.
“Em seus capítulos, artigos e parágrafos, acompanhando as recomendações internacionais sobre o assunto, o ECA discorre sobre as condições necessárias ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, a que todas as crianças brasileiras têm direito. Os direitos básicos que passam a ser garantidos, com absoluta prioridade, estão no artigo 4º da lei e são referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (LEITE, 2001, p. 40).
Para a infância e adolescência brasileira o ECA sugere um novo olhar, como afirma Garcia (2009) o ECA foi a1º legislação aprovada de acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual prevê a proteção integral e vem substituindo as medidas de controle e repressão para uma perspectiva de direito e de possibilidades, que reconhece a criança e adolescente como sujeitos de direitos, está lei se apresenta com um novo paradigma ético, de direitos, em todas as suas dimensões.
Nele está garantido no Artigo 4º:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990, p.4).
Conforme consta no Artigo 18º. do ECA: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL, 1990. p. 8).
O ECA contempla o entendimento que envolve a integração das deliberações sobre as políticas para a infância e para a adolescência à nova organização sociopolítica do país. Nesse contexto, as leis são concebidas como instrumentos necessários à democracia. Trata-se de uma reversão de concepções e práticas que guardam aproximações com as 'lutas' desencadeadas na década de setenta, em prol da democratização das relações sociais (SILVEIRA, 2004; p.63).
Também se afirmar que o ECA dispõe sobre a construção de relações democráticas quanto às decisões e gerenciamento das políticas, na qual se torna necessária “a parceria, politicamente instituída, entre Estado e sociedade. Trata-se de uma relação de negociação fundada em compromissos e numa agenda pública acordada entre ambos” (SILVEIRA, 2004, p.86).
Nesse contesto, o ECA (BRASIL, 1990) estabelece linhas de ação da política de atendimento e programas sociais, serviços de prevenção, entidades de atendimento, medidas de proteção e organização pública. Cabe citar que a partir do ECA, os avanços no atendimento à criança e ao adolescente, garantia dos direitos pessoais e sociais, através da criação de oportunidades e facilidades que visem ao seu desenvolvimento físico, mental, moral e social, em condições de liberdade e respeito.
Dentre esses direitos pessoais tem-se a medida protetiva de Acolhimento Institucional e a Doutrina da Proteção Integral, está diz respeito a saúde relacionada aos aspectos da integridade física, moral e psicológica, assim como ao seu desenvolvimento social como os ligados a educação, lazer, profissionalização e à convivência familiar e comunitária. Entre os avanços trazidos pelo ECA tem-se a substituição da expressão “menor” que dá lugar à nomenclatura “Criança e Adolescente”, que traduz respeito e incorpora o sentido real dos sujeitos humanos (BRASIL, 1990, p.21,25).
No art. 88, o ECA estabelece algumas diretrizes, com o fim de levar à efetivação das linhas de ação, visando sempre ao bem-estar da criança e do adolescente (MACHADO, 2011):
Municipalização do atendimento; Criação de Conselhos de Direitos nos três níveis governamentais (União, Estados e Municípios), com caráter deliberativo e controlador e de constituição paritária; Criação e manutenção de programas específicos observando-se a descentralização político administrativa; Manutenção de fundos de direitos da criança e do adolescente vinculados aos respectivos Conselhos de Direitos; Integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Segurança Pública e Assistência Social para o efeito de atendimento ao adolescente, autor de ato infracional; Mobilização da opinião pública no sentido de promover a participação efetiva e ampla da sociedade na elaboração e execução da política (MACHADO, 2011, p.07).
Tais diretrizes foram concebidas como marcos para orientar ações na área e estão organicamente articuladas com as linhas de ação previstas no art. 86; esse artigo fala das políticas sociais e dos programas de assistência social, os quais, tem-se a proteção jurídico-social e o atendimento médico e psicossocial, programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio família das vítimas de “maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão, dentro desse atendimento se efetiva a busca pelo pais ou responsável pelas crianças e adolescentes desaparecidos” (MACHADO, 2011, p.07).
Nota-se assim, que o estatuto, prioriza a convivência familiar, a criança é vista como sujeitos de direitos, em condição de desenvolvimento, em seu artigo 101 enfatiza a medida de abrigamento como provisória e excepcional e o artigo 23 cita que “a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão de poder familiar” (BRASIL, 1990, p.4). É ainda citado no ECA que, não havendo fato motivador da retirada da criança de sua família, ela deve permanecer.
Em conformidade com os princípios e as diretrizes estabelecidas, cabe citar o trabalho de Pereira (1998), que faz uma comparação das leis que tratam da institucionalização de menores. A Lei 6.697/1979, que diz respeito ao instrumento de controle social da infância e da adolescência vítima da omissão e transgressão da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. O decreto 17.943/1927, que aborda que o instrumento de proteção e vigilância da infância e da adolescência, vítima da omissão e transgressão da família, em seus direitos básicos e o ECA (Lei 8.069/1990), que trata do instrumento de desenvolvimento social, voltado para o conjunto da população infanto-juvenil do País, garantindo proteção especial àquele segmento considerado de risco pessoal e social.
2.1 O PODER FAMILIAR E SUAS ATRIBUIÇÕES
O próprio Código Civil estabelece que poder familiar deve ser exercido de forma igualitária pelos pais, onde mediante separação não interfere nesse atributo. Deste modo, Figueiredo (2017), afirma que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram o poder familiar, tampouco do genitor destituído da guarda física dos filhos, sendo apenas mitigada em razão da titularidade da guarda, tendo em vista que o ascendente guardião exercerá os poderes gerais e imediatos individualmente, e as situações mais complexas serão decididas entre os genitores com bom relacionamento sempre que for possível. No entanto, verifica-se com frequência que muitos pais se utilizam dos filhos como instrumento de vingança e de chantagem após a ruptura do relacionamento para atingir o outro genitor, ocasionando abalos psíquicos e prejudicando o desenvolvimento da criança.
Assim, a responsabilidades dos pais em relação aos seus filhos, dispõe no artigo 229 da Constituição Federal de 1988, o que é o dever dos pais assistir, criar, e educar os filhos menores, corroborado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente que aduz a incumbência dos pais do dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, sendo que tais obrigações visam a promoção do sadio crescimento da prole, a fim de assegurar direitos inerentes a vida, dignidade, respeito, liberdade, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura e convivência familiar e comunitária (FIGUEIREDO, 2017).
Destarte, importa considerar que a Constituição Federal, em seu artigo 226, § 5º, ao dispor que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, coadunam com o expresso no artigo 1.631, do Código Civil sobre a igualdade completa no tocante à titularidade e exercício do poder familiar pelos cônjuges ou companheiros e na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade (FRIGATO, 2011).
Assim, o poder familiar é exercido com base no interesse do menor, podendo “o Estado, interferir nessa relação, podendo ser definido como: um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais”, para que estes possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho (DINIZ, 2009, p. 514).
Salienta-se ainda que “o filho passou de objeto de direito a sujeito de direito, sendo que o poder familiar não se trata do exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto por lei aos pais” (DIAS, 2010, p. 383). Considera-se ainda que o pai, ou a mãe, vir abusar de sua autoridade, não cumprindo com os deveres que estes possuem com os filhos, ou arruinando seus bens, o juiz ou Ministério Público poderão, a requerimento de algum parente, adotar a medida que lhe pareça reclamada, com base no melhor interesse do menor, inclusive suspendendo o poder familiar, quando convir.[1]
Reforça-se que os excessos do exercício desse poder segundo Santos (2015), podem implicar em diversas sanções, sendo a perda do poder familiar medida excepcional e subsidiária, sendo aplicada somente quando outras medidas ou suspensão não forem suficientes para proteger, da melhor forma, a criança e adolescente e apenas por ato judicial.
3 O IMPACTO DO ABANDONO AFETIVO
O abandono afetivo se caracteriza pela indiferença, omissão, negligência, ausência de amor e de assistência da obrigação constitucional de cuidar, bem como pela privação do direito à comunhão familiar e dignidade da pessoa humana, que se dá em razão da ruptura da relação conjugal, normalmente pelo genitor não guardião ou decorrente da falta de convívio originada de relacionamentos extraconjugais ou violência entre os indivíduos inseridos no núcleo familiar, causando diversos desdobramentos negativos na formação da personalidade da criança ou do adolescente (FIGUEIREDO, 2017).
Nesse contexto, o afeto deve ser analisado com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e o da proteção ao melhor interesse da criança e do adolescente, posto que “são os alicerces do direito de filiação e mediante os quais se busca uma maior efetividade da legislação existente em prol dos filhos” (WELTER, 2009, p.56).
Defende-se que mais que gerar, dar à luz a um ser, os genitores devem tomar conhecimento dos direitos, deveres e cuidados que são garantidos aos filhos. Isto segundo pensamento do autor Almeida (2009), "nos leva a dar valor à família, a legislação, onde serão criados direitos e deveres a todos pais, filhos, cônjuges baseados na dignidade da pessoa".
É necessário compreender que:
O direito de família, por outro lado, ganhou contornos novos com sua inclusão, de forma acentuada, na Constituição Federal de 1988. Regras agora de natureza hierárquica superior orientam as normas infraconstitucionais, dando maior proteção a direitos que antes tinham tratamento de simples interesse particular. [...] A plêiade de assuntos trazidos pela Constituição de 1988 trouxe defensores de uma atual natureza jurídica pública do direito de família, ou da constitucionalidade desse ramo do direito. Os princípios e regras de natureza constitucional hoje existentes, garantem força a este entendimento (ALMEIDA, 2009, p. 382).
Assim, a legislação visando à proteção do filho, de acordo com o autor acima, impõe deveres aos pais o que proporciona uma convivência familiar, e assim a relação de pais e filhos é vista através do afeto, ou seja, também é dever dos pais o afeto, cuidado, assistência e educação.
Relata-se ainda que é fundamental a presença dos pais para a formação da personalidade dos filhos, uma vez que a ausência destes pode ocasionar transtornos psicológicos, advindos da omissão do afeto por parte de algum dos genitores (REALE, 1989).
Neste ínterim, a convivência e assistência moral são deveres de ambos os pais, não importa a distância. Filhos podem requerer danos morais contra seu genitor caso ele não cumpra seu papel. Na justificação do projeto foi esclarecido que "a pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação" (Senador licenciado Marcelo Crivella) (CORONETTI, 2018).
Diante do abandono afetivo, tem-se consequências extremamente desagradáveis que podem resultar em graves danos psicológicos e sociais, dificilmente reversíveis (BRAGA, 2011). Deste modo,
A psicologia aponta que a omissão pode desenvolver nos filhos sintomas de rejeição, baixa autoestima, insuficiente rendimento escolar, consequência que perduram por toda a vida, afetando a vida profissional e social destes futuros adultos na forma como se relacionam com os outros. É comum que a criança que sofre do abandono afetivo tenha uma baixa na autoestima e na forma como se relaciona com as outras crianças (CORONETTI, 2018, p. 58).
A psicologia defende que, a negligência deliberada por parte daquele genitor, independente do motivo, pode levar a distúrbios de personalidade da criança. Alguns pais acreditam que o sustento material seria o suficiente para o pleno desenvolvimento da criança, descuidando-se das necessidades de aspecto moral e afetivo e se esquivando do dever de convivência familiar (JARDIM, 2010).
O dever dos pais de dar afeto, carinho e amor aos filhos é primeiramente uma conduta moralmente exigível. Enfatiza-se que o intuito dessa reparação é coibir a prática constante da paternidade irresponsável. Isso é, possui função pedagógica, com o propósito de não só compensar a vítima pelo dano sofrido, como também “punir o causador do dano e desestimular outras pessoas que eventualmente poderiam violar o dever de cuidado, para as próximas situações de abandono, demonstrado que há um posicionamento firme do judiciário em relação a este ato altamente reprovável e ilegal”, que prejudica o desenvolvimento daquele que foi abandonado (SCHUH, 2006, p.67).
Considera-se ainda, de acordo com Pereira (2004, p. 383), “ausência do pai ou, até mesmo, materna, tende a ensejar graves sequelas na estruturação psíquica e material da criança, repercutindo nas relações sociais”, visto que é incumbência da família agregar e socializar o filho, passar valores e ensiná-lo a agir como sujeito. Caso contrário, constrói-se pela omissão afetiva um ambiente nitidamente prejudicial ao desenvolvimento e formação da criança.
3.1 A NORMATIZAÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO
O Artigo 229, da nossa Constituição Federal, que diz que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (VADE MECUM, 2017, p. 623).
Neste vetante, e do ponto de vista jurídico, o amor é facultativo, porém o cuidar é dever. E a obrigação dos pais biológicos ou adotivos com seus filhos é a de serem responsáveis por suas vidas, protegendo, orientando e provendo seu sustento (CORONETTI, 2018).
Muitos dos pais que deixam de residir com seus filhos, se preocupam apenas com a questão econômica da criança, num sentido de garantir sua manutenção com o pagamento de uma pensão alimentícia, sem se preocuparem em fiscalizá-los e até mesmo promover afeto e acabam se esquecendo de que o papel principal de um genitor é justamente demonstrar afeto, confiança, carinho para seu filho (ANDRADE, 2021).
Nesse caso, é importante ressaltar que o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para tratar do abandono afetivo de incapaz, tipifica o crime de abandono afetivo de incapaz, em que incorre quem deixa de prestar assistência afetiva, moral, psíquica ou social a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade. Altera o código civil para reconhecer que o abandono enseja indenização pelos danos causados.[2]
Andrade (2021, p.41) discorre que: “o que está sob tutela do Direito não é o sentimento em si, mas sim direitos e princípios constitucionais que são assegurados a qualquer indivíduo, em especial às crianças, e não obstante os deveres dos genitores ao poder familiar que devem exercer aos seus, que é previsto em lei”.
Dessa forma expõe-se que:
Artigo 186 do Código Civil, ao discorrer que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e é indispensável para configuração do dano a existência de uma conduta, nexo de causalidade e culpa.
o Artigo 927 do referido diploma legal, corroborado à responsabilidade civil, nasce o dever de repará-lo – ou seja, aquele que, por ato ilícito (Art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (CORONETTI, 2018, p. 1158-1391).
Sendo assim, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo se mostra necessária visto que uma regra jurídica foi violada. Assim sendo, “o dever se indenizar surge justamente da ausência da relação paterno filial, pois a construção da personalidade humana se estrutura no dever inerente ao poder familiar de zelar, cuidar, dar afeto aos seus filhos” (LOPES, 2013, p. 39).
Por outro lado, o dano moral incide na afetação dos direitos da personalidade da pessoa, ao qual oscila a tranquilidade psíquica desta. Diante do abandono afetivo, depara-se com vastos desgastes psicológicos, que acaba, pois, afetando a dignidade da criança ou adolescente e acarreta uma série de problemas como dor, angústia e desprezo (CAVALIERII FILHO, 2008).
Cabe citar ainda que tem-se projetos de lei que visam, segundo Braga (2011), regular a matéria, dentre eles o Projeto de Lei nº 700 de autoria do Senador Marcelo Crivela, atualmente em tramitação na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, que visa alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, de modo a garantir a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos. Este projeto pretende acrescentar ao art. 5º do mencionado Estatuto o seguinte parágrafo único: “Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral” (BRAGA, 2011, p. 60).
Reforça-se que não se trata da reparação ou restituição de uma coisa, cujo conteúdo tenha cunho pecuniário, trata-se, por exemplo, do descumprimento de deveres dos pais em relação aos filhos, referentes à assistência moral e material (Carvalho, 2018). Igualmente, artigo 186 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, discorre que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (JUSBRASILL, 2018).
3.1.1 O Direito Como Forma de Coibir o Abandono Afetivo
O princípio da dignidade da pessoa humana tem como foco “a proteção ao afeto, eis que está busca amenizar os conflitos havidos nas relações de interesses individuas e ainda as relações de interesse social dentro do direito de família” (WELTER, 2009, p. 57).
Neste diapasão aponta-se:
A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional lhe dá especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares, o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas (DIAS, 2006, p.62).
Diante disso, a jurisprudência no caso de abandono afetivo tem se posicionado segundo Santos (2015|), no sentido de ter natureza de reparação civil, logo, sujeito à prescrição, que consiste em 3 anos, consoante Artigo 206, V, do Código Civil, contado de quando se atingiu a maioridade, tendo em vista que não corre a prescrição enquanto houver sujeição ao Poder Familiar (Artigo 197, II, c/c 1.630 ambos do Código Civil).
Como se observa no julgado:
PROCESSUAL CIVIL. ABANDONO AFETIVO. DANO MORAL E MATERIAL. PRESCRIÇÃO. 1. Prescreve em 3 anos a ação de indenização por abandono afetivo, contados a partir da maioridade. Inteligência do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. 2. A reparação por danos morais e materiais decorrentes do abandono afetivo possui caráter econômico, motivo pelo qual não pode ser admitida como imprescritível. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF - APC: 20140710162878 DF 0015915-14.2014.8.07.0007, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 24/09/2014, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 06/10/2014. Pág.: 199) (SANTOS, 2015, p. s/n).
Corroborando com o assunto, afirma-se que a própria Constituição Federal garante aos filhos a assistência material e moral, incluindo nesta o afeto como direito dos filhos, cabendo aos pais não se limitem apenas aos aspectos materiais (FIGUEIREDO, 2017) .
Nessa perspectiva, convém discorrer sobre o julgamento pioneiro foi proferido na comarca de Capão da Canoa, em 2003, no Rio Grande do Sul, cuja sentença reconheceu segundo Braga (2011, p. 66), o “direito à indenização de uma filha de 23 anos, abandonada afetivamente pelo pai aos 10 anos, embora a pensão alimentícia fosse paga regularmente”. Na sentença, o juiz reconheceu que o descaso e a rejeição do pai em relação à filha violaram sua honra e imagem de modo a ensejar o reconhecimento da obrigação de reparar o dano com fulcro no art. 5º, X da Carta Magna e no art. 22 do ECA. Eis o fundamento da sentença:
A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam dos pais que não lhe dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte se a inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais, pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. (processo n.º 1.030.012.032-0, 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, RS, juiz Mario Romano) (Braga, 2011, p. 67) O Tribunal do Rio Grande do Sul, entendeu que restando caracterizada a conduta ilícita do pai em relação ao filho, bem como o nexo de causalidade e o dano, cabe indenização por danos morais e materiais (apelação cível nº 70021427695, rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, julgado em 29/11/2007) (BRAGA, 2011).
Some-se a isto um outro caso levado ao Judiciário, com o mesmo intento de se obter reparação pelos danos gerados por força do abandono, de acordo com Lopes (2013), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em recente decisão, já passou a reconhecer a viabilidade da concessão desta tutela, ainda que em hipóteses excepcionais, verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL. FAMÍLIA. APELAÇÃO EM AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONALMENTE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE ELEMENTOS ATENTATÓRIO AO DIREITO DA PERSONALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA DO GENITOR CONTRÁRIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO.
IMPROCEDÊNCIA.
1.A compensação por danos morais em razão de abandono afetivo é possível, em que pese exista considerável resistência da jurisprudência pátria, mas é hipótese excepcional. 2.Na espécie, o Réu descobriu a existência de seu filho apenas 20 anos após o nascimento deste, sendo que aquele morava na Rússia em razão de serviço público.
3.A conduta do genitor apta a dar azo à "reparação" de direito da personalidade deve conter negativa insistente e deliberada de aceitar o filho, além do desprezo com relação a sua pessoa. 4.Não se vislumbram tais requisitos se o pai, tanto por desconhecimento desta condição, quanto por contingências profissionais, aceitou a paternidade sem contestar, mas não pôde ter contato mais próximo com seu filho, mormente tendo em vista jamais ter a genitora o procurado para exigir participação na criação da criança ou ao menos dizer que estava grávida. 5.Recurso conhecido e desprovido (Lopes, 2013, p. 45).
Contudo, lembra-se que é exatamente a carência afetiva, “tão essencial na formação do caráter e do espírito do infante”, que acaba por justificar a reparação pelo irrecuperável agravo moral que a” falta consciente deste suporte psicológico causa ao rebento, sendo muito comum escutar o argumento de não ser possível forçar a convivência e o desenvolvimento do amor, que deve ser espontâneo e nunca compulsório”, como justificativa para a negativa da reparação civil pelo abandono afetivo (MADALENO, 2011, p. 376).
Diante disso, no dia 9 de setembro de 2015, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS 700/2007) que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente e impõe reparação de danos por parte do pai ou da mãe que deixar de prestar assistência afetiva a seus filhos, seja pela convivência ou visitação periódica.
Em suma, mais que gerar, dar à luz a um ser, os genitores devem tomar conhecimento dos direitos, deveres e cuidados que são garantidos aos filhos. Assim, a legislação visando à proteção do filho, impõe deveres aos pais o que proporciona uma convivência familiar, e assim a relação de pais e filhos é vista através do afeto, ou seja, também é dever dos pais o afeto, cuidado, assistência e educação.
3.1.2 Medidas Cautelares
a) Juiz pode afastar pais negligentes: Conforme Vieira (2015)a negligência do pai ou da mãe também será incluída entre as hipóteses que permitirão a um juiz determinar, como medida cautelar, o afastamento do denunciado da moradia. Hoje as hipóteses admitidas para a adoção dessa medida são apenas as de abuso sexual e maus-tratos. Outra mudança importante é que os diretores das escolas de ensino fundamental também passam a ter a responsabilidade de comunicar ao Conselho Tutelar casos de negligência, de abuso ou de abandono afetivo a que tomem conhecimento
Enfatiza-se que o intuito dessa reparação é coibir a prática constante da paternidade irresponsável. Isso é, possui função pedagógica, com o propósito de não só compensar a vítima pelo dano sofrido, como também “punir o causador do dano e desestimular outras pessoas que eventualmente poderiam violar o dever de cuidado, para as próximas situações de abandono” (SCHUH, 2006, p.67).
b) A suspensão do poder familiar: O Artigo 1.638 prevê de acordo com Santos (2015), as hipóteses da destituição:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – Castigar imoderadamente o filho;
II – Deixar o filho em abandono;
III – Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente
Diante da suspensão e extinção do poder familiar, o magistrado poderá liminarmente ou incidentalmente, decretar a suspensão da autoridade parental. Nesse contexto,
Sendo o poder familiar um munus público, que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado privar o genitor de seu exercício temporariamente (DINIZ, 2011, p. 600).
Portanto, se os pais abusarem da autoridade e faltarem com os deveres a eles inerentes ou arruinarem seus bens, o juiz assegurará a segurança destes. Assim, devendo os pais em razão da negligência quanto aos deveres inerentes do poder familiar, serem responsabilizados civilmente pelas faltas e danos cometidos (FIGUEIREDO, 2017).
C) Doutrina e jurisprudência: Salienta-se que na doutrina, há divergência sobre a caracterização do abandono afetivo como um dano moral passível de indenização. Alguns autores entendem que não é possível mensurar o dano emocional causado pela falta de afeto, enquanto outros defendem que a reparação é cabível em casos de abandono comprovado.
Assim, verifica-se que Maria Berenice Dias, Bernardo Castelo Branco, Rui Stoco, se posicionam favoravelmente à reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação: “comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado”(DIAS, 2009, p.46). Cabe ainda salientar que:
[...] o que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja a negação de carinho, de atenção, de amor e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai (ou mãe) e filho (Stoco, 2007, p.42). A conduta omissiva dos pais no tocante à formação moral dos filhos, permitindo-lhes o livre acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento, ao contato com jogos, álcool e drogas, entre outros fatores deturpadores da personalidade, constitui, portanto, a adoção de comportamento ilícito, uma vez que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar (BRANCO, 2006, p. 194).
Assim, percebe-se que, para os autores acima citados, deve haver indenização do dano moral provocado pela conduta omissiva do pai em cumprir o dever de convivência familiar, tendo em vista que o descumprimento deste dever impossibilita o desenvolvimento intelectual, emocional e social da criança. A conduta omissiva do pai, portanto, atenta contra a dignidade da criança e causa-lhe transtornos irreversíveis, sendo caracterizado como ato ilícito gerador do dever de indenizar (MACHADO, 2012) .
Outra tese defendida pelos opositores da reparação do dano moral decorrente do abandono afetivo é a de que ninguém pode obrigar um pai a amar um filho, sendo este o cerne da questão. Nestes termos, para Lizete Schuh:
É dificultoso cogitar-se a possibilidade de determinada pessoa postular amor em juízo, visto que a capacidade de dar e de receber carinho faz parte do íntimo do ser humano, necessitando apenas de oportunidades para que aflore um sentimento que já lhe faz parte, não podendo o amor, em que pese tais conceitos, sofrer alterações histórico-culturais, ser criado ou concedido pelo Poder Judiciário (SCHUH, 2006, p. 67-68).
Não obstante, em defesa da corrente doutrinária que admite a reparação pecuniária, se põe Giselda Hironaka, rebatendo o argumento acima referido:
[...] é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais – seu titular pode sofrer as consequências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paternas tenham-lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões estas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes (HIRONAKA, 2007, p. s/p).
Diante do exposto pode-se inferir que, a perda do poder familiar refere-se a motivos mais graves onde não cabe somente a suspensão, a perda é atribuída aos pais, para grande parte da doutrina, deve haver uma análise responsável e prudente dos requisitos autorizadores da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo.
No âmbito da jurisprudência, o entendimento dos tribunais tem sido cada vez mais favorável à possibilidade de indenização por abandono afetivo. Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito à indenização por danos morais em caso de abandono afetivo, estabelecendo que a responsabilidade decorrente da falta de afeto entre pais e filhos é objetiva e independe da demonstração de culpa.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da Apelação Cível nº 1002407790961-2, corroborou o entendimento de que a omissão afetiva dos genitores não caracteriza ilícito por inexistir obrigação de dedicar amor:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO - ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR - AUSÊNCIA. A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização. (Apelação Cível nº 1002407790961-2, 12º Câmara Cível do TJMG, Rel. Des. Alvimar de Ávila, j. 11.02.2009, DJ 13.07.2009) (BRAGA, 2011, p.62).
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgamento da Apelação n° 0004614-77.2009.8.26.0634, ocorrido em abril de 2011, negou indenização por abandono afetivo, sob o fundamento de que este não caracteriza ilícito, bem como não cabe ao Judiciário adentrar nas questões de cunho sentimental, pois o carinho não se impõe, se conquista (LOPES, 2013).
Vale também, aqui, mencionar o julgamento pioneiro que foi proferido na comarca de Capão da Canoa, em 2003, no Rio Grande do Sul, cuja sentença reconheceu segundo Braga (2011, p. 66), o “direito à indenização de uma filha de 23 anos, abandonada afetivamente pelo pai aos 10 anos, embora a pensão alimentícia fosse paga regularmente”. Na sentença, o juiz reconheceu que o descaso e a rejeição do pai em relação à filha violaram sua honra e imagem de modo a ensejar o reconhecimento da obrigação de reparar o dano com fulcro no art. 5º, X da Carta Magna e no art. 22 do ECA. Eis o fundamento da sentença:
A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam dos pais que não lhe dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte se a inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais, pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. (processo n.º 1.030.012.032-0, 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, RS, juiz Mario Romano) (BRAGA, 2011, p. 67).
Cabe ainda citar a decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (TAMG) que, seguindo a mesma linha de argumentação das decisões supramencionadas, reformou a sentença proferida pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG, para condenar o pai ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), independentemente do descumprimento da prestação alimentar, ao argumento de que restou configurado nos autos o dano à dignidade do menor, provocado pela conduta ilícita do pai que não cumpriu o dever que a lei lhe impõe de manter o convívio familiar com o filho ( MACHADO, 2012, p. s/p).
A ementa encontra-se assim redigida:
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TAMG, AC 4085505-54.2000.8.13.0000, 7ª C. Cível, Rel. Juiz Unias Silva, julg. 01.04.2004, pub. 29.04.04) (MACHADO, 2012, p. s/p).
Por oportuno, transcreve-se o atual posicionamento da Corte Superior:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de
criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, Resp 1159242 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24.04.12, DJe 10.05.12) ( MACHADO, 2012, p. s/p).
Ademais, diversos casos têm sido julgados pelos tribunais brasileiros com o reconhecimento do direito à indenização por abandono afetivo. No entanto, é importante ressaltar que cada caso é analisado de forma individual e que a comprovação do abandono e dos danos sofridos pela criança ou adolescente é fundamental para a obtenção da reparação pretendida.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O abandono afetivo é um problema real, expresso no ordenamento jurídico e diz respeito à obrigação de cuidado e não ao sentimento em si. Caracteriza pela indiferença, omissão, negligência, ausência de amor e de assistência da obrigação constitucional de cuidar, bem como pela privação do direito à comunhão familiar. Visto que, a própria Constituição Federal garante aos filhos a assistência material e moral, incluindo nesta o afeto como direito dos filhos, cabendo aos pais não se limitarem apenas aos aspectos materiais. No entanto, do ponto de vista jurídico, o amor é facultativo, porém o cuidar é dever.
Deste modo, conforme visto no decorrer do trabalho, para haver uma condenação indenizatória diante do abandono, é imprescindível que seja levado em conta a culpa do genitor, quanto à sua conduta omissiva, e os danos ocasionados no filho.
Ficou claro que a responsabilidade civil representa a ideia de que alguém tem de reparar um prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. A obrigação do exercício do poder familiar dos pais em relação aos filhos concerne no dever jurídico originário e a sua ausência gera necessidade de sua reparação, em decorrência da responsabilidade civil. Diante disso, cabe indenização por danos morais e materiais, uma vez que não existe o pagamento da indenização para restabelecer o amor e sim o dever de cuidar.
Espera-se que esse artigo sirva de base para novos estudos sobre a reparação por meio de indenização decorrente do abandono afetivo.
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[1] Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar quando convenha. Parágrafo único. Suspendesse igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139986
Doutorando pela UMSA – Universidad Del Museo Social
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, VIVIANE DE LIMA. A reparação civil a criança e adolescentes que sofrem abandono afetivo no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2023, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61479/a-reparao-civil-a-criana-e-adolescentes-que-sofrem-abandono-afetivo-no-brasil. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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