RESUMO: O avanço tecnológico na área da saúde tem tornado possível a sustentação artificial da vida biológica por meio de medidas frequentemente fúteis e, às vezes, geradoras de sofrimento para a pessoa em cuidados. Esse cenário tem suscitado uma reflexão sobre o direito fundamental à vida, que deve ser acompanhado pelo direito à liberdade da pessoa que adoece para decidir como gostaria de viver quando a doença que a acomete já não pode ser curada. Esses valores são amplamente contemplados pela área de estudo denominada Cuidados Paliativos. Os entendimentos a respeito dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 impactam diretamente na assistência a esses pacientes. Entretanto, essa abordagem é efetivamente orientada por resoluções do Conselho Federal de Medicina. Contudo, esse posicionamento orientador no campo ético não se estende necessariamente ao campo jurídico, o que pode gerar insegurança na implementação dos cuidados paliativos como um direito humano e uma política pública eficiente. Por meio da revisão narrativa da literatura das principais normas internacionais e nacionais, assim como de resoluções relacionadas ao tema e à Constituição Federal de 1988, buscou-se obter maior clareza sobre os valores relacionados ao complexo processo de morrer, além de encontrar um cenário de harmonia ética e jurídica que possibilite a expansão da assistência proporcionada pelos Cuidados Paliativos e um melhor entendimento do conceito de ortotanásia. Observa-se, no entanto, que, apesar de um incipiente movimento de regulação dessa abordagem, o ordenamento jurídico ainda é insuficiente para garantir previsibilidade e segurança jurídica à sociedade e aos profissionais de saúde. E, embora o Direito Fundamental Constitucional à dignidade humana sustente a prática dos cuidados paliativos no âmbito nacional, existe um vácuo jurídico a ser debatido não apenas no cenário da saúde, mas também pelos profissionais do direito e pela sociedade, a fim de garantir que os pacientes, em momentos de extrema vulnerabilidade, possam viver plenamente, mesmo diante da inevitabilidade da morte.
Palavras-chave: Ortotanásia. Cuidados paliativos. Direito à vida.
ABSTRACT: Technological advancement in health care has made it possible for biological life to extend beyond the limits of what is understood as a dignified life. This scenario promoted a reflection on the fundamental right to life, which should be accompanied by the right to freedom of the person who falls ill to decide how he would like to live when some disease that affects him is no longer curable, a field of study in the area of health called Palliative Care. Understandings before the Federal Constitution of 1988, in its article 5, caput , directly impact on the care of these patients, and are guided by resolutions of the Federal Council of Medicine: Resolution No. 1,805/2006, and Resolution No. 1,995/2012. However, this guiding position for the ethical field does not necessarily extend to the legal field, and may generate legal uncertainty in professional and non-professional care practice. The study will carry out a literature review of the narrative type of main analyses of indoctrinators, manuals in palliative care, resolutions, jurisprudence and the Federal Constitution of 1988 in order to obtain greater clarity of the values related to the complex process of dying, as well as to create a scenario of ethical and legal harmony that allows the expansion of the care promoted by Palliative Care and a direct regulation on the concept of orthothanasia. Faced with the inevitable process of death, encourage the State to contemplate in its laws the multiple variables that qualify human dignity, which ultimately can be considered only by the one who lives and dies, and who, finally, leads life itself.
Key words: Orthothanasia. Palliative care. Right to life.
O aumento da expectativa de vida tem sido uma tendência mundial nas últimas décadas, em parte devido aos avanços da medicina e das tecnologias de saúde. No entanto, ao mesmo tempo em que as pessoas vivem mais, também enfrentam uma série de doenças que podem ameaçar sua vida, como câncer, doenças crônicas e degenerativas. Nesse contexto, surgem novos conceitos sobre o que é qualidade de vida, que vão além do mero funcionamento biológico de um ser humano.
A qualidade de vida pode ser definida como a percepção subjetiva do bem-estar físico, psicológico e social de uma pessoa. Ela está diretamente ligada à capacidade de desempenhar atividades cotidianas, às relações interpessoais e ao ambiente em que se vive. Assim, uma boa qualidade de vida implica não apenas a ausência de doenças ou incapacidades, mas também a presença de fatores positivos que contribuem para o bem-estar geral.
Este novo cenário que se consolida rapidamente gera alguns conflitos éticos e inseguranças no âmbito jurídico para todos os envolvidos. Se, por um lado, nota-se uma crescente valorização da autonomia de vontade, valor trazido especialmente após as atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial (NUNES, 2002), promovendo mudanças na relação assimétrica e tradicional entre médicos e pacientes; por outro lado, nota-se que profissionais da saúde estão adotando uma medicina defensiva, que utiliza, em excesso, procedimentos diagnósticos e terapêuticos com o propósito de evitar litígios (RAMÍREZ-ALCÁNTARA; PARRA-MELGAR; BALCÁZAR-RINCÓN, 2017), resultando em uma medicina fragmentada e em um distanciamento entre as partes.
Desse contexto, estabelecem-se inúmeros conflitos, como a hipertrofia da autonomia do paciente (VASCONCELOS et al., 2021), que, por meio da judicialização, poderá resultar em exigências unilaterais e equívocos sem respaldo na boa prática médica amparada pela medicina baseada em evidências. A interpretação extensiva do art. 196 da Constituição Federal de 1988 (GUIMARÃES, 1988), compreendida como "tudo para todos", pode contribuir para essa situação.
Desta forma, para promover uma vida digna, torna-se fundamental também entender o inevitável processo de morte frente a esta nova medicina de alta densidade tecnológica. Por meio desta relação, pode-se compreender os seguintes conceitos:
Este conflituoso cenário passa a ser devidamente abordado por uma abordagem que reafirma e defende a vida digna, contudo compreende a morte como um processo natural que todos irão se deparar, a abordagem paliativa. Os cuidados paliativos foram definidos a primeira vez no ano de 1990 pela Organização Mundial da Saúde e redefinida em 2002 como (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002):
“Assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002)
Esta abordagem encontra ampla ressonância em princípios éticos consolidados na prática médica representados pela beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. Objetivando humanizar o atendimento em saúde, os cuidados paliativos buscam promover bem-estar ao paciente, e reafirmar o paciente como sujeito do atendimento, e não objeto desta atenção, de forma que tratamentos fúteis que poderão trazer sofrimento ao paciente sejam evitados. Tal respaldo não se encontra tão bem estabelecido no ordenamento jurídica.
Apesar de uma tendência internacional de considerar os cuidados paliativos como um direito humano, no âmbito nacional ainda se encontram diversos entendimentos errôneos sobre o este conceito e nota-se um vácuo jurídico que cria um ambiente de insegurança jurídica para operacionalizar este cuidado.
Questionamentos sobre se tal prática seriam caracterizados como omissão de socorro, e dúvidas a respeito da validade de documentos como as Diretivas Antecipadas de Vontade, são alguns exemplos.
Estes conflitos podem ser representados pelo episódio ocorrido em setembro de 2021 durante a Comissão Parlamentar de Inquérito da COVID-19 onde foram proferidas opiniões sobre Cuidados Paliativos que demonstram importante desconhecimento por parte de representantes do governo, e de personalidades de relevância social, bem como a própria percepção de pacientes que podem ter sido expostos a má prática médica que nada correspondem aos verdadeiros cuidados paliativos. No seu Relatório Final apresentado pelo relator em 26 de outubro de 2021 conta o seguinte depoimento de um paciente(HEINZE, 2021):
“Eles, minha família, não aceitaram a imposição dos chamados cuidados paliativos, que era a prática utilizada pela Prevent Senior para eliminar pacientes de alto custo.” (HEINZE, 2021)
Ficam evidentes os inúmeros desafios que a sociedade terá que enfrentar até consigamos utilizar todo o desenvolvimento tecnológico dos últimos anos a favor da promoção do bem-estar da humanidade (SANTOS, 2011). A bioética e o direito poderão balizar esta evolução, visto que a dignidade que busca os cuidados paliativos poderia ser em alguma forma uma violação do direito à vida?
Elucidar, à luz das normativas existentes, os conceitos fundamentais que norteiam a prática dos cuidados paliativos.
Compreender as bases éticas e jurídicas dos cuidados paliativos, que poderão nortear a elaboração de políticas públicas e práticas clínicas mais adequadas e respeitosas aos pacientes em fim de vida.
Revisão de literatura narrativa teórica de normas internacionais e nacionais, bem como resoluções relacionadas ao tema selecionados com base em critérios de relevância, tais como: qualidade do estudo, atualidade, pertinência com o tema e sua contribuição para a compreensão dos conceitos fundamentais dos cuidados paliativos.
Foram selecionados dois tratados internacionais, uma resolução emitida pela Organização Mundial de Saúde em sua 67ª Assembleia Mundial de Saúde, dois artigos da Constituição Federal, duas resoluções do Conselho Federal de Medicina, um artigo do Código de Ética Médica, três portarias do Ministério da Saúde, cinco leis estaduais, um projeto de lei estadual e um projeto de lei.
4.1 CUIDADOS PALIATIVOS COMO DIREITO HUMANO INTERNACIONAL
No contexto internacional notam-se movimentos jurídicos consolidados que fundamentam os cuidados paliativos como direitos humanos. Destacam-se alguns pactos, que contam inclusive com a participação do Brasil, e um posicionamento da Organização Mundial de Saúde que se constituem uma solicitação aos seus signatários de um fortalecimento mundial na estruturação de serviços de cuidados paliativos.
4.1.1 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc) e Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)
O Brasil é signatário destes tratados promulgados por meio dos seguintes decretos: Decreto 591/92 e 678/92, respectivamente. Neles se fundamentam o direito a saúde como direito humano internacional e um dever do Estado. Ainda se destaca o Direito à Integridade Pessoal em que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”. Contudo por força do Art. 5º, § 3° da Constituição Federal ambos os pactos são recebidos com status de norma supralegal e infraconstitucional (COLLOR, 1992, p. 591; FRANCO, 1992, p. 678; GUIMARÃES, 1988).
4.1.2 Resolução 67/19 Da Assembleia Geral Da Organização Mundial De Saúde
Reconheceu que os cuidados paliativos, quando indicados, promovem dignidade a vida humana, bem como são responsabilidade ética dos sistemas de saúde e dever ético dos profissionais da área; e quando não devidamente estabelecidos, resultará em sofrimentos evitáveis de natureza física, psicossocial ou espiritual. Assim inclui os cuidados paliativos na definição de cobertura universal de saúde e incentiva os países a os implementarem como um componente do cuidado integral ao longo do curso da vida (WORLD HEALTH ASSEMBLY, 2014).
4.2 ENTENDIMENTO CONSTITUCIONAL DOS CUIDADOS PALIATIVOS
Apesar de poucas legislações destinadas a normatizar e operacionalizar os Cuidados Paliativos no Brasil, a interpretação integrativa de direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal justifica a implementação de uma abordagem paliativa nos cuidados em saúde.
4.2.1 Art. 5º da Constituição Federal 1990
O Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida. Ainda em seu inciso II, limita a vontade do cidadão ao que está definido em virtude de lei, mas prevê a inviolabilidade da privacidade do indivíduo em seu inciso X. Entende-se, portanto, que com base no ordenamento jurídico brasileiro, compete ao próprio paciente decidir questões a respeito da própria vida, inclusive no inevitável momento da morte (GUIMARÃES, 1988).
4.2.2 Art 1º inciso III da Constituição Federal
Garante como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e dignidade da pessoa humana. Diante da defesa deste valor a vida de todos, e sendo a morte uma etapa final e inevitável desta, entende-se que a abordagem paliativa, que busca por meio de melhorias biotecnocientíficas promover uma morte digna atendendo ampla gama de necessidades dos pacientes, estratégia de cuidado fundamental para garantia de fundamentos constitucionais. Robles-Lessa e Dadalto (2021), consolidam bem este entendimento “Não sendo possível ao ser humano realizar uma vida plena se por algum momento lhe faltar saúde ou dignidade” (GUIMARÃES, 1988; LESSA; DADALTO, 2021).
4.2.3 Art 5º inciso III da Constituição Federal
O desenvolvimento da medicina trouxe grandes avanços em qualidade de vida a população e formas de prolongamento da vida humana. Tal prolongamento, contudo, nem sempre se fará de acordo com valores individuais do que se busca como uma vida digna. A obstinação terapêutica em alguns cenários, expõe de forma desnecessária o paciente a um processo de morte prolongado, muitas vezes tornando-se um processo fútil e degradante. Não obstante, no Art. 5º, Inciso III da Constituição Federal é assegurado ao brasileiro aos estrangeiros residentes no País o direito de não ser submetido tratamento “desumano ou degradante”, garantia que possui ressonâncias nos princípios que norteiam a abordagem paliativa (GUIMARÃES, 1988).
4.3 RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Diante de uma inércia legislativa, a prática dos cuidados paliativos em cenário nacional adota como princípios balizadores, por muitas vezes, as normas e documentos elaborados pelo Conselho Federal de Medicina.
4.3.1 Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina
O Conselho Federal de Medicina assegura a prática da ortotanásia na prática médica em sua atuação profissional (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, [s.d.]):
Art. 1º “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, [s.d.])
4.3.2 Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal De Medicina
Considerando que os médicos e médicas durante sua prática profissional poderão se defrontar com situações de ordem ética ainda não prevista em dispositivos éticos nacionais, e considerando a crescente relevância da questão da autonomia dos pacientes, resolveu que o paciente terminal poderá rejeitar medidas desproporcionais, que prolongam o seu sofrimento, por meio das diretivas antecipadas (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2012):
Art. 1º “Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2012)
4.3.3 Resolução 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina
Esta resolução aprova a atualização do Código de Ética Médico 2009/2010 inserindo a previsão dos cuidados paliativos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018, 2018):
Parágrafo único. “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
O Código de Ética Médica foi atualizado pela Resolução 2.217/2018, e modificado pelas resoluções 2.222/2018 e 2.226/2019 do Conselho Federal de Medicina, contudo manteve-se o artigo supracitado (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018, 2018).
4.4 Regulamentação dos Cuidados Paliativos no Sistema Único de Saúde (Sus)
Encontram-se incipientes regulamentações elaboradas pelo Ministério de Saúde como forma de estruturar os serviços de cuidados paliativos. Nota-se, contudo, que ainda possui distante implementação real de forma efetiva, no entanto reforçam princípios propostos pela abordagem paliativa no âmbito nacional.
Primeira vez que os cuidados paliativos foram incluídos no SUS como descrito em seu Art.1° (NEGRI, 2002):
Art. 1º “Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, cujos objetivos gerais são:
O Ministério da Saúde, por meio desta portaria, institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), e reconhece os cuidados paliativos como parte da atenção integral na assistência oncológica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013):
Art. 13. “Fazem parte do cuidado integral a prevenção, a detecção precoce, o diagnóstico, o tratamento e os cuidados paliativos, que devem ser oferecidos de forma oportuna, permitindo a continuidade do cuidado.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013)
Resolução aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite, sob influência da Recomendação da 67ª Assembleia da Organização Mundial de Saúde de 2014, estabelecem diretrizes para a estruturação dos cuidados paliativos no âmbito do SUS (MINISTERIO DA SAÚDE, 2018):
Art. 1º: “Dispor sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS).
Parágrafo único. Os cuidados paliativos deverão fazer parte dos cuidados continuados integrados ofertados no âmbito da RAS.
Art. 2º Cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.
Parágrafo único: Será elegível para cuidados paliativos toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, a partir do diagnóstico desta condição.” (MINISTERIO DA SAÚDE, 2018):
4.4.4 Normativas Em Âmbito Nacional
Normativas estabelecidas por meio de leis estaduais buscam regulamentar serviços de cuidados paliativos como política de saúde pública e privada para pacientes elegíveis. Destacam-se alguns exemplos
4.4.5 Lei Nº 19.723, De 10 De Julho de 2017, Goiás
Art. 1º: “Fica instituída a Política Estadual de Cuidados Paliativos, que consiste na fixação de diretrizes normativas centradas na prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, na melhoria do bem estar e no apoio aos doentes e às suas famílias, quando associados a doença grave ou incurável, em fase avançada e progressiva.” (COVERNO DO ESTADO DE GOIÁS, 2017)
4.4.6 Lei Nº 20.091, de 19 de Dezembro de 2019, Paraná
Art. 3.º: “É direito de todo paciente com doença avançada em progressão receber cuidados paliativos de qualidade no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS e em serviços de saúde privados, respeitada a sua dignidade e vontade livremente manifestada.” (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PARANÁ, 2019)
4.4.6.1 Lei Nº 10.241/1999, de 17 de março de 1999 e Lei Nº 17.292, de 13 de outubro de 2020, São Paulo
A Lei 10.241/1999 traz o conceito de cuidados paliativos como um direito aos usuários dos serviços de Saúde no Estado de São Paulo nos seguintes termos (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1999):
“XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida; e
XXIV - optar pelo local de morte.
Enquanto a Lei 17.292/2020 institui a política de implementação dos cuidados paliativos no estado, cujos princípios são:
I - reafirmar a vida e reconhecer a morte como processo natural;
II - tratar o paciente e sua família, de forma multidisciplinar, considerando as necessidades clínicas e psicossociais, incluindo aconselhamento e suporte ao luto;
III - integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente;
IV - dar suporte clínico e terapêutico que possibilite a qualidade de vida ativa do paciente, dentro do possível, até o momento de sua morte;
V - apoiar a família do paciente oferecendo suporte para lidar com sua doença em seu próprio ambiente.” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1999)
4.4.7 Projeto de Lei N° 883, de 2020
Apresentado pelo Senador Marcos do Val (PODEMOS/ES), este projeto de lei busca regulamentar as práticas de cuidados paliativos nos serviços de saúde em todo o território nacional (SENADO FEDERAL, 2020).
Art. 3º “Fundamenta a presente Lei o respeito à dignidade do paciente em fase terminal de vida e ao seu direito a uma morte digna e sem dor.” (SENADO FEDERAL, 2020)
Diante dos resultados apresentados é possível notar que no âmbito internacional os cuidados paliativos já estão consolidados como um direito humano, inclusive por meio de tratados que o Brasil é signatário como o Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Contudo no âmbito nacional, por estes pactos serem recebidos com força de norma supralegal e infraconstitucional, nota-se que apesar de um incipiente movimento regulação desta abordagem, ainda o ordenamento jurídico é insuficiente para garantir previsibilidade e segurança jurídica a sociedade e aos profissionais de saúde.
Diante deste vácuo jurídico, esta prática segue como norteadores os princípios bioéticos e resoluções de conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Medicina. Esta competência foi questionada em 2007 por Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com a justificativa de que o Conselho Federal de Medicina não teria poder regulamentar para “estabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada como crime” e que o direito a vida, sendo indisponível, poderia ser restringido apenas por lei em sentido estrito. A ação civil foi julgada improcedente (AÇÃO CIVIL PÚBLICA IDENTIFICADA COMO PROCESSO 0014718-75.2007.4.01.3400, [s.d.], p. 0014718).
Torna-se necessário acelerar a efetivação de políticas que garantam os cuidados paliativos como política em saúde, disciplinada por uma lei nacional específica, consolidando ao indivíduo que adoece, que em seus momentos de maior vulnerabilidade sua dignidade seja preservada durante todo o seu período de vida, não sendo colocada em risco apenas pelo reconhecimento da inevitabilidade da morte.
Também será fundamental que este tema seja levado de forma mais clara ao entendimento da sociedade, e que seja incorporada na formação dos cursos de graduação, não restritas às áreas da saúde, para que possamos ressignificar erros do passado, criar profissionais capacitados a operacionalizarem os avanços conquistados (HERMES; LAMARCA, 2013)
Conclui-se que, à luz das normativas existentes, o Direito Fundamental Constitucional à dignidade humana sustenta a prática de cuidados paliativos no âmbito nacional.
Contudo, embora esta abordagem seja a consolidação de princípios bioéticos de assistência a pacientes em momentos de extrema vulnerabilidade, o Brasil ainda carece de leis específicas que garantam previsibilidade e segurança jurídica para a implementação de políticas públicas efetivas que garantam uma prática clínica mais adequada e respeitosa aos pacientes em fim de vida.
7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ação civil pública identificada como Processo 0014718-75.2007.4.01.3400.
Art. 121 do Código Penal - Decreto Lei 2848/40.
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. CFM No 2217 DE 27/09/2018. Código de Ética Médica: Resolução CFM No 2217 DE 27/09/2018. . 27 set. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO CFM No 1.805/2006. RESOLUÇÃO CFM No 1.805/2006.
COVERNO DO ESTADO DE GOIÁS. LEI No 19.723. Lei Ordinária No 19.723/2017 - Casa Civil do Estado de Goiás. . 10 jul. 2017.
FRANCO, I. DECRETO No 678. DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. . 6 nov. 1992.
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Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Camila Miguelão e. Análise jurídica sobre ortotanásia e cuidados paliativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61975/anlise-jurdica-sobre-ortotansia-e-cuidados-paliativos. Acesso em: 22 nov 2024.
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