Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Luís Augusto Sanzo Brodt
PARA TER ACESSO AO TRABALHO ORIGINAL
1 Introdução
O Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941) naturalmente não permaneceu inócuo diante das modificações da sociedade desde o início de sua vigência. Apesar de desafiador, a doutrina penal tem se distorcido desde então a fim adaptar o referido diploma às já quatro Cartas Constitucionais que vivenciou.
A Constituição Federal de 1988 consagrou em seu bojo elenco de garantias importantes no que concerne ao Processo Penal, dentre as quais procuraremos ao longo deste trabalho enfatizar à luz dos direitos que são aplicáveis aos investigados em Comissões Parlamentares de Inquérito.
No Congresso Nacional, diversos Projetos de Lei em trâmite têm como escopo modificar a redação de dispositivos do Código de Processo Penal. Dentre eles, os conteúdos dos seguintes PL destacam-se: ns° 4.203/2001 (Tribunal do Júri), 4.204/2001 (Interrogatório do acusado e defesa efetiva), 4.205/2001 (Provas), 4.206/2001 (Recursos e Ações de Impugnação), 4.207/2001 (suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli), 4.208/2001 (prisão, medidas cautelares e liberdade), 4.209/2001 (investigação criminal)1. A ansiada reforma do Código de Processo Penal
Presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover (da comissão ainda fizeram parte: Petrônio Calmon Filho, Secretário, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Rui Stoco e Sidnei Beneti), preocupou-se em redimensionar o devido processo penal. (GOMES, 2008).
Recentemente (09 de junho de 2008), com a publicação das Leis n°s 11.689, que altera dispositivos do Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal[1], relativos ao Tribunal do Júri e dá outras providências e da Lei n° 11.680, que altera dispositivos do Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova e dá outras providências tem-se a concretização de dois dos Projetos de Lei acima citados.
O que necessariamente tem-se em vista é a garantia de um sistema penal adaptado à dignidade humana, do qual se extraem a razoável duração do processo, devido processo legal dentre outras elencadas no bojo da Constituição Brasileira de 1988. A repulsa ao arbítrio e das violações à pessoa humana contribuirão para o fim que verdadeiramente deve ser buscado pelo Processo Penal, que mais que um instrumento, deve-se prestar a pacificação social.
Mais do que disciplina normativa e sanção, o esteio do sistema penal é facilitado à medida em que as instituições sociais laboram em cooperação aos poderes constituídos constitucionalmente.
Nesse contexto é que a presente monografia exporá que a mídia comprometida demonstrará que
Nós vivemos numa sociedade democrática, e numa sociedade democrática a opinião pública vai sempre existir, faz parte da democracia a possibilidade de as pessoas se manifestarem, e a mídia forma a opinião pública, principalmente os grandes veículos de comunicação social: a imprensa, rádio, TV ajudou a formar uma opinião pública. (LANYI, 2008).
Tendo-se em vista o e importante papel que exerce na formação da população, a mídia poderá colaborar para que os mecanismos democráticos sejam compreendidos e efetivamente corra formação de cidadãos no Brasil.
2 PERSPECTIVAS DA PERSECUÇÃO PENAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
2.1 O Sistema Processual Penal Constitucional
O Direito Penal, na definição de Prado (1999), objetiva a proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à comunidade. A chamada ciência penal é composta por uma legislação que possui um “conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança.” (BITNCOURT, 2003, p.3). Conta, ainda, com um sistema próprio de interpretação, que deve se adaptar às opções políticas advindas da Carta Constitucional, de conteúdo garantista, cujas normas fazem parte de um sistema aberto de princípios e regras, adequadas aos moldes da teoria sobre direitos fundamentais, seguindo-se a definição de Robert Alexy, para quem a interpretação e os princípios desfrutam de íntima comunhão: “Los princípios son mandatos de optimización com respecto a las posibilidades jurídicas y facticas.” (ALEXY, 2001, p.112).
O Processo Penal é modernamente concebido como o elemento integrativo ao direito penal material, através do qual se valhe o acusado a fim de que lhe sejam efetivados direitos e garantias asseguradas constitucionalmente.
Oliveira (2007, p.24) situa o processo penal enquanto sistema jurídico de aplicação do Direito Penal, estruturado em sólidas bases constitucionais.
Já Passos (1999), fugindo da tradicional definição do processo como instrumento, assim o define na seguinte lição:
O processo não e algo que opera como simples meio, instrumento, sim um elemento que integra o próprio ser do Direito. A relação entre o chamado direito material e o processo não é uma relação meio/fim, instrumental, como se tem proclamado com tanta ênfase, ultimamente, por força do prestígio de seus arautos, sim uma relação integrativa, orgânica, substancial. (PASSOS, 1999, p.68).
Nesse esteio, Tornaghi (1987) ainda consigna o seguinte:
(...) o Estado não poderá estar certo de haver feito justiça e, por isso mesmo, não tranqüilizará o homem de bem, se não der ao acusado a maior, a mais ampla, a mais ilimitada possibilidade de defender-se. Entre as grandes conquistas da humanidade, inscritas nas Constituições, figura essa. Um Código de Processo Penal se faz, acima de tudo, para garantia do acusado. (TORNAGHI, 1987, p. 181).
Importa trazer à tona o pensamento de Roxin (1998, p.19) que defende que a aludida resposta se alicerçaria no primitivo impulso de vingança, que remontaria à própria história da pena. Nesse sentido, o discurso Estatal nada mais seria do que a continuidade do Período da Vingança, o que tornaria sua legitimidade de punir contestável à vista de compensar determinado mal cometido à coletividade. A retribuição compensadora poderia ser concebida mediante um ato de fé, vez que racionalmente, não se poderia compreender o pagamento de um mal cometido com a somatória de um segundo mal, que seria a pena.
Segundo Zaffaroni (1991a) atualmente se percebe a insuficiência de legitimação do sistema penal, a qual se reflete na esfera legal em tal proporção que nos discursos jurídicos penais sequer é gerada uma tentativa séria de se legitimar o sistema penal.
No que tange ao controle social exercido pelo sistema, o mestre argentino elucida sua realidade, que é exercida pela persecução penal:
Mediante esta expressa e legal renúncia à legalidade penal são encarregados de um controle social militarizado e verticalizado, de uso cotidiano, exercido sobre a grande maioria da população, que se estende além do alcance meramente repressivo, por ser substancialmente configurador da vida social. [...] Os órgãos do sistema penal exercem seu poder militarizador e verticalizador-disciplinar, quer dizer, seu poder configurador sobre os setores mais carentes da população e sobre alguns dissidentes (ou “diferentes”) mais incômodos ou significativos. (ZAFFARONI, 1991a, p. 23 e 24).
Todavia nos alerta Radbruch (1997) para a identidade que deve existir entre justiça e igualdade. Para ele “Uma disposição jurídica, por exemplo, que só visasse alguns indivíduos e certos casos individuais, não seria direito mas arbítrio.” (RADBRUCH, 1997, p.86).
Não obstante o discurso deslegitimador do sistema penal, Rocha (2004) valhe-se da observação de Giorgio Del Vecchio que assim pontua:
Com efeito, não se pode esquecer a observação de Giorgio Del Vecchio, no sentido de que: quem considerar sem preconceitos, em sua trágica realidade, a série das aberrações que, neste particular, se foram sucedendo no transcurso dos séculos, deve confessar que a história das penas, em muitas de suas páginas, não é menos desonrosa para a humanidade que os delitos. (ROCHA, 2004, p.44).
Inegável admitir ainda que a preocupação com a segurança pública no sentido de que o Estado (sociedade) promova uma resposta efetiva aos comportamentos contrários ao direito sempre preocupou a humanidade.
Nesse esteio, Oliveira (2007), à respeito da evolução do Processo Penal Brasileiro, assim leciona:
(...) a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais (...) O devido processo penal constitucional busca, então, realizar uma Justiça Penal submetida a exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa posição de proeminência, respondendo pela funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação da jurisdição, sobre a qual exerce o monopólio. (OLIVEIRA, 2007, p.07 e 08).
Pelo exposto, pode-se, desde já, perceber a importante coorelação que necessariamente deve existir entre o sempre almejado anseio de punir, jus puniendi, e os princípios basilares do Estado Democrático de Direito adotados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a fim de que o Processo Penal cumpra as finalidades que se propõe diante da sociedade.
2.2. A Persecução Penal e os Princípios da Constituição Federal de 1988
A unidade do ordenamento jurídico, no sentido lecionado por Bobbio (1995), cuja teoria foi recepcionada na doutrina pátria sob os ensinamentos do professor Ferraz Júnior (2003) defende que “bastante importante é a questão do ordenamento como sistema unitário, isto é, sua concepção como repertório e estrutura marcados por um principio que organiza e mantém o conjunto como um todo homogêneo.” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 117).
Nessa seara, não haveria caso que não pudesse ser regulado por alguma norma extraída do sistema. Ocorrida a adequação entre os princípios e as regras, sobremaneira os insculpidos no art. 5º da Constituição da República de 1988, teria-se certeira orientação dirigida ao legislador ordinário de maneira a adotar um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista”. (BITENCOURT, 2003, p.9).
O Estado Democrático de Direito, nos moldes proclamados pelo caput do art. 1° da Constituição Brasileira conta, como elemento importante, o casamento entre as normas programáticas, cujo conteúdo dirige a política adotada pelo Estado sob a forma do Direito, que são sistemas conhecidos de Niklas Luhmann, citado por Meyer (2008) que assim define tal junção ou o chamado “acoplamento estrutural” nos seguintes termos:
(...) deve-se distinguir: a Constituição utiliza conceitos como povo, eleitor, partidos políticos, Estado, remetendo-se assim à política. Esses conceitos, no entanto, enquanto conceitos do texto constitucional, não podem ser outra coisa senão conceitos jurídicos eventualmente redutíveis a conteúdos judiciáveis. Na hipótese de uma descrição externa do sistema jurídico, a mesma categoria (fattispecie) pode ser, no entanto, formulada de outro modo. As referências ao sistema político estabelecem ao mesmo tempo um acoplamento estrutural entre o sistema jurídico e o político que se coloca "ortogonalmente" em relação às operações internas ao sistema e que não pode ser por ele apreendido. Todas as distinções especificamente jurídicas pressupõem o sistema que opera com esse acoplamento na qualidade de operador, como elemento de distinção, como contexto autopoiético de comunicação presente na sociedade. Neste plano implícito, o conceito de acoplamento estrutural descreve uma condição socialmente indispensável (embora historicamente variável em suas formas) de diferenciação. E é precisamente isso o que antes se buscava dizer com a tese de que a autoreferenciabilidade permanece incompleta na medida em que não pode assumir por si o referência discernidora. A Constituição constitui e ao mesmo tempo torna invisível o acoplamento estrutural entre direito e política. (MEYER, 2008).
Por isso, o Direito Processual Penal brasileiro não poderia continuar sendo aplicado á margem do novo paradigma firmado pela Constituição Cidadã. Esse que, para Carvalho Netto (1999),
Será, então, um filtro, ou seja, óculos que filtrarão a visão e que moldarão a maneira como percebemos a realidade, e de tal modo que tudo o quê e como vemos está condicionado por vivências sociais concretas, que limitam ou condicionam a ação e percepção do indivíduo e do mundo. (CARVALHO NETTO, 1999, p.476 et seq).
A referida compatibilização fazia-se necessária, em virtude das novas práticas à disposição de um processo garantista.
Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2005):
Isso significa, em última análise, que o processo não é apenas instrumento técnico, mas sobretudo ético. E significa, ainda, que é profundamente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política hão de parar às portas da experiência processual, entendida como fenômeno jurídico. Mas é justamente a Constituição, como resultante de equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade em dado momento histórico, que se constitui no instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2005, P.81).
No mesmo sentido, Oliveira (2007) alerta que
Nesse quadro, os princípios fundamentais do processo não podem afastar-se de tal missão. Princípios, então, se apresentam como normas fundantes do sistema processual, sem os quais não se cumpriria a tarefa de proteção aos direitos fundamentais. O Direito Processual Penal, portanto, é essencialmente, um direito de fundo constitucional. (OLIVEIRA, 2007, p.23).
Com efeito, Coelho (2007) socorre conclui: “(...) quando o princípio é constitucional, a sua aplicação é obrigatória. Deve o legislador acatá-lo, e o juiz, adaptar a lei ao princípio em caso de desrespeito legislativo.” (COELHO, 2007, p.95).
2.2.1 O Princípio do Juiz Natural
A Constituição Federal de 1988 enuncia no artigo 5°, Título II, dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, os incisos LIII e XXXVII, verbis: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.
Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2005), tais disposições representam desdobramento inovador observado nas Constituições Brasileiras, em que a Carta de 1988 expressamente adotou a fórmula do direito anglo-saxão relativa ao devido processo penal (art. 5°, LIV), coanude as garantias específicas, a saber:
a) antes de mais nada, na dúplice garantia do juiz natural, não mai restrito à proibição de bills of attainder e juízos ou tribunais de exceção, mas abrangendo a dimensão do juiz competente (art. 5°, incs. XXXVII e LIII); e b) ainda em uma série de garantias, estendidas agora expressamente ao processo civil, ou até mesmo novas para o ordenamento constitucional. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2005, p.84 e 85).
Oliveira (2007) confirma a mesma origem histórica, definido que à época havia a exigência de que somente um órgão pré-constituído seria competente para processar crimes, também anteriormente definidos, isto é, antes do próprio cometimento do crime. “Posteriormente, por obra do Direito norte-americano, acrescentou-se, na elaboração do princípio, a exigência da regra se competência previamente estabelecida ao fato, fruto, provavelmente, do federalismo adotado desde a formação política daquele Estado.” OLIVEIRA, 2007, p.23).
No Brasil, desde 06.11.1992, com a integração ao ordenamento jurídico pátrio da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica (Decreto n° 678), e tratamento à luz da Emenda Constitucional n° 45, de 12.04.2004, tem-se, dentro da redação de seu art. 8°, referente às garantias judiciais, a seguinte disposição:
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.”
Ao referir-se ao Tribunal especial, Mirabete (2001) esclarece sua vedação de acordo com o princípio do juiz natural e ainda assinala que a referência contida no art. 1° do CPP diz respeito ao extinto Tribunal de Segurança Nacional, existente à época de sua promulgação. O jurista contextualiza o tema à luz da Constituição de 1988, definindo que
Nos termos desta Carta, os crimes políticos, ora previstos na Lei n° 7.170, de 14-12-83, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, são julgados pela Justiça Federal (art. 109, IV) e apurados de acordo com as normas do Código de Processo Penal. Assim, não estão mais sujeitos à Justiça Militar, como determinava o art. 30 dessa lei, nem sujeitos às normas do Código de Processo Penal Militar. (MIRABETE, 2001, p.77).
Conforme pontua Oliveira (2007) certo é que
A razão de tal exigência assenta-se na configuração do nosso modelo constitucional republicano, em que as funções do Poder Público e, particularmente, do Judiciário, têm distribuição extensa e minudente. Em inúmeras ordenações, sobretudo européias, não se vai muito longe na definição dos órgãos da jurisdição. Normalmente deixa-se para o legislador a fixação da competência jurisdicional. Ali a garantia é do juiz legal, isto é, conforme definido em lei. (OLIVEIRA, 2007, p.25).
Dissertando acerca do tratamento dos princípios constitucionais pelo Poder Judiciário, Dinamarco (2002) leciona:
Vêm os juízes cultivando o respeito aos princípios seculares do juiz natural, da garantia dos litigantes através da necessária observância das formas legais do processo (due process of law), da igualdade entre eles, da efetiva participação contraditória, da ampla defesa em matéria criminal. (DINAMARCO, 2002, p.144).
Salutar a importância desse princípio, objeto de recorrente análise pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme jurisprudência colacionada a seguir:
“EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PACIENTE CONDENADO, EM PRIMEIRO GRAU, POR ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PENA TOTAL: 5 ANOS E 4 MESES DE RECLUSÃO. APELAÇÃO. TURMA JULGADORA FORMADA, MAJORITARIAMENTE, POR JUÍZES ESTADUAIS CONVOCADOS. NULIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. RÉU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O JULGAMENTO E SUSTAR EVENTUAL ORDEM DE PRISÃO EM DESFAVOR DO PACIENTE ATÉ A RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DO REFERIDO RECURSO.” (HC 98870/SP. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 5ª Turma. DJ 19.05.2008.[2]
“EMENTA: HOMICÍDIO QUALIFICADO (CASO). PEDIDO DE DESAFORAMENTO (IMPARCIALIDADE DO JÚRI). DIVULGAÇÃO DO FATO PELA IMPRENSA E VÍTIMA POPULAR NO MUNICÍPIO (ALEGAÇÕES). MOTIVAÇÃO CONCRETA (AUSÊNCIA).
1. A simples alegação de dúvida quanto à imparcialidade do júri – sem maiores elementos de convicção – não afasta a competência do juiz natural.
2. No caso, o fato de a vítima ter exercido o cargo de vice-prefeito, bem como a ampla divulgação do crime comumente feita pela imprensa em casos que tais, por si sós, não justificam o desaforamento.
3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 817345 / MG. Rel. Min Nilson Naves. 6ª Turma. DJ 28.04.2008.[3]
Veja-se, ainda a respeito, a posição do Supremo Tribunal Federal:
“EMENTAS: 1. PROCESSO. Distribuição. Direcionamento injustificado da causa a determinado juízo. Ato não aleatório. Ofensa aos princípios do juiz natural e da distribuição livre, que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo processo da lei. Nulidade processual absoluta. Desnecessidade de indagação de prejuízo. Recurso extraordinário conhecido e provido. Aplicação do art. 5º, XXXVII e LIV, da CF. Distribuição injustificada de causa a determinado juízo ofende o justo processo da lei (due process of law) e, como tal, constitui nulidade processual absoluta. 2. RECURSO. Embargos declaratórios. Efeito declaradamente infringente ou modificativo. Contradição inexistente. Conhecimento como agravo regimental. Recurso improvido. Devem ser recebidos e julgados como agravo regimental, embargos declaratórios opostos com manifesto e infundado propósito modificativo.”(AI-ED 548203/AL. Rel. Min. Cezar Peluso. 6ª Turma. DJ 07.03.2008.[4]
“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO. JUIZ NATURAL. OFENSA. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é plenamente atendida quando se delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio. Precedentes citados.” (AP-QO 470 / MG. Rel: Min. Joaquim Barbosa. Revisor: Min. Eros Grau. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJ 14.03.2008.[5]
Nesse veio, incisiva a conclusão de Oliveira (2007) acerca da inserção da garantia do juiz natural no seio do processo penal:
Pode-se falar em juiz natural inafastável por legislação infraconstitucional, em razão de a distribuição da competência estar estabelecida na própria Constituição Federal. Da aludida previsão constitucional resultou a revogação ou a não-aplicação de diversos dispositivos do Código de Processo Penal, quando em confronto com as regras definidas nas normas constitucionais pertinentes. (OLIVEIRA, 2007, p.26).
2.2.2 Direito ao silêncio e não auto-incriminação
O princípio da inocência, consagrado desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (art. 9°) e na Declaração dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 (art. 11) e expresso no artigo 5°, LVII da Constituição Federal de 1988, é direção ao Estado, sendo garantidor da ordem jurídica e da tutela da esfera individual.
Moraes (2004a) acrescenta, nesse sentido que “dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal.” (MORAES, 2004a)
Insculpida na Constituição Brasileira tem-se a seguinte redação no art. 5°, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”
Oliveira (2007) entende o princípio da inocência em sua amplitude, ao comparar a perspectiva teórica em que é pautado o Código de Processo Penal vigente e a Constituição da República de 1988.
Senão veja-se:
Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais, a começar pela afirmação da situação de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória. (OLIVEIRA, 2007, p.07 e 08).
Por derradeiro, veja-se que como desdobramento do princípio da inocência tem-se os princípios da culpabilidade, nullum crimen sine iniuria e do fato.
O princípio da culpabilidade funciona como elemento fundante da pena, parâmetro definidor do limite e da responsabilidade subjetiva do agente.
Como requisitos intrínsecos que a constituem e para que possa ser atribuída uma pena ao autor de um crime, há que se analisar conjuntamente a culpabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Já pelo princípio do fato, a responsabilização do agente será decorrência de determinado fato existente e comprovado nos ditames do devido processo legal. Insustentável a mera presunção para fins de responsabilização penal, pois como dizem Cobo Del Rosal e Vives Anton citados por Gomes (2001, p.123), é violar tal princípio que, no Direito Penal atual, é visto como limitador do ius puniendi.
Por fim, da leitura do disposto no art. 13 do Código Penal, extrai-se a impossibilidade de existência de crime sem a ocorrência de um resultado. Tem-se, portanto o princípio do nullum crimen sine iniuria.
Segue Oliveira (2007) informando acerca das inovações que receberam acolhida à luz de um Processo Penal Constitucional
A mudança foi radical. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas além, e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo. (OLIVEIRA, 2007, p.07 e 08).
Nesse veio, a nova roupagem adquirida pelo princípio em análise decorre de dois outros de caráter processual, que são o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Tais garantias se prestam, dentre outras funções, para elidir o tratamento que a sociedade, às vezes incitada pelo clamor público e pela mídia, imprimem aos submetidos à jurisdição penal, de maneira a evitar que “o status de condenado começasse antes do término do processo, o contraditório e a defesa plena seriam postergados, cedendo espaço a presunções que não encontram guarida na Constituição” (CERNICCHIARO, COSTA JÚNIOR, 1991, p.92).
Por isso, servindo-se da presunção de inocência “não há, pois, presunção de fatos, limitações de provas, hierarquias de provas. Tudo que for útil a demonstrar fato ou circunstância são relevantes para a decisão e permitido à acusação e à defesa.” (CERNICCHIARO, COSTA JÚNIOR, 1991, p.89).
Ademais, o processo penal, em busca da verdade real, lida com bens indisponíveis, sendo de suma relevância a produção da defesa pelo réu.
O assinalado pelo eminente jurista mereceu acolhida pelo ordenamento jurídico pátrio, através das modificações ocorridas no diploma Processual Penal introduzidas pela Lei n° 11.690, de 09 de junho de 2008, com previsão de entrada em vigor 60 (sessenta) dias após essa data. Assim disporá a nova redação do art. 157 do CPP:
“Art. 157 - São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§1 São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2 Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§3 Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§4 (VETADO).”
Reiterando acerca das garantias constitucionais, há tempo já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal desde as primeiras provocações acerca da Lei n° 1.579/52:
“Comissões Parlamentares de Inquérito. Comissões Parlamentares. Poderes. Soberania. Atribuição da Comissão e alçada do Poder Judiciário. Competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer do pedido de ordem de Habeas corpus em que a Comissão e a apontada como autoridade coatora. Liberdade de inquirição das testemunhas. Sanção contra os que recusam dizer a verdade. Compete ao Supremo Tribunal Federal, e não a juízes singulares, conhecer, originariamente, do pedido de habeas corpus em que se aponte como autoridade coatora qualquer das câmaras legislativas ou suas Comissões Parlamentares. São tais comissões o próprio Poder Legislativo e, por motivos de economia e eficiência de trabalho, funcionam com reduzido número de membros. No encargo que lhe está afeto, a comissão de inquérito é tão prestigiosa como o Congresso. Tão soberana como este, dentro dos preceitos constitucionais. Extremadas ficaram, pela Lei n. 1.579, de 18 de março de 1952, atribuições da comissão e competência dos juízes. Determinar diligências, requerer convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, tudo isso, pelo art. 2º da Lei n. 1.579, é cometido à comissão. Obrigar as testemunhas faltosas a comparecer, cominar-lhes a pena devida, processá-las e puni-las, se houverem omitido a verdade, é da alçada do Judiciário. Limitações à liberdade de inquirição das testemunhas. Perguntas impertinentes. Sanção contra os que recusam dizer a verdade. Indeferimento do pedido de habeas corpus. (BRASÍLIA, 2006).
Não por acaso Tornaghi (1987, p.180) já advertia que “O acusado é parte no processo. Em virtude desse, fica sujeito ao poder do juiz.”
2.2.3 Contraditório e Ampla Defesa
A Constituição Brasileira assegura garantia ao devido processo legal (due processo of law) no inciso LIV do art. 5°, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2005) o sentido inserido no conteúdo do dispositivo mencionado é o seguinte:
Compreende-se modernamente, na cláusula do devido processo legal, o direito ao procedimento adequado: não só deve o procedimento ser conduzido sob o pálio do contraditório (v. infra, nn. 175-177), como também há de ser aderente à realidade social e consentâneo com a relação de direito material controvertida. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2005, p. 84).
Nesse sentido, “as partes interessadas na decisão têm a seu cargo ministrar ao juiz tudo quanto possa ajudar no descobrimento da verdade e na reta aplicação da lei. É a origem dos ônus processuais. A sorte de cada uma delas está um pouco em suas próprias mãos. (...) (TORNAGHI, 1987, p.157).
Portanto, “(...) o contraditório é o mecanismo psicologicamente mais idôneo para assegurar a exata aplicação do Direito.” (TORNAGHI, 1987, p.157).
O significado do contraditório conjugado com o da ampla defesa alcançaria, para Oliveira (2007) como
(...) a pedra fundamental de todo o processo e, particularmente, do processo penal É assim porque, como cláusula de garantia instituída para proteção do cidadão diante do aparato do persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para imposição da sanção de natureza penal. (OLIVEIRA, 2007, p.29).
Assim, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2005) “o contraditório e a ampla defesa vêm assegurados em todos os processos, inclusive administrativos, desde que neles haja litigantes ou acusado (art. 5°, inc. LV).” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2005, p. 85).
Todavia os juristas acima citados alertam:
A investigação administrativa realizada pela polícia judiciária e denominada inquérito policial não está abrangida pela garantia do contraditório e da ampla defesa, mesmo perante o novo texto constitucional, pois nela ainda não há acusado, mas mero indiciado. Permanece de pé a distinção do Código de Processo Penal, que trata do inquérito nos arts. 4° a 23, e da instrução procesual nos arts. 394 e 405. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2005, p.84).
Ante a ressalva da investigação administrativa, ganha sentido a felicidade Oliveira (2007) ao anunciar primeiramente as inovações trazidas no bojo da Lei n° 10.792/03, a qual inseriu o interrogatório na chamada autodefesa, dando nova redação ao art. 188 do Código de Processo Penal e em segundo lugar a posição do Supremo Tribunal: “Por isso, bem-vinda a Súmula n. 707 do STF que dispõe “Consitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.” (Oliveira, 2007).
Não por acaso que, visando implementação no bojo do Processo Penal desse princípio garantido constitucionalmente que adveio recentemente a Lei n° 11.690, de 09 de junho de 2008 que com sua vigência a ser implementada 60 (sessenta) dias após essa data de publicação assim conferirá nova redação ao art. 155 do Código de Processo Penal:
“Art. 155 - O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.”[6]
Pelo exposto, resta a valiosa pena de Dinamarco (2002) para o qual
O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade. (DINAMARCO, 2002, p.25).
2.2.4 Estado ou situação jurídica de inocência
À leitura do disposto no inciso LVII do art. 5° da Constituição Brasileira de 1988 verifica-se que essa nova ordem jurídica inovou o que a doutrina pátria já considerava recepcionado no Processo Penal pátrio, não obstante a remissão à Magna Carta de 1215[7] Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948[8], pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966[9] e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 ou Pacto de San José da Costa Rica[10].
Simone Schreiber (O princípio da presunção de inocência)[11] citando TORRES e MAIER firma a seguinte posição:
De fato, a Constituição Federal Brasileira adotou a redação do art. 27.2 da constituição italiana de 1948, a qual por sua vez resultou de um movimento protagonizado por parte da doutrina italiana que defendia a restrição do alcance do princípio da inocência, com vistas a garantir a eficácia do processo penal. Enrico Ferri sustentava que só se poderia admitir a presunção de inocência do delinqüente ocasional que houvesse negado a prática do crime, e mesmo assim somente enquanto não se reunisse prova indiciária contra ele. A própria instauração do processo criminal autorizaria que se presumisse a culpa do imputado, e não sua inocência. (TORRES e MAIER)
Todavia Oliveira (2007) repele a argumentação de que a norma constitucional em apreço teria uma “suposta natureza programática”. Afinal, “Toda norma constitucional tem, no mínimo, eficácia suficiente para revogar disposições legais com ela incompatíveis; não bastasse, é o próprio parágrafo único do art. 5° da CF que determina a aplicação imediata das normas que instituem direitos e garantias fundamentais. (OLIVEIRA, 2007, p.32).
O Supremo Tribunal Federal por vezes provocado nessa seara em sede de Habeas Corpus assim se pronunciou:
“EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto carente de fundamentação idônea. Nulidade caracterizada. Menção a razões abstratas. Ofensa ao art. 93, IX, da CF. Constrangimento ilegal configurado. HC concedido. É nula a decisão que decreta prisão preventiva com base em razões abstratas. 2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade concreta do delito. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na gravidade concreta do delito. 3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado em exigência do clamor público. 4. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na periculosidade presumida dos réus. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Ofensa à presunção constitucional de inocência. Aplicação do art. 5º, inc. LVII, da CF. Precedente. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na periculosidade presumida do réu. (HC 84.311/SP. Rel. Min. Cezar Peluso. Órgão Julgador: 2ª Turma. Data de Julgamento: 03/04/2007. Data de Publicação: 0.06.2007)[12].
2.2.5 Vedação de revisão pro societate
O Código de Processo Penal elenca no art. 621 as hipóteses previstas para cabimento da revisão criminal. Veja-se:
“Art. 621: A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”
Mirabete (2001) defende que a admissão do processo revisional está adstrita às hipóteses previstas no art. 621, que tem rol taxativo. Segundo o penalista:
A intangibilidade da coisa julgada, no processo penal, deve ceder ante os imperativos da Justiça, dando-se prevalência à verdade real e não à verdade formal. Permite-se, portanto, pela revisão criminal, que o condenado possa pedir a qualquer tempo ao tribunais, nos casos expressos em lei, que reexamine o processo já findo, a fim de ser absolvido ou beneficiado de alguma forma. (MIRABETE, 2001, p.1347).
Do exposto, asseverado com a inserção em nosso ordenamento através do Decreto n° 678 de 06.11.92, do teor da Convenção Americana de Direitos Humanos que disciplina no item 4 de seu art. 8° o seguinte:
“O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.”
Afora o aparato assecuratório ora apontado, à luz do sistema de garantias constitucionais advindos a partir da Carta de 1988 tem-se que:
Com os olhos postos na necessidade de segurança jurídica e no adequado e regular funcionamento das instituições públicas responsáveis pela administração da Justiça, a vedação de revisão para a sociedade impede que alguém possa ser julgado mais d uma vez por fato do qual já tenha sido absolvido, por decisão passada em julgado. (OLIVEIRA, 2007, p.32).
O ilustre Procurador Oliveira (2007) ainda expõe que “Isso ocorrerá ainda que a aludida absolvição tenha ocorrido em razão de erro judiciário no julgamento, decorrente de equívoco na apreciação das provas e dos fatos, por injustiça ou qualquer outro vício possível.” (OLIVEIRA, 2007, p.33).
Na mesma esteira Greco Filho (1993) defende que
nem mesmo a extinção da punibilidade obtida com certidão de óbito falsa tem sido admitida como revisível ou modificável após o prazo recursal respectivo. Apesar das opiniões em contrário e da tentativa de considerar tal decisão inexistente (o que não é), a exceção poderia ser perigosa fresta na garantia das liberdades e não deve, pois, ser admitida. (GRECO FILHO, 1993, p.456).
Também é a posição de Tourinho Filho (1999) para quem
(...) se tratar de nulidade absoluta (cujo prejuízo é presumido), poderá ser argüida fora daqueles momentos referidos no art. 57 1. E, se a decisão for condenatória, nem mesmo o trânsito em julgado impedirá sua argüição, seja por meio de habeas corpus - art. 648, VI, do CPP -, seja pela via revisional (CPP, art. 626). Não assim se houver sentença absolutória, diante da proibição, entre nós, da revisão pro societate. (TOURINHO FILHO, 1999, p.108).
Contudo Ceroni (2008) alerta que
É curial que se faça uma reforma em nossa legislação (constitucional e processual penal), a fim de que ela preveja a possibilidade de revisão criminal pro societate da sentença absolutória em casos de falsidade objetiva ou subjetiva. A propósito, o relator da comissão mista especial, destinada a levantar e diagnosticar as causas e efeitos da violência que assola o país, propõe a inclusão no Projeto de Lei n° 4.206 de 2001 (que altera dispositivos do Código de Processo Penal, relativos aos recursos e ações de impugnação) da revisão pro societate em caso da absolvição fundar-se em prova comprovadamente falsa, enquanto não extinta a punibilidade, acrescentando-se, para tanto, o inciso IV ao atual art. 621.
Neste caso, o Ministério Público deveria ser dotado de legitimidade para propor tal modalidade de revisão, com possibilidade de qualquer do povo poder representar nesse sentido. Evidentemente que, somente o Parquet seria dotado de legitimação para a ação revisional de sentenças absolutórias, a fim de evitar que a providência tivesse por escopo implícito, eventual vingança ou outros interesses escusos, o que colocaria em risco a segurança jurídica e o status libertatis do réu absolvido por decisão transitada em julgado.
O réu, anteriormente absolvido, somente seria condenado pelo tribunal revisionário se a decisão fosse unânime, a fim de que não pairasse qualquer dúvida acerca do acerto da condenação.
Não seria, outrossim, admitida revisão em favor da sociedade se o réu já estivesse morto, em respeito ao princípio de que a pena não deve passar da pessoa do criminoso.
Finalmente, o prazo para a proposição da revisão em favor da sociedade, seria o correspondente ao da prescrição do crime praticado. (CERONI, 2008).
2.2.6 Inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente
Determina o inciso LVI do artigo 5°. da Constituição Federal serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Submetida a matéria à apreciação do Supremo Tribunal Federal no bojo da Ação Penal n° 307-3 o Ministro Celso de Mello votou nos seguintes termos:
A norma inscrita no art. 5°, LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito processual, p. 60/82, 1990, Forense Universitária; Mauro Cappelletti, Efficacia di prove ilegittimamente ammesse e comportamento della parte, em Rivista di Diritto Civille, p. 112, 1961; Vicenzo Vigoriti, Prove illecite e costituzione, in Rivista di Diritto Processuale, p. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada – e repudiada sempre – pelos juízes e Tribunais, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade (Ada Pelegrini Grinover, op. cit., p. 62, 1990, Forense Universitária). A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da constitucionalidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.[13]
Doutrinariamente, Greco Filho (1996) relata que anteriormente à Carta de 1988 a admissibilidade ou não das provas, independentemente da ilicitude da obtenção, dependeria da ilicitude a ser apurada e punida separadamente, sem que, porém a prova, contudo fosse contaminada ou que até mesmo a obtenção ilícita da prova poderia levar à ilicitude e conseqüente inadmissibilidade desde que o bem jurídico sacrificado com a ilicitude tivesse maior valor que o bem obtido com a apresentação da prova.
Contudo, alerta Oliveira (2007)
E uma ordem jurídica fundada no reconhecimento, afirmação e proteção dos direitos fundamentais, não há como recusar a estatura fundante do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, sobretudo porque destinado a proteger os jurisdicionados contra investidas arbitrárias do Poder Público. (OLIVEIRA, 2007, p.35).
Assim, vejamos que os princípios constitucionais, no liame de normas diretrizes de um sistema, constituem-se, à luz do processo penal constitucional instrumentos indispensáveis à aplicação da lei penal, haja vista que exprimem a essência da Carta Brasileira de 1988.
Todavia, Moraes (2004a) aponta:
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). (MORAES, 2004a, p.63).
Apontando a relatividade dos direitos fundamentais, Quiroga (1993) afirma que
os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem, contudo, desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito. (QUIROGA, 1993, p.123).
Nasce assim, indubitavelmente o devido processo legal constitucional, que adquire o seguinte alcance, segundo Oliveira (2007):
O devido processo penal constitucional busca, então realizar uma Justiça Penal submetida a exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa posição de proeminência, respondendo pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra e pela atuação da jurisdição, sobre a qual exerce monopólio. (OLIVEIRA, 2007, p.?).
3 AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS
3.1. Comissões Parlamentares de Inquérito
A Constituição Brasileira de 1988 trata no “caput” do artigo 58 das comissões constituídas no âmbito do Congresso Nacional, definindo no parágrafo terceiro do dispositivo, poder de investigação criminal reservado às Comissões Parlamentares de Inquérito:
“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar a sua criação
[...]
§3° As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
A respeito da apuração de fatos determinados, veja-se seu alcance, segundo Moraes (2006):
Obrigatoriedade de existência de fatos certos a serem apurados: STF – “As Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI têm poderes de investigação vinculados à produção de elementos probatórios para apurar fatos certos e, portanto, não podem decretar medidas assecuratórias para garantir a eficácia de eventual sentença condenatória (CPP, art. 125), uma vez que o poder geral de cautela de sentenças judiciais só pode ser exercido por juízes. Com esse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança para tornar sem efeito ato de Presidente de Comissão Parlamentar de Inquérito que decretara a indisponibilidade dos bens dos impetrantes. Precedente citado: MS 23.452-DF (DJU de 8-6-99; leia o inteiro teor da decisão na seção de Transcrições do Informativo 151) e MS 23.446-DF” (STF – Pleno – MS n° 23.471/DF – Rel. Min. Octávio Galloti, decisão: 10-11-1999. Informativo STF, n 170). (MORAES, 2006, p.1123).
Oliveira (2007, p.75) sobre o referido dispositivo assim se posiciona: “Ali se prevê que as referidas Comissões terão poderes investigatórios próprios das autoridades judiciárias.”
Já Moraes (2006) classifica o inquérito parlamentar como de natureza jurídico-constitucional:
Natureza jurídica do inquérito parlamentar (CPI): STF – “O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão Legislativa – sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição – promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual” (STF – Pleno – MS n° 23.639-6/DF – Rel. Min. Celso de Mello – Diário da Justiça, Seção I, 16 fev.2001, p.91). (MORAES, 2006, p.1123).
Todavia, saliente-se que, o entendimento quanto aos poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional, não seriam os mesmos em relação às esferas estaduais e municipais, segundo Oliveira (2007), ao ilustrar sobre a quebra do sigilo bancário:
Se não há dúvida quanto ao fato de poder a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) determinar a quebra de sigilo bancário, talvez o mesmo não se pudesse afirmar em relação às Comissões Parlamentares estaduais, seja por falta de previsão específica na Constituição da República (argumento essencialmente jurídico), seja por eventual receio de abusos por parte das citadas Comissões (no que se revela argumentação de outra natureza). Seja como for, o Supremo Tribunal Federal já esclareceu a questão, por apertada maioria (6 x 5), no julgamento da ACO n. 730/RJ, sendo relator o Ministro Joaquim Barbosa, em 22.09.2004. Com os votos vencidos dos Ministros Eros Graus, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Joboim, o Supremo Tribunal Federal reconheceu tal poder investigatório às Comissões Parlamentares estaduais, afastando, porém, a possibilidade de Comissões municipais intentarem a medida. (OLIVEIRA, 2007, p.312).
O mesmo autor coloca-se de acordo com a decisão da Corte, não obstante por fundamentos diversos, verbis:
Ora, se o cerne da questão residisse na correspondência entre Poder Judiciário e Legislativo, no mesmo âmbito do poder político, poder-se-ia alegar que a competência das CPI’S estaduais deveria se limitar à quebra de sigilo bancário apenas em relação às instituições financeiras privadas ou estaduais. É que, presente o Banco Central, a competência jurisdicional seria federal, afastando-se a competência dos Juízes Estaduais e, assim, também dos parlamentares estaduais. (OLIVEIRA, 2007, p.312).
Ao parlamento municipal não se deve mesmo reconhecer o poder de quebra de sigilo, exatamente em razão da posição que referidos entes (Municípios) ocupam na distribuição do Poder Público. Veja-se, por exemplo, a ampla limitação legiferante dos municípios (restrita às questões de interesse local), e, também, a inexistência de foros privativos, na Constituição da República, para os respectivos parlamentares (vereadores). Ora, sendo assim, não faria sentido permitir a eles poderes superiores às próprias prerrogativas.
Sendo assim, os fatos relevantes ao interesse público e que deram origem a essas comissões serão objeto de profunda pesquisa e apuração para constituição de provas. Tais procedimentos para apuração de provas são regrados pela Lei n° 1.572/52.
O Supremo Tribunal Federal entende que encerra-se nesse objeto o escopo das CPI’S, conforme aduz a seguir:
“A comissão parlamentar de inquérito se destina a apurar fatos relacionados com a administração (..). Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se, no curso de uma investigação, vem a deparar fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo como qualquer do povo.” (...) Em caso de desacato, à entidade ofendida cabe tomar as providências devidas ato contínuo, sem prejuízo do oportuno envio das peças respectivas ou do auto correspondente ao Ministério Público para a instauração do processo criminal.” (HC 71.039, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 7-4-94, DJ de 6-12-96).
3.2 As Comissões Parlamentares de Inquérito e os limites constitucionais
Quanto à produção de provas, devem obedecer a determinados limites constitucionais a fim de que seja cumprida a licitude. Moraes (2004a) citando Melo Filho, cita os seguintes:
? Os inquéritos parlamentares só podem existir para a apuração de fatos determinados, pois somente, os “fatos determinados, concretos e individuais, ainda que múltiplos, que sejam de relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do estado, são passíveis de investigação parlamentar. Constitui verdadeiro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito de investigar fatos genericamente
? A atividade fiscal ou investigativa das comissões de inquérito há de desenvolver-se no estrito âmbito de competência do órgão dentro do qual elas são criadas.
? As Comissões Parlamentares de Inquérito são criadas com prazo fixo (CF, art. 58, §3°).
? Em relação ao conteúdo, não pode haver inquérito parlamentar para a apuração de questões que não sejam de interesse público, ou que careçam de suficiente precisão material, sob pena de usurpação das funções do Poder Judiciário. (MELO FILHO apud MORAES, 2004a, p.100).
Nada obstante, o processo penal é permeado por diversas teorias acerca das provas a serem utilizadas, as quais merecem breve elucidação:
3.3 Das Provas
3.3.1 A teoria dos frutos da árvore envenenada
O princípio da inadimissibilidade de provas ilícitas constituiu o olhar de teoria na jurisprudência norte-americana, que é a dos frutos da árvore envenenada: “fruits os the poisonous tree”. Seu limiar básico é pela inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.
Oliveira (2007) assim define esta teoria:
Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a licitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por derivação é uma aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. (OLIVEIRA, 2007, p.315).
O STF conferiu acolhida a esta teoria, conforme precedentes citados por Oliveira (2007, p.315): HC n. 74.116/SP, DJU 14.3.1997 e HC n. 76.641/SP, DJU 5.2.1999. Veja-se teor do primeiro julgado:
EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA.
1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-americana dos "frutos da árvore venenosa".
2. Inexistência de prova autônoma. HC nº 74116/SP-SÃO PAULO/HABEASCORPUS (STF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ, 14/03/97).
Todavia, questão tormentosa é se, ao momento da constatação da ilicitude de determinada prova em sede de inquérito, seria necessário seu imediato trancamento. Oliviera (2007, p.315) acredita que mesmo ilícita a prova, não há razão alguma para se determinar o trancamento do inquérito, em decorrência de que nem toda a atividade investigatória subseqüente estaria contaminada, além do que revelaria-se cláusula de permanente imunidade em relação ao fato, ademais ao ser proveitosos ao acusado a existência de uma prova ilícita, sobretudo quando produzida no início das investigações.
3.3.2 A teoria do encontro fortuito ou casual de provas
A previsão apontada por Oliveira (2007, p.318) quanto à teoria do encontro fortuito ou casual de provas ocorre no § 100, b, V do Código de Processo Penal Alemão (StPO), no sentido interpretativo.
A aplicação desta teoria ocorre quando, no caso concreto, seja verificado que na investigação de diferentes crimes, ocorra em algum prova de determinada infração penal a partir de busca regularmente autorizada.
Oliveira (2007) através de situação concreta esclarece a apontada teoria nos seguintes termos:
Assim, por exemplo, quando no curso de determinada investigação criminal, e autorizada judicialmente interceptação telefônica em certo local, com a conseqüente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não vemos por que recusar a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida. A tanto não se prestaria a teoria do encontro fortuito, dado que a sua finalidade e ratio essendi nem de longe seria atingida. Em tal situação, se até as conversações mais íntimas e pessoais dos investigados e das pessoas que ali se encontrassem estariam ao alcance do conhecimento policial, por que não o estaria a notícia referente à prática de outras infrações penais? (OLIVEIRA, 2007, p.319).
Continua a exposição referindo-se à posição do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto, que conforme demonstra o HC n. 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Informativo n. 361, ocorreria licitude e justificativa ao aproveitamento da prova, desde que houvesse necessária conexão entre os fatos e os crimes.
Todavia, Oliveira (2007) defende o seguinte:
Ora, não é a referida conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez franqueada a violação dos direitos à privacidade e à intimidade dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque, uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material relativo à prova do crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei. (OLIVEIRA, 2007, p.319).
3.3.3 A prova ilegítima: a prova emprestada
Segundo Oliveira (2007), a doutrina faz uma clássica distinção entre a prova ilícita e a prova ilegítima: “As provas ilícitas seriam aquelas obtidas com violação a direito material, enquanto as provas ilegítimas receberiam tal definição por violarem normas de Direito Processual.” (OLIVEIRA, 2007, p.320).
O mesmo autor define que prova emprestada seria aquela obtida em processo distinto e serviria de parâmetro para entendimento da clássica distinção doutrinária acima exposta. Nesse sentido,
Em ação penal instaurada contra determinados réus, é possível, por exemplo, que no caso de morte de uma testemunha, a acusação obtenha uma certidão de inteiro teor do depoimento por ela prestado em outra ação penal, envolvendo os mesmos fatos e outros acusados. Essa prova, assim obtida, seria denominada emprestada, porque produzida efetivamente em outro processo. (OLIVEIRA, 2007, p.320).
A partir do momento de introdução dessa matéria em processo novo restaria prejudicada a garantia individual do contraditório, que tornaria imprestável a prova obtida por tal mecanismo.
3.3.4 O aproveitamento da prova com exclusão da ilicitude
O Projeto de Lei n° 4.205/2001, convertido na Lei n° 11.680, que altera dispositivos do Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova e dá outras providências, publicada em 09 de junho de 2008, com previsão de entrada em vigor no prazo de 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação repele expressamente através da nova redação a ser dada ao art. 155 do CPP as provas obtidas ilicitamente.
Todavia há situações que por apresentarem determinadas circunstâncias são reconhecidas pelo Direito como capazes de afastar o eivo de ilicitude. Dentre elas, temos as enumeradas no art. 23 do Código Penal, denominadas causas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito). Ademais, o flagrante delito legitima que em determinadas circunstâncias ocorra permissividade diante de determinadas garantias, mesmo constitucionais, como é o caso da inviolabilidade do domicílio (art. 5°, XI).
Todavia Oliviera (2007, p.330) alerta que a jurisprudência do STJ tem acolhido com alguma freqüência a tese da proporcionalidade, sobretudo quanto à questão das gravações de conversas por um dos interlocutores sem a autorização do outro (RSTJ 109/269; RJDTA Crim n. 39/550).
Resta saber qual o tratamento que a jurisprudência e a doutrina conferirá à tese da proporcionalidade após a entrada em vigor da reforma implementada em relação às provas no Processo Penal brasileiro.
4 A mídia, as Comissões Parlamentares de Inquérito e o Direito ao Silêncio
4.1 A mídia e sua relação com os instrumentos constitucionalizados pela Carta da República de 1988
A ponderação de interesses verificada entre liberdade de expressão e os interesses de Estado remontam nossa Constituição Cidadã.
Dotti (2003), relata que, em episódios ligados à imprensa ao tempo da ditadura Vargas, verificaram-se diversas situações em que o papel da mídia restou tênue no conflito entre a liberdade e a responsabilidade que devem ser observadas na cobertura jornalística.
Realle Júnior (2008) faz referência à obra de DOTTI, ao considerar que há verdadeiro delírio da mídia em relação ao tratamento de determinados casos criminais da história brasileira. O jurista considera que a liberdade de informar exercida pelo labor jornalístico e o direito de informação a ser usufruído pela sociedade devem alcançar medida de prudência, que não transforme a mídia em tribunal sem apelação, responsável pela presunção de culpas ou decretação de inocências. E continua, referindo-se à relação entre a mídia e o devido processo legal:
A mídia entra diretamente em competição com a Justiça. A imprensa pretende revelar a verdade para que a opinião pública seja o juiz, sem as precauções do devido processo, sem a presunção de inocência, sem as regras estritas do contraditório. É difícil ter a garantia de que a busca de elevação dos índices de audiência coincida com a revelação objetiva da verdade. São interesses inconciliáveis numa imprensa sensacionalista. Como, então, enfrentar o impacto da mídia na Justiça, que dita condenações, elegendo apressadamente autores, ou promove absolvições injustas? (REALLE JÚNIOR, 2008)[14].
Rocha (2004) nos adverte sobre a capacidade de manipulação dos veículos de comunicação de massa, que serviriam de instrumento justificador do sistema penal através da propaganda enganosa, que “ilude a audiência e contrói uma falsa realidade para ocultar o caráter violento de outros fatores socialmente danosos”. O professor continua a exposição citando o lendário penalista Nilo Batista, o qual com pena de ouro incisivamente contextualiza o debate, fazendo refletir: “Com certeza, a falência do sistema de saúde, a fome e o trânsito produzem danos sociais muito mais importantes, qualitativa e quantitativamente.” (ROCHA, 2004, p.44 e 45).
Oportuno é trazer à baila a lição de Coelho (2007), que esclarece que a desligitimação social não estaria adstrita aos compêndios do sistema penal:
Certamente a superação da ortodoxia da teoria tripartite do Estado, a falência evidente (e inevitável) do positivismo, a emergência de problemas sociais e a necessidade de controlar o fautor e o executor da lei, por corpos autônomos de juízes, em nome de princípios de liberdade, da cidadania e da igualdade, geraram este estado de coisas, a que o Brasil se procura atrelar. Em todas as partes, há uma ânsia de voltar ao sistema da graphé paranomón[15], capaz de conter os excessos do legislador ou sua omissão cada vez mais intolerável. (COELHO, 2007, p.56).
Partiria-se, para os deslegitimadores, de uma midialização e seletividade do sistema penal que criaria um sentimento social de profunda injustiça e impunidade vigorante sobretudo nos países latino-americanos. Em contribuição conclusiva, Maria Lúcia Karam, citada Rocha (2004) adverte para o fenômeno de uma possível eficácia marginal do sistema penal:
esta publicidade enganosa cria o fantasma da criminalidade, para, em seguida, “vender” a idéia da intervenção do sistema pena, como alternativa única, como a forma de se conseguir a tão almejada segurança, fazendo crer que, com a reação punitiva, todos os problemas estão sendo solucionados... Esta visão ingênua e mágica começa esquecendo que, na realidade, o sistema penal só opera em um número reduzidíssimo de casos: ao mesmo tempo que é anunciado sempre com grande estardalhaço, o esclarecimento de um ou outro crime de maior repercussão, fazendo com eu a população imediatamente se sinta mais segura, ao ver na prisão todos ou alguns envolvidos, uma quantidade infinita de outros crimes permanece desconhecida ou impune. Basta pensar, por exemplo, que num país como o Brasil onde escândalos na Administração Pública são quase uma rotina, são raríssimos os casos de pessoas processadas, condenadas ou presas, por peculato ou corrupção (o Censo Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro encontrou 9 presos por peculato e 3, por corrupção passiva). (KARAM apud ROCHA, 2004, p.45).
4.2 A mídia e as Comissões Parlamentares de Inquérito
A atividade jornalística intriga, ainda, o Parlamento. A saber se o ofício realmente teria o condão de pressionar a tomada de providências concretas pelo Poder Legislativo ou se, pelo mero sabor do sensacionalismo apenas seria tentativa de que os instrumentos democráticos fossem transpostos em favor da notícia, o certo é que os próprios noticiários estampam esse dilema:
Brasília - O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Apagão Aéreo no Senado, Tião Viana (PT-AC), disse que não pretende utilizar "de forma inconstitucional" os dados da caixa-preta do avião da TAM. Ele considera que os responsáveis pelo vazamento e divulgação dos dados contidos na caixa-preta "rasgaram a Constituição brasileira". As informações foram tornadas públicas ontem (1º) pela CPI da Câmara. Antes, elas haviam sido divulgadas, a partir de vazamento de informação, pela revista Veja e pelo jornal Folha de S. Paulo.
Viana afirmou que os tratados internacionais têm peso de emenda constituicional no país. Por isso, ele considera ilegal o desrespeito à Convenção Internacional de Aviação Civil, assinada pelo governo brasileiro em 1944 na cidade de Chicago. A convenção determina que os dados da caixa-preta não podem ser divulgados até o final das investigações, segundo o parlamentar. "Em respeito à Constituição Federal, não se permitirá transcrever os relatos emitidos pelas caixas-pretas. Nós teremos acesso no termo da lei".
A divulgação das informações prejudica a imagem do país junto às autoridades internacionais, na opinião do brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos (Cenipa). "Cabe a nós agora tentar reverter essa situação", afirmou, em depoimento à CPI do Senado. (LOURENÇO, 2007).
Todavia, a posição da mídia pode ser bem elucidada nos moldes da reportagem a seguir:
A revelação de todos esses problemas começou com Veja, que publicou a história de Maurício Marinho, funcionário público que embolsou um bolo de notas na frente de uma câmera oculta. Prosseguiu com Renata Lo Prete, que publicou na Folha de S.Paulo duas explosivas entrevistas com Roberto Jefferson. Logo depois, Leonardo Attuch, em IstoÉ Dinheiro, ouviu a secretária de Marcos Valério, Karina Somaggio. E Época desta semana conseguiu um feito histórico, ao publicar entrevista com Valdemar Costa Neto, o deputado federal que renunciou para evitar o risco da cassação: o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, atrasou em três horas e meia o início de seu discurso para tomar conhecimento, antes de falar, do conteúdo da reportagem.
O fato é que a imprensa descobriu mais coisas que as CPIs. Teve suas falhas, teve seus descuidos, teve acusações apressadas, teve injustiças. Mas a CPI também apresentou esse tipo de problema. E os jornalistas, mesmo não dispondo dos poderes especiais de magistratura que revestem os parlamentares da CPI, continuam disputando a dianteira e ganhando com muita freqüência.
Há horas de tristeza e depressão. Mas há momentos em que dá muito orgulho de ser jornalista. (BRICKMANN, 2005).
Todavia a mídia talvez se esqueça que, à luz de um Estado Democrático de Direito, as Comissões Parlamentares de Inquérito, mesmo que disponham de poderes investigatórios conferidos às autoridades judiciais encontra-se limitada pela própria Carta Constitucional que lhe conferiu esses poderes. Certo é que, mais uma vez o que se verifica é o mecanismo dos freios e contrapesos, Checks and Balances, adotado no seio do Estado brasileiro. Talvez o chamado “orgulho de ser jornalista” seja um sentimento às expensas das diretrizes traçadas pela Constituição Brasileira.
Os próprios parlamentares admitem que, muitas vezes, as atividades exercidas pelas Comissões Parlamentares não logram atender às expectativas de elucidação profunda dos fatos que se propõem a apurar. Fato recorrente é o de que as provas colhidas não se prestariam a subsidiar denúncia a ensejar a abertura de Processo Penal. Veja-se a notícia veiculada no site do Senado Federal:
CPI do Sistema Financeiro emperra na falta de provas.
Senador João Alberto se diz decepcionado com o resultado das apurações e não deve apresentar conclusões em seu relatório.
O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o sistema financeiro, senador João Alberto Souza (PMDB-MA), admitiu ontem estar “constrangido” com os resultados obtidos pela CPI até agora. “Eu queria ter encontrado algo maior”, disse João Alberto, referindo-se à falta de provas capazes de punir responsáveis e alavancar o ibope da comissão que ultimamente anda em baixa, com depoimentos fracos e sonolentos. Para quem acreditava há um mês e meio, que a CPI poderia “ruir os pilares da nação”, como chegou a afirmar João Alberto, a CPI realmente decepciona. Até aqui, a comissão criada pelo líder do PMDB no Senado, Jader Barbalho, atraiu a atenção da mídia mais por ações polêmicas e cenas inusitadas, como a apreensão de documentos nas residências do ex-presidente do BC Francisco Lopes e do ex-controlador do banco Marka, Salvatore Cacciola, e a prisão de Francisco Lopes logo depois de se negar a prestar declarações aos senadores sob juramento. Por enquanto, de forte mesmo, quase nada. Um bilhete manuscrito por Salvatore Cacciola na ante-sala da presidência do BC e endereçado a Francisco Lopes pode sugerir uma certa intimidade entre eles. Uma carta de Luiz Augusto Bragança, sócio da empresa de consultoria Macrométrica, encontrada na casa de Francisco Lopes também levanta suspeitas sobre a conduta do ex-presidente do BC. O documento garante à mulher do ex-presidente do BC o direito de usufruir de US$ 1,6 milhão depositados em uma conta no exterior em caso de morte de Lopes. O que a CPI ainda não conseguiu foi colocar as mãos em peixe graúdo, como diz um senador integrante da comissão, apesar de ter lá algumas constatações. Em entrevistas e conversas nos corredores do Congresso, senadores chegam à conclusão de que houve vazamento de informação privilegiada a alguns bancos antes da desvalorização do real, estabelecendo um lucro de cerca de R$ 10 bilhões às instituições financeiras. O próprio relator João Alberto, porém, garantiu que no relatório preliminar, que teve a divulgação adiada várias vezes pelo autor, não vai entrar em detalhes sobre o assunto. “É muito difícil provar que houve vazamento”, justificou o relator. Além de emperrar na falta de provas, a CPI também empaca por falta de informações. O cruzamento de ligações telefônicas dos envolvidos, por exemplo, virou novela. “A CPI ainda não recebeu todos os dados para o término desse trabalho”, disse João Alberto, que não deverá apresentar conclusões em seu relatório. O senador defenderá que Francisco Lopes, que depôs na Polícia Federal, e os ex-diretores do BC Cláudio Mauch e Demósthenes de Oliveira mentiram em seus depoimentos, assim como os diretores da Bolsa de Mercadorias & Futuro (BM&F), acusados de entrarem em contradição. “Vou dar minha opinião sobre os fatos e entregar tudo ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União”, disse o relator, reconhecendo que até agora dificilmente alguém será punido. Na linguagem do País do Futebol, o placar da CPI exibe um escasso 0 x 0. Empate com gosto de derrota. Juan Domingues Repórter do Jornal de Brasília.[16]
O jornalista e professor universitário Bernardo Kucinski cobra, em artigo publicado na Agência Carta Maior, a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o acidente do Metrô de São Paulo. Mas, para ele, a mídia “não está fazendo nenhuma questão de uma CPI do Metrô”. Kucinski vai além e afirma que, “se os paulistanos não tiverem força para impor a CPI, carregarão para sempre uma parte da culpa”. O jornalista é categórico: “A tragédia não aconteceu por acaso e nem foi provocada pelas chuvas ou pelo solo. Foi o resultado do modelo de gestão atropelada da coisa pública implantado na era tucana e que se repetirá em outras obras, se não for feita esta CPI”.
Escândalo três em um: Governadores, prefeitos, senadores e a mídia servem ao público um festim de irregularidades, incompetência, imprecisão e vaidade na CPI dos Precatórios.
Tô bem na Globo. O João Roberto Marinho tá me botando no ar seis vezes por dia. Seis vezes!", senador Roberto Requião citado pela revista Carta Capital.
A CPI dos Precatórios tem sido o ponto de encontro de três escândalos: os precatórios propriamente ditos, o amadorismo dos senadores e o show da mídia. O escândalo matriz é o processo de quantificação, emissão e venda de títulos públicos para pagamento de precatórios por parte dos governos de Alagoas, Pernambuco e Santa Catarina e de prefeituras como São Paulo, Campinas e Osasco. Pelo menos uma fraude - da falsificação ao desvio do dinheiro para outros fins - os governantes cometeram. Os escândalos filhotes ficaram por conta dos senadores e da mídia. Os dois deram-se os braços para repetir o velho show de conflitos de interesses, imprecisão, vaidade, incompetência, cada um no seu ramo.
A CPI, como qualquer uma que puser o foco nos negócios públicos, descobriu barbaridades e produziu bons efeitos. Ao contrário da prevenção pessimista incentivada pela mídia — sobretudo nas perguntas: "Vai acabar em pizza?" — serviu para revolver o escândalo dos precatórios, mostrar como governadores (Divaldo Suruagy, em Alagoas, Miguel Arraes, em Pernambuco, e Paulo Affonso em Santa Catarina) falsificaram documentos ou números e os demais denunciados, pelo menos, superavaliaram os precatórios e usaram o dinheiro no pagamento de outras contas.
Outro mérito da comissão foi descer ao subsolo do mercado financeiro, onde se lava dinheiro e não se paga imposto de renda, num festival de contas secretas. Mostrou, também, a inépcia do Banco Central como fiscalizador de negociatas e, compreensivelmente, evitou abrir demais o leque para outros veios de irregularidades. Os métodos de investigação e de divulgação dos resultados, no entanto, reiteram a síndrome exibicionista e inquisitorial das CPIs Collor-PC e do Orçamento. Nos primeiros dias de dezembro do ano passado, quando a CPI decolava em vôo baixo, foi feito um acordo com os jornalistas: as informações seriam passadas ao mesmo tempo para todos, sem privilégios nem apadrinhamentos. Durou pouco. Quando o ambiente esquentou, a partir de fevereiro, senadores, assessores, técnicos do Senado, técnicos convidados, operadores de xerox, quem manipulasse um documento o passava para seu repórter ou meio de comunicação predileto. "Tem documento novo na área. O Requião já sabe. Daqui a pouco vamos poder assistir a tudinho pela TV", disse com ironia ao Globo (22/3) o senador Romeu Tuma (PFL-SP), referindo-se ao vezo exibicionista do relator Roberto Requião (PMDB-PR). A CPI torna-se, então, guarda-chuva para o anonimato, reportagens sem fonte, as acusações órfãs. Um técnico faz uma conta e lê-se no jornal do dia seguinte: "A CPI descobriu...", "segundo integrantes da CPI", "dados em poder da CPI revelam... (AZEVEDO, 2007).
Um dos erros graves da mídia nessas coberturas é o de não organizar as informações, por hierarquia e importância. O público recebe uma maçaroca de dados, documentos e mexericos, distribuída por páginas e páginas ou minutos e minutos de divulgação, e nesse calhamaço entra tudo — o que é supostamente relevante e a ninharia explícita. Um número foi destacado: R$ 600 milhões teriam sido "desviados", mas na verdade os meios de comunicação não tinham idéia de quem e como chegara a esta cifra. Chutou-se até fonte qualificada. Em 27/2, o Jornal do Brasil deu em manchete: "BC calcula rombo de R$ 500 milhões", sem que o leitor tivesse pista de como foi cravado ou cavado esse meio bilhão de reais. Possibilidades remotas nas brechas da lei foram servidas como carne aos Leões: "Justiça pode derrubar Pitta mesmo sem processo de impeachment na Câmara", estampou O Globo em 23/3.
Outro erro cometido pelos senadores e ampliado pela mídia é de natureza psissocial: geram expectativas de provas cabais e punições exemplares iludem o público: "Quadrilha pode pegar 100 anos de prisão", JB, 9/3. Ao final, sugerem que tudo foi muito bem investigado. Se as prisões não estão abarrotadas e o cadafalso cheio de cabeças é porque a impunidade clássica do Brasil, etc. e tal. Na segunda quinzena de abril, senadores e meios de comunicação venderam ao público a idéia de que "o lucro ilícito da venda" dos precatórios" mandado para o exterior poderia ser "recuperado" (Folha, 21/4) — embora todos saibam que isso é uma fantasia que só rende o nome de um senador no jornal (no acaso, Romeu Tuma) e a mídia, uma reportagem.
A manufatura da frustração já foi pródiga no Caso Collor-PC, ao fim do qual, incluindo-se a montanha de 170 inquéritos da Polícia Federal, não se produziu uma única prova à altura do alarido. Nada que servisse de munição para o Ministério Público e de guia para os juízes do Supremo Tribunal Federal. Collor recebeu pena justa e dura, inédita na história republicana no mundo: um impeachment; perdeu o cargo de presidente da República, num julgamento apropriadamente político. Mas, a julgar pela algaravia da mídia, ele pegaria duas prisões perpétuas e mais cinco anos. Na barra fria do tribunal, PC Farias foi condenado a quatro anos de prisão pelo modesto crime de falsidade ideológica — desses que os jornalistas cometem a todo instante. Para o ex-presidente, tal como para Al Capone, restou um processo do Imposto de Renda.
As investigações dos parlamentares e a cobertura da mídia seguem o figurino da massa na rua, levando um acusado para o tribunal. Esquecem-se de que sua tarefa nessa caminhada é produzir e divulgar provas. Ao contrário, os acusadores sobem no palanque e gritam "E ele roubou ...", e a multidão berra, "Ah, ele é ladrão. Outro acusador, para superar o primeiro em veemência, tem de ser mais eloqüente e grita "Ele roubou duas vezes...", e a multidão se inflama e segue babando pelas ruas. (O senador Roberto Requião, deselegante, truculento, vestiu o gibão de Torquemada. Fez até piada com deficiências físicas das testemunhas — a exemplo do olho cego do funcionário da Prefeitura de São Paulo Wagner Batista Ramos.) À medida que se aproxima do tribunal, as acusações vão esmaecendo, os acusadores já não repetem suas imprecações, a multidão começa a dispersar e quando chega diante do juiz descobre que há indícios, suspeitas, uma ou outra prova, mas não o suficiente para esquartejar os acusados e amaldiçoar seus descendentes até a quarta geração.
E aí começa o contravapor:
· Excessos podem tornar inócua a CPI, Globo, 30/3.
· Culpados devem ficar livres de punição, Estadão, 16/3
· Especialistas acham que CPI bobeou, JB, 16/3.
· CPI começa a perder apoio da população, Estadão, 20/4.
· CPI não vai rastrear dólares no exterior, Globo, 23/4.
Com todos os seus defeitos, a CPI dos Precatórios ficará na história como um passo além da clássica denúncia de superfaturamento em obras públicas. Mostrou que o dinheiro público sai pelo ralo no nariz de todos (governantes, senadores, Banco Central, imprensa) e que há um subterrâneo incólume no chamado mercado financeiro. O buraco negro da CPI parece ser este. É indisfarçável que o clima de "lincha, lincha" mudou quando se fez necessário explicar por que o maior banco do país, o Bradesco, comprava por preço mais alto, títulos que, poderia comprar por preços mais baixos. Aí a mídia perdeu toda a impetuosidade.
A "ciranda da felicidade", pela qual corretoras vendiam os títulos entre si, ganhavam dinheiro, fabricavam prejuízos, isso rendeu páginas e páginas. Mas na hora de explicar por que o Bradesco estava na ponta final, comprando títulos que davam lucros para as demais instituições financeiras, acabou o gás. Abril, 7. O presidente do banco, Lázaro de Mello Brandão, enfim depõe na CPI. No dia seguinte, o único dos grandes jornais a destacar Brandão na 1ª página foi a Folha. Dias depois, o dono da Distribuidora Paper, que fazia para o Bradesco os negócios com os precatórios, Augusto César Falcão de Queiroz, disse à CPI que comprava os títulos por ordem do banco. Mas aí a CPI murchava na mídia.[17]
Nesse sentido, verifica-se uma relação por vezes tormentosa entre a mídia e os fatos apurados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, talvez fruto da confusão muitas vezes criada por alguns profissionais da mídia de que a atividade investigatória exercida pelo jornalista teria o mesmo peso do que uma investigação mesmo com poderes próprios de autoridades judiciárias exercido em Casa do Parlamento brasileiro.
Ressalte-se que é situação bem mais complicada para uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso o envio de fatos apurados com base em provas imprestáveis a um futuro procedimento penal sejam por eivadas de ilicitude ou ilegalidade do que a retratação ou indenização por danos morais por excesso cometido em relação à liberdade de imprensa por determinado veículo de comunicação.
Em acórdão recente o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou que a posição do Poder Judiciário na ponderação do exercício do dever de informar por parte da mídia deve ser digno de fé, em atendimento ao interesse público que se serve. Nesse sentido decidiu:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRESA JORNALÍSTICA – PUBLICAÇÃO DE FATOS – ANIMUS NARRANDI – LIBERDADE DE IMPRENSA.” (TJSP. Apelação Cível n°2002.01.1.011307-7. Órgão Julgador: 6 Turma Cível. Relatora Desª: Sandra de Sanctis. Revisor Des.: Antoninho Lopes)[18].
4.3 A mídia e a invocação do direito ao silêncio nas Comissões Parlamentares de Inquérito
Conforme insistentemente exposto nesse trabalho, a Constituição Brasileira de 1988 conferiu como garantia aliada aos direitos individuais o princípio da não auto-incriminação ou direito ao silêncio. Isso em socorro aos diversos tratados aos quais o Brasil aderiu, inclusive trazendo-os ao ordenamento interno com força até mesmo equivalente a das emendas à Constituição.
Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes proferiu voto que traçou os alicerces teóricos dessa garantia a qual vincula o Estado, verbis:
O direito ao silêncio, que assegura a não-produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [Eine Auslieferung dês Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.] (Maunz-Dürig, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18). A premissa acima é suficiente a fazer incidir, automaticamente, a essência dos direitos argüidos na impetração. E se há justo receio de serem eles infringidos, deve-se eferir
aos pacientes o necessário salvo-conduto que evite possível constrangimento: não se trata de afirmar que ele ocorrerá, ou ocorreria — até porque, como ressaltado pelo Min. Celso de Mello na decisão liminar do MS n. 25.617, é de pressupor que o conhecimento e a consciência próprias à formação jurídica dos parlamentares que compõem a direção dos trabalhos da CPMI não ‘permitiria que se consumassem abusos e que se perpetrassem transgressões’ aos direitos dos depoentes ou às prerrogativas profissionais dos seus defensores técnicos —, mas, infelizmente, eventos de passado recente, e de público conhecimento, indicam a oportunidade e a necessidade de acautelar qualquer ocorrência." (HC 87.971-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 13-2-06, DJ de 21-2-06). No mesmo sentido: (HC 88.553-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 19-4-06, DJ de 25-5-06). (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006, p.18).
Contudo a mídia eleva a referida garantia constitucional como um requisito à impunidade dos envolvidos em fatos investigados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. Nesse sentido, veja-se a matéria publicada pela revista Veja[19]:
“CPI do Judiciário
O mudo fala na CPI
O juiz Nicolau dos Santos abusou do direito de ficar calado e a CPI entendeu o silêncio como confissão de culpa Sandra Brasil.
Graças aos depoimentos das CPIs, as pessoas têm visto com certa freqüência que não é só nos filmes americanos que um acusado apela para o direito de permanecer em silêncio durante uma investigação. Esse princípio, expresso na Constituição brasileira no artigo 5º, é base de qualquer regime democrático e impede que um cidadão seja obrigado a fornecer informações que possam prejudicá-lo. O juiz Nicolau dos Santos Neto, no entanto, levou o artigo 5º ao paroxismo. Principal acusado de um caso assombroso de superfaturamento, a obra de construção do edifício do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Nicolau evocou dezenove vezes o preceito constitucional que lhe garante o silêncio durante o depoimento que deu à CPI do Judiciário na semana passada.
O prédio do TRT consumiu 263 milhões de reais, mas só é possível detectar gastos de 70 milhões. A CPI quer saber onde foram parar os restantes 193 milhões. Nicolau abriu a licitação para o novo prédio e comandou a construção. Durante esse período, comprou um apartamento em Miami de quase 3 milhões de reais e uma frota de carros de mais de 1 milhão, levantando suspeitas sobre sua honestidade. A máscara caiu quando um ex-genro o denunciou. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União decidiu multar o juiz e obrigá-lo, juntamente com a construtora que tocou a obra, a devolver 57 milhões de reais aos cofres públicos. Na presença dos senadores da CPI, Nicolau virou um mudo diante da maioria das questões. Alguns momentos impagáveis do depoimento:
Paulo Souto (PFL-BA) – O senhor é dono de algum apartamento em Miami?
Nicolau – Nobre senador, eu quero dizer a vossa excelência que em conformidade com o artigo 5º, inciso 63 da Constituição federal, eu reservo-me o direito de permanecer calado.
Paulo Souto (depois de apresentar o contrato de compra e venda de um apartamento em Miami) – O senhor conhece este contrato? Assinou este contrato?
Nicolau – Sim. Conheço, mas reservo-me o direito de permanecer calado.
Paulo Souto – O senhor teve contatos com uma empresa chamada Howard and Lois Associations (supostamente contratada para decorar o apartamento)?
Nicolau – Senador, eu me reservo o direito de permanecer calado.
Ramez Tebet (PMDB-MS) (depois de ler carta da decoradora Cláudia Ernandes para uma gerente de banco chamada Josefina de La Llama em que as duas tratam do apartamento de Miami) – O senhor conhece essa Cláudia?
Nicolau – Não, senhor.
Ramez Tebet – E essa Josefina?
Nicolau – Reservo-me o direito de permanecer calado.
Paulo Souto – O senhor comprou carros em Miami?
Nicolau – Reservo-me o direito de permanecer calado.
Paulo Souto (apresentando cópias de notas fiscais de venda de carros em nome do juiz) – Então o senhor não comprou automóveis?
Nicolau – Eu me reservo o direito de permanecer calado.
Paulo Souto (apresentando uma fatura do cartão de crédito do juiz) – O senhor realizou estas compras?
Nicolau (folheando os extratos) – Eu continuo me reservando o direito de não me manifestar.
Paulo Souto – O senhor transferiu recursos para pagamento de cartões de crédito no exterior?
Nicolau – Eu me reservo o direito de permanecer calado.
Paulo Souto – O senhor tem contas no exterior?
Nicolau – Vou insistir no direito de permanecer calado.
Paulo Souto (apresentando extrato de movimentação bancária em uma agência nas Ilhas Cayman) – O senhor tem alguma coisa a dizer sobre isso?
Nicolau – Continuo reafirmando o direito de permanecer calado.
Carlos Wilson (PSDB-PE) – Vossa senhoria tem contas bancárias no exterior?
Nicolau – Eu me reservo o direito de ficar calado.
Ramez Tebet – O empreiteiro Fábio Monteiro de Barros Filho (dono da empresa que construiu o prédio do Tribunal do Trabalho em São Paulo) foi seu hóspede no apartamento de Miami?
Nicolau – Eu nem sei... eu me reservo o direito de ficar calado.
Geraldo Althoff (PFL-SC) – O doutor Lauro Bezerra (que teria ciceroneado Nicolau e sua família em Miami) freqüentava sua residência?
Nicolau – Eu disse ao senhor que nesse ponto eu estou pedindo reservas para me manter calado.
Ramez Tebet (mostrando fotos de Nicolau no apartamento em Miami) – Vossa excelência conhece este apartamento?
Nicolau – Insisto em me manter calado.
Paulo Souto – Eu queria falar um pouco sobre uma coincidência reveladora: a presença do senhor em Miami em fevereiro de 1994. Nós temos aqui declarações da Varig a respeito de sua ida para Miami. Os documentos sobre a compra do apartamento de 1994. A abertura de uma conta nas Ilhas Cayman também é de 1994. O senhor tem alguma coisa a falar sobre isso?
Nicolau – Eu me reservo o direito de me manter calado.”
Contudo a lapidar colocação do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do HC 80.868 serve para elucidar o escopo da concessão da ordem:
Ressalto (...) que o Supremo Tribunal Federal vem concedendo liminares em habeas corpus para afirmar a garantia contra a auto-incriminação. É, no entanto, necessário registrar que o Tribunal o faz na exata medida para não permitir que, sob a proteção de ordem concedida preventivamente, testemunhas convocadas para prestar depoimentos em CPI se eximam de seu dever legal (cf. despacho do Ministro Sepúlveda Pertence no HC 80.868, DJ de 20-4-01). (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006).
Ademais, segundo entendimento da Corte tal garantia se verifica não somente quanto à testemunha, mas a todas as pessoas sujeitas aos poderes instrutórios, em que se incluem investigados, envolvidos ou suspeitos:
Além disso, não menos aturada e firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a garantia constitucional contra autoincriminação se estende a todas as pessoas sujeitas aos poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito, assim aos indiciados mesmos, ou, recte, envolvidos, investigados, ou suspeitos, como às que ostentem a só qualidade de testemunhas, ex vi do art. 406, I, do Código de Processo Civil, cc. art. 3º do Código de 17 Processo Penal e art. 6º da Lei n. 1.579, de 18 de março de 1952." (HC 88.703-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 8-5-06, DJ de 12-5-06). (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006).
Nesse sentido, a aplicação desse direito seria mera subsunção do consubstanciado pela ordem constitucional brasileira. Assim, não ocorreria inoperância das CPI’S face a garantia da não auto-incriminação:
Ministro garante direito de não auto-incriminação para médico intimado pela CPI da Pedofilia.
O ministro considerou que a exigência de respeito aos princípios consagrados no sistema constitucional “não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida”. Segundo ele, “os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimento estatal”, concluiu.[20]
Pelo exposto, não deve prosperar o equivocado preceito de que uma CPI sempre acaba legitimando a impunidade ante o que investiga. Conforme elucida Amaral (2008) que
suas conclusões são encaminhadas ao Ministério Público para promoção da responsabilidade civil e penal dos agentes ímprobos. Mas, não só a este Órgão Acusador essencial à função jurisdicional do Estado. Há, ainda, um outro encaminhamento, que fica implícito no texto constitucional, a um destinatário tão importante quanto o Parquet. As conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, assentadas em seu Relatório Final, são, também, encaminhadas à consciência do povo deste País, de quem emana todo o poder, exercido por meio de representantes eleitos pelo voto. A soberania popular exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, é que determinará a maior e incomparável promoção da responsabilidade e condenação dos agentes públicos corruptos, surrupiadores da coisa pública, pela derrota nas urnas. A pizza ou a perpétua condenação moral destes é uma escolha sua. (AMARAL, 2008).
Inadmissível é que o STF como guardião da Constituição Brasileira trace presunções a respeito dos submetidos ao crivo das Comissões Parlamentares de Inquérito e se baseie na imprensa na decisão de concessão de ordem:
Não obstante a possível dúvida a respeito do teor da convocação do paciente, se lhe formaliza ou não a condição de investigado, pode-se inferir que é esta a condição que lhe advém das notícias veiculadas pela imprensa (..). Nesse sentido, (HC n. 86.232- MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 22-8-05).
5 Conclusões
As Comissões Parlamentares de Inquérito, dados poderes investigatórios judicantes a elas conferidas, contribuem à construção democrática brasileira, haja vista a transparência que caracteriza seus trabalhos e a contribuição recorrente do Poder Judiciário, o qual provocado a se manifestar a respeito de garantias aos que submetem ao crivo das CPI’S, seja na condição de investigados, suspeitos ou até mesmo testemunhas majoritariamente tem optado pela prevalência da Constituição. A mesma postura é que se espera da mídia, de ajudadora na condução dos trabalhos realizados pelas comissões, tendo em vista que dispõe de veículo primordial de formação da opinião pública e fortalecimento das instituições.
Carvalho Netto (1999) pontua que “O Direito e a organização política pré-modernas encontravam fundamentação, em última análise, em um amálgama normativo indiferenciado de religião, direito, moral, tradição e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam.” (CARVALHO NETTO, 1999, p.476).
A República Federativa do Brasil nos moldes previstos no art. 1° da Constituição de 1988 já superou tal estágio. Que ela sirva, portanto, de espelho para ação da mídia e das instituições.
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[1] Disponível em: www.planalto.gov.br> Acessado em 10 de junho de 2008.
[2] Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=HC%2098870> Acessado em 29.05.2008.
[3] Disponível em Acessado em 29.05.2008.
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[5] Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp> Acessado em 10.05.2008.
[6] Disponível em: www.planalto.gov.br> Acessado em: 10.06.2008.
[7] “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.”
[8] art. 9.°: "Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei."
[9] art.14, 2: Qualquer pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma a sua inocência até que se prove a sua culpa conforme a lei.
[10] art. 8°, 2: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal.
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
.que é a desconsideração prévia da culpabilidade, que seria a interpretação restritiva conferida ao princípio da inocência.
[11] Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7198> Acessado em 27.08.2006.
[12] Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp> Acessado em 09.06.2008.
[13] Disponível em: Acessado em 05/06/2008.
[14] Disponível em:
[15] O graphé paranomón opunha-se aos arrebatamentos da Eclésia, como aos excessos dos demagogos. Até depois da morte de Péricles, aquela instituição manteve sua eficácia. Foi ela o instrumento capaz de impedir que a soberania popular se tornasse em um poder arbitrário ou numa tirania. A democracia deve ter por fundamento o respeito à lei. Na verdade, o graphé paranomón era o instituto judiciário de natureza criminal, de uma sabedoria precoce, que procurava conter a onipotência da Eclésia nos seus exatos limites. Nisto, sem dúvida, a rima com o controle de constitucionalidade das leis, que tudo podem, menos contrariar a Lei Fundamental.
Antes, as leis dadas pelos deuses eram protegidas pelo poder sagrado da imprecação. Quando as leis foram escritas, tiveram por guarda o mais augusto dos tribunais, o Aerópago, aquele que tinha atribuições essencialmente religiosas. Com a reforma mencionada de Efialtes, os Aeropagistas foram despojados de suas funções de guarda da Constituição. Foi preciso criara freios à própria democracia, dentro dela mesma, já que inexistiam controles a ela exteriores. O graphé paranomón possibilitava a qualquer cidadão o exercício do direito de acionar o autor de uma moção ilegal ou mesmo o presidente que não a submeteu aos sufrágios. O acusado deveria deduzir sua posição por escrito, indicando a lei que entendera haver sido violada. Ele poderia anunciar sua intenção num juramento, na Assembléia do povo, antes ou depois da votação das disposições que ele julgasse ilegais. Essa declaração oficial tinha por efeito suspender a validade da moção ou do decreto até o julgamento por tribunal de, no mínimo, mil jurados. Toda moção podia ser atacada por vício de forma. Seria suficiente que ela não tivesse observado, ponto por ponto, as severas regras do procedimento.
[16] Disponível em: Acessado em 31/05/08.
[17] Disponível em: <http://www.igutenberg.org/cober14.html> Acessado em 31 de maio de 08.
[18] Disponível em .
[19] Disponível em: Acessado em 06/04/08.
[20] Notícias STF Disponível em: Acesso em 13 de junho de 2008.
Advogada. Bacharel em Direito Pela UFMG. Especializanda em Direito Processual.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESSOA, Betânia Faria e. A relação entre a mídia e o exercício do direito ao silêncio nas Comissões Parlamentares de Inquérito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2009, 07:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/17537/a-relacao-entre-a-midia-e-o-exercicio-do-direito-ao-silencio-nas-comissoes-parlamentares-de-inquerito. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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