Monografia apresentada à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, no Curso de Graduação em Direito no Centro Universitário Ruy Barbosa, Campus Rio Vermelho, como requisito parcial para obtenção de aprovação na referida disciplina sob a orientação do Prof. Dr. RICARDO MAURÍCIO FREIRE SOARES
“Seja qual for o seu problema, fale com Deus, Ele vai ajudar você. Após a dor vem a alegria, pois Deus é amor e não te deixará sofrer.”
(Padre Marcelo Rossi)
RESUMO: O presente trabalho tem como escopo a análise do direito a diversidade de gênero a partir dos princípios e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988. Na desmedida busca de seus próprios interesses, executivo, legislativo e judiciário ocultam as demandas referidas ao tema, infringindo normas principiológicas fundamentais que regem a vida humana. Deste modo, a autoridade atribuída e exercida por tais representantes do Poder Estatal, impõe sua verdade, gera rotulações, estereótipos e julgamentos, tornando os que não se adequam ao padrão cis-normativo invisíveis e desamparados de legislação. A metodologia utilizada foi a descritiva, exploratória e o método dedutivo, amparado na revisão de literatura que consistiu no uso de pesquisas bibliográficas e documentais sobre a temática proposta, com o intuito de apresentar uma visão crítica acerca do tema. A pesquisa possibilitou uma avaliação da autoridade e influência que os três poderes governamentais detém sobre a sociedade e a forma com que interferem na sociedade, e também a necessidade de um estatuto para regular direitos e deveres.
PALAVRAS-CHAVE: Diversidade de gênero. Constitucional. Direito. Princípios. Garantias.
ABSTRACT: The present work has as scope to analyze of data on the fundamental rights of the Federal Constitution of 1988. In the limitless pursuit of its own interests, executive, legislature and judiciary hide the demands on the subject, violating the fundamental norms that govern human life. In this way, the authority assigned and exercised by such representatives of State Power, imposes its truth, generates labels, stereotypes and judgments, making those that do not adhere to the invisible cis-normative standard and abandoned legislation. The methodology used was descriptive, exploratory and the deductive method, supported by the literature review to which consisted of the use of research references and documents about the proposed theme, with the aim of presenting a critical view on the subject. The survey enabled the evaluation of authority and influence which the three governmental powers hold over society and how they interfere in society, and also the need for a Statute to regulate rights and duties.
Key-Words: Gender diversity. Constitutional. Right. Principles. Guarantees.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 RESPALDO CONSTITUCIONAL. 1.1 DESCONSTRUINDO O CONCEITO DE SEXO E RECONSTRUINDO O CONCEITO DE GÊNERO. 2 DIVERSIDADE SEXUAL. 2.1 A DIVERSIDADE SEXUAL COMO AMEAÇA À ORGANIZAÇÃO HETERONORMATIVA. 3 DIVERSIDADE DE GÊNERO. 4 A NECESSIDADE DE REGULAÇAO ESTATUTÁRIA. 4.1 A POSSIBILIDADE DE IMPACTOS NA QUALIDADE DE VIDA DO LGBT COM A REGULAÇÃO ESTATUTÁRIA. 5 A INFLUÊNCIA DOS TRÊS PODERES DA UNIÃO NA FORMAÇÃO DE VALORES DE UMA SOCIEDADE. 5.1 O DIREITO COMO REGULADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS. 5.2 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS SOCIAIS. 6 A TEORIA REALISTA E OS DIREITOS HUMANOS: IMPACTOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO. 6.1 A EVOLUÇÃO RUMO AOS DIREITOS HUMANOS. 7 A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E A NECESSIDADE DE UM ESTADO SENSÍVEL AS DEMANDAS DE GÊNERO. 7.1 A INÉRCIA DO CONGRESSO NACIONAL. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Esta monografia aborda sobre possíveis impactos que seriam causados com a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero – uma lei por iniciativa popular formalmente entregue pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), elaborado por mais de 60 Comissões da diversidade sexual e de gênero das seccionais e subseções da OAB, além de ter ouvido movimentos sociais que encaminharam propostas e sugestões.
A pesquisa deu-se de forma quantitativa, reunindo dados afim de generalizar resultados de uma população e compreendendo fenômenos sociais através da coleta de dados numéricos, apontando desta forma preferências e comportamentos dos indivíduos.
O objetivo geral é demonstrar a possibilidade de regulamento e conjunto de regras de organização e funcionamento de uma coletividade, que garanta a igualdade de gênero no Brasil, ressaltando a importância da aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, apresentado pelo Conselho Federal da OAB, presidido por Maria Berenice Dias, jurista e advogada, ex – magistrada brasileira, com foco em garantir o direito de viver, amar e ser feliz, independente de qual seja sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Na primeira parte, é trazido o respaldo constitucional e a importância da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Travestis), que não seja limitada pelo conceito arcaico de sexo biológico e o Estado reconheça a amplitude do conceito de gênero.
Na segunda parte, um breve resumo do que é diversidade sexual e conceito de algumas vertentes como a homossexualidade, bissexualidade. No mesmo sentido, trazendo a concepção da diversidade de gênero, diferenciando o transgênero e o cisgênero.
A terceira parte irá discorrer sobre a necessidade de regulação estatutária, com direitos e deveres elencados no Estatuto em trâmite no Senado Federal e a evolução dos direitos humanos em defesa do direito social.
A reflexão acerca da temática aqui proposta transcende à discussão teórica contida nos centros acadêmicos jurídicos. É preciso lidar com a dura realidade do LGBT e defender medidas efetivas de combate a intolerância sexual e de gênero. Reconhecendo o fato que uma pessoa pode ter um papel de gênero ou comportamento atribuído, que não represente sua identidade em razão da pressão social e desamparo legal para sua proteção, independência e autonomia. Sendo o recôndito dos princípios e garantias constitucionais a diversidade de gênero e ausência de legislação protetiva e anti-discriminatória principal causa da invisibilidade dos indivíduos que não se veem no sexo que lhe foi atribuído no nascimento
A Constituição Federal de 1988 compenetrada na vida digna deposita sobre seus jurisdicionados uma gama de princípios, direitos e garantias fundamentais, os quais os direcionam enquanto titulares de um pacto social e, a própria atividade dividida nos três poderes do Estado, para que desta forma se alcance a produção de normas, acesso à justiça, exercício administrativo e cumprimento do que está elencado na norma regente como direito fundamental obrigatório e organizacional, ou seja, elaborado para nossa organização com direitos e deveres.
Outrossim, o que se pretende neste trabalho é a apresentação de uma visão crítica considerando a problemática, apontando o princípio da igualdade como referência para efetivo cumprimento de uma norma que regulamenta a liberdade em discussão, promovendo reflexões sobre a conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, da definição de sexo para o ordenamento jurídico, da relação entre direito à diversidade de gênero e sua expansão através da necessidade de criação de um Estatuto que regule direitos e deveres do LGBT.
1 RESPALDO CONSTITUCIONAL
A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 05 de Outubro de 1998, destinando-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos, sem preconceitos e fundamentada na harmonia social, ordem interna e internacional. No Título I e II da CF/88 estão dispostos os princípios e garantias fundamentais, onde dentre eles está o de assegurar o bem de todos sem preconceitos inclusive vedando a discriminação de sexo ou raça. E direitos como de igualdade sendo homens e mulheres iguais em direitos e obrigações.
A importância do estudo da transexualidade e de seus reflexos, especialmente jurídicos, não se justifica apenas em razão da transexualidade em si, mas da defesa da autonomia, para que o individuo seja respeitado e não seja discriminado pela forma como identifica-se e o sexo que considera-se pertencer. Reconhecendo o fato de que uma pessoa pode ter um papel de gênero ou comportamento atribuído, que não represente sua identidade em razão da pressão social e desamparo legal para sua proteção, independência e autonomia.
Sendo o recôndito dos princípios e garantias constitucionais a diversidade de gênero, a ausência de legislação protetiva e anti-discriminatória principal causa da invisibilidade dos indivíduos que não se vêem no sexo que lhe foi atribuído de nascimento. Para Moraes (2006), a igualdade constitucional deve cumprir a finalidade de limitar a três destinatários: o legislador, no sentido de impedi-lo de criar normas que estabeleçam diferenciações abusivas e/ou arbitrárias, sem finalidade lícita; o intérprete/ autoridade pública, que não poderá aplicar as leis e atos normativos de maneira a expandir desigualdades arbitrariamente; e o particular, que fica impedido de atuar de forma discriminatória, preconceituosa ou racista, sob pena de ser responsabilizado civil e criminalmente, nos termos estipulados na legislação em vigor.
No transcurso do tempo, decisões favoráveis com a temática LGBT mais especificamente a transexualidade, se fundamentou na determinação biológica do sexo, na imutabilidade e na veracidade de elementos essenciais que devem constar no registro civil. Nesta linha que se ampara, a afirmação estética com a necessidade de cirurgia de redesignação (VENTURA, 2010).
O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, todavia, a possibilidade de mudança de prenome e gênero no assento de registro civil mesmo obstante a realização de procedimento cirúrgico de redesignação, não sendo portanto necessário ou requisito. O entendimento foi firmado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4275, que ocorreu no dia 01 de Março de 2018. No que tange ao Direito Constitucional, a decisão simbolizou a efetivação material do princípio da igualdade, no sentido da não discriminação e do não preconceito, o direito à honra, à imagem, à vida privada, à liberdade, dignidade e no direito de ser diferente.
Partindo desse pressuposto de influência fica evidente a tendência da população em seguir entendimentos da suprema corte. E como a mais alta instância do poder judiciário brasileiro reflete em decisões da mais baixa, como juízes e tribunais. Ou seja, a vinculação e aplicabilidade do direito não está limitada ao processo judicial, mas transcende em seus reflexos na sociedade e na formação de conceitos e preconceitos.
O Direito Constitucional na sua amplitude traz remédios constitucionais que inicialmente serviria para o cumprimento do direito à diversidade sexual e de gênero, sendo um deles o Mandado de Injunção disposto no art. 5, inc. LXXI da Constituição Federal de 88. Veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (ANGUER, 2012, p. 2054).
Ora, o direito à diversidade sexual e de gênero enquadra-se também no direito à cidadania vez que, é a expressão máxima do direito, pois este existe para os cidadãos. Estes atributos, de toda forma, são direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Sendo cabível ainda o Mandado de Injunção se a omissão normativa combatida for total ou parcial, sendo a última cabível quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.
No mesmo sentido, ainda sendo cabível na busca de garantia do direito à diversidade sexual e de gênero a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, Entretanto esta precisa de impulso do Procurador Geral da República por exemplo, sendo o fundamento da impugnação em sede do recurso citado, de acordo com o art. 103, § 2° da CF/88, o comportamento omissivo por parte do Poder Público.
É Importante salientar que o respaldo constitucional permite abarcar a diversidade sexual e de gênero como direito fundamental, estando no rol taxativo de não-discriminação em razão do sexo, faz-se necessário dada evolução atualizar o conceito de sexo, desmitificando o atrelamento de sexo a orgão genital, de forma que todos e todas que enquadrados na diversidade sexual e de gênero estejam protegidos com direitos e deveres pelo aparato estatal através de um Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, com fulcro na Constituição Federal do Brasil de 1988.
Acompanhar o desenvolvimento da nossa população significa reconhecer que já foram usados os remédios constitucionais cabíveis na busca da efetivação do direito a diversidade sexual e de gênero. E agora se faz necessário firmar este reconhecimento não apenas em precedentes da nossa Corte ou decisões do nosso jurisdicionado, mas também do nosso legislativo e executivo através de um Estatuto que traz direitos e deveres a comunidade LGBT, afim de garantir o princípio norteador da nossa Constituição Federal, o princípio da dignidade humana, condicionando qualidade de vida a uma comunidade às margens da sociedade desamparada pela legislação do nosso país, vez que a visão genérica do embasamento constitucional se faz útil para sustentação de um direito eficiente e que acoberte a realidade social.
Assegurar as pessoas os mesmos direitos e prerrogativas é o conceito do princípio da isonomia. A função social do direito deve promover a justiça e a inclusão social de qualquer indivíduo, preponderando a dignidade da pessoa humana na sustentação da diversidade de gênero, entretanto ao longo da história do Brasil, a heteronormatividade impôs seu sistema de sexualidade humana. Segundo Rui Barbosa “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam” (BARBOSA,1999).
Para alcançar a justiça é preciso, entretanto, garantir a liberdade ao ser humano. Para Looke (1978), todos os homens se acham naturalmente em estado de perfeita liberdade para ordena-lhes ações e regular-lhes as posses e pessoas conforme acharem conveniente.
A liberdade de se expressar e se identificar é que traduz a identidade de gênero, o direito ao exercício a liberdade de gênero é uma garantia constitucional com fundamento na dignidade da pessoa humana. Para, além disto, é uma violação ao direito da personalidade, impor que um indivíduo mantenha características rotuladas em parâmetros biológicos e que ele no conjunto de qualidades que define a individualidade não se sente representado. Segundo Sarmento (2006), os particulares são titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida, que deriva do reconhecimento de sua dignidade.
Neste sentido é que se acresce a proteção à diversidade sexual e de gênero, “como condição da vida em sociedade que necessita ser tutelada na liberdade, dignidade e justiça, de forma a promover autodeterminação das pessoas” (OLIVEIRA apud SMANIO & BERTOLIN, 2013).
Antes de qualquer coisa, se desrespeitada a liberdade a autodeterminação identitária, concebe um estorvo a uma vida digna. Os modelos tradicionais de designação de gênero estão ultrapassados, vez que estes, ainda mantém alinhados apenas as concepções biológicas para sua sustentação. Desmistificar a identidade de gênero com fulcro na Constituição Federal do Brasil, nos permite reconhecer que se perpetuados os atuais padrões heteronormativos, estaremos ferindo conjunto de leis fundamentais que fora elaborada para nossa organização, leis estas que são obrigatórias entre todos os cidadãos e a nossa nação, servindo como garantia dos seus direitos e deveres.
Dahl (2001) nos traz que a solução para findar a desigualdade é evidente, ainda que nem sempre fácil de levar a cabo, os direitos democráticos devem ser estendidos aos membros dos grupos excluídos.
Neste diapasão, é possível entender que o desenvolvimento da desigualdade, consiste na ausência de instrumentos normativos que realize e protejam os direitos fundamentais do LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e travestis). Mesmo havendo exceção com recentes entendimentos jurisprudenciais, inclusive através do Supremo Tribunal Federal, ainda são tímidas, sem força impositiva ou impacto em uma nova formação de valores da sociedade, de forma que propague a igualdade e o reconhecimento da diversidade sexual e de gênero, como tema passível de regulação estatutária.
Inconteste que atuais decisões judiciais vieram a garantir a concretude de direitos fundamentais de homossexuais e transgêneros, mas no mesmo sentido é certo que também há juízos hostis que imperam os normatizadores, negando igualdade a esta população. Desta forma, não se obtém a segurança jurídica a esta parcela da sociedade, mesmo estando respaldada nos direitos fundamentais, e nem sequer garante-se a eficácia e aplicação isonômica.
A Carta Magna de 1988 recebeu o princípio da igualdade de direitos, pressagiando a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento similar pela lei, em harmonia com os critérios acolhidos pelo ordenamento jurídico (MORAES, 2006).
Essa igualdade seria puramente a identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais (DA SILVA, 2003). Entendimento este que permite concluir que todos fazem jus perante a lei, que se desnuda nas imposições legais através de concessões e obrigações à toda sociedade.
Como já dito, o direito à autodeterminação abarca o direito da igualdade em vários campos da vida. Um condão de autodeterminação, em razão do qual o homem decide seu comportamento pessoal.
Seguindo esta linha, não reconhecer o direito do indivíduo se relacionar sexualmente com quem for de sua escolha ou se reconhecer no gênero sexual diferente do imposto biologicamente em seu nascimento, é uma negação a condição natural, de livre busca pela felicidade e vida digna, princípio este com respaldo constitucional.
1.1 DESCONSTRUINDO O CONCEITO DE SEXO E RECONSTRUINDO O CONCEITO DE GÊNERO
Ao analisar a divisão de sexos atualmente, contata-se a necessidade de esclarecimentos em virtude da ocultação da complexidade do tema. Encontramos erros de conceituação do termo ao nos deparar ainda com o caráter biológico em seus parâmetros. Diante das barreiras presentes e desafios futuros, é preciso retirar dos espaços e tempos mais remotos o processo de identificação.
Foucault (1980) sustenta a relatividade dos conceitos de normal e anormal, como também das relações de poder, do confinamento das instituições, nos traz a abordagem do binarismos sexual, alertando que durante a Idade Média, a identidade era considerada resultado da cultura e do ambiente. A binariedade segundo dicionário de língua portuguesa é a qualidade que comporta dois elementos, ou seja, ao falar em binariedade sexual, estamos falando da qualidade de dois sexos sendo o sexo masculino e feminino. Ocorre que ainda segundo autor mencionado, os avanços da genética e biologia molecular, levaram a reconhecer que a formação da identidade de gênero é um conjunto complexo de crenças, percepções e sentimentos individuais a respeito de si mesmo, sendo a orientação sexual a demonstração dos seus desejos sexuais frente a outros indivíduos.
Apesar de existirem autores que sustentam a determinação do sexo apenas por critérios biológicos, há anos a doutrina defende a junção de inúmeros fatores para sua determinação.
A definição de sexo engloba diversos fatores, físicos, sociais e psíquicos. Uma pessoa tida como normal, tem-se uma perfeita integração de todos os aspectos citados. Nesse sentido, a definição do sexo individual, geralmente acolhida pelas Ciências Biomédicas e Sociais, decorre da junção de três sexos parciais: o sexo biológico, o sexo psíquico e o sexo civil. (CHOERI, 2004).
O sexo jurídico é aquele que consta no registro civil, por isso também chamado de sexo civil. Sua determinação ocorre no nascimento, a partir das características biológicas, dá-se o nome também de sexo morfológico, o qual seja determinado pela anatomia dos órgãos genitais e pela existência de características sexuais secundárias, como por exemplo timbre da voz, pêlos, ou seja meramente estético (CHOERI, 2004). A partir do registro da criança e da obtenção da Certidão de Nascimento, ela passa a ter seu nascimento reconhecido pelo Estado.
Diante desta demanda da sociedade, através de conhecimentos interdisciplinares, as ciências sociais tem certificado o quanto as condições socioculturais têm variado nas definições de sexo e gênero. Bourdieu (2001) verificou como a masculinidade é compreendida de tantas formas, como a delicadeza da poesia, na Pérsia, atribuía-se atributo dos homens, ao invés das mulheres, consideradas grosseiras para tal.
As diversidades por classes e etnias, foram apuradas com predomínio da perspectiva dos homens brancos. Estudando histórias de homossexuais femininos e masculinos, chegou-se a conclusão da pressão de um padrão heteronormativo capaz de sobrepor a qualificação da homossexualidade e conduzindo a identidades diferenciadas. Importante salientar que não apenas Bourdieu (2012), como também Beauvoir (1980) desvendaram as relações histórico-sexuais de poder, onde o sexo masculino é dominador e o feminino dominado.
Existem vários fatores que contribuem na classificação que pode determinar o sexo. O estabelecimento do conceito de sexo considerado sexo biológico ou genético, é usado como critério a constituição cromossômica (PERES, 2001). Ocorre que nos deparamos com o conceito de sexo nas esferas civil, legal como sendo aquele designado em seu nascimento, a partir das características biológicas (CHAORI, 2004). Desta forma observa-se que nosso sistema jurídico fundamenta-se no conceito biológico para determinar o sexo jurídico, sendo determinado principalmente pela aparência externa da genitália.
Com a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento acerca da possibilidade de alteração de nome e gênero no assento de registro civil, tal decisão veio à tona em 01 de Março de 2018. Com tal precedente, mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo, também conhecida como cirurgia transexualizadora, possibilitou-se a alteração de prenome e gênero no registro civil com a averbação no registro original.
Ora, tal entendimento firmado pela Corte mencionada, traz não somente avanços nos registros civis de transgêneros e travestis, como também nos permite adentrar na amplitude do conceito de sexo desmistificando de forma que seja tratado este conceito apartado da condição biológica do indivíduo preponderando a autodeterminação.
Sendo assim, nos permite entender, que há uma necessidade de caráter emergencial de atualização do conceito de sexo, reconhecendo que, o critério genético não é mais preferencial para o sexo jurídico. Apesar de ainda usado o termo sexo para erroneamente se referir ao gênero do indivíduo, o nosso ordenamento fora difundido nova interpretação, possibilitando alteração do registro civil que usa do termo sexo para designar o gênero do indivíduo em sua certidão de nascimento, ou seja o sexo jurídico afastou o critério biológico e reconheceu a autodeterminação.
2 DIVERSIDADE SEXUAL
A diversidade sexual envolve transformações e quebra de paradigmas no que se refere não apenas a vocação sexual do indivíduo como também as formações familiares. Ou seja, a diversidade sexual reformula diretamente os padrões de família da nossa sociedade, que sempre foi organizada e orquestrada em prioridade a famílias cisgêneros e heterossexuais.
Neste sentido está fundamentada a maior resistência da família tradicional brasileira, pois os impactos da diversidade sexual, ou seja os reflexos da diversidade de demonstração de afetividade, não estão limitados, abrange a nova formação de famílias e até a concepção do que é família.
A diversidade sexual esta pautada na orientação sexual do indivíduo, reconhecendo que uma pessoa pode demonstrar afetividade das mais diversas formas. Em verdade, o termo orientação sexual também nos remete a uma concepção errônea de que a sexualidade pode ser orientada, adequando melhor o termo vocação sexual, ou seja desejo intrinsecamente pessoal do que lhe dar prazer.
A sexualidade levaram os conceitos a considerarem variações da vocação sexual, englobando questões mais complexas como sentimentos, modos de experienciar o ser masculino e feminino na sociedade. Foi desta forma que percebeu-se a necessidade de expansão da sigla antes GLS (Gays, Lésbicas, Simpatizantes) para uma que abarcasse com mais coerência a diversidade, tornando-o a sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) (DIAS,2011).
Importa-se, todavia, mais a preponderância do respeito, focando na melhor compreensão da sociedade com o conteúdo, ou seja, compreender que existem diversas manifestações afetivas capazes de desmistificar o sorrateiro padrão heternormativo.
Sendo assim, cabe pontuar que as três primeiras siglas refere-se a orientação sexual, que aqui daremos o nome de vocação sexual, no sentido de desconstruir o errôneo pensamento que a sexualidade é capaz de ser orientada, ou mudada. Obstante o termo que enturva o entendimento, a vocação sexual nada mais é que a manifestação de seus desejos e formas de vivenciar suas vidas afetivas e sexuais. Lésbicas corresponde a relação afetiva de duas pessoas do gênero feminino. Gays, refere-se a relação afetiva de duas pessoas do gênero masculino. Ambos conceitos citados entende-se a homossexualidade, relação afetiva de duas pessoas do mesmo gênero.
O maior tabu a ser quebrado no que concerne a diversidade sexual são antigos conceitos onde reconhecia-se homossexuais somente indivíduos do mesmo sexo biológico, condicionando o órgão genital como requisito para enquadramento. (DIAS, 2011).
Diante disso, constata-se que o maior obstáculo da diversidade sexual não está apenas na falta de amparo estatal, mas na desconstrução de valores que ainda regem a sociedade e incitam o ódio as diferenças. Transformar valores morais, culturais, historicamente perpetuados e a pouquíssimo tempo superados, é como encarar um leão em meio a selva.
Com efeito, a vocação sexual é a homossexualidade, a bissexualidade. Desta forma, homossexual é o indivíduo que sente, demonstra, desejos afetivos e sexuais pela pessoa do mesmo gênero (PICAZIO, 1999). Vocação vem do latim da “ação de chamar”, um desejo interior natural, o qual expressasse ao longo da vida através do reconhecimento intrinsecamente pessoal dos desejos atraídos pelo prazer.
Os entraves portanto, provém de padrões arcaicos na interferência do desejo sexual pessoal de cada indivíduo, com traços e resquícios de uma sociedade que se moldou em padrões estéticos e biológicos para definir o ser normal.
Nesse diapasão, que verificam-se obstáculos à compreensão da bissexualidade, que refere-se ao desejo, atração afetivo-sexual por indivíduos do mesmo gênero e também desejo por pessoas do gênero oposto (GROSSI; IBIAS, 2001). Indivíduos bissexuais tem vocação sexual em igual intensidade por ambos os gêneros, masculino e feminino. Apesar de não ter a merecida atenção, a existência de bissexuais na sociedade é cotidiana, porém ocultada pela majoritária heterossexualidade.
O agrupamento de manifestações afetivo-sexuais denota a amplitude do que os indivíduos sentem enquanto estrutura de desejo. Não se tratando de opção, nem sequer orientação capaz de ser indicada, mas sim de movimentação de desejos e sentimentos da livre vontade e reconhecimento do que lhe é prazeroso sexualmente.
A diversidade sexual é a pluralidade de desejos que expostos em uma sociedade construída em cima de padrões heteronormativos, encontra resistência na fixação de direitos e deveres a esta população.
Com efeito, não se pode restringir a liberdade do ser humano de expressar o que lhe dar prazer, de manifestar a afetividade. Desatrelando principalmente que tais condições são anormais, já que a definição do ser normal é retrograda e não adequa-se mais aos tempos atuais.
A homossexualidade sempre foi tabu para nossa sociedade, vistos como aberração gays e lésbicas eram repreendidos e viviam escondidos. Ora, se a nossa Constituição Federal, prepondera a dignidade da pessoa humana, nenhuma dignidade estaria garantida nesta tentativa da heteronormatividade de invisibilizar a homossexualidade e a bissexualidade.
Por fim, reconhecer a diversidade sexual como direito constitucional a ser garantido através de regulação estatutária, é reconhecer que o direito deve acompanhar as transformações da vida em sociedade e precisa regula-las para que se combata a intolerância sexual, sendo este último outro princípio constitucional de não discriminação em razão do sexo.
2.1 A DIVERSIDADE SEXUAL COMO AMEAÇA À ORGANIZAÇÃO HETERONORMATIVA
A repulsa a diversidade sexual não é individual ou junção de preconceitos, mas sim uma ideologia de exclusão no qual abriga diversos interesses. Considerada incompletas, perversas e patólogicas, foi por muito tempo considerada imoral (BORRILO, 2010).
Meados do século XIX, ocorreu um aprofundamento de pesquisa acerca da sexualidade, deixando o ato sexual de ser visto como apenas ato para reprodução e sendo reconhecido como necessidade humana e obtenção de prazer, um fenômeno global envolvendo a existência do ser como um todo (CHAUÍ,1985).
O entendimento para o século representou uma quebra na autoridade da ciência que dispunham de estatuto de verdade e afrontando ou concordando com os discursos religiosos, da lei e da moral.
A homofobia pode ser conceituada como discriminações sociais e preconceitos que agridem diretamente os homossexuais (JUNQUEIRA, 2009). Construída historicamente, com a prática de violência, se sustentando que o normal é ser heterossexual, nomeada hetornormatividade.
De um lado, a hegemonia se mantém através de confrontos partindo das relações desiguais. O discurso dominante tem como intuito apresentar seus pressupostos como verdade absoluta, chamados de discursos da verdade que são disseminados na sociedade e reproduzidos por homofóbicos.
Em um sistema regido pela hetornormatividade, a diversidade sexual se apresenta como uma ameaça as estes preceitos. A intolerância as diferenças são marcantes e constituem o seio da sociedade quando em foco a diversidade sexual. O medo e aversão a homossexualidade são alimentados em ligação com a heterossexualidade (LOURO, 2009).
A importância da política na família e na escola nos direciona para a necessidade de averiguar os fatores que influenciam a formação de valores da nossa sociedade. O preconceito se apresentaria como resultante de ideologias compartilhadas na incitação da violência de gênero, incluindo a homofobia, numa afirmação de valores e práticas que tentam legitimar o sistema heteronormativo.
No que concerne às relações de gênero também encontra-se uma variedade de posicionamentos que percorrem do mito de uma pretensa erotização da cultura, sob alegação de que comportamentos sexuais ainda definem a vivência da sexualidade para homens e mulheres. Ou seja, que seria possível a orientação da sexualidade e que com a naturalização da homossexualidade, as pessoas pudessem ser redirecionadas do comportamento tradicional, heterossexual, para o dito anormal, a homossexualidade.
Neste sentido, ancorou-se também os preceitos religiosos, que taxou a homossexualidade como pecado, impactando diretamente na vida da sociedade que credita a verdade em religião e teme a rejeição. As designações sutis para indicar o preconceito são necessárias ao estudo para desconstrução dos padrões enraizados, vez que, muitas vezes o preconceito velado prepondera nas relações sociais, sendo o LGBT, marginalizado e condicionado as posições mais baixas.
Diante desta necessidade, os conhecimentos interdisciplinares, tem apurado em conjunto com as ciências sociais, quais condições socioculturais tem sofrido variações nas definições de gênero e sexo. A dinâmica das transformações em um mundo passível de mudanças diariamente, afasta a constância de padrões atribuídos ao sexos, classificados como binariedade.
Ocorre que, no que se refere às sexualidades minorias, como a homossexualidade, constata-se que uma das condições para o preconceito é diversidade por classe, havendo inclusive um respeito maior para homens brancos classe média homossexuais. Isto traz à tona, que as causas da intolerância sexual permeia também a classe social ou seja a heternormatividade se mantém também em detrimento do seu poderio financeiro daqueles que detém o poder e influência na formação de valores.
A condição de atuação social do indivíduo nas relações sociais e as expectativas de comportamento disseminadas pelo padrão hetero, são reflexo de um conjunto de simbologias, que em maior parte das vezes são criados para rotular vestuário e aparência como requisito de enquadramento em determinado gênero, entre outros quesitos com objetivo de limitação do feminino e masculino.
Nesse diapasão, é que a transfobia e a homofobia se apresenta, pois o indivíduo que expressa vesturário e aparência diversa da que fora imposta como aceitável, este é discriminado. Ou seja, quando a temática é gênero, as relações sociais estão estreitamente ligadas a um conjunto de padrões impostos. Essa desconstrução ressalta o papel estruturante social de representações simbólicas, no que diz respeito as práticas sexuais. (FOUCALT, 2014).
O que se sabe é, estas questões não são facilmente descontruídas ou equacionáveis, e para o reconhecimento do direito LGBT, requer práticas sociais com clareza no exercício da cidadania e defesa das prerrogativas de proteção dos direitos humanos, inclusive o direito a diversidade sexual e de gênero.
A homossexualidade contrapõe o tradicionalismo do século XIX, que reconhecia apenas dois gêneros como essenciais, exigindo do dito homem o comportamento masculino de “macho”, diferindo do feminino, relacionando as condições patológicas para essa designação.
As pessoas “deviadas” receberam o nome de homossexuais, sendo estas submetidas a ações punitivas degradantes com intuito de regeneração, acreditando ser recuperadora no viés religioso educativo (LOURO, 2009).
Além da ciência, a patologia, usada por vezes como embasamento para discriminação da homossexualidade como algo anormal, a religião, fundamentava-se com a ideia do pecado para contribuir na repreensão as condutas dita anormais homossexuais.
De forma sucinta, a história da sexualidade nos mostra como o conservadorismo regeu o espaço da sociedade por séculos e ainda reflete em comportamentos atuais. A sexualidade historicamente sempre foi rotulada errôneamente como masculino e feminino, homem e mulher heterossexuais, unidos para reprodução.
Mesmo passado séculos, ainda permanece na sociedade contemporânea a cultura da heteronormatividade e sendo ainda mais pontual a intolerância, visto que, além da expressão sexual, da manifestação do desejo sexual, a diversidade de gênero, ou seja o indivíduo que não se vê correspondente ao sexo de nascimento determinado pelo genital, modelo este chamado de predeterminado, também encontra resistência desta cultura.
Nesse seguimento, é que perpetuou-se que o indivíduo com expressões afetivos sexuais dessemelhante do padrão imposto heterossexual é uma aberração. A tentativa de dividir a sexualidade com base em fatores biológicos justifica o comportamento repulsivo da sociedade, dada esta crença infiltrada disseminando um suposta ética sexual naturalista fundada na biologia.
3 DIVERSIDADE DE GÊNERO
Numa era de transformações e vastas discussões de temas sociais novos, a diversidade de gênero se aflora da invisibilidade histórica. Neste sentido, ao abordar sobre gênero e sexualidade depara-se com grande resistência social, pois a transgeneridade aparece como forma antinatural, peculiar e até anormal, dentro de uma sociedade que tem como parâmetro a cisgeneridade (LOURO, 2001).
A diversidade de gênero é a ruptura do requisito estético e do atrelamento do órgão genital para determinar o gênero (LOURO, 2001). Ou seja, é a quebra das barreiras preconceituosas que só reconhecem e conceituam gênero como sexo, ou seja como o órgão genital que o indivíduo tem de nascimento. Obstante tais padrões, capazes de enraizar a intolerância, a diversidade de gênero traz uma nova percepção acerca do que conceito de gênero.
No primeiro momento, desmistificar que o gênero está atrelado ao órgão sexual do indivíduo nos atravessa para as questões intrinsecamente pessoais citadas no tópico anterior, já que afastando a condição biológica para definição de gênero aproximasse do reconhecimento pessoal e por que não dizer da formação da personalidade. Sendo o direito a personalidade princípio constitucional elencado na nossa Carta Magna, a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5° expresso de forma genérica, mas também presente de forma específica no Código Civil de 2002.
A identidade de gênero está relacionada as identificações histórico-sociais do indivíduo, que resultam no reconhecimento do ser masculino ou feminino (LOURO, 1997). Diferindo nesse sentido da vocação sexual, que está relacionada ao desejo sexual das mais variadas formas, resultando na identidade sexual. Ou seja, o gênero compõe o sujeito, e a identidade sexual a forma como a sexualidade é versada.
A ausência de sensibilidade e falta de interesse até na busca de conhecimento acerca da temática LGBT, afasta o preparo para lidar com questões teóricas e práticas sobre sexualidade e gênero, justificando o engessamento no qual ainda relaciona gênero o órgão sexual. E tal ostracismo, reflete nas estruturas de poder que interpretam a nossa Constituição Federal de 1988, principalmente quando o cerne da questão é a necessidade de respeito ao direito fundamental de cidadãos e cidadãs se verem, estarem, sentirem sob o prisma de gênero e de desejo pessoal de cada um.
Se, por um lado, já verifica-se avanços como, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a não-necessidade de cirurgia para alteração de prenome e gênero. Ainda se faz necessário, firmar entendimento de um novo conceito de gênero, desatrelado do conceito de sexo, apartado do requisito genital para definição do ser masculino e feminino.
Importa ressaltar que o transgênero é o indivíduo que apresenta-se diferente do sexo predeterminado em seu nascimento, adquirindo o reconhecimento social e legal do gênero oposto (BENTO, 2008).
Apesar do termo atual transgênero, a história nos remete a um avanço na conceituação, vez que, antes chamado de transexualismo, sendo o “ismo” relacionado a doença tendo em maio de 2019, a Organização Mundial de Saúde removido a transexualidade da sua classificação oficial de doenças.
O dito conflito no transgênero está ancorado no que diz respeito a sua identidade, pois diverge o corpo, o seu órgão genital do gênero ao qual tem correspondente de si. Muitos buscam as causas para explicar a transexualidade, entretanto nenhuma fora conclusiva, nem a psicossocial nem a biológica. Sendo que a teoria biológica afirma que tais conflitos decorrem de subdivisão genética e hormonal, já a hormonal tenta justificar aduzindo um descontrole ou desequilíbrio hormonal, nos indivíduos transgêneros. Nenhuma delas alcançou a unanimidade ou convencimento até então.
Outro parâmetro utilizado para tentar diagnosticar as causas da transexualidade é uma análise considerando o papel de gênero desenvolvido socialmente. Ou seja, acredita-se que as condições sociais e o meio social, interfere na formação do gênero do indivíduo.
O fato é que todas as teorias tratam a transexualidade como distúrbio ou doença e dado os avanços inclusive da Organização Mundial de Saúde, a maior barreira é destrelar a diversidade de gênero como condição de anormalidade. A forte influência religiosa e científica que por séculos regeu a sociedade criou seres humanos intolerantes a tudo que não fora explicado pela ciência ou pela religião.
Outra questão aliada a transexualidade é a cirurgia transexualizadora, que antes vista como necessidade e requisito, fora afastada através da ADI 4275 para a alteração de prenome e gênero. Entretanto, a relação do órgão sexual com o gênero ainda é um grande tabu para a sociedade. Em verdade, o maior questionamento e dúvida se assenta no órgão genital, vez que os padrões só reconhecem as relações heterossexuais, então questiona-se como seria a relação sexual de um transgênero que não se submeteu a cirurgia.
A valorização das subjetividades forçou a expulsão do campo patológico, inclusive nos estudos de subversão a identidade, possibilitando a transexualidade se posicionar fora da patologização.
Nesse seguimento, entende-se que a transexualidade está posicionada como identitária e não como patológica. Ou seja, a identidade de gênero é algo inerente e intrinsecamente pessoal do indivíduo, não é uma doença, nem sequer distúrbio. A importância deste entendimento é o impacto na sociedade, que com a visão patológica associava a transexualidade a uma possibilidade de “cura”, submetendo transgêneros a situações inimagináveis para curá-los.
Por fim, há um longo caminho a percorrer na desconstrução dos padrões heteronormativos, mas a necessidade de regulação é incontestável para que a sociedade se reestruture em suas relações sociais, respeitando a diversidade de gênero.
4 A NECESSIDADE DE REGULAÇAO ESTATUTÁRIA
A sociedade ainda carrega resquícios de um ilegalismo global dominante do século XIX, do qual determinara quanto a tudo que era contra natureza cabia a sua condenação (FOUCAULT, 2012).
Neste sentido, a sensação atual que se tem, é que os três poderes da União fecharam os olhos para as demandas LGBT. Como bem impele Bento (2006: p. 99):
Tal concepção nos impele a fazer movimentos de costuras e de articulações teóricas que, embora só ganhem materialidade nos indivíduos, devem inserir-se em contextos históricos, sociais e culturais mais amplos.
Nesse diapasão, o aparato construído em torno do sexo e do propósito dele, de produzir uma verdade e absoluta, identifica o fundamento heteronormativo binário de gênero para embasar a máquina judiciária (FOUCAULT, 1997).
O Projeto de Lei n° 134, de 2018, que é o Estatuto da Diversidade Sexual e Gênero que segue no Senado Federal, com última atualização de tramitação 15/03/2019, estando na CTFC - Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor e distribuição posterior ao Senador Paulo Rocha, para emissão de relatório.
Não se pode negar que políticas para a diversidade sexual e de gênero em nosso país vem a reconhecer uma série de avanços conquistados através de muito esforço de movimentos sociais autônomos como o Grupo Gay da Bahia, organização não governamental com objetivo de defesa dos homossexuais no Brasil, sediada em Salvador no Pelourinho.
É inegável a falta de aparato estatal para garantir qualidade de vida a comunidade LGBT, já que o Brasil não dispõe de políticas públicas, sendo estas a efetivação de direitos constitucionais ou firmados através do reconhecimento da sociedade ou poder público.
O Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero foi apresentado pelo Conselho Federal da OAB, presidido por Maria Berenice Dias, com o intuito de sustentar o direito de amar, independentemente de qual seja sua orientação sexual ou identidade de gênero. E por consequência, garantir o direito de viver, já que obstante proteção jurídica a comunidade é alvo das maiores repreensões morais em virtude de costumes arcaicos enraizados em nossa sociedade.
A importância do estudo do direito do LGBT e de seus reflexos, especialmente jurídicos, não se justifica apenas em razão da existência da diversidade em si, mas da defesa da autonomia, para que o indivíduo seja respeitado e não seja discriminado pela forma como identifica-se, pelo gênero que considera-se pertencer e pessoas a qual deseja se relacionar ou seja sua vocação sexual.
Neste sentido, o pensamento filosófico do idealismo platônico, responsável pela teoria das ideias, nos aprofunda a perspectiva que a justiça ideal seria aquela com as três partes da alma, a sensibilidade, a vontade e o espírito. E também com temperança, coragem e sabedoria.
Ora, a justiça não está separada da vida em comunidade. Sendo o homem um ser político, daí partindo a necessidade de convivência e de promoção do bem comum (SOARES, 2010).
Nesta sequência, a obediência do homem a qualquer proposição que declara uma determinada ação como necessária, constitui a essência do jusnaturalismo, estando fundado na racionalidade prática. Ocorre que, Kant, preocupou-se em fundamentar a prática moral, uma lei particular à racionalidade humana, que deu nome de imperativo categórico. O que importa aqui evidenciar, é que, o jusnaturalismo nos trouxe a necessidade do olhar axiológico para o direito. Ou seja, o estudo de valores, e a forma que com tais chegam a judicialização carecendo de suporte estatal, seja através de jurisprudência, seja através de necessidade de regulação estatutária (SOARES, 2010).
Provoca dizer que quando se trata de elaboração de políticas públicas no campo da sexualidade e diversidade de gênero, que resguardaria os direitos da população LGBT como um todo, o tema se torna mais complexo, considerando que para sua formulação e implementação depara-se na necessidade de mudança de crenças, valores e tradições que há séculos perpetua-se e prevalecem no imaginário coletivo.
Desta forma, para que as políticas públicas conscientizem tanto a comunidade LGBT do direito que possuem, quanto a sociedade, bem como políticas públicas que promovam o respeito a diversidade sexual e de gênero. A sociedade como um todo, desde seus governantes, esta população hodierna há de compreender a existência de modelos de sexualidade diversos da pessoa cisgênero e heterossexual.
E isso é efeito cascata, vez que a população tem a composição dos poderes do Estado Brasileiro, os três poderes da União, como termômetro do que é aceitável e permitido na convivência humana. Não é à toa, a liberdade não pode ser assegurada em um lugar onde prepondera-se apenas um interesse. Tais poderes na visão de Montesquieu careceriam do seu exercício por pessoas diferentes, impedindo assim que apenas um interesse prepondere (MONTESQUIEU, 1973).
Partindo deste pressuposto, o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, representa não apenas todas as garantias fundamentais da nossa Constituição Federal, mas o efetivo cumprimento de um direito historicamente defendido por teorias que tentavam aproximar o direito do lado humano.
O Estatuto em trâmite no Senado Federal contém 135 artigos, encabeçado pelo seu Art.1°, que já nos mostra a abrangência da regulação estatutária e seus possíveis impactos na qualidade de vida do LGBT. Veja-se:
Disposições Gerais: Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero e visa a promover a inclusão de todos, combater e criminalizar a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos das minorias sexuais e de gênero.
Direitos individuais, coletivos e difusos são frutos da Constituição de 1988 com o intuito de atender a demanda reprimida. A defesa destes direitos podem ser exercidas pelo MP.
Ora, revela-se inconteste que partindo da efetivação de um direito fundamental da nossa Constituição, o direito constitucional a diversidade sexual e de gênero é então um dos pressupostos para perfazê-la. E através da regulação estatutária estaríamos assim cumprindo.
A população LGBT historicamente vem marcada por atos de crueldade e restrição de direitos. O Brasil descriminalizou a homossexualidade em 1830, de lá até então os avanços foram gradativos e lentos, sempre encabeçados por movimentos populares de organizações não governamentais.
O reconhecimento do direito a diversidade sexual e de gênero nos traz ao desmonte dos resquícios de um Brasil Império, que deixou rastros do conservadorismo que emolduram a sociedade. Neste quesito, ainda temos muito a avançar, a descontruir, de forma que o respeito as diferenças seja a base das relações sociais. Ocorre que, para muitos a diversidade sexual e de gênero é irrisório, isso justifica a falta de aparato estatal até então em nosso ordenamento jurídico, que tem sua origem no direito romano, cá falamos de normas e princípios arcaicos e antigos que ainda nos afeta de forma direta, a caracterizar a repulsa por cisgêneros em reconhecer a diversidade sexual.
Durante muito tempo, o direito foi estudado sob a ótica da norma jurídica, ou seja, aplicação da norma/lei, ignorando problemas particulares e relações sociais que careciam de respaldo jurisdicional. A teoria do ordenamento jurídico defendido por Norberto Bobbio, traz a amplitude que o direito não pode ser apenas a lei, mas sim um conjunto de princípios, normas e regras. Neste sentido, para a norma ser eficaz tem que acompanhar a determinação da natureza, ou seja, das condições sociais, políticas e as pessoas que compõe esta organização (BOBBIO, 2014).
A necessidade de regulação estatutária para população LGBT ancora-se na evolução do direito brasileiro, que carece de consonância com as demandas da sociedade. Quando o mundo atravessa um momento de profundas transformações, a ciência do Direito precisa determinar novas relações com as ciências sociais, transcedendo a formação jurídica departamentalizada, com sua organização sobre uma base de direitos humanos reconhecendo estes como inerentes a todos.
Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, marco na história dos direitos humanos, tem como característica principal a Universalidade de direitos incluindo o direito LGBT. Entretanto, os avanços de direitos de LGBT só passam a ser percebidos em 1990. No Brasil, somente em 2000 o tema ganha visibilidade, através do programa Brasil sem Homofobia que visou promover equiparação de direitos e cidadania. Ao longo da década, união homoafetiva, nome social foram algumas das poucas regulações que temos voltadas ao LGBT.
Em verdade, é que ao abordarmos sobre direito a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros, estamos inquietando os padrões tradicionais. E esta desconstrução que se arrasta por séculos precisa ser vista com outros olhos. A ignorância acerca do tema, muitas vezes é o que o torna invisível.
Garantir aos transexuais direitos e deveres que o resguardem, não é garantir privilégios, mas sim garantir o direito a vida, a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a personalidade. Regular tais direitos e deveres é garantir a eficácia da lei e o devido cumprimento de princípios constitucionais norteadores da sociedade.
É chegada a hora de acabar com a invisibilidade jurídica de segmento da população, que é alvo de perversa discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero. Impõe-se verdadeira mudança de paradigma a toda sociedade. Todos precisam aprender a conviver com a diferença. Não só no mundo público, mas nos mais diversos segmentos da iniciativa privada” (Anteprojeto ESTATUTO DA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO, 2011, p. 11).
Com efeito, o princípio da dignidade humana, da igualdade, da não discriminação em razão de raça, sexo ou gênero, são preceitos constitucionais que embasam a defesa do direito LGBT. Não se pode vendar os olhos para as demandas que gritam regulação e suporte estatal. O Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, elenca direitos e deveres que com sua aprovação impactariam em um novo prisma para as relações sociais em nosso país. É garantir vida a quem tem o direito de viver.
4.1 A POSSIBILIDADE DE IMPACTOS NA QUALIDADE DE VIDA DO LGBT COM A REGULAÇÃO ESTATUTÁRIA
Se a nossa sociedade tem respeito e soberania pela Constituição Federal e se estrutura através dos valores repassados em decisões dos três poderes da União. A família se estrutura pela afetividade, demonstrando desta forma que o direito deve se acoplar aos fatos da vida.
Isto significa dizer que a afetividade se tornou um princípio jurídico norteador. Ora, o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero nada mais é, que a demonstração do reconhecimento da afetividade na sociedade. Seria então, a consumação da relação sociedade-estado, estando o último em consonância com o primeiro (DIAS, 2011).
Quer queira quer não, há um leque de possibilidades na melhoria da qualidade de vida do LGBT, pois descortinando o discurso moral e religioso, que incumbe a resistência de enxergar a diversidade como um fato natural e que é o princípio da afetividade decorrente de elementos determinantes da sociedade. Enfim, as relações sociais seriam vistas com um outro olhar do direito e até da ética, não restaria dúvidas que afetividade é uma condução a melhoria na qualidade de vida em sociedade.
Ademais, a noção de isonomia traz ao legislador liberdade para estabelecer iguais e desiguais. Entretanto, a discriminação jurídica deriva-se de um diferente tratamento a uma situação se comparada a outra, isso faz com que ainda com tal liberdade, deverá estar consonância com os valores consagrados em nossa Carta Magna.
Deve-se ponderar também que, não existe duas igualdades, mas sim apenas uma e esta deve abranger como um todo. Com tais premissas, conclui-se o dever de respeito a diferença que seria emanado através do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, vez que o pluralismo social corrobora esta tese (DIAS, 2011).
Assim, os efeitos danosos sofridos até hoje possam ser freados e a felicidade considerada direito nato do ser humano, para garantia de prazer, satisfação e liberdade. A história humana nos remete a busca incessante pelo bem-estar social, visto como mola propulsora para o seu desenvolvimento. O afeto é visto como a tônica da felicidade, ora se aqui falamos do princípio da afetividade presente na necessidade de regulação estatutária, evidencia-se que, a função social do Estatuto de interferência e mudança nas relações sociais está presente (REALE, 2004).
Não é difícil encontrar manchetes de crimes homofóbicos com desfechos que relatam a morte de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros em nosso país. O relatório de causa mortis, pelo grupo gay da Bahia, revela um crescimento alarmante do número de assassinatos nas últimas três décadas.
Em meados da década de 80, por motivos homofóbicos o número de mortes era de um por semana, e esse número subiu para um homicídio a cada três dias na década de 90, marcando o início do terceiro milênio por uma morte a cada dois dias (MOTT; CERQUEIRA, 1997).
O fato é que o combate a homofobia e transfobia não ancorasse apenas na criminalização mas também na conscientização do seu povo. Até por que em decisão recente do STF, fora criminalizada as condutas homofóbicas e transfóbicas no Brasil. Sendo o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero um norteador de conscientização e naturalização desta diversidade. Não apenas traz direitos como deveres a população LGBT, os reconhecendo-os ainda mais como seres de direito.
Os impactos na qualidade de vida do LGBT que o Estatuto em trâmite no Senado podem ocasionar são benéficos para a comunidade, vez que desemparada do Estado ou legislação específica, por vezes encontram resistência na efetivação e validação dos seus direitos, direitos estes fundamentais constitucionais.
5 A INFLUÊNCIA DOS TRÊS PODERES DA UNIÃO NA FORMAÇÃO DE VALORES DE UMA SOCIEDADE
A interferência dos poderes da União na sociedade, vem de suas raízes desse sistema de separação. A teoria de tripartição se fundamentou na liberdade de fazer tudo aquilo que é permitido pela lei, do contrário perdemos a liberdade (MONTESQUIEU, 1973).
Nossa República é formada por três Poderes. Ao Legislativo corresponderia à função legislativa, que compreende a edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, sendo, portanto, as leis. Ao Executivo, cumpre a função jurisdicional; tem como escopo aplicar o direito nos casos concretos, dirimindo conflitos de interesse.
O Poder Executivo participa do poder legislativo com sua autoridade de impedir. Ocorre que, um poder limita o outro, o legislativo está limitado pelo executivo, que também limita-se a criação de leis do legislativo. O judiciário tem como uma de suas funções a resolução de conflitos dos cidadãos.
Neste sentido, compreende-se a existência de interdependência entre os poderes da União e portanto como uma máquina, para que funcione devem estar em sintonia. Os reflexos desta máquina resulta na formação da sociedade, já que na teoria de tripartição o medo de perder a liberdade alcança de forma que se siga o que é permitido por lei.
Ora, sob esta ótica, somos frutos de decisões destes poderes e de tudo aquilo a que estes se dispõe a discutir. No que concerne a diversidade sexual e de gênero, tendo o Estatuto força de norma, a sua aprovação implicaria no estabelecimento de regras e organização e funcionamento da sociedade, descontruindo ativamente padrões arcaicos e acompanhando a garantia e efetivo do princípio da dignidade humana presente em nossa Constituição Federal.
O princípio da tripartição dos Poderes se torna importante momento em que a proposta é analisada, o poder executivo em relação aos outros poderes da república e seus impactos, um princípio geral do Direito Constitucional no qual se compõe o Estado Democrático de Direito.
Ocorre que, apesar dos Três Poderes da União existirem para regular a vida em sociedade, garantindo a harmonia e o bem estar social, esta não é a realidade. Vez que ainda tem-se desamparado pelo Estado a diversidade sexual e de gênero.
“Todo homem que tem o poder é levado a dele abusar.” (MONTESQUIEU, 1987, p. 198). Com grande poder nas mãos e na caneta, nosso sistema estatal prioriza os próprios interesses e esquecem do povo. A concessão de poderes exorbitantes desvirtua o objetivo central da República.
Com este poderio e influência sobre a sociedade, inclusive imperceptível para muitos, o sistema vem se mantendo e postergando a garantia de direitos fundamentais constitucionais. “Para que não possam abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o Poder freie o Poder.” (MONTESQUIEU, 1987, p. 198).
Está disposto na Constituição da República Federativa do Brasil que os Deputados são representantes do povo, enquanto que os Senadores são representantes dos Estados e do Distrito Federal. Neste sentido, pelo menos do ponto de vista jurídico não é possível afirmar que os todos os políticos nos representam, como dito uma das funções do Legislativo é produzir normas, ou afastar normas, inclusive outra função do Legislativo é a fiscalização ao Poder Executivo, o que acarreta em uma dinâmica no sistema estatal que deixa o povo e suas necessidades cada vez mais distantes.
Sendo assim, os resultados não poderiam ser diferentes, sendo a existência de uma tripartição de poderes que deveriam atender as necessidades da população, mas que atendem aos seus interesses e desamparadas deixam as situações fáticas e cotidianas.
O impacto na vida em sociedade é tão marcante que apenas decisões do judiciário já causam mudança no modo de ver e agir da população. Matérias de repercussão geral além de dominarem as manchetes de jornais, chegam as mesas de família dias de domingo.
Se com tamanho poder e formação de valores vindo num sistema hierarquicamente montado em três poderes, teríamos desta forma através da regulação estatutária da diversidade sexual e de gênero, a resplandecência de direitos invisíveis na história durante séculos. Além da afirmação de consonância dos direitos fundamentais da Constituição Federal efetivados, a pontualidade que tais poderes existem para atender e melhorar as relações e bem-estar social.
São inegáveis os reflexos que nosso sistema estatal causa em relações cotidianas, e o inverso deve ocorrer, vez que, lá estão sob voto popular, instrumento de decisão que representa a chegada da nossa Constituição Federal de 1988 e o rompimento do regime ditatorial que usava do voto indireto para se manter (BRASIL, 2014).
Neste sentido, tendo a nossa Constituição Federal como a mais humana, no que se refere a valorização do ser humano, da liberdade, da dignidade da pessoa humana. Os três poderes da União, em verdade deveria usa-la de forma que direitos inerentes do ser humano, como é a identidade de gênero, a vocação sexual fossem respeitados, sendo estes poderes moduladores da formação de valores da sociedade.
Se só se faz o que é permitido por lei, sendo a sanção reconhecida apenas quando institucionalizada, conclui-se que, para haja direito, é necessário que haja um ordenamento jurídico completo, que atenda as relações sociais, vez que se ocorrem e recorrem, merecem atenção do Estado. Sendo o sistema estatal a via de acesso para que haja o direito, ora senão a necessidade de regulação estatutária nada mais é que, uma validação de um direito inerente do ser humano tão pontuado em nossa Constituição.
Desta forma, diz Ross:
Devemos insistir no fato de que a relação entre as normas jurídicas e a força consiste em que elas dizem respeito à aplicação da força, e não de que são protegidas por meio da força (ROSS, 1958. p.53).
Fica claro a força da regulamentação jurídica perante a sociedade. Neste sentido, o poderio estatal usasse disto para fazer valer seus entendimentos, seja pelo judiciário através de jurisprudência, seja pelo legislativo na elaboração de leis e/ou Senado Federal na sua tramitação e aprovação.
Diante disto, estando o Estatuto da Diversidade Sexual e de gênero em trâmite estamos à mercê de tais representantes para uma possível mudança de valores, vez que, a real intenção do legislador não é organizar a força, mas sim organizar sua população mediante a força. Podendo assim dizer, que nosso ordenamento estrutura para se manter pelo uso da força, sendo esta força, o uso do aparelho estatal para impactar o que rege a sociedade, seus valores e crenças.
5.1 O DIREITO COMO REGULADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS
O direito está em constante evolução e sabemos que ele vem para regular as relações sociais, por isso a necessidade de dinamicidade. Na ausência de um direito dinâmico seus reflexos é a regulação e marginalização de questões decorrentes das mudanças da sociedade.
Destaca-se, portanto, a diversidade sexual e de gênero, que ao longo dos anos deixou de ser a figura clássica do homossexual centrado e escondido no recôndito dos padrões heteronormativos, para o LGBT nas ruas em busca de reconhecimento.
Partindo da premissa que o direito interfere nas relações sociais e por isso, ele deve ser dinâmico e acompanhar a evolução, ou seja, evoluir junto. Deve-se respeitar a vocação sexual do cidadão e/ou sua identidade de gênero para fins de direitos e deveres, e consequentes reflexos na entidade familiar.
A Carta Magna de 1988 restringe a discriminação em razão do sexo, sendo o carro chefe o princípio da igualdade, não limitando-se a distinção entre homens e mulheres, mas inclusive deve acompanhar a evolução reconhecendo a diferenciação de conceito de sexo e sexualidade, de sexo e gênero, pois tais atrelamentos são causa de um reconhecimento jurídico tardio dos direitos do LGBT.
Como já dito, o ordenamento jurídico brasileiro, princípios, normas, leis não se adaptaram as transformações sociais, que resultaram na formação, ou melhor tiraram da invisibilidade novos modelos de família, de pessoas e relações afetivas.
O que chamamos hoje de individualização da sociedade é reflexo de um declínio do direito e dever, mas ao mesmo tempo uma recondução na luta pela sobrevivência, onde os divididos se dividem causando uma dependência organizacional ainda mais forte (CANOTILHO, 2015).
Cabe ressaltar que a despeito do princípio da igualdade de inclusão, põe em discussão que a inclusividade é sinônimo de justiça e através da reinvenção do Estado Social, os direitos sociais deve seguir em conformidade com a realidade, afim de que política públicas sejam realizadas e efetivadas, reconduzindo os alicerces das expectativas normativas.
Merece atenção o problema da efetivação de uma direção dada pelo direito constitucional. Isso não significa dizer que o direito tenha deixado de assumir seu posto, mas que a sociedade tem novas demandas que carecem de regulação.
Neste sentido, apresenta-se a comunidade LGBT, reprimida e ofuscada. A Constituição é uma norma dirigente e para demonstrar sua capacidade precisa de efetivação. Este ponto de partida justifica que embora criticada é determinante para a sociedade uma norma reguladora.
A despeito disto, as formas de interação sociedade e estado subsiste uma dominância hierárquica, que apesar de representantes do povo assimila a indiferença e até ignorância das demandas passíveis e carentes de discussão emergencial nas mais altas patentes do Poder.
O direito não pode causar nem ter distanciamento de quem o cria e a quem ele é aplicado, ou seja, isso afeta a cientificidade do direito levando em conta não apenas a base filosófica mas também seu aparelhamento.
O direito deve ter a função social de promover a justiça e a inclusão social de qualquer indivíduo independentemente de sua identidade de gênero, privilegiando a dignidade da pessoa humana, contudo a heteronormatividade ao longo da história impôs um sistema binário de sexualidade humana, ignorando as demais manifestações da sexualidade.
Percebe-se que há uma dificuldade das pessoas superarem questões tão pontuais e enraizadas, por forças de leis imutáveis. Mas é inegável os reflexos do direito na sociedade como regulador nas relações sociais.
5.2 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS SOCIAIS
Embora a topologia constitucional não reconheça os direitos sociais como fundamentais, sua essência está intrinsecamente ligada aos direitos humanos, que constitui-se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como força normativa, é necessária não apenas para que se efetive direitos individuais de um cidadão, mas também abranger os direitos sociais.
Os direitos fundamentais passaram por eficácia duvidosa, justamente pela necessidade de intervenção estatal para sua efetivação, exigindo do Estado prestações materiais. Entretanto, o neoconstitucionalismo é marcado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, neste sentindo não se faz consistente afastar os direitos sociais do enquadramento em direitos fundamentais (SOARES, 2010).
Desta forma, ocultar os direitos sociais seria violar à ordem constitucional, que nos traz os direitos e garantias individuais em suas cláusulas pétreas. Ora, o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, em trâmite no Senado seria a consumação de um direito social. Os direitos sociais eclodiram em razão do tratamento desumano durante os séculos XVIII e XIX, afim de trazer proteção as minorias.
Deparamos-nos então com uma situação de desumanidade quando analisamos a situação atual do LGBT no Brasil. Sendo o país que mais mata LGBT no mundo, segundo a estatísticas da ONG (Organização não-governamental) Transgender Europe (TGEU), constata-se que a realidade de quem está acoplado a diversidade sexual ou de gênero é degradante e motivação de homicídios.
Ora, garantir ao LGBT qualidade de vida, através da regulação estatutária nada mais é que efetiva uma ordem constitucional, que enfatiza a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.
Com efeito, no plano internacional, os direitos sociais pela abertura dos direitos fundamentais é fortalecida, sendo o Brasil signatário de tratados que acolheram os direitos sociais como direitos humanos fundamentais, por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Portanto, os direitos sociais indene dúvida de sua eficácia plena e imediata, que inclusive a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais só se efetivam através dos direitos sociais.
Com base nisso, entende-se que a dignidade da pessoa humana expressa autonomia, mas também requer atenção do Estado, vez que quando fragilizada a capacidade de determinação do indivíduo no cenário coletivo, como a população LGBT, se faz necessária sua intervenção através de prestações positivas.
6 A TEORIA REALISTA E OS DIREITOS HUMANOS: IMPACTOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO
A sociedade internacional é um reflexo das relações sociais internas, mas ao mesmo tempo entendiam que nas relações entre os Estados, o cenário Internacional era anárquico. Os pensamentos de Nicolas Maquiavel e Thomas Hobbes fundamentam a perspectiva realista. Os realistas estabeleceram uma oposição clara aos idealistas, mas tem em comum a ideia do sistema operacional anárquico, uma guerra de todos contra todos. A perspectiva realista entende como legitimo o uso da força para alcançar os objetivos do estado, afirmando que não há de imoral ou ilegal.
O Estado racional e ilógico não tem sentimentos, suas decisões são tomadas em perspectivas racionais. O realismo tem seu foco na segurança do Estado e no seu poder acima de tudo. Maquiavel, como Thomas Hobbes partirá de uma visão bastante clara da vida humana, enfatizando seu aspecto competitivo, conflituoso, ambicioso e predatório. Para Hobbes (2003), todos os homens nascem iguais, possuindo os mesmos direitos e capacidades similares, buscando garantir por meio de suas ações, sua sobrevivência e seus interesses particulares.
Segundo o realismo estrutural, é a estrutura do sistema internacional que causa os diversos comportamentos entre os países. Estimulando a busca pelo poder militar para proteção e até coerção dos demais países para satisfazerem seu interesse (poder coercitivo). Na mesma ótica, o realismo afirma que o mundo é anárquico, ou seja que acima do governo de cada país, não existe um governo estruturado e legitimamente constituído para comandar as relações internacionais.
O realismo se divide em dois pontos de vista, o realismo ofensivo que defende poder maior ao Estado para que se tenha hegemonia. Outra corrente do realismo, que é o realismo defensivo, sustenta que o país tem que ter equilíbrio de poder. No realismo hegemônico, existe a idéia de quanto mais poder melhor, na intimidação aos demais. No raciocínio do realismo defensivo, se admite a figura da coalizão. Já no Realismo ofensivo, não se admite coalizão, visto que os países desejam alcançar a hegemonia.
Na “pré sociedade”, onde devido a índole natural do homem, temos um estado “normal” definido de competição e disputa constante: o chamado Estado de Natureza. O Estado de Natureza é visto como um cenário de guerra, todos contra todos, onde cada indivíduo está em disputa com os outros (homo homini lupus) visando seu espaço de interesse, gerando uma situação de guerra permanente. Diante desta situação de conflito extremo, internamente, visando a garantia de sobrevivência e um mínimo de segurança, os indivíduos estabeleceram entre si um pacto social que criará uma entidade superior. Esta entidade superior é chamada de “Estado”, e é para onde são transferidos os direitos e vontades individuais, o que constitui um organismo soberano como monopólio legal da força dentro de determinada região geográfica.
O sistema internacional se forma por estes Estados que se relacionam entre si, inexistindo qualquer outro agente que possa se impor a eles. O Estado é reconhecido como soberano, único e autônomo no SI. O Tratado de Vestfália (1648), marco da Guerra dos Trinta Anos, entre diversas nações européias, especialmente a Alemanha por motivos religiosos, rivalidade e território, define como princípios clássicos da concepção de Estado, o reconhecimento da sua soberania dentro das suas fronteiras, a não-intervenção, a autonomia de decisão e ação.
A guerra, assim como a diplomacia, é elemento essencial do intercâmbio entre as entidades estatais nacionais, dotadas dos mesmos direitos, mas possuidores de diferentes capacidades e possibilidades de ação. O Estado Nacional objetiva sua preservação como entidade autônoma e expansão, podendo se utilizar de quaisquer meios para isto.
Dar-se o nome de High Politics, os aspectos da política internacional, se opondo às questões sociais. Alcançando todos os assuntos vitais para sobrevivência do Estado: as preocupações nacionais e internacionais de segurança. Com cada Estado buscando defender seus interesses individuais, o realismo defende que há o equilíbrio de poder, com intuito não apenas de paz, mas também de prevenir o surgimento único que subjugue os demais.
Neste sentido, os direitos humanos são frutos de um processo histórico, desenvolvido na sutileza política do capitalismo. Inicialmente, os direitos humanos foram debatidos afim de minimizar os impactos das Guerras, na tentativa de diminuir os estragos dos conflitos bélicos. O homem seria, inevitavelmente, um ser histórico. Esta assistência tinha como foco alcançar o mínimo de resultado satisfatório precisando ter o caráter solidário.
Os Direitos Humanos sofreu impacto direto da Teoria Realista, justamente por ter sido concebido a partir do Direito Humanitário criado em tempos de Guerra. O misto de situação ora pacatas ora turbulentas refletiu nas discussões acerca da normatização dos direitos. As marcas deixadas pelas disputadas entre grandes potências, que resultaram em catástrofes, impulsionou o sentimento de solidariedade, com isso a necessidade de direitos que garantissem vida digna e esperança aos atingidos pelas Guerras.
O discurso realista de ver o mundo como ele é traz a perspectiva quanto a magnitude das sociedades, constituída por indivíduos em incessante processo de transformação, que através da qualidade do que é necessário de se buscar adequando os direitos à realidade, faz surgir os direitos humanos garantidos universalmente.
Desta maneira, ainda que da difusão das normas internacionais, refletida a emergência de valores importantes, como os direitos humanos, a lógica realista continua vigente. Não é o indivíduo o centro do sistema jurídico, mas o Estado nacional. Entretanto, para que haja os interesses difusos se faz necessária participação intensa do cidadão, sendo não somente produto de livre opção política, mas sim, consequência do capitalismo alavancado que cria e induz uma nova concepção de valores.
6.1 A EVOLUÇÃO RUMO AOS DIREITOS HUMANOS
Apesar de toda discussão cercando os direitos humanos, é de suma importância ressaltar que tais medidas foram pensadas e adotadas em tempos de Guerra, sendo exceção e dar-se o nome de Direito Internacional Humanitário. Adotando-as quando as partes estão em conflito armado.
O Direito Humanitário foi ovacionado pela intensa solidariedade pelos efeitos negativos causados pelas Guerras, intensificando a necessidade do debate sobre Direitos Humanos entre os Estados e potências. Tal circunstância, pode ser considerada o ponta pé inicial para visibilidade dos direitos. Mas também não garantia aos direitos humanos uma proteção extensa, considerando as constantes violações nos tempos de guerra.
Mesmo com a expansão normativa, aprofundamento de debates e discussões, não existe um tribunal universal de direito humanitário específico para efetivá-las. A partir da observação da necessidade de tutela em tempo integral, mesmo não sendo tempos de guerra foi que adveio a conscientização e Direito Internacional dos Direitos Humanos passou a ser estruturado, com suas distintas dimensões, paralelamente com o Direito Internacional Humanitário.
Comparato explica o desenvolvimento histórico da luta de classes por detrás das conquistas do ser humano:
Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas. Os direitos humanos de proteção ao trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores (COMPARATO, 2004: p. 53).
É nítido que os teóricos realista defendem que suas teorias explicam a forma que o mundo funciona. Desta forma, a moral não se mantém distante da teoria. Hans Joachim Morgenthau, pioneiro no campo de estudos da teoria das relações internacionais, afirmou que a procura entre equilíbrio de poder é uma característica de sistemas.
Delmas-Marty (2004) traz o desafio de como delimitar novos métodos que norteiem a pluralidade de normas e que não confronte a norma superior. A autora defende que somente se essa pluralidade for ordenável deve permanecer como jurídica e define os direitos humanos como “direito dos direitos”. A necessidade de um “Direito Comum”, titulo de uma de suas obras traz a importância de um direito acessível a todos, além do interesse das potências que transpasse os obstáculos de cada área do direito, alcançando um todo sem discriminação.
A teoria realista não se trata mais de discutir limites do universalismo pelo relativismo, mas de caminhar para uma solução. É inegável que existe de todas partes o interesse na condução do direito, o que se destaca na teoria realista é o dialogo a todo tempo com a filosofia, a preocupação com a fundamentação e convencimento de ser vista e aderida como a melhor para solucionar conflitos e valorização do individuo. Sem descartar, as repercussões indiretas na busca de concordância de direitos por meio da legitimação dos direitos humanos utilizando da ética.
A construção racional de um direito mundial adentra a teoria realista quando traz a realidade do mundo para sua fundamentação e convencimento. A dominação e o poder alicerça a teoria realista, e os meios empregados para se alcançar a hegemonia iam dos mais agressivos até os de real importância, como os Direitos Humanos, isto justifica a intima relação do Direito Internacional com a concretização dos Direitos Humanos, que visa tutelar, o direito a vida digna e condições de sobrevivência harmônica na sociedade.
Inobstante o reconhecimento da importância de garantias ao ser humano, não é o individuo o centro do sistema jurídico. E mesmo com todas as divergências e oposições, as teorias baseiam-se em alternativas para o Estado agir ou reagir as diversas situações que alcançam o conhecimento internacional.
A Teoria pressupõe a realidade. Ela também pode se anteceder e formar a realidade. Ou seja, que existe um mundo real onde as coisas acontecem. A separação da teoria dos acontecimentos históricos é a forma de pensar, porque a teoria realimenta o fazer da história. Seu entendimento do que o contexto histórico as permite fazer, as proíbe que façam ou requer que elas façam, e a maneira como formulam seus propósitos pela ação, são também produtos da teoria.
Delmas-Marty (2004) sinaliza que pluralismo não deve ser confundido com a pluralidade pois não faz ligação entre os sistemas e não constrói ordem comum. A abordagem dos Direitos Humanos Universais adentra a teoria realista justamente pela fundamentação teórica ser “o mundo como ele é”. Para a autora, mesmo com as dificuldades de encontrar equilíbrio nos Direitos Humanos que abarque as relações internacionais, se faz necessário uma avaliação temporal, onde o direito caminha junto ao desenvolvimento do mundo, inclusive aos conflitos, exigível de solução, colocando o direito como processo transformador da vida social.
O realismo assume que seu ponto não é o que o mundo deveria ser e sim como ele de fato é. Edward Carr (2001) levantou três pilares para teoria realista, dentre eles afirmou que a teoria não cria a prática, mas é criada pela prática. Sendo assim, a forma e a natureza de poder não são fixas, variam com o tempo, porém a objetividade do interesse político pode servir como ponto de partida para compreender os eventos. Delmas-Marty (2004) reconhece que variação de interações é o que faz o sistema instável, apresentando o pluralismo ordenado, como a possibilidade da universalização dos bens comuns. Já que os ideiais de igualdade e liberdade, não se mostraram eficazes para garantir a estabilização da sociedade.
Desta forma, o poder decorrente de fatores egoístas e anárquicos assume uma função de grande importância nas Relações Internacionais, que ao adquirir a noção de conflito permanente, fundamentada na Teoria Realista das Relações Internacionais, influenciou diretamente o Direito Internacional.
Dilatando a terminologia de ação estatal ou função pública, aumentou os laços entre o Estado e a Sociedade, pontuando a legitimação das atuações privadas, transversalmente com os direitos fundamentais. O realismo jurídico, vai contra diversos entendimentos jusnaturalistas, defendendo um direito alicerçado em fatos sociais.
Na Teoria Realista, o Estado é colocado no centro das discussões, como ator principal das relações internacionais, atuando servindo ao interesse nacional. O poder é visto como forma do Estado se manter no meio internacional e seus reflexos começam a ser sentidos em áreas diversas, como os Direitos Humanos.
Nesta seara, o discurso sobre a valorização das garantias básicas do ser humano torna-se consensual, e todos Estados defendem a imprescindibilidade da proteção e do incremento das instituições garantidoras. O obstáculo maior é quando a teoria se depara com a prática. A pretensão e o clamor da universalidade dos valores humanos, encobre a política externa das nações que controlam o sistema internacional.
Neste sentido, é incontestável que o término dos conflitos armados a comunidade internacional preocupa-se com maior dedicação na defesa dos Direitos Humanos e dentro deles inclusos estão através da Declaração Universal dos Direitos Humanos o direito a diversidade de gênero e sexual. Ainda que a teoria realista sustente a teoria e pouca prática, discussões e debates na comunidade internacional se apresenta de total importância, para que fique explicito que os órgãos internacionais defendem os direitos humanos inerentes aos indivíduos e a coletividade, estabelecendo critérios uniformes para analisar sua violação.
Assim a hermenêutica cumpre seu papel de mapear, as principais referências teóricas para traçar o saber jurídico, adentrando diretamente nos saberes humanos, nas ciências humanas e na filosofia (SOARES, 2010).
Para tanto, se faz necessário afastar a literalidade, ou seja o engessamento das leis e partir para uma nova interpretação psicológica do Direito e do que é direito. Interpretando as circunstâncias concretas que influenciaram e seus marcos sociais que ocasionaram sua existência. Assim, a valorização do humano e de suas manifestações apresenta-se como marcador na criação e elaboração das leis, caminhando o legislativo rente à sociedade.
Os novos modelos de interpretação dos fenômenos humanos precisam progredir, vendo o homem como transformação constante e carente de interpretação. Ou seja, um ser mutável, que torna o direito mutável também, para que assim acompanhe os desdobramentos da vida em sociedade, sem perder a dialeticidade, ou seja, o diálogo entre estado-sociedade, entre demandas e elaboração de leis.
Ao procurar compreender a construção histórica, a hermenêutica se depara com teorias como a realista que nos traz esta vertente, de uma ruptura da preponderância do interesse próprio para o interesse coletivo. Uma desconstrução de mundo que atinge o cenário internacional e alcança o direito interno, vez que por exemplo o Brasil ao assinar a Declaração Universal dos Direitos Humanos se dispõe a agir em prol da valorização de tais direitos através de políticas internas no seu país. Inegável, portanto, que as relações internacionais atingem o direito interno, ou seja que as transformações do mundo atingem nosso Estado e precisa-se efetivar o reconhecimentos dos fenômenos sociais e demandas de gênero, com base principalmente na evolução dos direitos humanos que abarcou lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nas suas diretrizes de proteção.
A evolução dos direitos humanos nos alerta para a necessidade de um Estado Democrático de Direito que priorize as relações humanas, os fenômenos sociais e todas as demandas que englobem e atinjam a qualidade de vida ou relação social do seu povo.
Ao contrário do que se acredita que os direitos humanos veio para desvalorizar a democracia, na verdade, apesar de todas as críticas, do descrédito a um direito fundamental, o que se tem com a sua valorização é, ainda há uma grande adesão aos valores democráticos. O Brasil conta com uma variedade de instrumentos para garantir que os direitos humanos sejam estendidos a todos os nossos cidadãos, como por exemplo os Estatutos. Mas na prática a realidade é outra e ainda não atingimos este objetivo.
A Constituição Federal de 1988 com os direitos fundamentais respaldados empodera o Brasil como um dos países com o mais completo ordenamento jurídico em relação aos direitos humanos. A maior preocupação é que mesmo tendo um forte aparato constitucional, ainda estamos defasados em questões de gênero, nos colocando em um estado permanente de violação de direitos humanos.
O nosso processo evolutivo consolidou o desenvolvimento da sociedade no reconhecimento da necessidade de afirmação dos direitos humanos, mas ainda não conseguiu a sua efetiva aplicação nos âmbitos de suas necessidades.
7 A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E A NECESSIDADE DE UM ESTADO SENSÍVEL AS DEMANDAS DE GÊNERO
O estudo da sexualidade humana é de alta relevância, entretanto o olhar do Estado para as demandas de sexualidade e gênero é crucial para a disseminação do respeito a diversidade.
É imprescindível que o sistema estatal brasileiro esteja sensível a compreender as mudanças que ocorrem na sociedade e a necessidade de regulação que agregue e acompanhe esta evolução. A sexualidade é um direito a personalidade, sendo garantia constitucional a liberdade, a dignidade da pessoa humana, a segurança portanto constitucional para a livre manifestação da identidade de gênero e sexualidade do indivíduo.
A liberdade de se portar ou expressar deve estar regulada com direitos e deveres pelo nosso Estado Federativo, vez que a sociedade por si só, não compreende a liberdade como prerrogativa natural do ser humano, necessitando intervenção através de regulação estatutária para que se norteie e não se viole os direitos da personalidade. Apesar da Constituição Federal ser a nossa norma regente, é ampla e carece de outros instrumentos para sua efetivação, dentre eles a necessidade de aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero.
Neste sentido, não se pode impor limites as possibilidades de tutela jurídico-constitucional dos direitos humanos e sociais. Principalmente no que diz respeito aos que causam impacto direto em processos sociais e políticas públicas. Colocando em discussão o sistema de proteção social no que concerne a direitos humanos e fundamentais, longe estamos de atender as demandas da atualidade e de suma relevância (SARLET, 2015).
Ainda que a instabilidade econômica do nosso país tome grande parte da atenção dos três poderes da União, não se pode considerar mesmo com a intensidade de acontecimentos que o Estado tem atendido a segurança social. A qualidade de vida está inclusa neste último, o qual engloba direitos e deveres para a população. Ficando a mercê de regulação a população LGBT, logo se depara com uma falha na prestação estatal de direitos sociais.
Neste sentido, as mudanças experimentadas na esfera jurídico-normativa, o desejo por uma estabilidade nas relações sociais e nas relações jurídicas concebe um valor fundamental de qualquer Estado que queira merecer ser chamado de Estado de Direito. Desta forma, resulta a ligação entre segurança jurídica e segurança social.
Por outro lado, o que se vê nem sempre é real, pois mesmo recepcionando a noção de direito social em nosso ordenamento jurídico, é necessário a tutela do Estado contra medidas que tenham o intuito a supressão de direitos adquiridos (SARLET, 2012).
Além de relutar por um sistema estatal que acompanhe a evolução da sociedade e não fique estagnado, é necessário exigir um sistema que além de estagnado também não retroaja suas decisões.
Com efeito, é possível afirmar que além de toda doutrinação, é possível encontrar tímidas jurisprudências que traz a noção da proibição do retrocesso. Sendo assim, constatando a necessidade de um Estado que se sensibilize as demandas de gênero e reforce sua ordem constitucional através de regulação estatutária.
Quando se aborda as políticas públicas e a disposição de programas governamentais sob a ótica das demandas de gênero, o intuito é ir além da identificação de políticas e programas que atendam ao LGBT, embora a identificação de tais políticas seja um momento necessário da própria pesquisa. Ao adotar a população LGBT como referência para a análise, chama-se a atenção para a construção social e histórica e para as relações sociais entre os sexos na tentativa de desmistificação destes conceitos, marcados em nossa sociedade por uma forte assimetria.
Historicamente marcados por uma cultura tradicional, também aponta-se a proibição de decisões contrárias a ordem constitucional, esta última chamada de proibição do retrocesso. Sendo assim, o reconhecimento desta proibição está ancorada no combate de uma eficácia negativa das normas, ou seja, uma repreensão a quem tenta impor limites aos direitos fundamentais sociais. Não se pode admitir a aplicação de um retrocesso, seja ele por decisões ou omissão, reiterando portanto que em sentido amplo que tal atuação representa a defesa e proteção dos direitos contra medidas restritivas de direitos de cunho fundamental constitucional.
Ainda assim, é preciso ressaltar que ainda que reconhecida a proibição do retrocesso, tal autonomia será relativa e não deve se confundir com segurança jurídica. A segurança jurídica propriamente, com ênfase no direito adquirido, necessita de um diálogo com os direitos sociais, sem afetar a tutela dos direitos individuais.
É inegável que o LGBT não dispõe de legislação especifica que os resguarde, vivendo a margem da sociedade, resistindo a favor da sua identidade de gênero e vocação sexual, o transgênero, o homossexual e aqueles que estão abarcados na diversidade sexual e de gênero, vivem diariamente exposto a riscos constantes, agressão física, psicológica e o preconceito velado, que é a exclusão das posições de visibilidade seja no mercado de trabalho seja no convívio social.
Exigir do Estado sensibilidade as demandas de gênero, é exigir um direito constitucional fundamental que deveria ser priorizado, o direito à vida, a dignidade da pessoa humana, de ir e vir. As situações adversas enfrentadas por homossexuais e transgêneros nos remete a uma situação de alerta de prioridades do nosso país. Vale destacar que o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística, no final do ano de 2016, estimou a expectativa de vida de um LGBT no Brasil, 35 anos de idade, sendo a população restante, cisgênero e heterossexual de 75 anos.
O preconceito, a intolerância a diversidade nos remete a uma situação caótica, necessitando de intervenção estatal de modo efetivo a combater tais números alarmantes. Os direitos humanos apresenta caminho para isso, sendo de grande relevância na viabilização da relações sociais e convívio dos seres humanos.
É neste contexto que se forma o Estado Democrático de Direito, com princípio basilar visando a garantir, sem ressalva, o direito a dignidade a pessoa humana.
Importante destacar que as possibilidades de amar se ampliaram. A demonstração de afetividade-sexual e a forma de se relacionar sairam da invisibilidade para firmar entendimento de sua existência, carecendo de sensibilidade do Estado para tal reconhecimento. Estas transformações de relacionamentos interpessoais, nos chama atenção para o fato de que as formas de regulação comportamental também se transforma. Ou seja, o que antes tinha um método de resolução hoje necessita de outro olhar, mais atento e efetivo para concretização da proteção jurídico-constitucional do direito LGBT.
Embora a tendência das decisões sejam no sentido de efetivar a proteção constitucional do direito LGBT, há uma tendência com fundamento na ótica liberal clássica que afasta a justiciabilidade do direito a diversidade de gênero. Argumentando que não é obrigação do três poderes controlar critérios de conveniência para atender demandas de uma pequena parcela da população (PIOVESAN, 2015).
Sob a ótica das relações sociais, a tendência jurisprudencial é afastar o retrocesso da sociedade, através da proibição do retrocesso. Entretanto, a jurisprudência oscila, já que o magistrado é composto por pessoas, estas carregadas de valores também arcaicos e apesar de o Direito sustentar a não interferência valorativa pessoal em decisões seja no judiciário, legislativo ou executivo, ainda somos regidos pela inconsciente educação conservadora que regeu a história brasileira, inclusive no recente regime ditatorial que fora superado a apenas 50 anos, tempo este considerado pequeno e os avanços da sociedade menores ainda.
Portanto, ainda é incipiente as provocações causadas por decisões de base para demandas envolvendo direitos sociais, revelando a tímida apropriação do Estado para buscar resolução de conflitos que envolvam o tema. No que concerne a gênero e sexualidade, tais provocações são mais esparsas ainda, delongando por debates superficiais e conservadores, o Estado dentro da sua Casa Legislativa ainda encontra resistência de bancadas religiosas na tentativa de afastar o direito reservado a população LGBT.
Ocorre que, a permissão de bancadas religiosas dentro da Casa legislativa revela uma afronta a laicidade do nosso sistema estatal. Este sistema perverso que se fundamentou em princípios religiosos para manter seus interesses pessoais, está mais que defasado na história, está ultrapassado e não mais aplicável em uma sociedade de grandes transformações e diversidade como a nossa sociedade brasileira.
Ainda que incipiente, os três Poderes em razão da sua interdependência são capazes de invocar um legado transformador e emancipatório, mas para isso a harmonia e o interesse coletivo precisam preponderar as discussões, as decisões, os entendimentos e sobretudo o combate através da proibição do retrocesso.
Há de se reinventar nosso sistema estatal, buscando cada vez mais a ampliação e abrangência a todos aqueles que carecem de seu olhar, para que assim efetive os direitos sociais, como direitos humanos nacional e internacionalmente garantidos e sustentados pelas grandes potências.
É necessário revisitar temas estagnados como o direito a diversidade sexual e de gênero, revisitar o Estatuto em trâmite no Senado, revisitar as demandas da sociedade, sobretudo com uma noção do mínimo existencial concernente as estas categorias. O Estado Democrático de Direito tem como tarefa assegurar a vida digna, o mínimo para subsistência, ou melhor para existência. Realidade distante se confrontada com o número de assassinatos a homossexuais e transgêneros (SARLET, 2015).
A partir do já exposto, percebe-se a inconteste necessidade de sensibilidade dos três poderes da União, a real necessidade de um novo olhar do Estado para uma população massacrada pela história e pela intolerância vigente. Tendo uma Constituição dita como a mais humana em nossa história, não se pode permitir que nosso sistema retroaja, nem sequer permaneça estagnado.
Com efeito, justamente pelo fato de reconhecer o poderio do Estado é que se busca tal reconhecimento, tendo-o como regente e organizador do nosso país, os três poderes, reitero, devem reconhecer a aplicação de uma noção de proibição de retrocesso e desta forma, iluminar o campo da diversidade firmando direitos e deveres ao LGBT.
Indene dúvidas da omissão legislativa de atenção ao direito a diversidade sexual e de gênero. Apesar de alguns avanços legais em proteção à discriminação e a violência contra mulher, à origem étnica, à raça e à cor, inclusive reformando o Código Penal, há ainda uma defasagem de representação política e de proteção legal ao LGBT no Brasil.
O descaso do poder estatal brasileiro em relação às minorias sexuais é tão grande que até hoje tramita o projeto de lei do Estatuto da Diversidade Sexual e de gênero. Contabilizam-se nove Paradas da Diversidade Sexual e Combate a Homofobia, objetivando a consolidação do direito à cidadania.
Alguns estados brasileiros possuem comissões de combate a intolerância sexual, mas enquanto a mais alta patente não reconhecer a existência de um olhar cauteloso porém emergencial para as demandas de gênero e sexualidade, a evolução virá a passos lentos. Não é possível, que o nosso sistema despreze as diferenças, não enxergando a necessidade e emergência de uma política de reconhecimento que preserve a integridade das minorias sexuais.
O enaltecimento dos princípios jurídicos vem sendo acompanhado por uma constitucionalização de princípios éticos, apoiando-se em sua utilização para fundamentação de processos decisórios e hermenêuticos (SOARES,2010). Vale destacar que a República Federativa do Brasil possui como um de seus objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem qualquer espécie de discriminação.
A inércia do Congresso Nacional é o que faz essas decisões intercaladas e gradativas através de matérias de repercussão geral analisadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, como a mais recente decisão de criminalização da transfobia e homofobia por exemplo. Diante de certas situações em que não há uma mediação clara entre a Constituição e seus destinatários, o legislativo não ocupou o espaço que lhe cabia e por esta razão direitos que deveriam ser garantidos estão ao léu.
A busca por soluções de conflitos, por um consenso que faça nosso sistema estatal de forma efetiva se arrasta por anos, inclusive entre discussões de Ministros do STF e o Legislativo. O Judiciário agindo de forma independente possui condão para assumir posições antipáticas, assumindo os riscos, inclusive de acusação duríssima de que está usurpando função legislativa.
O fato é que se a Constituição consagra os princípios da eficiência, igualdade, moralidade, impessoalidade, a todas as luzes o falta de legislação especifica que abarque o LGBT é uma colisão frontal e mortal a esses quatro princípios.
A ausência de atuação do legislativo, é um impasse que cria indisposições com Supremo Tribunal Federal. Neste bate-rebate, quem sofre com os reflexos da inércia do legislativo são as minorias que seguem desamparadas de legislação especifica. Ainda neste sentido, o Poder Executivo não demonstra qualquer sensibilidade as demandas de gêneros, usando de um excesso de medidas provisórias que nada tem urgência para o país nem sequer relevância. Ou seja, o nosso sistema que deveria agir em consonância e harmonia em razão de sua interdependência, age de forma isolada sem diálogo entre si, dificultando ainda mais o reconhecimento das demandas do povo.
Na sociedade pós-moderna, a preponderância de um super individualismo reflete na construção da moral e da ética. Nesse seguimento é que pontos essenciais ganham atenção no contexto da democracia, através de um confronto direto entre deveres coletivos e interesses pessoais. Resgatar o papel do Estado como garantidor de direitos e deveres, inclusive direitos fundamentais talvez tenha sido a maior saga do nosso atual cenário político brasileiro.
O Estado tem que estar na escuta da sociedade civil, sendo eficaz em suas normas e em sua atuação, representando o interesse da população que o elegeu. Através da sua autonomia, o hiperindividualismo afeta o homem público no sentido de que, ao invés de estreitar laços com a sociedade, o sistema estatal retirou de seu foco meios que viabilizassem uma administração eficiente, com objetivo nos resultados. Ou seja, cabe ao governo superar os interesses isolados e se preparar para o futuro mas com atenção nas demandas presentes, e nas demandas passadas que seguem carecendo de sua regulação. (LIPOVETSKY,2004)
Diante da transformação da sociedade, os investimentos em educação, é a base para uma geração crítica que perceba a influência dos três poderes da União e cobre de seus governantes atuação imediata de suas demandas. Estamos diante de um enfrentamento do futuro e sem abrir precedentes do presente para que seja norteado o melhor caminho a seguir para uma sociedade justa e igualitária.
Tais indagações nos remete a questionar se o poder precisa controlar o poder, a despeito de um risco de contínua corrupção afetar a aplicação das leis e este não tem feito, a inércia portanto do legislativo é incontestável.
Voltar atenção ao fortalecimento institucional é fundamental para observância das leis e da ética. Esta revolução de ideais, resultou na perda de confiança no estado e na justiça. Aqueles que deveriam ser atuantes em prol da sociedade, tendo a democracia como ponto chave justamente a relação estado-sociedade, se este primeiro distância do que preceitua nossa Constituição, perde-se a direção de uma sociedade justa e igualitária (LIPOVETSKY, 2004).
Neste diapasão, cria-se a ação e a reação. A inércia do sistema estatal impacta em uma sociedade criadora de suas próprias leis, com aumento inclusive da violência a população LGBT. Não se pode negar que os impactos de um Estado voltado ao social resulta em políticas públicas de qualidade.
O que se tem, todavia, é a desconfiança nos políticos e na própria política, que se instituiu em razão de um individualismo irresponsável, capaz de olhar para seu próprio interesse e não do coletivo.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando o objetivo geral do presente trabalho é demonstrar a possibilidade de regulamento e conjuntos de regras de organização e funcionamento de uma coletividade, que garanta a igualdade de gênero no Brasil e defender a importância da aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, apresentado pelo Conselho Federal da OAB, presidido por Maria Berenice Dias, jurista, advogada e ex-magistrada brasileira, com foco em garantir o direito de viver, de amar e de ser feliz, seja qual for a sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Resgatando os objetivos específicos de como está respaldada na Constituição Federal a necessidade de regulação estatutária na luta contra a desigualdade de gênero no Brasil. Ainda neste sentido aprofundando a discussão do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, apresentado pelo Conselho Federal da OAB em 2017 e como os poderes da União podem ajudar na aprovação e sua intervenção na garantia de direitos fundamentais e consagração a dignidade da pessoa humana e os princípios da igualdade e da liberdade, bem como a não discriminação.
Apesar dos avanços no que concerne ao direito LGBT, tem-se, contudo, um longo caminho a percorrer na desmistificação de sexo, gênero e sexualidade. Ainda se faz necessário inquietar a sociedade para produção de compromisso e responsabilidade que esta tem com a tolerância e o respeito a diversidade sexual e de gênero, afastando os padrões arcaicos, desconstruindo a falsa moralidade de erotização do LGBT, como também reformular os conceitos de sexo, gênero e sexualidade.
A desconstrução de pré-conceitos e tornar inutilizáveis termos discriminatórios, o reconhecimento de uma sociedade, são avanços ainda a serem alcançados. Percebe-se ainda barreiras perpetuadas historicamente, seja através da religião, seja através da dita moral que impedem o reconhecimento da sexualidade como algo inerente do ser humano.
Devemos entender que apesar dos avanços da jurisprudência e entendimentos da Suprema Corte em prol do direito LGBT, a nossa sociedade segue marcada por uma construção secular de intolerância, violência e discriminação a diversidade sexual e de gênero. E isto resultou em tornar o Brasil líder do ranking dos países que mais mata LGBT no mundo. Tal colocação não deve ser motivo de orgulho. É neste contexto que o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero se apresenta em trâmite no Senado como projeto de Lei, carecendo de aprovação, vez que, inconteste os reflexos dos três poderes da União na sociedade. A regulação estatutária é afirmação do direito a personalidade, a dignidade da pessoa humana e de que nosso país que assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos está realmente priorizando os direitos humanos.
Nossos marcos históricos internacionais ainda nos trazem fundamentação da evolução da sociedade e da necessidade de acompanhamento de seus governantes deste novo desdobramento que alcançou até o cenário internacional, através da Organização das Nações Unidas. Ainda nesse seguimento, teorias como a realista nos mostra a ruptura de um padrão arcaico e a necessidade inovação de políticas que estejam cada vez mais voltadas ao humano, assim em consonância se faz também a proibição do retrocesso, afim de combater além da inércia do Estado que este não retroaja em seus entendimentos e decisões. A teoria realista ainda nos traz a magnitude das sociedades, sob a ótica de esta última é constituída por indivíduos em incessante processo de transformação. Percebendo o pluralismo da sociedade em um caminho rumo aos direitos humanos.
Embasado nos direitos fundamentais, o direito social se apresenta na relação do sistema estatal com as demandas sociais e com as minorias, para que efetive direitos individuais de um cidadão e da comunidade LGBT, reprimida e ofuscada, gritando literalmente nas ruas por legislação específica que as proteja nos mostra suas necessidades. E também aponta as carências de uma sociedade violenta que precisa passar modulação de valores, estes que vem de cima pra baixo através de reconhecimento jurídico.
A análise da eficácia dos direitos e garantias aqui discutidos obtida, em geral, por cuidadosa interpretação e análise casuística, nos levou a conclusão de que o Estado Democrático de Direito está defasado e desatualizado ante condições de sobrevivência harmônica na sociedade. Diante de um mundo em constante transformação, a ciência do Direito precisa acompanhar novas relações determinando seus seguimentos, superando interesses isolados e valorizando o coletivo.
A diversidade tem sido usada para hierarquização como poder, para afirma que uns são considerados “normais” e outros não. A conceituação dos direitos humanos com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana estabelece um seguimento de igualdade comum a todos. Porém, ao invés de tal entendimento permanecer no papel, precisar atingir a realidade. Neste sentido que a pesquisa pode dar contribuições para além de constatar uma realidade embrulhada por intolerância, também demonstrar a necessidade de regulação e a melhoria na qualidade de vida se assim aprovado o Estatuto da Diversidade Sexual e de gênero.
Os empecilhos impostos a liberdade e ao direito de personalidade, não tenhamos dúvida que estão presentes desde os primórdios da humanidade e por isso refletem até então. Se os princípios constitucionais não forem elevados, a consequência é a sociedade prejudicada. Lesando não apenas o Direito no que se refere a sua organização estrutural para manutenção de um Estado Democrático, mas também o direito a diversidade sexual e de gênero.
A atual geração cresceu em uma sociedade com marcas profundas de desigualdade social, esforço para democracia e resistência a igualdade. No curso deste processo, ocorreram também mudanças nas concepções de gênero e sexualidade, afetando o padrão heteronormativo. Esta pesquisa buscou compreender até que ponto o Estado interfere na vida de um cidadão e quais são as formas destes impactos serem em benefícios da sociedade. Assim, importa reconhecer a vastidão dos horizontes aqui abertos a esta geração, mas sem esquecer de contextualizar o processo histórico em que se deu, tanto em nosso país quanto nas relações internacionais.
Todos acontecimentos que influenciam o suporte dos direitos humanos, sejam entendimentos jurisprudenciais ou doutrinários nos levam a crer no direito a cidadania do LGBT, a necessidade de sustentação de um país laico sem o viés religioso dominante e determinante de condutas morais. Todas as questões que envolvem gênero e sexualidade eram e ainda estão invisíveis para a sociedade, a ressignificação da dignidade da pessoa humana e reafirmação de direitos em virtude do aumento da violência ao LGBT nos traz o alerta de fatores preponderantes capazes de mudar a direção em que o brasileiro tem seguido.
Apesar de tantas modificações aqui citadas no seio da sociedade, o nosso sistema estatal permanece inerte diante das modificações estruturais e no modo de vida da família brasileira, sem trazer contribuições no processo de influência da desmistificação de valores regentes, sendo o principal o respeito a diversidade.
Neste sentido, reafirmar-se a problematização em torno do tema que se faz necessário, assim como a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero afim de que aspectos invisíveis se tornem, sobretudo, respeitados e ganhem vida nas lacunas deixadas pelo desmazelo estatal, entre formulações de políticas públicas o que se busca é sua efetiva aplicabilidade e regulação protetiva do direito a diversidade sexual e de gênero, garantindo qualidade de vida e o direito à vida aqueles englobados na vasta diversidade.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOAS, Victor Hugo Cerqueira Silva Vilas. O Direito Constitucional à diversidade sexual e de gênero: a necessidade de regulação estatutária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2020, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/54228/o-direito-constitucional-diversidade-sexual-e-de-gnero-a-necessidade-de-regulao-estatutria. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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