MARIA PAULA BRANQUINHO PINI
(orientador)
Resumo: O parto é o momento mais determinante para a projeção da vida, desde a concepção, com a ligação afetiva e criação biológica da procriação, a mulher é vista como paciente e busca no hospital serviços de cuidado à saúde para a proteção de sua vida e de sua prole. Com a alta demanda dos partos hospitalares são realizados procedimentos que visam a rapidez para atendimento e que, por vezes, a execução ocorre de forma inapta. A esse comportamento, deu-se o nome de violência obstétrica, que em linhas gerais, são os abusos sofridos pelas parturientes, de forma psicológica ou física, pelos profissionais da área. Enfatiza-se os procedimentos mais cotidianos e revoltantes da violência obstétrica ocorridos pela equipe médica durante a assistência ao parto, sendo esses a episiotomia, manobra de Kristeller, ponto do marido, agressões verbais proferidas pelos profissionais da saúde, entre outros. O presente artigo, visa por esclarecer de forma aprofundada, quais as formas e consequências da violência obstétrica e busca por soluções no combate a esses abusos.
Palavras-chave: Violência obstétrica; abusos físicos e psicológicos, profissionais da saúde, indenização.
Abstract: Childbirth is the most decisive moment for the projection of life, from conception, with the affective bond and biological creation of procreation, the woman is seen as a patient and seeks health care services in the hospital to protect her life and others. your offspring. With the high demand for hospital births, procedures are carried out aimed at speeding up care and which, sometimes, are performed in an inept manner. This behavior was called obstetric violence, which, in general, is the abuse suffered by parturients, psychologically or physically, by professionals in the area. Emphasis is placed on the most quotidian and revolting procedures of obstetric violence performed by the medical team during childbirth care, such as episiotomy, Kristeller's maneuver, husband's stitch, verbal aggressions uttered by health professionals, among others. This article aims to clarify in depth the forms and consequences of obstetric violence and the search for solutions to combat these abuses.
Keywords: Obstetric violence; physical and psychological abuse, health professionals, compensation.
O presente trabalho tem como objetivo analisar as condutas médicas praticadas para com a mulher no momento do pré-parto, parto e pós-parto, condutas essas que violam a dignidade, privacidade e resguardo da mãe no momento sublime e imprescindível da concepção.
Demonstrar como ao decorrer dos anos, a medicina evoluiu, cada dia mais com novas tecnologias na área da saúde, visando melhores condições de segurança para a parturiente e seu bebê.
Analisar quais as principais formas de violência obstétrica, a fim de evidenciar quais consequências trazem para essas mulheres, e como podem ser prevenidas e evitadas pelos profissionais de saúde.
Refletir sobre o longo caminho a ser percorrido juridicamente, necessitando urgentemente que se tomem medidas para o combate dessas práticas abusivas.
O presente trabalho expõe ocorrências que são tidas como tabu e não conhecidas no meio social, condutas médicas reputadas corriqueiras e admissíveis, porém que violam integralmente a dignidade, privacidade e segurança da mulher e recém-nascido.
O nascimento é momentos único que todos os seres humanos já experienciaram, mas somente as mulheres têm o poder da concepção.
A valorização ao direito de projeção da vida é irrefutável, assim como assegurar, a toda mulher, saúde e bem-estar em seu momento de vulnerabilidade como parturiente.
A violência obstétrica pode ser uma consequência advinda de uma visão quantitativa e não qualitativa dos profissionais? Ou seja, prezam pela quantidade de parturientes atendidas, esquecendo-se dos princípios básicos de proteção a sua saúde, ao bem-estar, dos direitos e garantias primordiais, em um momento de vulnerabilidade. Quais são as consequências ao longo da vida dessa então parturiente e de seu bebê? De que forma a legislação brasileira deve agir para que supra tal carência?
São prováveis hipóteses ao problema de pesquisa em tela: Visão quantitativa, ao invés da qualitativa nos atendimentos médicos na gestação, e durante a após o parto; Supressão de direitos e garantias das mulheres, em uma visão ainda enraizada contra o gênero, acreditando não ter o direito de escolha sobre quais procedimentos julga adequados, dentro dos limites seguros a sua saúde; Inércia do Legislativo e Judiciário, na medida em que só crescem os casos de violência, sem medidas urgentes e necessárias para a repressão dos abusos e consequentemente diminuição.
Para que o presente trabalho possa ser desenvolvido serão utilizadas técnicas de pesquisas, como a bibliográfica, em sites eletrônicos e livros, a fim de elucidar conceitos e noções teóricas sobre o tema, buscando as principais causas, consequências e possíveis medidas para a solução eficaz no combate à violência obstétrica.
Além de buscar por pesquisas quantitativas, será realizada pesquisa no site do Tribunal de Justiça, considerando os dados necessários para o aprofundamento da temática, construindo-se assim esse artigo.
Desde a concepção do bebê, grandes mudanças ocorrem na vida de uma mulher. A fase da gestação é cheia de novidades e desafios. Por vezes, são mais fáceis, outras, mais difíceis, mas, com toda certeza, o que se pode dizer é que para cada uma é única. Assim ocorre com o parto, a mesma mulher pode ter diversos partos e cada um registrará uma experiencia, por isso exige individualização e primordialmente a humanização na conduta dos profissionais que irão conduzir o procedimento.
Nos últimos tempos, tem-se percebido cada vez mais uma visão quantitativa no número de atendimentos, devido à alta demanda, esquecendo-se de direitos e garantias básicas conferidos ás parturientes. Isso vem sendo mostrado por diversas condutas abusivas, praticadas pelos profissionais, sem o consentimento das mulheres, denominando-se recentemente por violência obstétrica.
A violência obstétrica pode ocorrer por meio de violência psicológica, forçando ou induzindo a mulher ao parto de forma mais rápida com vocabulários que agridam a integridade causando medo, insegurança, acuação ou qualquer tipo de abalo emocional e/ou desmerecendo a dor das contrações e qualquer incômodo causado por adversidades pessoais. Tais práticas que violam o corpo da mulher sem justificativa plausível e concordância agem diretamente nos princípios de direitos sexuais e reprodução.
Se faz necessária, diante do exposto, a responsabilização do médico e equipe nas esferas civil e penal, por violação à autonomia e privacidade da mulher. É o que a sociedade vem buscando atualmente, um posicionamento certeiro do Judiciário para o combate a essas práticas.
O impedimento ao acompanhamento ao Pré-Natal também se considera violência obstétrica, inclui-se a omissão de informações importantes da saúde do bebê, ausência de procedimentos fundamentais de acompanhamentos rotineiros, como medição da pressão arterial e todas as consultas necessárias previstas pelo SUS, tudo descrito no Manual Técnico do Pré-Natal e Puerpério do estado de São Paulo.
A parturiente tem o direito de saber sobre seu estado de saúde e os procedimentos indicados, assim como os profissionais da saúde tem a obrigação de explicar a finalidade de cada intervenção ou tratamento, riscos e alternativas disponíveis adequada no tratamento individual e quadro clínico de cada mulher.
Não há limite temporal de ocorrência para a violação, caracteriza-se durante todo o suporte médico gestacional, seja no Pré-Natal, parto e pós-parto, incluindo resguardo e consultas de retorno enquanto houver a nomenclatura médico e paciente.
A capacitação profissional e instrução médica adequada no Pré-Natal, além de detectação precoce de patologias maternas e fetais, acompanhamento do desenvolvimento e saúde do bebê, devem preparar a mãe para possíveis complicações no momento do parto e assim as necessidades médicas corretas para resolução dos problemas, com a finalidade principal da sua vida e de seu bebê.
O presente trabalho analisará vivências de diversas parturientes, em seu pré-parto, durante e após ele, com o intuito de investigar as causas e consequências dessa violência, observando como Judiciário tem agido para combater essas práticas.
2.PRIMEIRO CAPÍTULO: VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Diversas são as condutas que podem caracterizar violência obstétrica, podendo ser executadas costumeiramente, mas que sem a autorização da mulher, são consideradas abusivas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), refere-se a:
“apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida”.
A episiotomia, por exemplo, procedimento no qual se realiza um corte entre a vagina e o ânus da mulher, que tem por finalidade facilitar a passagem do bebê e o uso da ocitocina, hormônio que ajuda na hora do parto, em si não são agressivos, mas se tornam ofensivos se utilizados sem autorização da mulher ou quando utilizados para acelerar o processo de parto pela equipe hospitalar.
A Manobra de Kristeller consiste em procedimento por meio do qual se faz pressão na parte superior do útero para acelerar a saída do bebê, o que pode acarretar traumas tanto para a mãe, quanto para o recém-nascido. Por essa razão, o Ministério da Saúde classificou a Manobra de Kristeller como sendo uma prática claramente prejudicial ou ineficaz que deve ser eliminada.
Além dessa manobra, outras condutas também podem ser consideradas violência obstétrica, tais como, negar analgesia quando a mulher solicita; impedir a comunicação, retirando o uso do aparelho celular na assistência ao parto normal; deixar a mulher em situação de abortamento junto com outras gestantes; impossibilitar a mulher de parir na posição que mais se sentir confortável, sem que haja impedimento clínico; restringir a entrada de acompanhantes do sexo masculino por não ter privacidade na instituição.
A violência neonatal, separação entre bebê e mãe, atraso no contato pele a pele, aspiração de rotina, bater ou esfregar o bebê, medir a temperatura pelo ânus e qualquer procedimento feito sem o consentimento informado dos pais também podem caracterizar violência.
Há também procedimentos de cunho sexual, como o denominado “ponto do marido”, método cirúrgico que necessita de suturas para reparar o períneo da mulher, após ter sido rompido ou cortado durante o parto, com caráter exclusivamente sexual para diminuir a elasticidade natural causada após a realização do parto normal, que são abusos obstétricos.
Em uma alusão histórica, é reconhecido o papel das parteiras, que mesmo sem conhecimentos médicos faziam o parto em domicílio, realizando os primeiros atos necessários de vida ao bebê. Somente, mulheres com gestações consideradas de risco e que necessitavam de cesariana eram atendidas em hospitais.
De fato, as modificações na assistência ao parto ocorreram no século XVII, como cita Arruda:
“As modificações definitivas na assistência ao parto ocorreram a partir do século 17 quando se descobriu o mecanismo da ovulação, pois o entendimento de que a mulher possuía uma estrutura mais delicada do que a do homem levou à percepção do parto como perigoso para a saúde e que a medicina deveria protegê-la. O modelo cartesiano do dualismo mente/corpo evoluiu para o corpo como uma máquina, sendo o corpo masculino considerado o protótipo desta máquina e o feminino um desvio do padrão masculino, considerado hereditariamente anormal, defeituoso, perigosamente imprevisível, regido pela natureza e carente do controle constante por parte dos homens. Com o advento do capitalismo industrial, a prática da assistência ao parto se consolidou como exercício monopolizado dos médicos e, assim, foi legitimado e reconhecido. ”
A partir do século XVII, as mulheres passaram a ter assistência médica durante o parto, tornando qualquer modalidade de nascimento hospitalar: parto (normal) ou cirúrgico (Cesária).
A gestação é feita por um acompanhamento clínico, estipulando-se um prazo para o parto e, caso assim não aconteça, as causas devem ser justificadas, não podendo o hospital, a equipe médica ou profissionais de saúde optarem por intervenções desnecessárias para que a mulher dê à luz no prazo estipulado, com práticas violentas contra o corpo da paciente, e de procedimentos invasivos que podem trazer sérios problemas tanto físicos, quanto psicológicos para a mulher.
3.SEGUNDO CAPÍTULO: PROJETO DE LEI E LACUNA LEGISLATIVA DE LEI ESPECÍFICA
Em âmbito jurídico há projeto de lei no Senado Federal, de autoria da Senadora Leila Barros, que discorre sobre a violência obstétrica. O projeto de Lei n° 2082, DE 2022 pretende alterar o Código Penal e a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para tipificar a violência obstétrica como crime e estabelecer procedimentos para sua prevenção.
Art. 285-A Constitui violência obstétrica qualquer conduta direcionada à mulher durante o trabalho de parto, parto ou puerpério, que lhe cause dor, dano ou sofrimento desnecessário, praticada sem o seu consentimento ou em desrespeito pela sua autonomia ou, ainda, em desacordo a procedimentos estabelecidos no âmbito do Ministério da Saúde, constituindo assim uma clara limitação do poder de escolha e de decisão da mulher. Pena - detenção, de três meses a um ano. Parágrafo único. Caso a mulher vítima de violência seja menor de 18 anos ou maior de 40 anos Pena - detenção, de seis meses a dois anos.” (Projeto de Lei nº 2082, 2022)
O projeto tem como principal intuito a responsabilização criminal dos médicos e das equipes que pratiquem tal ato no momento de vulnerabilidade da mulher em seu direito de parir.
As vítimas de violência devem denunciar as práticas na Secretaria de Saúde do seu Município ou na ouvidoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) caso seja beneficiária de plano de saúde. As denúncias devem ser apresentadas nos conselhos de classe e as ações judiciais podem buscar reparação dos seus danos materiais, estéticos e/ou morais, além de punição criminal.
O prazo prescricional para propositura de ação reparadora de danos é de 3 anos a 5 anos, a depender do caso, fundamentando no artigo 206, §3º, V do Código Civil, reforçando a importância de divulgação e conhecimento público por meios de convocação do Judiciário para, posteriormente, reparar danos causados à mãe.
O número 180 é um serviço de utilidade pública utilizado para apoio a mulher que sofre violência, seja ela em qualquer modalidade, fornece instruções e encaminhamentos para órgãos públicos ou para serviços especializados para iniciativa da restauração da dignidade da mulher e eficácia do ordenamento jurídico.
“O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.
O serviço também tem a atribuição de orientar mulheres em situação de violência, direcionando-as para os serviços especializados da rede de atendimento. No Ligue 180, ainda é possível se informar sobre os direitos da mulher, a legislação vigente sobre o tema e a rede de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.”
O Ministério da Saúde, diante da inexistência de lei federal exemplifica normativas que resguardam o direito da parturiente:
“EXEMPLOS DE NORMATIVAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: Portaria 569/2000 – Institui o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, no âmbito do SUS – prevê o direito de atendimento digno, humanizado e de qualidade na gestação, parto e puerpério e traça os princípios gerais e condições para o adequado acompanhamento do pré-natal e para a adequada assistência ao parto.
- Portaria 1.067/2005 – Diz que é dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos e que a atenção com qualidade e humanizada depende de rotinas com procedimentos comprovadamente benéficos, evitando- -se intervenções desnecessárias, e do estabelecimento de relações baseadas em princípios éticos, garantindo a privacidade, a autonomia e compartilhando com a mulher e sua família as decisões sobre as condutas a serem adotadas.
- Portaria 371/2014 – Assegura o contato pele a pele mãe e bebê logo após o parto, o aleitamento materno na primeira hora e o clampeamento do cordão umbilical (corte) após cessadas suas pulsações, quando as condições de saúde do bebê são adequadas.
- A OMS recomenda atrasar o clampeamento (corte) do cordão umbilical, porque isso permite a passagem continuada do sangue da placenta para o bebê durante mais 1 a 3 minutos após o nascimento, o que aumenta as reservas de ferro da criança, reduzindo as chances de anemia infantil.
- Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, de 2017: documento do Ministério da Saúde que sintetiza e avalia sistematicamente a informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao nascimento fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado, no intuito de promover, proteger e incentivar o parto normal.
1. Os Estados-parte adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso à serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar.
2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados-parte garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância.”
Erroneamente no Brasil não há lei federal que criminalize tal conduta agressiva, enquadrando a conduta como lesão corporal e importunação sexual, delegando aos Estados criarem mecanismos de prevenção e combate visando à proteção integral da parturiente e expondo as condutas violadoras.
Notoriamente vemos a carência no ordenamento jurídico de lei especifica que descreva todas as condutas infratoras e suas punibilidades, qualificadoras e majorantes. É de conhecimento a autonomia dos entes estatais para criação de leis, mas injustificável a omissão federal a tratar de assunto recorrente e degradante à primazia da vida.
A violação possui somente fundamentação em normas genéricas, como nos artigos 186,186 e 927 do Código Civil, que descrevem a reparação de danos após ação voluntária ou não, oriunda de negligência ou imprudência que causem dano a alguém, cabendo indenização e medidas preventivas.
4.TERCEIRO CAPÍTULO: PESQUISA PRÁTICA EM CONSULTA NO TJSP
Pesquisas realizadas no TJ/SP processos danos morais, materiais e estéticos resultantes de violência obstétrica.
Foi realizado levantamento no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, colocando como parâmetro de pesquisa o termo "violência obstétrica" e foi selecionado 118 resultados de processos no banco de sentenças em comarcas variadas. Foram destacadas para pesquisa as 20 sentenças mais recentes proferidas para a análise qualitativa. Dentre essas, 2 (duas) foram julgadas procedentes, 2 (duas), parcialmente procedentes e 16 (dezesseis), improcedentes.
Os pedidos acolhidos, ou seja, julgados procedentes foram casos irrefutáveis: uma doula teve sua conta de trabalho banida no Facebook sem indicação de quebra do "Termos de Uso” ou compartilhamento de conteúdo inapropriado, e o caso da parturiente que sofreu diversas agressões verbais; impedimento de acompanhamento da doula no momento do parto; proibição da entrada do fotógrafo; negativa de comunicação com o médico particular da parturiente para este fazer a cirurgia;
Importante ressaltar nesse último caso a quantidade de testemunhas que depuseram a favor da mãe, para assim servir de prova confiável apta a conferir condenação.
A análise demonstrou grande desigualdade quantitativa nas procedências das ações, em que foi nítido nas narrativas o reclame ético das equipes médicas: ações e falas dos profissionais da saúde de deveriam amparar, orientar e humanizar medos e inseguranças das parturientes.
Na maioria das ações judiciais não se obteve acolhimento dos pedidos iniciais e o fundamento principal das decisões foi a falta do nexo de causalidade nos laudos periciais, que constataram falta de conexão entre a violência sofrida e o dano alegado.
A defesa foi baseada no argumento de que os procedimentos e lesões foram amparados pela literatura médica, não acarretando ato culposo do profissional.
Notória a realidade desigual em que somos inseridos, tendo rotineiramente no topo das pautas sociais o desequilíbrio entre homens e mulheres, a luta constante e permanente de todos que se intitulam igualitários. Mesmo cenário machista existe para o momento do parto, nascimento.
Ser mãe é jornada dupla eterna, trabalho incansável na educação, princípios e afeto, o fio condutor da criação de personalidade e caráter, papel belo e aplaudido.
Entretanto, além desta figura, há a o ser humano, uma mulher, com todas as necessidades básicas, medos, anseios, sonhos e vida; a responsabilidade de criação e amparo familiar é destinado a ela, utópico se afastar de tais deveres, inclusive de ser mãe, não há possibilidade de nascimento sem ela, pelo próprio sentido holístico da vida, como civilmente prático na certidão de nascimento.
Qualquer descaso e maus tratos a mulheres no momento do parto viola não somente a vítima, mas todas as responsabilidades morais que à mãe deve ser garantida.
Colocações importantes devem ser consideradas, primordialmente sua saúde mental, a depressão pós-parto atinge diretamente o bebê, a mãe e toda rede de apoio (caso exista) que auxilia a família.
Posterior, a saúde física interfere em que meios a prole será cuidada, e quais condições físicas a mãe terá para cria-lo, lesões e sequelas interferem na capacidade e recuperação pós-parto.
Em seguida, lidamos com a triste realidade do luto proveniente da imprudência ou negligência profissional que destroem sonhos, vida e família.
A premissa da justificativa literária dos procedimentos obstétricos invasivos contraria a sociedade que tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana. O modelo médico atual por mais que justificado sua importância quando se trata em salvar vidas, caso seja utilizado de forma quantitativa, para agilizar procedimentos e atendimentos, viola o modelo dos direitos humanos que almeja cuidados e esforços (dentro do saudável) para que as a vida e autonomia da mulher sejam resguardados.
Cabe ao Judiciário a empatia com os fatos sociais. A ciência que fundamenta laudos periciais possui grande importância, mas acima disso há as vertentes e vivências sofridas pela mãe no momento do parto, agressões verbais, violência psicológica, conversas irônicas que degradam a honra feminina, que não costuma ser constatado documentalmente, tudo deve ser considerado.
Evidente é o progresso no mérito da fala da mulher em crimes sexuais e de violência doméstica, objetiva-se alcançar esta evolução para os atos de violência obstétrica.
A violência obstétrica se tornou recorrente em muitos partos realizados principalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É necessário dar visibilidade e publicidade a todas as condutas médicas puníveis e inaceitáveis, como apelo ao Judiciário para análise particular e individualizada de toda violação moral e psicológica muitas vezes desconsideradas em laudos periciais.
A utilização de políticas públicas para repercussão nacional e eficácia na segurança e tranquilidade no momento do parto, como a criação de lei federal específica que regulamente fato típico, nexo causal e punibilidade, levando em consideração principalmente os direitos, anseios e dignidade da parturiente.
Como método preventivo, é válida a inserção da matéria de violência obstétrica nas grades curriculares de faculdades de direito e cursos relacionados à saúde, para conhecimento e instrução a todos os profissionais, quanto às boas práticas profissionais.
Necessárias são as instruções às mulheres que estejam em acompanhamento no período de pré-natal, sobre os possíveis riscos, condutas irregulares por profissionais da saúde e respaldo legal, caso nenhuma das medidas preventivas tenha eficácia.
A luta ao direito à vida e à tranquilidade para um parto saudável e humanizado é um dever de todos, já que fomos concebidos por uma mulher.
(ARRUDA, 1989, apud NAHAGAMA; SANTIAGO, 2005, p. 655 p.655-656).
BATALHA, Elisa. Entrevista: pesquisadora fala sobre violência obstétrica. 2019. Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/46561#:~:text=Viol%C3%AAncia%20obst%C3%A9trica%20consiste%20na%20apropria%C3%A7%C3%A3o,tomar%20suas%20pr%C3%B3prias%20decis%C3%B5es%20livremente. Acesso em: 12 jan. 2023.
BRASIL. Decreto nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Artigo 129 do Decreto Lei Nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. [S.l], Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10624670/artigo-129-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940. Acesso em: 03 nov. 2022.
BRASIL. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).. Lei Nº 13.718, de 24 de Setembro de 2018.. [S.l], Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm. Acesso em: 03 nov. 2022.
CINTRA, Flávia; FANTÁSTICO. Shantal, sobre parto conduzido por Renato Kalil: 'Não tinha a menor necessidade de ele tentar me rasgar com as mãos': influenciadora digital contou, em entrevista exclusiva à repórter flávia cintra, detalhes da violência obstétrica que sofreu e revelou por que decidiu falar só agora.. Influenciadora digital contou, em entrevista exclusiva à repórter Flávia Cintra, detalhes da violência obstétrica que sofreu e revelou por que decidiu falar só agora.. 2022. Elaborado por Fantástico. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10196296/. Acesso em: 06 set. 2022.
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MATO GROSSO DO SUL. Governo do Estado Mato Grosso do Sul. Secretaria Estadual de Saúde. Violência Obstétrica. 2021. Disponível em: https://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/livreto_violencia_obstetrica-2-1.pdf. Acesso em: 10 maio 2023.
MORI, Mônica. Quais dessas condutas de violência obstétrica você ainda não sabia? 26 set. 2022. Instagram: @monicamoriadvogada. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ci-Ys50uq28/?igshid=YmMyMTA2M2Y=. Acesso em: 26 set. 2022.
NAGAHAMA, Elizabeth Eriko Ishida; SANTIAGO, Silvia Maria. A institucionalização médica do parto no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, [S.L], v. 3, n. 10, p. 651-657, 20 abr. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/twSzNppPXN3VkMJyyDRsfDg/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 02 nov. 2022.
SENADO FEDERAL. Congresso. Senado. Projeto de Lei nº 2082, de 2022. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para tipificar a violência obstétrica como crime e estabelecer procedimentos para sua prevenção.. Projeto de Lei N° 2082, de 2022. p. 1-5.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. Música: Over My Head-14494. [S.L]: Tv Saúde Brasil, 2019. (26 min.), son., color. Série Saúde Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RLsVYUh_NfM. Acesso em: 13 out. 2022.
Graduanda do 9º Semestre do Curso de Direito da Universidade Brasil - Campus Fernandópolis. Atuei como estagiária de 2017 a 2018 na 3ª Vara Cível da Comarca de Fernandópolis; 2019 a 2020 no escritório de advocacia AZADINHO&NOSSA na cidade de Fernandópolis; 2021 e atualmente estagiária da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC) e Centro Atendimento ao Egresso e Família (CAEF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Rafaela Gandolfi. Violência obstétrica – condutas médicas infringentes a autonomia da parturiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2023, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62438/violncia-obsttrica-condutas-mdicas-infringentes-a-autonomia-da-parturiente. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
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