GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
“Confie no SENHOR de todo o coração e não se apoie na sua própria inteligência. Lembre-se de Deus em tudo o que fizer, e ele lhe mostrará o caminho certo”. (Provérbios 3:5-6)
RESUMO: O objetivo deste estudo é o direito sucessório dos companheiros, na União Estável, tema de grande valia para a sociedade, tendo em vista que cada vez mais as relações são construídas por esta união. No decorrer da vida ou em ocorrência de alguma doença ou fatalidade, todos estão acometidos a morte, tendo esta como a maior certeza e vulnerabilidade. Todo o patrimônio, bens do de cujus fica à mercê de sua sucessão, onde será transmitida a seus herdeiros, legatários, e legítimos ou testamentários. A sucessão testamentária é aquela decorrente de declaração de última vontade do falecido, através de testamento; a Legítima se dá de acordo com a ordem estabelecida em lei. Os herdeiros legítimos são os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro), além dos herdeiros facultativos, eles fazem parte da sucessão patrimonial do falecido legalmente, sendo que, estabelecido em lei, ½ ou 50% do patrimônio deixado não pode ser privado dos herdeiros necessários. O legatário, é o beneficiário do legado (daquele bem ou conjunto de bens discriminados pelo autor da herança), e necessariamente não precisa ser um herdeiro legítimo do testador, ele é sucessor a título singular; recebe coisa certa e determinada; sendo o herdeiro figura comum à sucessão legítima e à testamentária, enquanto o legatário é peculiar à testamentária. Foi modificado através do Código Civil de 2002 a sucessão decorrente dos vínculos conjugal e convivencial. O cônjuge passou a concorrer dependendo do regime de bens, não só com os descendentes do autor da herança, mas também com os ascendentes, neste caso independentemente do estatuto patrimonial adotado. Outrossim, o que antes só pertencia aos descendentes e ascendentes do de cujus, foi levada à categoria de herdeiro necessário. O companheiro supérstite, por outro lado, não foi declarado expressamente herdeiro necessário, embora também concorra à herança com os descendentes e ascendentes do de cujus. Esta pesquisa analisa a posição sucessória daqueles que vivem em união estável, que é considerada entidade familiar pela Constituição da República Federativa do Brasil, em contraste com a sucessão do cônjuge, a fim de escrutinar, por meio de ampla investigação bibliográfica, legal e jurisprudencial, se o companheiro deve ou não ser considerado herdeiro necessário, do que dependerá seu direito à legítima.
Palavras-chave: União Estável. Companheiro. Sucessão. Herdeiro. Regime de Bens.
ABSTRACT: The objective of this study is the inheritance law of partners, in the Stable Union, a topic of great value for society, considering that more and more relationships are built by this union. In the course of life or in the event of some illness or fatality, everyone is affected by death, having this as the greatest certainty and vulnerability. All patrimony, assets of the de cujus is at the mercy of his succession, where it will be transmitted to his heirs, legatees, and legitimate or testamentary. Testamentary succession is that resulting from the declaration of the last will of the deceased, through a will; the Legitimate occurs in accordance with the order established by law. The legitimate heirs are the necessary heirs (descendants, ascendants and spouse/partner), in addition to the optional heirs, they are part of the legal succession of the legally deceased person, and, established by law, ½ or 50% of the assets left cannot be private of the necessary heirs. The legatee is the beneficiary of the legacy (of that good or set of goods discriminated by the author of the inheritance), and does not necessarily need to be a legitimate heir of the testator, he is the successor in a singular capacity; receive certain and determined thing; the heir being a figure common to the legitimate and testamentary succession, while the legatee is peculiar to the testamentary. The Civil Code of 2002 modified the succession resulting from marital and cohabitation ties. The spouse started to compete depending on the property regime, not only with the descendants of the author of the inheritance, but also with the ascendants, in this case regardless of the patrimonial status adopted. Furthermore, what previously only belonged to the descendants and ascendants of the deceased, was taken to the category of necessary heir. The surviving partner, on the other hand, has not been expressly declared a necessary heir, although he also competes for the inheritance with the descendants and ascendants of the deceased. This research analyzes the succession position of those who live in a stable union, which is considered a family entity by the Constitution of the Federative Republic of Brazil, in contrast to the succession of the spouse, in order to scrutinize, through extensive bibliographical, legal and jurisprudential investigation, whether or not the partner should be considered a necessary heir, on what his right to the reserved share will depend.
Keywords: Stable Union. Partner. Succession. Heir. Assets System.
A Constituição brasileira considera vários tipos de famílias jurídicos, além das famílias oriundas do casamento. O herdeiro ou sucessor é aquele que beneficia da morte do falecido seja por testamento ou por definição da base jurídica. Assim, como primeiro critério de classificação, quanto à origem o herdeiro pode ser testamentário quando instituído por testamento, legado ou codicilo, ou legítimo quando o direito de herdar derivar de lei, tendo em conta a ordem da vocação hereditária, presumindo o legislador a vontade do de cujus.
Por sua vez, o herdeiro necessário é aquele a quem é garantido o recebimento de pelo menos ½ ou 50% da herança do "de cujus", segundo o artigo 1846 do Código Civil. Ou seja, quando houver descendentes, ascendentes e/ou cônjuges, é obrigatório atribuir-lhes pelo menos 50 % dos bens do falecido a estes, sendo possível a transmissão de bens para outras pessoas, conforme mencionado acima, por testamento, também apenas dentro do limite de ½ ou 50% dos bens (artigos 1.789 e 1.857, § 1º do Código Civil).
Não se deve esquecer que o herdeiro necessário, a quem o testador deixa sua parte ou herança, não perde o direito à legítima, ou seja, uma pessoa pode ser tanto herdeiro testamentário quanto herdeiro legítimo ao mesmo tempo. Assim, concluindo claramente e demonstrando que esta já era a solução no sistema codificado anterior: Parte de uma disposição testamentária que se integra na parte disponível da herança a favor de um herdeiro insubstituível não retira a esse beneficiário o direito a um herdeiro por lei.
Conforme explica Tartuce (2018), o companheiro como herdeiro necessário:
“O artigo 1.724 do Código Civil de 1916, que vigorava no início da sucessão do falecido, é claro neste sentido. Um dispositivo que encontra correspondência no atual é o art. 1.849 do novo Código Civil." (TJRS, Agravo de Instrumento n. 239713-37.2013.8.21.7000, 8ª Câmara Cível, Caxias do Sul, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 29/08/2013, DJERS 04/09/2013).
Hoje o cônjuge e o companheiro são equiparados e tem o mesmo direito, para que sejam herdeiros necessários, sendo inconstitucional no sistema constitucional vigente a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.
O preceito existencial acerca da família e do casamento para os gregos e romanos, fundamentou-se no estatuto cívico e na formação da prole, uma vez que o casamento era o dever cívico voltado à reprodução de novas pessoas, em especial homens que serviriam as tropas. Com o decorrer dos anos e, aos poucos, a compreensão a respeito da família e casamento foi alterada passando a ser compreendida como uma perpetuação da espécie.
O espelho de constituição familiar tem suas raízes na estrutura familiar romana, como explica Gonçalves (2018, p. 31) em seu livro Direito de Família que “no direito romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis)”. Desta forma, a estrutura romana traz em seu seio a atenção a moral, o casamento como algo divino e um sacramento que não pode ser dissolvido pelos homens e foi concretizada no direito pelas inspirações oriundas das Ordenações Filipinas, que tinha fonte predominante no Direito Canônico e na família Germânica favorecendo nas diversas concepções e regras no direito pátrio, tal perspectiva foi predominante no meio social, uma vez que o Brasil era um país dominantemente rural e patriarcal e com a chegada do século XX, houve um movimento de êxodo rural onde as famílias buscavam por melhores condições de vida e emprego na cidade. E, assim, com a alteração do meio social predominantemente rural para o ambiente urbano e industrial, houve a mudança no cerne familiar, o que ensejou o começo da independência e liberdade feminina, já que as mesmas começaram a trabalhar no meio externo ao lar, iniciando a descaracterização do meio patriarcal base da família até então.
Assim, o conceito de família conhecido hoje passou por diversas mudanças estruturais e conceituais, sendo que tais vieram a ocorrer com o advento do século XX. No ponto de vista de Macedo (2018) “O Estado progressivamente passou a tutelar de forma constitucional a família, definindo modelos e ampliando o âmbito dos interesses protegidos”. Desta forma, o Estado passou a apontar padrões e expandir as preocupações revestindo essa entidade, intervindo nesta através do uso do direito público subjetivo. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil, tem-se a promoção de novos ideais, materializados no texto constitucional, uma vez que em seus artigos 226 e 227 buscou promover a igualdade de direitos e deveres entre os homens e mulheres na sociedade conjugal ao dizer que os filhos são iguais independente da relação que os gerou, e aceitação da pluralidade do modelo familiar.
Contudo, por se tratar de uma lei antiga, o Código Civil de 1916 não coadjuvou com as transformações, visto que o mesmo proporcionava a diferença entre homem e mulher, filhos e da entidade familiar. Com a Constituição de 1988 promovendo a valoração da dignidade humana e ampliação dos modelos familiares, o Brasil precisou reestruturar a legislação Civil vigente (Código Civil de 1916) e as legislações especiais a fim de adequar ao novo pensamento elucidado pela nova norma maior, o que levou à aprovação do Código Civil de 2002, ainda vigente.
Os eixos modificativos do Código eram o reconhecimento da família fora do casamento, à extinção da exigência da família formada pelo casamento e a isonomia filial, trazendo em sua essência os preceitos e fundamentos constitucionais.
A Carta Magna em seu artigo 226 afirma que a família é à base da sociedade e por isso merece uma proteção especial do Estado. Por esse aspecto foi apresentado o conceito de família, com sua evolução histórica, constante da Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 em relação a essa entidade familiar, esse conceito sofreu várias modificações com o tempo, o qual perdurou a ideia de que a família advinha sempre do ponto inicial que segundo a época era o casamento, a qual sempre tinha sua forma singular. Essa forma singular deixou de ser única/predominante com a evolução dos costumes e passou a ser plural, o que quer dizer que existem várias formas de constituir família, não só o casamento, pois esse é apenas uma criação jurídica, o que não reflete a realidade de muitos, a família existe antes e acima de artifícios jurídicos. O conceito existente de união indissolúvel também foi quebrado, e essa realidade veio com a Emenda Constitucional n° 9/77. Essa evolução foi tamanha com o passar do tempo que atualmente a família não se constitui somente com o casamento e também não é necessário que seja entre um homem e uma mulher, para exemplificar dentre as variadas formas há as famílias simultâneas, monoparentais, irmãos vivendo juntos, as homoafetivas, inclusive as constituídas por união estável. Com o conceito ampliado engloba e acolhe várias famílias compreendendo que a família não é um fato da natureza, mas sim da cultura, podendo assim, com o tempo, sofrer variações. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. XVI, 3, estabeleceu: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”, deste modo cabe ao ordenamento jurídico a missão de fazer as correspondentes adequações para proteger e regular os direitos e deveres decorrentes de todos esses tipos de relações.
A Constituição Federal estabelece o seguinte:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Esse reconhecimento da União Estável como entidade familiar pela constituição federal, garante as famílias que convivem em união estável iguais direitos e qualificações, proibindo qualquer discriminação. O reconhecimento não significa omissão a figura do casamento, mas sim a abrangência para enquadrar a maior quantidade de pessoas que as vezes não conseguem alcançar a formalidade do casamento, mas também devem ser protegidas, e assim caso queiram tem a facilidade de converter essa convivência da união estável em casamento. Fazendo ao todo um sistema familiar que hoje gira em torno de todos, inclusive as minorias, mostrando assim a evolução da família apenas exigindo para sua caracterização os requisitos de: estabilidade, continuidade da relação, diversidade de sexos, publicidade e objetivo de constituição de família.
4.COMPARATIVO ENTRE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL
Mesmo que por muitos anos foi instituído que a maneira “correta” de constituir família fosse através do casamento, não significa que nos dias de hoje alguém possa considera-la superior ou melhor que a união estável por exemplo. As duas instituições tem como objetivo maior a constituição de família, e até mesmo tornando-se quase imperceptível a sua diferença. Uma grande diferença entre o casamento e a união estável é que na última não se cria estado civil, fazendo com que os companheiros permaneçam com o estado civil anterior, o casamento é um contrato solene, formal e de natureza pública, enquanto que a união estável pode ser um contrato expresso ou tácito. Suas semelhanças são de que em caso de dissolução por morte o viúvo e/ou o convivente são herdeiros necessários do de cujos, não deixando com que nenhum fique à mercê ou desamparado, tudo regulamentado conforme artigo 1829 do Código Civil de 2002. Houve uma Declaração de Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, no julgamento dos Recursos Extraordinários 878.694/MG e 646.721/RS, onde o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou a tese de que a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002 é inconstitucional, sendo aplicado assim o regime constante no artigo 1.829 do CC/2002, nas hipótese tanto de casamento quanto de união estável, fazendo com que acabasse a desigualdade existente, equiparando o companheiro ao cônjuge para fins sucessórios, ficando estipulado o seguinte:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge/companheiro;
III – ao cônjuge/companheiro sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Para aqueles que querem uma segurança jurídica maior, mesmo o companheiro sendo equiparado ao cônjuge, há a opção para quem deseja, fazer o registro da União Estável, o provimento 141 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) veio para alterar o provimento 37 que já existia desde 2014 permitindo o registro da união estável do Livro E[1] do Registro Civil das Pessoas Naturais, que só é encontrado no Registro da sede, ou seja, da Comarca. Antes o que deveria ser anotado no livro E era a escritura pública, a sentença declaratória, e a União Estável, mas com a inovação agora essa obrigatoriedade para a União Estável deixa de existir fazendo com que os próprios outorgantes decidam o que lhes atende melhor, mesmo que tal união independa de formalização, o Código Civil dispensa a necessidade de um “contrato”. Neste cenário agora os Registradores podem fazer um “termo de União Estável” que necessariamente não vai para o livro E, mas fica uma cópia no cartório, é formalizado, arquivado e expedida a certidão, não havendo mais a obrigatoriedade do Registro no citado livro E. Tal provimento veio com o intuito de publicidade e efeitos perante terceiros, porém esta publicidade só acontece com o Registro no Livro E, caso somente formalizado e expedida a certidão não acontece os efeitos perante terceiros. Pode ser escolhido o regime de bens no termo declaratório, e a possibilidade de inserir uma data para a união estável, entretanto deve-se ter o cuidado de que, caso a intenção seja de levar a registro ou até mesmo converte-la em casamento há uma opção que se chama certificação eletrônica. Por fim, o documento feito pelo registrador civil é um título que pode ser levado ao registro de imóveis, ao Detran, INSS, entre outros órgãos mesmo não sendo registrada no livro E, é um título que fica arquivado e que vai ser feito para posterior entrada no Registro de Imóveis caso necessitem. Com esta inovação não houve a perda de atribuições para o Tabelião de Notas, mas simplesmente a distribuição também para o Registrador Civil, fazendo com que alcançasse uma maior quantidade de pessoas e de uma outra forma, desburocratizando de uma nova maneira a vida de quem optou por viver em união estável, mas também deseja ter a mesma segurança e facilidade de quem escolhe o casamento.
6.REGIME DE BENS E VIUVEZ: MEAÇÃO E HERANÇA
Conforme entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e legislação, atualmente, as questões sucessórias do companheiro são equiparadas à situação do cônjuge. Portanto, independente da formalização da união, esta resumido na ordem de vocação hereditária o regime de sucessão de bens, o que disciplina o artigo 1.829 do Código Civil, supra citado.
A meação se refere ao direito patrimonial adquirido perante a relação/ convivência do casal, o que é vinculado ao regime de bens, é estabelecido por lei ou vontade das partes, no casamente o regime se da através do pacto antenupcial e na união estável através de escritura pública ou contrato, caso não seja escolhido o que prevalece é da comunhão parcial de bens nos dois casos.
A meação é o direito que o cônjuge/companheiro sobrevivente tem de metade do patrimônio do falecido, e a herança é o montante depois de excluída a meação. Em regra a herança compreende o que pertencia ao de cujus. E essa divisão é determinada conforme o regime de bens escolhido no momento da união, e em relação aos descendentes.
Em se tratando da concorrência com os ascendentes, o companheiro herdará independentemente do regime de bens. Assim, o artigo 1.837 do Código Civil dispõe, em outras palavras, que concorrendo com pai e mãe do de cujus, ao cônjuge/companheiro caberá 1/3 da herança, mas se concorrer apenas com um dos genitores, o cônjuge/companheiro terá direito à metade da herança. Na hipótese de concorrência com ascendente de grau maior que pai e mãe (avós, bisavós) o companheiro terá direito à metade da herança e a outra metade será dividida por linha de ascendência.
O regime de bens é um critério abstrato, sendo assim, a questão de meação e herança não repercute igualmente para todos os regimes, tanto que cada um tem as suas particularidades, cada caso é um caso e deve ser analisado, porém, sempre levando em consideração a lei vigente.
7.A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL APÓS O JULGAMENTO DO STF (INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 CC)
Perante toda a discriminação e conflitos vividos pelo companheiro, esse assunto teve que ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal para que houvesse ou não a determinação de ser legitimo ou não a distinção de cônjuge e companheiro na sucessão hereditária.
Os Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694, ambos de repercussão geral, foram julgados no Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2017. O RE 878694 tratou da união estável heteroafetiva e o RE 646721 tratou da sucessão em união estável homoafetiva.
Desse julgamento, pela maioria dos votos, foi dado provimento aos recursos pelo Supremo, estabelecendo ser inconstitucional a distinção entre cônjuge e companheiro na sucessão hereditária, sendo entendido que a sucessão hereditária tem a solidariedade familiar como fundamento, não havendo motivos para tal distinção e estendendo o posicionamento para qualquer orientação sexual.
O Ministro Barroso firmou a seguinte tese acerca do tema: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/02”.
O rol do artigo 1790 do Código Civil foi reconhecido como inconstitucional pelo STF, pois a união estável não é uma entidade informal e não pode ter menos garantias que o casamento no direito sucessório. Conforme o entendimento da professora Hironaka, diretora nacional do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família):
O artigo 1790 é de feição extremamente retrógrada e preconceituosa, e a vigorosa maioria dos pensadores, juristas e aplicadores do direito tem registrado com todas as letras que o dispositivo é inconstitucional, exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram equalizadas pela ordem constitucional, como é o caso das entidades familiares oriundas do casamento e da união estável. (Hironaka, 2016, p.1)
Assim demonstrando a inconstitucionalidade do citado artigo, as desigualdades que pairavam sobre ele são solucionadas.
8.COMPANHEIRO COMO HERDEIRO NECESSÁRIO
O primeiro artigo do capítulo que trata dos herdeiros necessários é o artigo 1845 do Código Civil, onde leciona que “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. Desde esse ponto a omissão do companheiro é observada. É dito no artigo seguinte (art. 1850 do Código Civil) que para afastar os colaterais da sucessão, basta que disponha dos bens sem contemplá-los. Desse modo, o artigo 1845 do Código Civil trouxe quem são os herdeiros necessários e dispõe sobre os herdeiros facultativos o artigo 1850 do mesmo códex, porém o companheiro não é citado em nenhum deles.
Existiu-se o debate de que o companheiro seria herdeiro necessário dentro dos limites do artigo 1790 do Código Civil, após a promulgação do Código Civil de 2002, para quem defendia esse dispositivo. Encontrava-se o raciocínio de que o companheiro não estava excluído do rol dos herdeiros facultativos, e dentro de uma analogia com o cônjuge o companheiro teria uma porção reservada na herança.
Na tese de repercussão geral em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional tratar cônjuge e companheiro de forma desigual, também se concluiu que o artigo 1829 do CC deve ser aplicado nas questões de união estável. Com essa imposição do Supremo, para se aplicar o artigo 1829 do CC, surgiu dúvida quanto ao artigo 1845 do CC que não cita o companheiro como herdeiro necessário. Assim, iniciou-se um debate no sentido de que o Supremo, apesar de incluir tacitamente o companheiro no rol dos herdeiros necessários, quando foi invocado a se manifestar sobre o tema, em sede de embargos, disse que “a questão não foi tratada no recurso, e não tem omissão a sanar”, ou seja, caberá aos tribunais inferiores interpretar a tese de repercussão geral que diz: “não poderá tratar cônjuge e companheiro de forma desigual, porque se assim o fizer será considerado inconstitucional”.
Para o doutrinador Flávio Tartuce a decisão do STF acerca da inconstitucionalidade do Art. 1790 já fez com que o companheiro fosse condicionado a herdeiro necessário, vejamos:
Por todos os posicionamentos expostos, sejam doutrinários e jurisprudenciais, não restam dúvidas de que, com a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, o convivente foi alçado à condição de herdeiro necessário, mesmo não estando expressamente prevista no rol do art. 1.845 a própria codificação material. O julgamento da nossa Corte Máxima não traz dúvidas quanto a isso, mesmo em relação aos que antes eram céticos quanto a tal afirmação doutrinária, caso deste autor. Neste momento, é necessário saber interpretar o entendimento do STF, mesmo que à custa de posições doutrinárias anteriores, sempre em prol da socialidade e da efetividade do Direito Civil. (TARTUCE, Flávio. 2018).
Foi aderida por grande parte dos juristas esta linha de pensamento, como para o professor e advogado José Fernando Simão, que expõe que em análise aos termos do voto do ministro Barroso, o entendimento é pela inclusão do companheiro como herdeiro necessário, já que se houver alguma distinção, entre cônjuge e companheiro, será inconstitucional.
Até o momento, a ordem de vocação hereditária é a situação já apresentada, mesmo que isso não agrade algumas pessoas e faça com que busquem lacunas na lei para que não sejam herdeiros, trazendo conflitos processuais, porém, enquanto não houver uma lei que altere a redação do Código Civil atual, o cônjuge e companheiro serão herdeiros necessários, mesmo não estando expressamente prevista no rol do art. 1.845 essa condição. O julgamento do STF não traz dúvidas quanto a isso, sendo necessário interpretar tal entendimento em prol do reconhecimento dos direitos sucessórios do companheiro sobrevivente.
O que define os direitos conquistados pelo companheiro sobrevivente nas questões de herança é uma jornada árdua pela busca da inclusão. Atendendo ao objetivo inicial do trabalho, procurou-se analisar os aspectos jurídicos a respeito do tema. Na primeira seção, foi traçada uma linha do tempo legislativa, momento em que foi exposta a história e evolução de família. O reconhecimento Constitucional da união estável como entidade familiar, bem como a certeza de que não há a diferenciação do tratamento de qualquer que seja a entidade familiar formada, argumentos em que o companheiro possa exigir tratamento diferente daquele disciplinado pelo artigo 1.790 do Código Civil.
Nesse sentido, direitos conquistados pelo cônjuge foram apontados a fim de estender todas as garantias do cônjuge ao convivente. Assim, após consolidado o entendimento sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, o companheiro foi considerado herdeiro necessário, mesmo não sendo incluído no rol do artigo 1.845 do Código Civil. No entanto, o fato do companheiro não ser citado neste artigo provocou argumentações e divergências doutrinárias, contudo foi demonstrado que nada afasta essa garantia. Todos os direitos sucessórios do cônjuge foram estendidos ao companheiro, até porque a união estável também envolve questões de compartilhamento de bens. Também foi demonstrado a importância de tal união e até mesmo como pode ser feito o seu registro, em comparação ao casamento e a sua repercussão sucessória.
Assim, o companheiro sobrevivente e todos os demais herdeiros seguirão as disposições do Código Civil, afastando o litígio, e finalmente deixando demonstrado que o companheiro é sim herdeiro necessário, sendo protegido e respaldado da mesma forma que o cônjuge.
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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos descendentes - Disponível em: <https://ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/129.pdf >
TARTURCE, Flávio. O companheiro como herdeiro necessário. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/284319/o-companheiro-como-herdeiro-necessario>
[1] Livro pertencente ao Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede ou 1º Subdistrito da Comarca, para os demais atos do registro civil, como emancipação, interdição, ausência, morte presumida, união estável, e adoção.
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BALTAGIM, VITÓRIA SANTICHI. Companheiro é herdeiro necessário. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62035/companheiro-herdeiro-necessrio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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