Resumo: O presente artigo visa analisar a necessidade de um Tribunal do Júri regido pelo princípio da presunção de inocência, o qual acaba sofrendo limitações na primeira fase deste procedimento.
Palavras-Chave: processo penal; presunção de inocência; garantias constitucionais; devido processo legal
Abstract: This article aims to analyze the need for a Jury Court governed by the presumption of innocence principle, which ends up being limited in the first phase of this procedure.
Key-words: criminal proceedings; presumption of innocence; constitutional guarantees; due process
Sumário: 1. Introdução. 2. Do princípio da presunção de inocência 3. Da necessidade de aplicação efetiva do princípio da presunção de inocência no Júri 4. Conclusão. 5. Referências
O princípio da presunção de inocência consagrado na Constituição Federal, consagra um direito do cidadão de não ser preso injustamente e também um dever do Estado de prestar o devido processo legal.
No entanto, tal princípio acaba por sofrer limitações quando se está diante da primeira fase do Tribunal do Júri, uma vez que reina, erroneamente, o in dubio pro societate, violando assim importantes garantias constitucionais.
Em que pese entenda-se pela constitucionalidade da aplicação deste subprincípio, a necessidade de indícios probatórios mínimos da autoria e da materialidade, gerando um dever de racionalidade, conforme recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, talvez seja o início de uma mudança de entendimento
2.Do princípio da presunção de inocência
O princípio da Presunção de Inocência, reconhecido inclusive internacionalmente remonta principais fundamentos que destacam a reforma do sistema repressivo empreendido pela revolução liberal do séc. XVIII, sua origem vem do cristianismo, podendo ser destacado como atrelado ao princípio da presunção de inocência.
A Presunção de Inocência foi consagrada pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, possui dois pontos a serem destacados, de um lado, como regra processual, segundo a qual o acusado não é obrigado a fornecer provas de que é inocente, a qual deve ser tida como, presumida, por outro lado, trata-se também de regra de tratamento, impedindo desta forma a medidas restritivas da liberdade do acusado, salvo quando comprovada a sua necessidade
O dever de presunção de inocência, proveniente do direito natural e tido assim como direito do homem, surgiu como resposta às exigências iluministas, surgindo assim a necessidade de substituição do procedimento inquisitório por um processo que assegurasse as devidas garantias de forma a tutelar os direitos fundamentais, bem como a ampla defesa e o contraditório.
A Constituição assegura o Princípio da Presunção de Inocência no artigo 5º, inciso LVII, sendo assim, não logrando êxito a acusação, em demonstrar a culpabilidade do acusado, deve ser este tido como inocente, ressaltando assim o dever de “in dubio pro reo”. Sobre o tema ressalta Aury Lopes Jr:
Podemos extrair da presunção de inocência99 que a formação do convencimento do juiz deve ser construído em contraditório orientando-se o processo, portanto, pela estrutura acusatória que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento (rechaço à figura do juizinquisidor – com poderes investigatórios/instrutórios – e consagração do juiz de garantias ou garantidor) (2018; pag. 59)
Em que pese ser constitucionalmente previsto, o princípio da presunção de inocência acaba sofrendo algumas limitações, principalmente no que tange ao Tribunal do Júri. Prova disso foi a decisão do STF[1] no HC 140449/RJ, em que se entendeu pelo cabimento de execução provisória da pena nas decisões proferidas por esses tribunais:
“Em primeiro lugar - e já há mais de um precedente da Turma -, nas condenações pelo Tribunal do Júri, sequer é necessário aguardar o julgamento de recurso em segundo grau de jurisdição, até porque o Júri é soberano e, consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem como substituir a decisão do Júri. Eventualmente pode anulá-lo, como aliás foi o caso aqui relatado da tribuna, mas as estatísticas documentam que é irrisório o número de condenações pelo Júri anuladas pelos tribunais de justiça. O contrário até acontece com mais frequência, absolvições que venham a ser anuladas, mas condenações que venham a ser anuladas é um número irrisório. Portanto, diante do princípio da soberania do Tribunal do Júri, o meu entendimento - aqui já esposado pelo Ministro Alexandre, acompanhado pelos demais, e também a posição do Ministro Dias Toffoli, hoje Presidente, que a defendeu publicamente - é de que a condenação pelo Tribunal do Júri já significa a possibilidade de execução da pena.”
Tal decisão demonstra clara afronta à presunção de inocência, uma vez que embora haja a consagração da soberania dos veredictos, tem-se um julgamento realizado por leigos, podendo inclusive a decisão ser alterada em grau de recurso, caso por exemplo seja reconhecida alguma nulidade, e neste caso a execução provisória da pena estaria violando o direito à liberdade e ao devido processo legal.
Em que pese o Tribunal do Júri em sua primeira fase consagre o princípio do in dubio pro societate, tal aplicação acaba por violar a própria Constituição, desta forma, buscando estabelecer limites para a incidência de tal princípio, o STF decidiu no ARE 1067392/CE[2] que na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria racionalista da prova, na qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário. Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias.
Assim reconheceu-se a necessidade de se adotar um modelo racionalista da prova, através da concretização de standards probatórios, constituindo assim um verdadeiro modelo de constatação, conforme ensina Danilo Knijnik:
O emprego dos modelos de constatação ou standards permite que se traga ao debate, regrado e inteligível, critérios decisionais importantes (p. ex., o optar o juiz por um indício ou outro, o entender subjetivamente insuficiente a prova produzida, o pretender a parte a prevalência de determinada interpretação ou inferência, etc.), que, até então, não possuíam um código comum e, de certo modo, ficavam à margem de uma decisão crítica. (2001; p. 40)
O que se percebe é que talvez se esteja caminhando para uma provável limitação a esse in dubio pro societate previsto na primeira fase do Tribunal do Júr, uma vez que Não se pode querer limitar a liberdade do réu em prol de uma vertente que nem ao menos é consagrada constitucionalmente. O que está por trás desta exceção existente no procedimento do Júri é um anseio social diante dos crimes que são julgados neste rito, não podendo, no entanto, um direito social prevalecer sobre o direito à liberdade, este sim tido como fundamental.
4.Conclusão
Como vivemos em um Estado Democrático de Direito, não pode o direito à liberdade ser restringindo em face de um direito social a um processo injusto, uma vez que tendo a acusação o ônus de comprovar, diante de sua pretensão acusatória, a culpa de determinado indivíduo e não logrando êxito em tal missão, deve o réu ser absolvido e ter sua liberdade consagrada.
Em que pede os tribunais entendam pela constitucionalidade do in dubio pro societate na primeira fase do Tribunal do Júri, tal julgado demonstra um caminho talvez para uma possível mudança de entendimentos, uma vez que se está diante da limitação a este subprincípio, e talvez possamos estar caminhando para um devido processo legal.
5.Referências
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2012.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal.22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 353, jan.-fev. 2001
o seu possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 353, jan.-fev. 2001,
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal.15ª ed. São Paulo: Saraiva,2018
STF. 1ª Turma. HC 140449/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/11/2018
STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019
Advogada. Bacharel pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PADUA, Gabriela Mosciaro. Da necessidade de um Tribunal do Júri regido pela presunção de inocência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2019, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53421/da-necessidade-de-um-tribunal-do-jri-regido-pela-presuno-de-inocncia. Acesso em: 26 dez 2024.
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