Supremo Tribunal Federal - STF.
DJE nº 055 - Divulgação: 27/03/2008 - Publicação: 28/03/2008
Ementário nº 2312 - 5
PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN - MENEZES DIREITO
PACIENTE(S): ALEXANDRE PEDRO DO NASCIMENTO
IMPETRANTE(S): DIVALDO THEÓPHILO DE OLIVEIRA NETTO E OUTRO(AIS)
COATOR(AIS)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA
HABEAS CORPUS - Processual Penal - Efeitos do decreto de prisão preventiva no tempo - Superveniência de pronúncia - Precedentes da Corte.
1 - A atual jurisprudência desta Corte é no sentido de que a sentença de pronúncia não autoriza, por si só, a prisão do réu, devendo, antes, indicar fundamentos tipicamente cautelares para tanto.
2 - Isso não significa que a segregação imposta preventivamente em momento anterior à pronúncia não possa persistir mesmo após o seu advento. Tal fica induvidoso quando o Juiz afirmar na sentença de pronúncia que os fundamentos da prisão cautelar persistem.
3 - Precedente desta Primeira Turma, de que fui Relator (HC nº 91.205DF), assentiu que a "sentença de pronúncia que traz fundamentos novos ou complementares constitui, ao contrário, título de prisão cautelar autônoma que, por isso, deve ser atacado em via própria, cumprindo assim reconhecer prejudicado o writ anteriormente impetrado', o que não acontece quando "simplesmente repetir os fundamentos declinados na ordem de segregação cautelar anterior".
4 - Não é possível, em sede de habeas corpus, examinar se os fundamentos fáticos declinados para fundamentar a prisão preventiva e reafirmados por oportunidade da pronúncia ainda existem de fato.
5 - Ordem denegada,
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Sr. Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 12 de fevereiro 2008.
MINISTRO MENEZES DIREITO Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MENEZES DIREITO:
Habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pelos advogados Divaldo Theóphilo de Oliveira Netto e Cleber Lopes em favor de Alexandre Pedro do Nascimento, buscando a revogação da prisão cautelar do paciente para que ele possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal.
Apontam como autoridade coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, em 1418107, denegou o HC nº 83.7611DF, Relatora a Desembargadora Convocada do TJ/MG Jane Silva.
Alegam os impetrantes que:
(...)
Do exame da decisão de pronúncia, no particular que manteve a constrição, percebe-se que o nobilíssimo julgador apenas fez remissão aos argumentos lançados na decretação da prisão preventiva, sem demonstrar em que medida a prisão continuava sendo necessária.
Tendo por certo que tal decisão confronta com o hodierno entendimento jurisprudencial sobre a temática, notadamente por parte do Superior Tribunal de Justiça, impetrou-se ordem de habeas corpus perante o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios com o fito de que fosse reconhecida a falta de motivação para a mantença da prisão.
A ordem fora denegada por maioria, tendo a Turma Criminal legitimado o entendimento de primeiro grau, razão pela qual se impetrou novo habeas corpus, agora perante o Superior Tribunal de Justiça que, por intermédio da sua 50 Turma, o denegou, daí a presente impetração.
Consoante dito nas linhas iniciais o remédio heróico busca apontar a deficiência havida no decreto de pronúncia, já que a prisão fora mantida sem a devida justificação, limitando-se o Magistrado a se reportar aos fundamentos do decreto-originário como se os mesmos fossem indeléveis.
Em tema de prisão provisória, como não poderia deixar de ser, é preciso que a mantença da segregação esteja em constante refutação, para que não haja a transformação em pena do que era prisão cautelar.
Foi exatamente nessa perspectiva que a impetração foi desenvolvida perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, bem assim perante o Superior Tribunal de Justiça (..)" (fls. 3/4).
Sustentam que:
"(...)
Embora haja julgados em sentido contrário, mais adequado nos parece a tese de que o juiz da pronúncia deve avaliar se ainda estão presentes os requisitos que autorizam a medida extrema e, mais do que isso, em caso positivo, deve fundamentar de modo claro e coerente sua decisão.
Cabe dizer que não mais se pode conceber no ordenamento jurídico pátrio a repisada prática de manter-se a prisão por seus próprios fundamentos, pois tal ato, data venia, configura total ausência de motivação do provimento jurisdicional, norma imperativa e direito de todo cidadão, mormente aquele que se encontra preso.
A tese da impetração é a de que a simples remissão aos fundamentos de uma prisão decretada há mais de ano, deixando de considerar a fluidez do tempo e, por conseguinte, a mudança do estado das coisas, configura falta de fundamentação a ensejar a concessão da ordem" (fls. 5/6).
Afirmam, ainda, que não estão presentes os requisitos fáticos da prisão preventiva a justificar a sua manutenção. Ao final, pedem que seja concedida a ordem, "revogando-se a prisão preventiva do paciente, para que o mesmo possa aguardar o trânsito em julgado em liberdade" (fl. 20).
A autoridade apontada como coatora prestou informações às tolhas 39 a 128.
O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
Habeas corpus - Processual Penal - Efeitos do decreto de prisão preventiva no tempo - Superveniência de pronúncia - Precedentes da Corte.
1 - A atual jurisprudência desta Corte é no sentido de que a sentença de pronúncia não autoriza, por si só, a prisão do réu, devendo, antes, indicar fundamentos tipicamente cautelares para tanto.
2 - Isso não significa que a segregação imposta preventivamente em momento anterior à pronúncia não possa persistir mesmo após o seu advento. Tal fica induvidoso quando o Juiz afirmar na sentença de pronúncia que os fundamentos da prisão cautelar persistem.
3 - Precedente desta Primeira Turma, de que fui Relator (HC nº 91.205-DF), assentiu que a "sentença de pronúncia que traz fundamentos novos ou complementares constitui, ao contrário, título de prisão cautelar autônoma que, por isso, deve ser atacado em via própria, cumprindo assim reconhecer prejudicado o writ anteriormente impetrado', o que não acontece quando "simplesmente repetir os fundamentos declinados na ordem de segregação cautelar anterior".
4 - Não é possível, em sede de habeas corpus, examinar se os fundamentos fáticos declinados para fundamentar a prisão preventiva e reafirmados por oportunidade da pronúncia ainda existem de fato.
5 - Ordem denegada.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MENEZES DIREITO:
O paciente, além de outros quatro co-réus, está sendo processado pela prática, em tese, de homicídio triplamente qualificado (artigo 121, parágrafo 24, incisos II, III e IV). Alegam os impetrantes que o Magistrado, quando da sentença de pronúncia, deveria demonstrar de forma motivada que a segregação cautelar do paciente, decretada preventivamente há mais de um ano, continuava sendo necessária. Nesse sentido, acrescentam que a simples referência às razões declinadas originariamente na preventiva não seria suficiente para demonstrar que, no mundo dos fatos, esses fundamentos ainda persistem.
Afirmam, ainda, que o paciente, em liberdade, não oferece risco à aplicação da lei penal ou à ordem pública.
A irresignação não prospera.
A partir do modelo constitucional vigente, toda prisão cautelar é necessariamente uma prisão provisória que, por isso, deve ser revogada se porventura cessarem os motivos de fato ou de direito que a ensejaram antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Para evitar que a constrição de caráter provisório perdure indefinidamente, impõe-se examinar a manutenção de seus pressupostos nos momentos processuais próprios. Isso, por outro lado, não autoriza presumir que o decreto de prisão cautelar esteja sujeito a um prazo de validade.
Na hipótese dos autos, o paciente está preso por força de uma prisão preventiva decretada antes da pronúncia. Conquanto essa decisão encerre um juízo cautelar, continua a valer enquanto não for revogada. Não é lícito afirmar que, em virtude apenas do decurso do tempo ou da superveniência da pronúncia, se apaguem a sua vigência e os seus efeitos.
A jurisprudência desta Corte tem repetido que a sentença de pronúncia não autoriza, por si só, a prisão do réu, devendo, antes, indicar fundamentos tipicamente cautelares para tanto (HC nº 83.8651SP, Primeira Turma, de minha relatoria, DJ de 7/12/07; HC nº 89.900/SP, Primeira Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJ de 23/3/07; HC nº 86.684/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 17/2/06; HC n 81.832/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 8/6/07).
Esse posicionamento não implica, porém, que a segregação imposta preventivamente perca a sua validade se não substituída ou renovada ao tempo da pronúncia. O decreto de prisão preventiva constitui título autônomo que permanece válido enquanto não for devidamente desconstituído ou substituído.
Dir-se-ia que o ordenamento jurídico deixou de pôr à disposição da defesa meios para desconstituir tal decreto. Ocorre que em virtude de sua natureza cautelar, a prisão cautelar pode ser atacada a qualquer tempo por simples petição atravessada nos autos. O que não se pode admitir é que, como pretendem os impetrantes, esteja o Magistrado, por oportunidade da sentença de pronúncia, obrigado a novamente justificar a necessidade da prisão cautelar. A cautela mencionada constitui, sem dúvida, providência benfazeja, mas sua não-observância não acarreta nulidade.
Convém anotar que, no caso concreto, foi adotada a cautela mencionada, pois a sentença de pronúncia se preocupou em afirmar presentes os motivos que justificaram a expedição da ordem de prisão preventiva.
Confira-se, a propósito, a seguinte passagem:
"Tenho que a prisão cautelar deve permanecer, eis que ainda presentes os fundamentos, ademais, a garantia da aplicação da lei penal também é um motivo ensejador da manutenção da prisão cautelar, pois conforme consta do interrogatório do denunciado Alexandre (fls. 258/261) e do depoimento do delegado de polícia Antônio Coelho Sampaio (fls. 323/327), todos os denunciados evadiram-se do distrito da culpa, o que pode se repetir, se soltos forem" (fl. 100 - apenso).
A prisão preventiva, a seu turno, está assim fundamentada:
"(...)
Noutro passo, há evidências, nos autos, de que os indiciados, estiveram foragidos, desde a data do incidente, apresentando-se à polícia judiciária somente depois de obtida, a custo, a respectiva identificação.
Concorrem, ainda, fundadas suspeitas de que, para dificultar a ação da polícia, os indiciados retiraram suas fotografias do sítio eletrônico de relacionamento conhecido como 'Orkut', tão logo iniciados os trabalhos de investigação policial.
Firma-se, com isso, o juízo de razoabilidade do receio manifestado pela autoridade representante, o qual se viu encampado pelo órgão ministerial, artificiosos, com o propósito de furtarem-se à ação da Justiça.
Por outro lado, a potencial periculosidade revelada pelo comportamento impiedoso e brutal que se atribui aos indiciados, que, por motivo banal, espancaram uma das vítimas, até que ele desfalecesse, faz com que se presuma o risco a que estará, aparentemente, submetido o corpo social, na hipótese de serem eles mantidos em liberdade" (fls. 69/70 - apenso).
Como se vê, a sentença de pronúncia afirmou persistir o fundamento da prisão preventiva relativo à garantia da instrução criminal e, além disso, proclamou a necessidade de se garantir a aplicação da lei penal tendo em vista a fuga dos denunciados do distrito da culpa.
Segundo a orientação prevalecente nesta Corte, a sentença de pronúncia, quando repete os fundamentos do decreto preventivo anterior, pode estar contaminada pelos mesmos vícios que o maculavam. Esse raciocínio está assentado na premissa de que, reconhecida a nulidade da ordem de prisão preventiva, estará automaticamente reconhecida a invalidez da sentença de pronúncia na parte relativa à segregação do réu, já que os fundamentos de ambas as decisões são, nessas hipóteses específicas, os mesmos.
Perfilhando essa orientação: HC nº 83.777/MG, Tribunal Pleno, Relator para acórdão o Ministro Marco Aurélio, DJ de 6/10/06; HC nº 90.064/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 22/6/07; HC nº 86.522/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 16/6/06; HC nº 86.019/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 7/4/06.
Anoto, ainda, que precedente desta Primeira Turma, de que fui Relator (HC nº 91.205-DF), assentiu que a "sentença de pronúncia que traz fundamentos novos ou complementares constitui, ao contrário, título de prisão cautelar autônoma que, por isso, deve ser atacado em via própria, cumprindo assim reconhecer prejudicado o writ anteriormente impetrado", o que não acontece quando "simplesmente repetir os fundamentos declinados na ordem de segregação cautelar anterior.
Examinando a decisão que decretou a prisão preventiva e também a emenda acrescentada pela sentença de pronúncia, é possível verificar, no entanto, que houve a indicação de elementos concretos para se afirmar o risco à ordem pública e à aplicação da lei penal.
De outra parte, o rito especial do habeas corpus, porque avesso a dilações probatórias, não se revela adequado para a discussão suscitada pelos impetrantes relativa à veracidade dos elementos de convicção declinados pelo Magistrado para afirmar satisfeitos os fáticos para a prisão preventiva (HC nº 91.334/PA, Primeira Turma, Relatora Ministra Carmen Lúcia, DJ de 17/8/07; HC nº 90.292/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 25/5/07; HC nº 88.978/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 21/9/07; HC nº 84.278/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 22/10/04).
Por fim, assinalo que esta Suprema Corte já examinou o tema em relação aos co-réus no HC nº 92.344-DF (DJ de 14/2/08), que foi denegado na mesma linha.
Ante o exposto, denego a ordem.,
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3 DISTRITO FEDERAL
PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS nº 93.012
VOTO
A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Senhor Presidente, havia notado, nos documentos que nos foram encaminhados, exatamente algumas das passagens agora relembradas pelo eminente ministro Relator, no que concerne às evidências que o juiz encontrou no sentido de ter existido - conforme relata - não apenas a fuga, no início, a intenção de se manterem foragidos, mas inclusive o comportamento no sentido de obstaculizar a possibilidade de serem facilmente encontrados.
Não vejo motivos para alterar o que antes decidido, razão pela qual acompanho integralmente o voto do eminente Relator
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3 DISTRITO FEDERAL
PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS Nº 93.012
VOTO
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor Presidente, também acompanho o douto Relator. Coincidentemente grifei as passagens semelhantes àquelas que foram relatadas, enunciadas pelo nobre Relator.
Portanto, denego a ordem, até porque não vejo diferença com relação a situações anteriormente analisadas por esta Turma.
Obs.: Texto sem revisão (parágrafo.4º do artigo 96 do RISTF)
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3 - DISTRITO FEDERAL
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Senhor Presidente, sempre que um advogado da alta qualificação do Dr. Cleber Lopes - conhecido nosso, sempre desempenha o seu múnus advocatício com muito brilho, com muita clareza - desse porte intelectual, agita o tema da indefinição da ordem pública, ou seja, da falta de precisa conceituação dessa figura jurídica da ordem pública, eu também fico num estado de perplexidade, porque tenho buscado, várias vezes, a partir da Constituição Federal, um conceito seguro de ordem pública e não tenho obtido êxito.
Minha âncora, de longa data, tem sido o artigo 144 da Constituição, e nem assim consigo me sentir absolutamente tranqüilo quanto a uma tentativa de formulação conceitual da matéria. No artigo 144, a Constituição diz:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:"
Segurança pública, evidente, no âmbito das instituições públicas dela encarregadas tanto na esfera federal, quanto estadual, quanto municipal. Ou seja, os órgãos repressivos da polícia federal, da polícia rodoviária federal, da polícia ferroviária, polícia civil dos Estados, polícia militar dos Estados, corpos de bombeiros, neste contexto de segurança pública, insere-se tanto a polícia militar quanto a polícia civil ou polícia judiciária. A expressão ordem pública está sendo usada, mas, ainda assim, não me possibilitou a formulação de um conceito. Como a Constituição prevê "preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio", fico a pensar que ordem pública é algo diferente de incolumidade do patrimônio, como é algo diferente da incolumidade das pessoas. O máximo que consegui até agora: um conceito negativo. Ou seja, ordem pública não tem a ver com a incolumidade das pessoas, não tem a ver com a incolumidade do patrimônio. Mas resta a perplexidade, a indefinição conceitual: o que significa ordem pública? Aí, o ilustre advogado falou que se trata de uma norma de conteúdo praticamente em aberto, pelo que tem sido preenchido esse conteúdo, em matéria de instrução criminal, pelos juízes por ocasião exatamente da expedição de decretos de custódia preventiva. Aqui, no caso, o juiz estabeleceu um vínculo direto, um vínculo operacional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública. Quer dizer, o modus operandi está servindo de fundamentação da prisão. O juiz fundamentou sua prisão para assegurar a ordem pública a partir do modus operandi. É o que se diz na denúncia, o ora paciente se houve na perpetração de um homicídio. E, todas as vezes, isso me traz essa perplexidade a qual não posso deixar de revelar.
Agora, por uma questão muito mais de intuição do que de reflexão, muito mais de senso de justiça material do que de uma aturada reflexão jurídica, eu tenho feito esse vinculo operativo ou operacional entre o modus operandi do suposto crime e um dos fundamentos do artigo 312 do Código de Processo Penal. É como faço nesta oportunidade, embora louvando o trabalho do eminente advogado.
Não posso deixar de revelar que me impressionou, sobremodo, no voto dá desembargadora Jane Silva, esse trecho que foi lido ainda pouco pelo eminente Relator de que:
"Ademais, narrou a denúncia que os agentes seriam capoeiristas e profissionais de luta, alguns até mesmo professores, reconhecido como perigosos pelo modo de execução do delito, o que possibilita concluir que, soltos, ...'
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Circunstância judicial que poderá influenciar a fixação da pena.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Perfeito, quanto a isso não há nenhuma dúvida. Ou seja, o modus operandi passaria a ter duas serventias penais: serviria para a fixação da pena, como serviria para fundamentar a custódia preventiva.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE). Para, no caso, a Ministra.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - A Ministra Jane, exatamente, convocada pelo STJ.
"...o que possibilita concluir que, soltos, eles poderiam voltar a causar transtornos à sociedade, utilizando mal a habilidade adquirida e, assim, conturbando a ordem pública, que deve ser preservada".
Para mim, é muito difícil, nesse contexto de imprecisão legal da figura jurídica da ordem pública, fazer a dissociação num contexto como esse.
A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Senhora Presidente, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Marco Aurélio é o que mais tem cuidado disso, com medo da vacuidade, talvez, do conteúdo dessa expressão "ordem pública", pelo menos nesse período em que aqui cheguei.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE). O subjetivismo pode grassar. Algo nós temos certeza, ou seja, que a ordem pública protegida pelo artigo 312, no que prevê, por esse motivo, a prisão preventiva, é a ordem pública projetada no tempo. Não diz respeito ao crime perpetrado.
A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Ministro, talvez estivéssemos diante de um nítido conceito indeterminado que não é indeterminável, porque diante dos dados encontrados, o juiz determina. Quer dizer, várias vezes, o direito fala de urgência, ordem pública, segurança pública, e o juiz cumpre esse papel, diante de um quadro fático, de determinar, porque o conceito é indeterminada, mas não indeterminável, já que o juiz não pode ser um mero carimbador, porque não dá para ficar diante dessas situações. Penso que a dúvida suscitada por Vossa Excelência tem a ver com essa circunstância. Estou enfatizando isso porque levantei, nesse recesso, vários votos em que o Ministro Marco Aurélio acentua - não sei se traduzo bem o que Vossa Excelência narra nos seus votos - que a indeterminação não pode ser sinônimo de vacuidade, porque o vácuo faz com que o juiz entre com os seus elementos pessoais.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Então, a referência no artigo 312 seria inócua.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Exatamente.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR): Ministra Cármen Lúcia, tomando de empréstimo essa lição do ministro Marco Aurélio, que me parece precisa, lembro-me de que essas expressões, muito usadas nas constituições, particularmente na Constituição americana, levaram a uma orientação da Corte Suprema americana, no que se convencionou chamar de leitura moral da Constituição, porque são conceitos que dependem da precisão que lhes vai dar o Juiz. Vossa Excelência mesmo acabou de fazer um admirável. Quer dizer, o conceito de ordem pública é um conceito de ordem pública projetada.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Com um crime, a ordem pública é ferida, mas, então, se tem o processo, a necessidade da formação da culpa.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR):
Eu tenho a sensação, pode ser que não haja compreendido adequadamente, de que este cenário o qual estamos examinando tem exatamente esse enquadramento.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Esse enquadramento fático é que propicia a incidência da norma.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR) - Que Vossa Excelência, com essa lucidez extraordinária, pôs. E essas observações feitas pelo Ministro Carlos Britto, peço desculpas, sei que estamos tão assoberbados de trabalho, mas é um tema tão bonito e tão raro de se enfrentar, suscitam perplexidade, mas essa perplexidade tem de ser resolvida com a precisão que o Juiz é obrigado a dar quando ele se vê diante de uma leitura moral dos termos constitucionais. É o que Vossa Excelência acaba de fazer.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É propícia que as normas jurídicas sejam interpretadas pelos tribunais constitucionais - hoje, "conceitos indeterminados" é o termo utilizado por eles -, exatamente para tornar atual e concreto diante das situações de fato que possam ser apontadas.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR) - Essa imagem que o Ministro Marco Aurélio utilizou é realmente, além de literariamente bonita, uma versão da precisão que o Juiz pode dar relativamente ao conceito de ordem pública, pelo menos no campo penal, porque, quando o fato acontece, ela é violada. Quando se vai examinar, por exemplo, a duração da prisão cautelar, a ordem pública passa a ter um conceito de ordem pública projetada, senão não haveria fundamento para se imaginar que ela poderia ser mantida.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Segundo a doutrina do supremo, há a necessidade de uma sinalização, de um ato subseqüente do acusado a revelar a colocação em risco da própria ordem pública. Não podemos levar em conta a prática que respaldou a denúncia e até mesmo a sentença de pronúncia.
A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Até porque, ministro, para isso, já há o processo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Sim, sem dúvida.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR):
Ministro Marco Aurélio, se Vossa Excelência me permitisse incorporar essa tão bonita sugestão de precisão constitucional, eu diria que não é só um ato subseqüente, é um cenário que pode ser projetado com um ato subseqüente.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Ministro, a capacidade intuitiva grassa.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR):
Não estou dizendo que esse cenário seja levado adiante. Esse cenário é que dá razão.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Presumindo-se o excepcional - aquele que já está sendo alvo de uma persecução criminal continuará delinqüindo.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR):
Não, ele não presume. Não disse isso. O cenário existente é que pode, diante dele, ser projetado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Já que acredito no arrependimento do homem e, portanto, na auto-penitência, não endosso visão no campo do subjetivismo.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR): Não estou tendo uma visão subjetiva, Ministro Marco Aurélio. Não estou dizendo que esse fato autoriza a projeção, mas que esse cenário pode autorizar o prosseguimento da violação da ordem pública.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Vi alusão ao fato de haver até professores de capoeira envolvidos.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO (RELATOR): Mas isso é matéria de fato.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Colocaríamos sob suspeição todos aqueles que se dedicam a lutas marciais.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Há muitos anos - em 1981 - produzi uma monografia com o professor Celso Bastos, "Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais", editada pela Saraiva - Ali nos deparamos com esses conceitos que a doutrina chama de "indeterminados" e dois, especificamente, com que todas as constituições trabalham - Um é a ordem pública, o outro é a paz social - É impossível dizer, com absoluta precisão, o que seja paz social.
Dissemos, em nosso estudo, que o Direito padece de uma espécie de fragilidade estrutural. Ele não tem como deixar de trabalhar com conceitos indeterminados porque esses conceitos são assim denominados para cumprir a função de melhor proteger determinados bens jurídicos; ou seja, a vagueza - não vacuidade, pois é outra coisa - torna-se necessária para melhor proteger certos bens jurídicos. É inelutável para o Direito suplantar a vagueza diante de determinados bens jurídicos.
A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Levantei, nesses últimos tempos, alguns julgados daqui, nos quais percebi alguns conceitos que antigamente eram considerados "indeterminados" - como, por exemplo, urgência. Este Supremo Tribunal Federal, no auge do processo autoritário -final da década de 60 - foi enfrentado. O Ministro Aliomar Baleeiro, em seu voto, dizia: seja qual for o conceito, compete a este Tribunal quanto à urgência - pois tudo era urgente.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Senhor Presidente, para arrematar o meu voto, já que estamos trabalhando com ordem pública em um contexto constitucional de segurança pública, impressiona-me o fato de a Constituição dizer "preservação da ordem pública" - Por que isso? Porque em outro contexto - já a propósito de meio ambiente - a Constituição usou do verbo "preservar" e o fez temporalmente, em duas dimensões: no presente e no futuro. A Constituição trata da preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Penso que, no contexto de segurança pública, a ordem pública há de ser considerada pelo juiz do caso tanto diante do presente quanto do futuro, fazendo a projeção futurista, temporal. O verbo "preservar", na Constituição, é dual, é binário - tanto se refere ao presente como ao futuro.
Por isso é que, pelo menos por enquanto, aceito esse vinculo entre o modus procedendi e o fundamento da ordem pública.
Com todas as vênias, acompanho o eminente Relator.
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3 - DISTRITO FEDERAL
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Há exatamente vinte e nove anos, nos meus primeiros dias no ofício judicante, ouvi de um velho juiz que, para divergir, devemos revelar o convencimento - Para acompanhar o relator, necessariamente não, mas sempre é bom aditar-se alguma coisa. Peço a paciência dos Colegas quanto ao que tenho a consignar no presente caso.
Julgamos o Habeas Corpus nº 92.344-5, impetrado em benefício de co-réus, e indeferimos a ordem, mas não há extensão negativa do pronunciamento judicial em habeas corpus e, por isso mesmo, estamos a discutir as matérias envolvidas nesta impetração.
O habeas corpus não sofre qualquer peia, nem mesmo a decorrente da coisa julgada. É possível até a duplicidade, desde que venha à balha algo com uma verve diversa, ainda que idêntica a causa de pedir e o pedido formulados. Assim tem proclamado o Supremo.
Articulou-se, evidentemente lançando-se mão de um gancho, que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, teria sido afastado o fundamento do ato que implicou a prisão preventiva. Mas o habeas julgado, conforme asseverei no voto proferido na impetração anterior, não desaguou na concessão. Houve o indeferimento ordem.
O relator apontou que a sentença de pronúncia remete ao ato primeiro, revelador da preventiva, e assim o é. Eis o que consignado no primeiro trecho do antepenúltimo parágrafo:
"Tenho que a prisão cautelar deve permanecer, eis que ainda presentes os fundamentos..." - que fundamentos? Aqueles que a autorizaram, na visão do Juízo.
O que temos no caso? Um acontecimento que reputo, quanto aos acusados, episódico, porque jovens se envolveram em desforço físico na saída de uma boate e houve o falecimento de um deles, talvez por se encontrar numericamente em inferioridade e não ter - quem sabe - a destreza, quanto à luta física, dos acusados.
Apontou-se, no decreto de prisão preventiva, que eles estiveram foragidos. Utilizou-se mal o vocábulo, porque não se conhecia a autoria, não se sabe exatamente os envolvidos no episódio. E, tão logo eles foram identificados - esse detalhe é muito importante -, espontaneamente se apresentaram à polícia. Como, então, cogitar de foragidos?
Foragido é aquele que tem contra si um ato que o levaria à constrição, à perda da liberdade e que deixa o distrito da culpa, ficando em lugar incerto e não sabido.
Não potencializo, portanto, essa premissa, como não a potencializei na apreciação do habeas anterior. Repito que, identificados aqueles que teriam agredido a vítima, houve a apresentação dos acusados.
Segunda premissa: teriam eles, num primeiro passo, retirado os nomes de um sítio eletrônico, do "Orkut". Aqui se está, evidentemente, no campo da autodefesa. Ninguém pode sofrer conseqüências por se autodefender no processo criminal.
Há mais. Aludiu-se:
"Firma-se, com isso,' aí veio a presunção' - conforme eu disse no habeas anterior "do extravagante, não do que normalmente ocorre 'juízo de razoabilidade do receio manifestado pela autoridade representante,' a autoridade policial, que continuaria interferindo ou interferiria, porque não teria interferido anteriormente, nas investigações 'o qual se viu encampado pelo órgão ministerial,'" (...)
Esse fato estaria a revelar a intenção de se eximirem da responsabilidade penal.
'E prossegue a decisão formalizada:
Por outro lado, a potencial periculosidade revelada pelo comportamento impiedoso e brutal que se atribui aos indiciados, que, por motivo banal, espancaram uma das vítimas, até que ele desfalecesse, faz com que se presuma o risco a que estará, aparentemente, submetido o corpo social, na hipótese de serem eles mantidos em liberdade.'
Surge o que aponto como capacidade intuitiva e que sempre se torna a base para se decretar, considerado o crime que teria sido cometido e sem a culpa formada, a prisão preventiva. Citei, então, no caso anterior, o artigo 312 do Código de Processo Penal.
Para prender-se, há de aguardar-se a formação da culpa e, portanto, a configuração dos elementos da prática criminosa. As circunstâncias do crime, consoante dispõe o Código Pena, motivarão a fixação da pena-base acima do mínimo previsto para o tipo, não servindo de embasamento da preventiva:
"O outro fundamento:
A despeito de certa jurisprudência que se tem formado em sentido contrário, perfilho a orientação de que, em casos de extrema gravidade" - aqui se prende para depois se apurar e se contraria a jurisprudência do Supremo. "como o que se tem em pauta, a falta de uma tomada firme de posição por parte do Poder Judiciário pode comprometer a confiança da sociedade nas instituições' (...)
Essa confiança decorre, a meu ver, do respeito irrestrito às balizas legais, às balizas constitucionais e não de um quase justiçamento, de uma justiça a ferro e fogo.
Peço vênia ao relator para, no caso, acompanhar-me, já que os demais o acompanham, no voto que proferi no habeas anterior, impetrado em benefício de co-réu, ao qual estendo, neste ato, a ordem.
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS Nº 93.012-3
PROCED.: DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
PACTE.(S): ALEXANDRE PEDRO DO NASCIMENTO
IMPTE.(S): DIVALDO THEÓPHILO DE OLIVEIRA NETTO E OUTRO (A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio, Presidente. Falou o Dr. Cleber Lopes, pelo paciente. 1ª Turma, 12.02.2008.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à Sessão os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Menezes Direito.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot.
Ricardo Dias Duarte
Coordenador
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