Tráfico de drogas e confisco de bens
É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único (1), da Constituição Federal (CF).
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 647 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário interposto contra acórdão que determinou a devolução de veículo de propriedade de acusado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, sob o fundamento de que a perda do bem pelo confisco deve ser reservada aos casos de utilização do objeto de forma efetiva, e não eventual, para a prática do citado delito.
Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator). Para ele, o confisco de bens pelo Estado encerra uma restrição ao direito fundamental de propriedade, garantido pelo art. 5º, “caput” e XXII, da CF (2).
Asseverou que o confisco de bens utilizados para fins de tráfico de drogas, da mesma forma como as demais restrições aos direitos fundamentais expressamente previstas na Constituição Federal, deve conformar-se com a literalidade do texto constitucional, vedada a adstrição de seu alcance por outros requisitos que não os estabelecidos pelo art. 243, parágrafo único, da CF.
Consignou que o confisco, no direito comparado, é instituto de grande aplicabilidade aos delitos de repercussão econômica, sob o viés de que “o crime não deve compensar”. Tal perspectiva foi adotada pelo constituinte brasileiro e pela República Federativa do Brasil, que internalizou diversos diplomas internacionais que visam reprimir severamente o tráfico de drogas.
Observou que o tráfico de drogas é reprimido pelo Estado brasileiro, por meio de modelo jurídico-político, em consonância com os diplomas internacionais firmados. Os preceitos constitucionais sobre o tráfico de drogas e o respectivo confisco de bens constituem parte dos mandados de criminalização previstos pelo poder constituinte originário a exigir uma atuação enérgica do Estado sobre o tema, sob pena de o ordenamento jurídico brasileiro incorrer em proteção deficiente dos direitos fundamentais.
Segundo o relator, o confisco previsto no art. 243, parágrafo único, da CF deve ser interpretado à luz dos princípios da unidade e da supremacia da Constituição, ou seja, não se pode ler o direito de propriedade em separado, sem considerar a restrição feita a esse direito. Concluiu que a habitualidade do uso do bem na prática criminosa ou sua adulteração para dificultar a descoberta do local de acondicionamento, “in casu”, da droga, não é pressuposto para o confisco de bens nos termos do citado dispositivo constitucional.
Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que negaram provimento ao recurso.
Para o ministro Ricardo Lewandowski, deve prevalecer a regra constitucional da proibição do confisco, observados, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, para ser confiscado, seria necessário provar que o veículo teria sido destinado integralmente para a prática do delito. Além disso, considerou que o parágrafo único do art. 243 não é um dispositivo independente, mas deve ser lido em harmonia com o seu “caput”, o qual diz respeito apenas a propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei.
O ministro Marco Aurélio, de igual modo, emprestou ao parágrafo único do citado artigo a disciplina de simples acessório, a remeter, necessariamente, a bens encontrados na propriedade objeto de expropriação.
(1) Constituição Federal/1988: “Art. 243. As propriedades rurais e urbanas serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei”.
(2) Constituição Federal/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII – é garantido o direito de propriedade”.
RE 638491/PR, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.5.2017. (RE-638491)
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