O caso apresentado para análise trata-se da prática criminal conhecida como inside trader, na qual pessoas detentoras de informações privilegiadas pelo cargo que ocupa na instituição financeira as utiliza de forma indevida para realizar negociações no mercado financeiro.
Inicialmente podemos fazer uma breve digressão histórica sobre a regulamentação de atividades do mercado financeiro pelo Direito Penal. No final do século xx, mas precisamente nas décadas de 70,80 e 90 a sociedade passou por mais uma grande transformação que passou a ser conhecida como sociedade pós-moderna. Com essa grande transformação surgiram novas tecnologias que mudaram o dia a dia dos indivíduos por completo, fazendo surgir novos riscos e perigos que até então eram inimagináveis.
O sociólogo Ulrich Beck diante da transformação ocorrida denominou como Sociedade de Riscos e tais riscos pela rápida e constante evolução que vem acontecendo não foi possível realizar uma reflexão sobre as consequências advindas.
Diante de tal fato o Ordenamento Jurídico como um todo se modificou diante do fenômeno da globalização gerada. Globalização em todos os sentidos, seja econômica, política, social, tecnológica, etc.. Isto trouxe uma série de consequências como por exemplo a transnacionalização ocorrendo, por exemplo, uma diminuição nas soberanias dos países. Um exemplo disso é a chamada desnacionalização que nos trás a perda do monopólio legislativo por parte dos Estados Nacionais podendo citar por exemplo os diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que são observados e incorporados em seus Ordenamentos Jurídicos.
A partir da Sociedade de Riscos os bens jurídicos que até então poderiam ser facilmente identificado e individualizados, havendo um controle quantitativo e qualitativo chamado de microcriminalidade migrou para violações que não mais se consegue determinar a extensão da lesão e a quantidade de vítimas causadas perdendo-se a chamada característica qualitativa e quantitativa. Passou-se a ter violações ao que se chamou bens jurídicos supraindividuais (coletivos ou difusos) surgindo a macrocriminalidade onde como dito a extensão do dano e as vítimas tornam-se muitas das vezes impossível de se mensurar.
Esta transformação como dito anteriormente trouxe novas oportunidades de atividades e negócios sendo uma delas as atividades econômicas e financeiras o que gerou o chamado Direito Econômico. No tocante ao Direito Penal surgiu o chamado Direito Penal Econômico. Surgiram diversas legislações para regulamentar o Direito Econômico entre elas crimes contra o Mercado de Capitais, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes contra a Ordem Tributária entre outros, tendo ocorrido uma grande expansão do Direito Penal saindo da esfera de Direito Penal Mínimo, Intervenção Mínima onde muitas das vezes se confunde com o Direito Administrativo Sancionador, ocorrendo o que alguns doutrinadores chamam de Administrativização do Direito Penal. Ocorre que com o advento das lesões supraindividuais surgiram novos tipos penais como os de perigo abstrato.
No que diz respeito ao Mercado de Capitais a lei 6385/76 trouxe a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) órgão administrativo responsável pela regulamentação da atividade e detentora do poder administrativo sancionador, bem como tipificou algumas condutas como crimes citando por exemplo o artigo 27-D que tipificou como crime o uso indevido de informações privilegiadas o chamado inside trader.
Diversos países do mundo também realizaram legislações para regulamentar e punir quem abusar do direito de utilização do mercado financeiro, visto que com o advento da globalização o mercado se tornou mundial e não somente regional, ocorrendo negociações de empresas transnacionais. No caso apresentado o EUA trouxe entre outras a regra 10b-5 que prevê como crime a utilização de informação privilegiada com o intuito de fraudar o mercado. Trouxe também a regra 10b5-1 que deixava que algumas transações fossem feitas pelos detentores de informações privilegiadas mas sem discrepância entre estes e o público comum.
No caso apresentado o CEO da Midway Games, David Zucker e o CEO da Countrywide, Angelo Mozilo foram investigados por terem cometido abuso do previsto na regra 10b5-1, cabendo destacar que como característica da criminalidade econômica como um todo é mais complicado comprovar a prática delitiva, seja pela comprovação do nexo de causalidade, seja pelos indícios de autoria e materialidade razão pela qual no Brasil os Tribunais Superiores firmaram entendimento de que a denúncia oferecida pelo Ministério Público pode ser genérica no sentido de não individualizar as condutas dos acusados e durante o decorrer do processo com o surgimento das provas as condutas vão sendo individualizadas. É o que Jesus Maria Silva Sanchez chamou em seu livro A Expansão do Direito Penal como terceira velocidade do direito penal onde algumas garantias constitucionais são mitigadas em prol das lesões de bens supraindividuais.
Pode-se observar pelo exposto que juntamente com o surgimento da sociedade pós-industrial também chamada de sociedade de riscos houve um grande inchaço do Direito Penal que não mais está sendo subsidiária e de intervenção mínima e está tutelando bens que podiam ser facilmente resolvidos pelo Direito Administrativo Sancionador.
Referência
ROCK CENTER FOR CORPORATE GOVERNANCE CASO: CG-10 DATA: 09/11/07
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