RESUMO: O presente trabalho analisa a Lei 13.146/15, frente às inovações e mudanças que ela trouxe para o Código Civil. Também conhecida como “Lei de Inclusão”, o Estatuto da Pessoa com Deficiência é sinônimo de troféu para aqueles que travam uma luta diária contra o preconceito e a acessibilidade, no entanto, as alterações ainda são objeto de discussão entre os Civilistas, pois a referida lei parte da premissa de que a deficiência não é, a princípio, causadora de limitações à capacidade civil, sendo assim, revoga expressamente os incisos II e III do artigo 3º do Código Civil, permanecendo no rol de absolutamente incapazes somente os menores de 16 anos. Dessa forma, aqueles que por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, incluindo-se nesta definição os deficientes mentais, são considerados relativamente incapazes, portanto, capazes para exercer os atos da vida civil como casar-se, necessitando de curatela somente para os atos de caráter negocial e patrimonial. O objetivo do trabalho é o debate, a reflexão sobre os elementos que envolvem a problemática, bem como demonstrar que existem soluções de equilíbrio para garantir direitos fundamentais e civis de forma proporcional, garantindo um mundo mais igualitário Serão analisadas as alterações provocadas no Direito Civil quanto a capacidade civil, conjugando os conceitos e influências processuais, utilizando-se o método hipotético-dedutivo.
Palavras-chave: Capacidade civil; Estatuto da pessoa com deficiência; Inclusão social; Incapacidade absoluta e relativa; Curatela;
ABSTRACT: This work analyzes the law 13.146/15 facing the changes and inovations it brought to the civil code. Also known ad the “inclusion law”, the disabled person state is simnom to a trophy for those who have a daily fight against prejudice and lack of accecibility, however, the alterations are still object of discussion between the ones who makes the laws, that is because the refered law’s main premisse is that disableness is not, on its own, the cause for civil capacities limitations, thus, it repels the subsections II and III of the third article of the civil code. Just remaining in the hall of the absolutely incapables only the ones under 16 years old. On this scenario, those whom may not, permanently of transitorily, express their will, including for mental diseases, are considered relativevely capable, therefore, capable of peform civil life acts such as get marry, the need for tutorship only come on business and patrimony situations. The main objective of this work is the debate, the reflection over the elements that surround the issue, as to demonstrate that there are balanced solutions to assure fundamental civill rights in a proportional way, assuring a more equal world. The analyses of the changes on the civil rights concerning the civil capacities, summoning the concepts and process influences, will be made using the deductive-hipotetical method.
Key words: Capacities limitations; Disabled person state; Social inclusion; Absolute and relative disability; Curate.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 – BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. 1.1 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. 1.2 Direitos das Pessoas com deficiência nas Constituições do Brasil. 1.3 Constituição Brasileira de 1988 e o princípio da dignidade da pessoa humana. 2 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – LEI 13.146/15. 2.1 Medidas de promoção à igualdade e proteção dos direitos fundamentais. 2.2 Acesso à justiça e igualdade perante a lei. 2.3 Criminalização de condutas no combate ao preconceito. 2.4 Alterações no Código Civil Brasileiro. 3 – CAPACIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO E A LEI DE INCLUSÃO. 3.1 Teoria da Incapacidade. 3.2 Absolutamente Incapazes. 3.3 Relativamente Incapazes. 4 – ALTERAÇÕES NOS INSTITUTOS ASSISTENCIAIS. 4.1 Da interdição. 4.2 Da curatela. 4.3 Da tomada de decisão apoiada. 5 – DISCUSSÕES PROMOVIDAS E SUPERAÇÃO PELA. JURISPRUDÊNCIA. 5.1 Nova visão e discussão da pessoa com deficiência. 5.2 Julgados sobre o assunto. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O Direito está presente em cada aspecto da vida do ser humano, mesmo que de forma discreta, ele consegue regular e guiar as condutas e, até mesmo quando estas desviam do padrão, ele tem uma solução, uma forma de intervir. Através do direito, a convivência tende a ser mais pacífica, cordial, humana, porque de uma forma ou de outra ele busca respeitar a particularidade de cada um e constrói o caminho à igualdade, liberdade e fraternidade.
Por este motivo, o direito está em constante mudança, porque a sociedade evolui, a tecnologia avança, o acesso à informação é fácil, e para manter a ordem é necessário que o direito se renove a cada dia, através de novas leis, discussões, reflexões dos doutrinadores e através da Justiça que se depara todos os dias com essa evolução de forma concreta através dos casos que chegam às salas de audiências.
O princípio da dignidade humana é a base do ordenamento jurídico brasileiro, então todas essas mudanças são balizadas com o intuito de conferir ao ser humano todas as garantias fundamentais decorrentes deste princípio.
O Estatuto da pessoa com deficiência surgiu em meio a um grande histórico de preconceito e limitações às pessoas com deficiência, e faz parte dessa evolução do direito em busca de um país mais igualitário, como bem cita Maurício Requião “Não é necessário realizar grande esforço para mostrar como foi tal sujeito tratado como cidadão de segunda classe, encarcerado sem julgamento, submetido a tratamentos sub-humanos.”. [1]
O Estatuto da Pessoa com deficiência trouxe mudanças significativas em todos os aspectos, desde a regulamentação da acessibilidade ao instituto da incapacidade no Direito Civil brasileiro, esta última, ainda é objeto de discussão entre os Civilistas e tema de constantes recursos judiciais, devido as profundas alterações.
Em suma, tal debate gira em torno da premissa trazida pela lei de que a deficiência não é, em princípio, causadora de limitações à capacidade civil, sendo assim, revogou expressamente os incisos II e III do artigo 3º do Código Civil, permanecendo no rol de absolutamente incapazes somente os menores de 16 anos. Devido a essas mudanças, ao lado da curatela surgiu o processo de tomada de decisão apoiada para os relativamente incapazes.
O referido Estatuto preceitua que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive, para casar-se e constituir união estável, exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar, bem como, exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
O Estatuto dispôs sobre o acesso à saúde, transporte, previdência social, moradia, educação, entre outros, tratando sobre reserva de vagas, percentual de participação, prioridade e formas de inclusão. Também tratou do acesso à justiça e acessibilidade, trazendo à tona o conceito de tecnologia assistiva, grande aliada nessa missão e obrigatória para participação das pessoas portadoras de deficiência nos atos jurisdicionais, tanto para juiz, quanto para testemunha.
A partir do conteúdo e análise de situações concretas, pode-se perceber que apesar das alterações e alegado impasse que o Estatuto trouxe, os benefícios atinentes a acessibilidade e inclusão são de extrema importância ao ordenamento jurídico, como forma de garantia de Direitos Fundamentais.
Concomitante as alterações, surgiram mecanismos de auxílio que unidos ao já existentes, são capazes de suprir e dá suporte às exigências das novas regras de capacidade, como a tomada de decisão apoiada já citada. Dessa forma, o Estatuto é considerado um grande avanço em meio a um país com tanta desigualdade econômica e social, em prol dessas pessoas que tanto lutam por igualdade.
Apesar disso, a discussão é maior porque a sociedade está acostumada com o instituto da curatela de forma ilimitada, quando a maioria das pessoas eram consideradas absolutamente incapazes e todos os seus poderes eram conferidas a um curador que os exercia de forma plena. Para questionar os dispositivos alegam a inconstitucionalidade dos artigos, condenando o Estatuto de abandonar as pessoas com deficiência que não podem exercer os atos comuns da vida civil.
Outro ponto que questionam sobre o Estatuto diz respeito a obrigação das instituições de ensino privadas e particulares de proporcionar a acessibilidade e inclusão para as pessoas com deficiência, proibida a cobrança de qualquer tipo de taxa, para que estas tenham acesso ao ensino média, superior e técnico. O argumento é sobre a onerosidade excessiva que as adaptações trarão para as instituições, principalmente as privadas.
Ocorre que o alicerce dessas reclamações se constitui em um preconceito mascarado de boa vontade, portanto, é necessário acreditar numa evolução e mudança de pensamento para que as normas sejam realmente implementadas.
Apesar da discussão, o debate quanto ao assunto é importante para desmistificar a ideia de que deficiente físico ou mental não tem capacidade “para nada” e que deve viver às margens da sociedade. O Estatuto, ainda visto com preconceito por muitos, deve ser cada vez mais implantado e utilizado, sem embaraços. Novamente o ordenamento jurídico vem sendo inovado através de novas leis e discussões, objetivando fazer justiça através da concretização de direitos e imposição de deveres, pois a dignidade da pessoa humana deve prevalecer.
A jurisprudência tem caminhado no sentido de implementar cada vez mais o Estatuto e os Tribunais têm sido importantes aliados nessa busca pela igualdade.
O presente trabalho busca explicar e debater, de forma objetiva, os direitos e garantias das pessoas com deficiência no ordenamento jurídico brasileiro ao longo dos anos e os avanços promovidos pela lei nº 13.146/15. Além de discutir as alterações provocadas no instituto das capacidades previsto no Código Civil Brasileiro.
1 – BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
As pessoas portadoras de necessidades especiais sempre foram alvo de preconceito e repulsa na sociedade, principalmente nos séculos passados onde eram vistas como “monstros” e “castigo de Deus”. Durante a Idade Média, segundo Marilu Dicher e Elisaide Trevisam:
A população sofria diante das precárias condições de vida e de saúde. O povo, de maneira geral, supunha ser um “castigo de Deus” o nascimento de uma criança com deficiência, acreditando, também, que um corpo malformado era a morada de uma mente igualmente malformada, supersticiosamente vista como feiticeiros ou bruxos. Assim, aos indivíduos que apresentavam alguma deficiência somente restava o abandono, a discriminação, a mantença à distância e a prática da mendicância. [2]
De forma lenta e tímida, as pessoas com deficiência foram conquistando espaço na sociedade através da criação de hospitais, do braille e da oportunidade de emprego. No entanto, esses direitos só ganharam espaço de forma concreta após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948, pela Organização das Nações Unidades.
Referida Declaração, além de ter sido um importante documento para garantia dos direitos humanos para população mundial e manutenção da paz, fez menção expressa à pessoa com deficiência, denominando-a como “inválida” em seu art. 25:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. [3]
Apesar da previsão das garantias, sua efetivação dependia da criação e regularização de políticas públicas suficientes, e esse foi o grande entrave, principalmente no Brasil.
Não só a regularização de atividades e serviços de inclusão, mas a proteção da pessoa com deficiência frente a prática dos atos da vida civil também era necessária. Há quem diga que a incapacidade, desde que surgiu no ordenamento jurídico, serviu como um instrumento protetivo àqueles que possuíam alguma limitação que impedisse o pleno ou parcial exercício dos direitos, pois uma vez considerado incapaz, não mais se prejudicaria durante a prática dos atos da vida civil, pois exigidos mais requisitos devido a limitação. Para outros, essa classificação seria uma penalidade ao sujeito que estaria impedido de assumir pessoalmente certas obrigações e tomar decisões, devido a isto o instituto da incapacidade, como é conhecido no Direito brasileiro, se aperfeiçoou ao longo dos anos.
Paralelo a incapacidade, mas não distante desta, estão os direitos fundamentais, estes com a incansável missão de promover a igualdade perante a lei e de garantir a dignidade da pessoa humana. Para isso, ao longo do tempo, foram elaboradas muitas leis com o intuito de estabelecer a acessibilidade, assistência e promover políticas públicas de integração.
É possível perceber também, junto a todas estas transformações, uma mudança na nomenclatura para se referir às pessoas com limitação física ou mental, pois antes eram utilizadas expressões como excepcionais, inválidos ou incapazes, até que a Constituição Federal de 1988 incorporou a expressão pessoa portadora de deficiência, atualmente utilizada e que revela a mudança de pensamento, atitude e inclusão. Também é adotada a expressão: pessoas com necessidades especiais.
1.1 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo
Em dezembro de 2006, na cidade de Nova York, foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tal convenção foi elaborada ao longo de 4 anos, e contou com a participação de 192 países membros da ONU, além de centenas de representantes da sociedade civil de todo o mundo.
O mencionado Tratado Internacional, tem como escopo a proteção dos direitos e garantias fundamentais das pessoas portadoras de deficiência, em especial atenção, a observância da Dignidade da Pessoa Humana. Os países signatários deste Tratado se comprometem a cumprir o estipulado na convenção, a saber, promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos das pessoas com deficiência e assegurar que gozem de plena igualdade perante a lei. O artigo 1º da Convenção traz o seu propósito, além de definir pessoa com deficiência:
O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. [4]
A palavra-chave do artigo 1º é a igualdade, que chama atenção para o fato de que a ausência de políticas públicas e condições para pôr fim as barreiras, é um grande atentado às garantias fundamentais das pessoas com deficiência. Como explica Geraldo Oliveira ao tecer comentários sobre a Convenção:
Igualdade é um composto que pressupõe o respeito às diferenças pessoais, não significando o nivelamento de personalidades individuais. Pelo contrário, não se ganha uma efetiva e substancial igualdade sem que se tenha em conta as distintas condições das pessoas.[5]
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é um importante documento jurídico e histórico, que, além de dispor sobre os direitos humanos das pessoas com deficiência, ratifica que deve ser proibida toda e qualquer discriminação em qualquer aspecto de sua vida, seja quanto a saúde, educação, serviços públicos, acesso a informação, entre outros. Destacando que é dever de todos garantir esses direitos e zelar pelo seu fiel cumprimento. Todas essas disposições são balizadas pelos princípios disponíveis no art. 4º da Convenção:
Os princípios da presente Convenção são: a. O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual. b. A não-discriminação; c. A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d. O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e. A igualdade de oportunidades; f. A acessibilidade; g. A igualdade entre o homem e a mulher; e h. O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência e respeito pelo seu direito a preservar sua identidade. [6]
Entre tantas garantias, a Convenção assegurou às pessoas com deficiência o respeito pelo lar e pela família, em seu artigo 23, alínea 1, dispondo:
Os Estados Partes deverão tomar medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: a. Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes; b. Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre eles e de ter acesso a informações adequadas à idade e a orientações sobre planejamento reprodutivo e familiar, bem como os meios necessários para exercer estes direitos; e c. As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas.[7]
Importante observar que a garantia acima delineada só foi prevista de forma efetiva na legislação brasileira após o Estatuto da Pessoa com deficiência.
No dia 25 de agosto de 2009, através do Decreto nº 6949, o texto da Convenção foi promulgado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e passou a ter o status de Emenda Constitucional por força do §3º do art. 5º da Carta de 1988. Foi um grande avanço no que se refere aos direitos das pessoas com deficiência, pois fora implantado um modelo social de direitos humanos, que pretende mudar a visão da sociedade, a fim de eliminar toda e qualquer barreira existente, dando oportunidade para inclusão dos deficientes na sociedade de forma efetiva.
Cabe mencionar que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tem marco histórico no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, conferindo ao mesmo status de emenda constitucional.
1.2 Direitos das Pessoas com deficiência nas Constituições do Brasil
Inicialmente, tratando-se de norma constitucional, verifica-se que nas Constituições de 1824 e 1891, nada foi abordado sobre o tema, somente na Constituição de 1934, no artigo 138, surgiu “um embrião do conteúdo do direito à integração social da pessoa deficiente”[8], ao assegurar que:
Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar; (...)[9]
As Constituições de 1937, 1946 e 1967, não trazem novidades sobre a matéria, em contrapartida, trataram do direito à igualdade que, por si só, já abarca uma série de direitos à pessoa com deficiência. Tal princípio já havia sido mencionado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e como preceitua Nery Júnior:
O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. [10]
Ainda, segundo Montesquieu “(…)os homens nascem na igualdade, porém não podem permanecer nesse estado. A sociedade faz com que eles percam essa igualdade, a qual somente é reencontrada por intermédio das leis.”[11] [12]
Já a Constituição de 1988 trouxe de forma mais presente o princípio da igualdade, este, além de expresso no art. 5º da CF, ainda está disposto em diversos dispositivos, inclusive no que diz respeito as pessoas com deficiência, um exemplo disso é o art. 7º, inciso XXXI, art. 23, II, e em dispositivos que tratam da previdência e assistência social, vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)
Em 1989 foi criada a Lei nº 7.853/89, que criou o CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, esta lei disciplinou o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social.
No decorrer dos anos foram surgindo outras leis como lei 8.213/91 e lei 10.048/00, além dos decretos 3.298/99 e 5.296/04. Por fim, surgiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, objeto do presente trabalho, que será mais bem delineado em capítulo próprio.
1.3 Constituição Brasileira de 1988 e o princípio da dignidade da pessoa humana
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está presente no art.1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, e hoje é considerado o princípio primordial, aquele que serve de base a todos os outros e que enseja a disposição e implantação de políticas públicas, novas leis e todos os mecanismos necessários à sua promoção.
A discussão ao longo dos anos a respeito desse princípio, vem aprimorando-o de forma a adaptá-lo à realidade social e chegou às pessoas portadoras de deficiência, culminando na elaboração do Estatuto da Pessoa com Deficiência, como forma de trazer mais igualdade e dignidade a essas pessoas que sofrem muito preconceito, além de serem vítimas da falta de acessibilidade. Incluir as pessoas com necessidades especiais é uma forma de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana.
O autor INGO WOLFGANG SARLET trata deste princípio definindo-o como:
(…) qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede vida.(...) [13]
No Brasil existe uma enorme dificuldade da sociedade brasileira de conviver com o diferente, com o que foge dos padrões sociais, daí a importância de inclusão da pessoa com deficiência no meio social. Como dizem Marilu Dicher e Elisaide Trevisam:
Portanto, garantir e promover a plena inclusão da pessoa com deficiência é efetivar os direitos consagrados constitucionalmente, com vistas à construção da “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” que os brasileiros vislumbraram ao ratificar a tão almejada Constituição do país. [14]
Ocorre que para que esses direitos sejam efetivamente promovidos é importante que a sociedade mude a maneira de enxergar as pessoas com deficiência, pois o preconceito ainda é um grande entrave às mudanças. Preconceito este que se esconde de várias formas, através de justificativas que não procedem, daí a importância de lutar por esses direitos sem ceder à qualquer entrave.
O Princípio da Dignidade Humana é basilar em qualquer Constituição moderna, então é necessário o respeito à honra, dignidade, moralidade, princípios éticos que estão implícitos na condição de cidadão.
Aliado ao Estatuto da Pessoa com deficiência, o princípio da dignidade da pessoa humana traça uma luta paralela a vulnerabilidade e tornou-se alvo de discussões sobre qual condição deve prevalecer, qual a mais benigna, qual protege realmente a pessoa com deficiência?
A questão é que o princípio da dignidade da pessoa humana, dotado de todas as garantias fundamentais, é capaz de suprir a vulnerabilidade e não pode ser diminuído devido aos questionamentos contra a lei 13.146/15.
2 - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – LEI 13.146/15
O Estatuto da Pessoa com deficiência, lei 13.146/15, passou a vigorar no Brasil em 02 de janeiro de 2016, e representa um grande avanço na legislação brasileira sobre os direitos e garantias das pessoas com deficiência.
O referido estatuto, além de regulamentar importantes aspectos como saúde, educação e acessibilidade, trouxe instrumentos e conceitos que ajudaram o direito brasileiro a dar um tratamento efetivo as garantias constitucionais e previsões dos tratados internacionais como a Convenção Internacional das Pessoas com deficiência.
Podemos dividir o Estatuto em três grandes partes. A primeira trata das disposições gerais, conceituando pessoa com deficiência e demais termos essenciais à compreensão da lei, além de trazer direitos fundamentais das pessoas com deficiência, como educação, transporte, saúde, moradia, trabalho, assistência e previdência social, entre outros. Vejamos alguns dispositivos importantes:
Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário.
Art. 20. As operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
(…)
IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;
V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
(...)
XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;
XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em
igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;
(...)
XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;
Art. 32. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, a pessoa com deficiência ou o seu responsável goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte:
I - reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais para pessoa com deficiência;
Art. 40. É assegurado à pessoa com deficiência que não possua meios para prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei n o 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
Art. 46. O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.
A segunda parte fala sobre acessibilidade e ciência e tecnologia, tratando basicamente do acesso à tecnologia, informação e comunicação e de como esses recursos devem ser acessíveis. Importante relatar o quanto a acessibilidade é um assunto importante nesse Estatuto, pois ainda é um grande entrave à inclusão.
O princípio da acessibilidade determina que as concepções de todos os espaços e formatos de produtos e serviços devam permitir que os cidadãos com deficiência possam ser seus usuários legítimos e dignos. Como princípio, a acessibilidade é uma verdadeira espinha dorsal, na medida em que complementa todos os outros princípios e direitos, impondo sua observância como máxima para toda a sua aplicação. [15]
Infelizmente, há uma resistência quanto a adaptação de ambientes, máquinas e serviços, reservas de espaços e lugares de acordo com as previsões legais, devido, também, à rigidez das normas, como a prevista na ABNT NBR 9050[16], às despesas decorrentes da adaptação, entre outros motivos como a falta de conscientização, então, ainda existe muito trabalho a ser feito. Como bem expressou Ismael Rodrigues:
Acessibilidade é desafio para pessoas com deficiência em todo o país. Muita coisa ainda precisa ser implantada, muitos conhecimentos a serem difundidos e muito material de comunicação a ser instalado. A sinalização de acessibilidade, composta por piso tátil, informações em braile e fotoluminescente ainda é pouco utilizada no Brasil e necessita ser conhecida em todos os municípios. Ainda não existe no Brasil uma cidade que possa ser apontada como modelo de acessibilidade. Além disso, a fiscalização ainda é muito deficiente, de forma que pouco se cobra em relação ao atendimento da legislação e das normas regulamentares. É possível perceber que, apesar de os meios de transporte principais e suas áreas básicas de acesso já estarem em boa parte sinalizados e adaptados, a qualidade de sinalização se deteriora e poucas vezes é mantida em boas condições de uso. Isso ocorre motivado pela deficiência que o próprio governo encontra na preparação de fiscais. De acordo com pesquisa realizada pelas autoras do livro “Promovendo acessibilidade espacial nos edifícios públicos”, lançado em 2013 pelo Ministério Público de Santa Catarina, há deficiência na quantidade de fiscais qualificados para vistoria de espaços públicos e privados e veículos de transporte. Assim, além do desenvolvimento da cultura de acessibilidade no país, também será necessário desenvolver a conscientização do próprio governo e das autoridades para a devida fiscalização e cobrança.[17]
A discussão sobre acessibilidade vai muito além da adaptação de ambientes e porcentagens, pois envolve também uma ética de inclusão e de igualdade que deve partir da população, pois somente com a participação e empenho de todos, as previsões legislativas poderão ser efetivamente praticadas. Como bem preceitua Anna Paula Feminella e Laís de Figueirêdo Lopes:
Para garantir a concretização dos direitos das pessoas com deficiência é preciso reconhecer sua identidade própria e prover os recursos necessários para possibilitar sua plena e efetiva participação na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Nessa esteira, a sociedade é corresponsável pela inclusão das pessoas com deficiência. [18]
A respeito dos dispositivos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência nessa segunda parte, observamos que, na verdade, as normas sobre acessibilidade encontram-se dispersas por todo o Estatuto, vejamos alguns artigos:
Art. 25. Os espaços dos serviços de saúde, tanto públicos quanto privados, devem assegurar o acesso da pessoa com deficiência, em conformidade com a legislação em vigor, mediante a remoção de barreiras, por meio de projetos arquitetônico, de ambientação de interior e de comunicação que atendam às especificidades das pessoas com deficiência física, sensorial, intelectual e mental.
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
(…)
XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;
Art. 44. Nos teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, locais de espetáculos e de conferências e similares, serão reservados espaços livres e assentos para a pessoa com deficiência, de acordo com a capacidade de lotação da edificação, observado o disposto em regulamento.
Art. 45. Os hotéis, pousadas e similares devem ser construídos observando-se os princípios do desenho universal, além de adotar todos os meios de acessibilidade, conforme legislação em vigor.
§ 1o Os estabelecimentos já existentes deverão disponibilizar, pelo menos, 10% (dez por cento) de seus dormitórios acessíveis, garantida, no mínimo, 1 (uma) unidade acessível.
§ 2o Os dormitórios mencionados no § 1o deste artigo deverão ser localizados em rotas acessíveis.
Art. 47. Em todas as áreas de estacionamento aberto ao público, de uso público ou privado de uso coletivo e em vias públicas, devem ser reservadas vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, desde que devidamente identificados.
§ 1o As vagas a que se refere o caput deste artigo devem equivaler a 2% (dois por cento) do total, garantida, no mínimo, 1 (uma) vaga devidamente sinalizada e com as especificações de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes de acessibilidade.
Art. 63. É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.
Art. 67. Os serviços de radiodifusão de sons e imagens devem permitir o uso dos seguintes recursos, entre outros:
I - subtitulação por meio de legenda oculta;
II - janela com intérprete da Libras;III – audiodescrição.
Por fim, a terceira parte fala sobre o acesso à justiça, os crimes e infrações administrativas, que serão mais bem delineadas nas próximas linhas do trabalho.
2.1 Medidas de promoção à igualdade e proteção dos direitos fundamentais
O Estatuto das Pessoas com Deficiência prevê medidas de promoção à igualdade e proteção de direitos fundamentais ao longo de todos os dispositivos, e não só no capítulo destinado. Na verdade, referido capítulo é uma introdução às grandes mudanças promovidas pela lei, que se reveste em verdadeira defesa dos direitos humanos e promoção das garantias previstas constitucionalmente e em tratados internacionais de direitos humanos.
Como bem tratado anteriormente, são garantidas as necessidades básicas de todos os seres humanos às pessoas com deficiência de forma especial e cuidadosa, impondo ao Estado e aos particulares deveres até então não previstos. É certo que para que ocorra verdadeiramente a realização dessas ações é necessário a promoção de políticas públicas pelo Estado, incentivo este também previsto no Estatuto.
Aliado a estas previsões, o estatuto reveste-se de um caráter conscientizador, pois “abre os olhos” da população para a importância de dispensar cuidados especiais a essas pessoas portadoras de necessidades especiais, situação que, a primeira vista, é recebida com repulsa por muitos.
No entanto, é preciso atentar-se ao objetivo do Estatuto, este objetiva a proteção das garantias fundamentais e do princípio da dignidade da pessoa humana. Como preceitua o art. 4º da referida lei “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.” . Não é exagero falar que todas as disposições previstas no Estatuto seguem e trabalham em prol desse dispositivo.
2.2 Acesso à justiça e igualdade perante a lei
O Estatuto prevê que o poder público deve assegurar o acesso da pessoa com deficiência à justiça, bem como, o exercício de sua capacidade legal, em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas, garantindo as adaptações e recursos de tecnologia assistiva necessários.
A falta de acesso à justiça sempre foi/é uma questão grave que resulta em impunidade e contínua violação à dignidade da pessoa com deficiência. As barreiras ao acesso à justiça ocorrem de diversas formas, mas atinge principalmente àquelas em maior condição de pobreza.[19]
Para Felipe Hotz de Macedo Cunha, o direito de acesso à justiça das pessoas com deficiência, deve compreender muito mais que o simples acesso, mas superar as “ondas de acesso à justiça” que são: a assistência jurídica e gratuidade da justiça, a tutela de interesses difusos e coletivos e o “novo enfoque do acesso à justiça” que seriam os mecanismos extrajudiciais de acesso à justiça. Então, o conceito previsto no Estatuto precisa ser interpretado da forma mais abrangente possível. [20]
No capítulo que garante o acesso à justiça, o estatuto define que o poder público deverá capacitar, quanto aos direitos das pessoas com deficiência, os membros e os servidores que atuam no Poder Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria Pública, nos órgãos de segurança pública e no sistema penitenciário. Também devem ser oferecidos, para garantia do acesso à justiça, a todas as partes da ação que necessitem, seja autor, juiz, testemunha, todos os recursos de tecnologia assistiva[21] disponíveis.
Ademais, prevê que todos esses diretos também devem ser resguardados aos deficientes sujeitos a medida restritiva de liberdade.
Por fim, no que concerne ao acesso à justiça, o estatuto prevê a capacitação dos servidores, presença de intérprete de libras e utilização de todos os recursos necessários ao pleno exercício das pessoas portadoras de deficiência no processo.
Quanto a igualdade perante a lei, o capítulo busca frisar o reconhecimento dos deficientes físicos como pessoas e titulares de direito em qualquer lugar, com capacidade para colocá-los em prática, chegando a conceitos como a personalidade jurídica e a capacidade jurídica. A capacidade legal pode ser entendida como capacidade de ter direitos ou de exercer direitos, até mesmo, uma combinação das duas. Segundo Stella Camlot Reicher:
Ao explicitar que as pessoas com deficiência têm o direito de exercer sua capacidade legal a Lei Brasileira de Inclusão expressou a opção feita pelo legislador no sentido de reconhecer que em âmbito nacional a capacidade legal engloba tanto a capacidade de ter direitos, de ser titular de direitos e assim, reconhecido como pessoa perante a Lei (o que corresponde ao reconhecimento da personalidade jurídica), como a capacidade para exercitar esses direitos em igualdade de condições com as demais pessoas (leia-se, as pessoas sem deficiência). Sob esta perspectiva, o conceito de capacidade legal defendido pela Lei Brasileira de Inclusão reflete a noção de capacidade legal como um direito em si mesmo e como ferramenta necessária ao exercício de outros direitos. [22]
Nesse diapasão, chega-se ao assunto da teoria das incapacidades que foi modificada pelo Estatuto da Pessoa com deficiência e que será melhor delineado em outro tópico.
2.3 Criminalização de condutas no combate ao preconceito
Conforme ensinado nos aspectos introdutórios da matéria de Direito Penal, toda norma de conduta deve prever a hipótese, a conduta esperada e a sanção pelo seu descumprimento, logo, quando desviada a consequência prevista, aplica-se a sanção.
Como um Estatuto que prevê inúmeras normas de condutas e caminhos para inclusão, a previsão de norma penalizadora é um meio coercitivo para que haja a efetivação desta inclusão, de modo a diminuir a desigualdade material das pessoas com deficiência em relação aos demais indivíduos, bem como, a eliminação da discriminação.
É necessária uma mudança de comportamentos culturais e sociais em nossa sociedade, e a previsão normativa vinculada às sanções extrapenais e penais, na ocorrência de violações dos direitos das pessoas com deficiência, tanto por parte do poder público, quanto dos demais partícipes da sociedade, faz parte dessa mudança.
O Estatuto prevê basicamente quatro artigos com penas aplicáveis a condutas, em suma, são eles:
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
(...)
§ 2oSe qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
(...)
Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)
Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.
Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador.
Embora tipificadas criminalmente algumas condutas para proteção das garantias fundamentais das pessoas com deficiência, necessário lembrar que elas também são vítimas de crimes previstos no Código Penal e enfrentam grandes dificuldades de acesso aos órgãos responsáveis pelo registro e processamento de ocorrências, como bem relatam Anna Paula Feminella e Laís de Figueirêdo Lopes:
Estima-se que a real incidência das violências sofridas pelas pessoas com deficiência, sejam “subnotificadas”. Alguns fatores que podem ocasionar a ausência de registro de denúncias são a falta de acesso à informação sobre direitos ou de acessibilidade para a pessoa com deficiência fazer a reclamação nas delegacias. Se uma pessoa com surdez e que só se comunica em Libras não encontra intérpretes nas delegacias, por exemplo, esta perde o canal de comunicação com o agente público. As pessoas cegas também encontram dificuldade para garantir que seu depoimento tenha sido registrado em conformidade com o informado de forma autônoma, pois as delegacias, em geral, não dispõem de tecnologias assistivas. Tampouco os boletins de ocorrência têm campo próprio para informar se a vítima tem deficiência. E o maior agravante é que, muitas vezes, a pessoa com deficiência discriminada depende dos cuidados da pessoa que pratica a violência no interior dos lares, fato que dificulta seu processo de denúncia.[23]
A situação relatada reforça a ideia de que é necessária que exista uma união e conscientização da população para que busque efetivamente a melhoria de acordo com as previsões do Estatuto, este, apesar de estar em vigor há pouco mais de dois anos, carece de recursos para efetivação através dos órgãos de execução.
2.4 Alterações no Código Civil Brasileiro
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, criado pela Lei nº 13.146/15, que passou a vigorar no dia 02 de janeiro de 2016, modificou alguns dispositivos do Código Civil de 2002 que tratavam da capacidade civil. Os artigos 114 e 123, inciso II do referido Estatuto, revogaram os incisos do artigo 3º do Código Civil, e alteraram seu caput, como também acabaram modificando os incisos II e III, artigo 4º, do Código Civil. Vejamos como eram os artigos do Código Civil e logo após os artigos do Estatuto que balizaram essas mudanças:
Código Civil
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. [24]
Estatuto da Pessoa com Deficiência
Art. 114. A Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
I - (Revogado);
II - (Revogado);
III - (Revogado).” (NR)
“Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
.....................................................................................
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
.............................................................................................
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.” (NR)
Art. 123. Revogam-se os seguintes dispositivos:
(...)
II – os incisos I, II e III do art. 3o da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);[25]
Com isso, atualmente, são absolutamente incapazes apenas as pessoas menores de 16 (dezesseis) anos, já as pessoas entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos são considerados relativamente incapazes, assim como, os ébrios habituais, os pródigos, os viciados em tóxicos, e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.
Entre outras mudanças, a deficiência não é mais impedimento para a prática de determinados atos da vida civil, como bem explica o art. 6º do Estatuto.
Art.6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.[26]
Essa previsão ajuda a orientar que mesmo em casos que se avalie que é preciso fazer uma interdição parcial por conta de aspectos financeiros ou patrimoniais, não mais se deve retirar da pessoa com deficiência direitos inerentes a condição humana.
Tais atos podem ser praticados pelo portador de deficiência sem qualquer restrição. São direitos que possuem um forte caráter existencial, trazendo dignidade aos portadores de deficiência.
O Estatuto preocupa-se primordialmente com a garantia das questões existenciais da pessoa com deficiência, assegurando sua dignidade.
Além dessas mudanças, houve também adaptações aos institutos da interdição e curatela, surgindo o instituto da tomada de decisão apoiada, uma vez que a curatela não pode mais ser deferida indefinidamente.
Para Carlos Roberto Gonçalves:
Pretendeu o legislador, com essas inovações, impedir que a pessoa deficiente seja considerada e tratada como incapaz, tendo em vista os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade humana. Todavia, têm elas sido objeto de pesadas críticas formuladas pela doutrina, pelo fato, principalmente, de desproteger aqueles que merecem a proteção legal.[27]
Essas duras críticas mencionadas pelo autor têm levado a discussão do Estatuto aos tribunais e contrapondo a dignidade da pessoa humana à vulnerabilidade. Como exposto por Flávio Tartuce:
Como se nota, o trabalho dos civilistas e processualistas – sem falar dos operadores e julgadores que lidam com os casos práticos no seu cotidiano jurídico – será grande e intenso nos próximos anos, com o fim de sanar todas essas controvérsias e curar os feridos pelos atropelamentos da lei. Tudo está muito confuso, deixando-nos perdidos. [28]
Como se vê, o Estatuto da pessoa com deficiência dispõe sobre questões que visam efetivar direitos e garantias constitucionais, inclusive, alguns já previstos em tratados internacionais, mas a grande dificuldade está em absorver essas normas e pôr todas em prática com a estrutura precária que temos atualmente no país. Isso tudo se torna em entrave, prejudicando, inclusive, a aceitação.
Portanto, essas foram, em suma, as mudanças proporcionadas pelo estatuto ao Código Civil Brasileiro, que será mais bem delineada no próximo capítulo.
3. CAPACIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO E A LEI DE INCLUSÃO
Antes de falar em capacidade civil, importante entender alguns aspectos sobre a personalidade jurídica. A personalidade jurídica é, em suma, a aptidão genérica para se titularizar direitos e contrair obrigações na órbita jurídica. Tanto a pessoa física quanto a jurídica são dotadas de personalidade. A discussão gira em torno do momento em que é adquirida essa personalidade, segundo o art. 2º do Código Civil “começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”, portanto, a partir do funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, nascendo, portanto, com vida, considera-se adquirida a personalidade.
O Código Civil adota a Teoria Natalista, a qual preceitua que a personalidade jurídica só se inicia com o nascimento, não abrangendo o nascituro, este teria mera expectativa de direito. Existem outras duas teorias que tentam explicar a aquisição da personalidade, são elas: Teoria da personalidade condicional e Teoria Concepcionista.
A Teoria da personalidade condicional é defendida por autores como Washington de Barros Monteiro e Arnaldo Rizzardo, segundo esta teoria a personalidade civil também começa com o nascimento com vida, mas o nascituro titulariza direitos submetidos à condição suspensiva, ou seja, do nascimento com vida, enquanto isso titularizaria o direito personalíssimo à vida, mas não direitos materiais.
Já a Teoria Concepcionista, nas palavras de Cristiano Vieira Sobral Pinto:
Para essa teoria se adquire a personalidade desde a concepção, e o nascituro já possui personalidade jurídica (teoria que encontra mais adeptos na doutrina). Transcrevemos a seguir o Enunciado de n. 1 da I Jornada de Direito Civil: Art. 2º A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.[29]
A teoria concepcionista, defendida por autores como Clóvis Beviláqua e Silmara Chinelato), vem ganhando mais espaço na doutrina brasileira. Ela considera o nascituro pessoa desde a concepção, inclusive em face de direitos materiais. Ganhou força a partir a partir da aprovação da Lei nº 11.804/08 (lei dos alimentos gravídicos), quando o nascituro passou a titularizar direito material mesmo sem ter nascido. Vem ocupando espaço cada vez mais, principalmente através dos julgados do STJ que reconhecem o dano moral[30] ao nascituro, além de pagamento do DPVAT[31] quando da morte deste em acidente de trânsito.
Após conceituar a personalidade, é preciso entender a capacidade, esta última, considerada a medida da primeira, e pode ser classificada em capacidade de direito e de fato, como será melhor demonstrado no tópico a seguir.
A capacidade é a medida da personalidade. Todas as pessoas possuem a capacidade de direito, ou seja, todos são capazes de adquirir direitos e deles gozar. No entanto, nem todos são capazes de exercer seus direitos e os atos da vida civil, que consiste na capacidade de fato.
Nas exatas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
Personalidade e capacidade completam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica, que se ajusta assim ao conteúdo da personalidade, na mesma e certa medida em que a utilização do direito integra a ideia de ser alguém titular dele. Com este sentido genérico não há restrições à capacidade, porque todo direito se materializa na efetivação ou está apto a concretizar-se. A privação total de capacidade implicaria a frustração da personalidade: se ao homem, como sujeito de direito, fosse negada a capacidade genérica para adquiri-lo, a consequência seria o seu aniquilamento no mundo jurídico. Só não há capacidade de aquisição de direitos onde falta personalidade, como no caso do nascituro, por exemplo.[32]
Segundo Cristiano Sobral, nem todos possuem a capacidade de fato, exercício ou ação, esta é a aptidão para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil e somente é adquirida com a plenitude da consciência e da vontade, pois é possível que uma pessoa tenha alcançado a maioridade, mas ainda assim não possa exercer os atos da vida civil pessoalmente.[33] Então, quem possui a capacidade de fato e de direito, tem a capacidade denominada plena.
Para Carlos Roberto Gonçalves:
No direito brasileiro não existe incapacidade de direito, porque todos se tornam, ao nascer, capazes de adquirir direitos (CC, art. 1º). Há, portanto, somente incapacidade de fato ou de exercício. Incapacidade, destarte, é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, imposta pela lei somente aos que, excepcionalmente, necessitam de proteção, pois a capacidade é a regra. Decorre aquela do reconhecimento da inexistência, numa pessoa, dos requisitos indispensáveis ao exercício dos seus direitos. Somente por exceção expressamente consignada na lei é que se sonega ao indivíduo a capacidade de ação.[34]
Assim, a incapacidade civil é a restrição legal imposta ao exercício dos atos da vida civil, capacidade de fato, e esse instituto foi alvo de grande mudança após a entrada em vigor do Estatuto das Pessoas com Deficiência, pois houve uma mudança no rol taxativo, mas não na classificação. Conforme o Código Civil, quanto as pessoas que não possuem capacidade plena, ou seja, não possuem de forma absoluta a capacidade de fato, são classificadas em absolutamente incapazes ou relativamente incapazes.
Os absolutamente incapazes são os menores de 16 anos, conforme previsto no art. 3º do Código Civil “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.” Esses menores, portanto, não podem, por si mesmos, exercer os atos da vida civil, senão quando representados legalmente por pai, mãe ou tutor, dependendo da situação. Percebe-se claramente que a legislação brasileira optou pelo método etário.
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa “Ao estabelecer essa idade de 16 anos, o legislador considerou não a simples aptidão genética, isto é, de procriação, porém o desenvolvimento intelectual que, em tese, torna o indivíduo plenamente apto para reger sua vida.”[35]. Então, os atos praticados por essas pessoas são considerados nulos, situação que é bem contestada nos dias de hoje, devido a existência de negócios jurídicos realizados por menores de 16 anos, que são socialmente aceitos. Ainda, nas palavras do mesmo autor “ Os limites de idade mereceriam novo estudo legislativo para acompanhar a época em que vivemos, tanto do ponto de vista civil como do ponto de vista penal, o que foi parcialmente atendido pelo atual Código.”[36]
A nulidade destes atos é anunciada pelo inciso I do art. 166 c/c o art. 104, I, ambos do Código Civil, vejamos:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
(...)[37]
Uma vez que o negócio é nulo, qualquer interessado e os membros do MP têm legitimidade para arguir essa nulidade, conforme menciona art. 168 do Código Civil:
Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Importante destacar que é adotada a teoria do ato-fato, pois nem todos os atos praticados por menores de 16 (dezesseis) anos são nulos. Àqueles negócios realizados para satisfazer as atividades do dia a dia como ir ao cinema, comprar um lanche, pegar um ônibus são inerentes à própria subsistência da pessoa, necessitando de representação para os atos mais complexos. Nas palavras de Cristiano Sobral:
O suprimento dessa incapacidade se dá através do instituto da representação, ou seja, o ordenamento jurídico prevê um sistema em que alguém representa o incapaz, substituindo sua vontade. Essa noção da substituição é muito boa, porque serve para distinguir a representação em sentido estrito da assistência. O representante substitui, enquanto o assistente é mero coadjuvante. O representante age no lugar do representado, enquanto o assistente age ao lado desse.[38]
O Código Civil de 1916 considerava, em seu art. 5º, como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de dezesseis anos; os loucos de todo o gênero; os surdos-mudos, os que não pudessem exprimir a sua vontade; e os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
Como destacado anteriormente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou de forma significativa o instituto da incapacidade. No rol dos absolutamente incapazes, previsto no Código Civil de 2002, antes constavam os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Todas essas pessoas precisariam de representante para praticar os atos da vida civil, sob pena de nulidade. A lei de inclusão, mudando o panorama das pessoas com deficiência, de forma a incluí-las na sociedade de forma efetiva, dando-lhes autonomia para decidir sobre aspectos particulares da vida e promovendo o efetivo cumprimento do artigo 6º da referida lei, eliminou deste rol as pessoas que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Ocorre que o instituto da incapacidade foi idealizado justamente para proteger as pessoas com deficiência contra abusos que porventura ocorreriam devido a sua menor capacidade de compreensão e discernimento, e por esse motivo as mudanças não foram, inicialmente, bem aceitas no mundo jurídico.
O deficiente foi excluído do rol dos incapazes, equiparando-se a pessoa capaz, porque para a referida lei o deficiente tem uma qualidade que o difere das demais pessoas, mas não uma doença, portanto é capaz, salvo se não puder exprimir sua vontade, caso em que será considerado relativamente incapaz, podendo, quando necessário, ter um curador nomeado em processo judicial, como será detalhado no tópico a seguir.
Com o advento do Estatuto, o rol das pessoas consideradas relativamente incapazes dispostas no art. 4º do Código Civil, ficou da seguinte forma:
Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir suavontade
IV - os pródigos.[39]
Antes do Estatuto da Pessoa com deficiência, este rol se apresentava da seguinte maneira:
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;IV - os pródigos.
Como detalhado em capítulo anterior, a lei nº 13.146/15 modificou expressamente os incisos de forma a atender a nova forma de pensar e de considerar as pessoas com deficiência, conferindo-lhes maior autonomia, uma vez que, por serem consideradas relativamente incapazes, há uma maior dificuldade de controlar seus atos.
Importante entender como enquadrar cada pessoa nesses requisitos. Quanto aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, Carlos Roberto Gonçalves leciona que:
Os referidos menores figuram nas relações jurídicas e delas participam pessoalmente, assinando documentos, se necessário. Contudo, não podem fazê-lo sozinhos, mas acompanhados, ou seja, assistidos por seu representante legal (pai, mãe ou tutor), assinando ambos os documentos concernentes ao ato ou negócio jurídico. Para propor ações judiciais também necessitam de assistência, devendo ser citados, quando figurarem como réus, juntamente com o respectivo assistente. Num e noutro casos, devem constituir procurador conjuntamente com este. Se houver conflito de interesse entre ambos, como na hipótese, por exemplo, em que o menor tenha necessidade de promover ação contra seu genitor, o juiz lhe dará curador especial. [40]
Quanto aos ébrios habituais, o mesmo autor dispõe que:
Somente, porém, os alcoólatras ou dipsômanos (os que têm impulsão irresistível para beber) e os toxicômanos, isto é, os viciados no uso e dependentes de substâncias alcoólicas ou entorpecentes, se enquadram no inciso II do art. 4º. Os usuários eventuais que, por efeito transitório dessas substâncias, ficarem impedidos de exprimir plenamente sua vontade ajustam-se no art. 4º, III, do aludido diploma. Os viciados em tóxico que venham a sofrer redução da capacidade de entendimento, dependendo do grau de intoxicação e dependência, poderão ser, excepcionalmente, colocados sob curatela pelo juiz, que procederá à graduação da medida, na sentença, conforme o nível de intoxicação e comprometimento mental (Lei n. 13.146/2015, art. 84 e parágrafos). Assim também procederá o juiz se a embriaguez houver evoluído para um quadro patológico, aniquilando a capacidade de autodeterminação do viciado.[41]
As pessoas que por causa permanente ou transitória não puderem exprimir sua vontade, inclui aquelas que em virtude de alguma patologia, como por exemplo, arteriosclerose, excessiva pressão arterial, paralisia, embriaguez não habitual, uso eventual e excessivo de entorpecentes ou de substâncias alucinógenas, hipnose ou outras causas semelhantes, mesmo não permanentes, não possam exercer os atos de vida civil livremente. Em casos de pessoa embriagada completamente, o ato será considerado nulo, como explica Carlos Roberto Gonçalves:
É anulável, assim, o ato jurídico exercido pela pessoa de condição psíquica normal, mas que se encontrava completamente embriagada no momento em que o praticou e que, em virtude dessa situação transitória, não se encontrava em perfeitas condições de exprimir a sua vontade. 42
Quanto aos pródigos, estes são aqueles que dissipam o seu patrimônio desvairadamente. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
Trata-se de um desvio da personalidade, comumente ligado à prática do jogo e à dipsomania (alcoolismo), e não, propriamente, de um estado de alienação mental. O pródigo só passará à condição de relativamente incapaz depois de declarado tal, em sentença de interdição. Nem todos concordam em considerá-lo relativamente incapaz e sujeitá-lo à interdição, alegando que a nomeação de curador, privando-o de gerir os seus próprios bens como lhe convier, constitui violência à liberdade individual.[42]
Nas palavras de Cesar Fiuza:
No caso dos pródigos, a interdição os proíbe tão-somente de praticar, sem a autorização do curador, atos que importem diminuição patrimonial, como venda, troca, doação, perdão de dívidas etc. Para outros atos, não necessitam qualquer assistência. [43]
Portanto, os relativamente incapazes podem exercer os atos da vida civil livremente, com exceção daqueles de caráter patrimonial e negocial, necessitando de auxílio através da curatela ou tomada de decisão apoiada, somente quando não puderem exprimir vontade por algum motivo.
A questão dos relativamente incapazes é a que gera mais polêmicas na jurisprudência atual, devido as limitações impostas quanto a assistência. Muitas pessoas não aceitam as mudanças e insistem na comprovação de que aquela pessoa relativamente incapaz, na verdade, não tem capacidade de exercer nenhum ato da vida civil, sendo prejudicada pela limitação, restando, portanto, vulnerável.
A jurisprudência tem sustentado a previsão legal e limitando a curatela, como poderá ser visto no último capítulo do presente trabalho.
4. ALTERAÇÕES NOS INSTITUTOS ASSISTENCIAIS
Para que as pessoas absolutamente incapazes e relativamente incapazes possam exercer os atos da vida civil, é necessário que haja assistência, seja através de curatela, através do processo de interdição, ou da chamada tomada de decisão apoiada, instituto assistencial trazido pelo Estatuto da Pessoa com deficiência.
A lei de inclusão impôs limitações para os atos patrimoniais e negociais, e não para os existenciais, estes visam a promoção da pessoa humana, sendo a curatela medida extraordinária, devendo constar na sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.
Abaixo será delineado mais sobre interdição, curatela e tomada de decisão apoiada.
Conforme exposto anteriormente no início deste capítulo, a Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da pessoa com deficiência, trouxe diversas alterações sobre a referida matéria, principalmente no que se diz respeito aos institutos assistências, diga-se de passagem – excepcionais[44], no caso, a curatela e como veremos logo após, inovando com a chamada Tomada de decisão apoiada.
Tais mudanças foram de tal forma tão significativa, visto que modificou o núcleo estrutural da antiga teoria das incapacidades, onde, repercutiu de forma direta em diversas áreas do âmbito civil, especialmente os institutos do Direito de família.
Antes de adentrarmos no cerne destes institutos assistências, necessário se faz, demonstrar como restou a questão da interdição. A respeito da Interdição, a nosso ver, o Estatuto da Pessoa com Deficiência pode ter marcado o fim desse instituto no Direito Civil Brasileiro.
Calha rememorar o conceito de Interdição, qual seja, a privação legal do gozo e exercício do direito de determinada pessoa, a qual encontra-se em situação que a impossibilite de administrar sua própria vida e seus negócios, e consequentemente responder por seus atos em função de suas limitações, necessitando, portanto, da intervenção de um terceiro legalmente habilitado e encarregado de desempenhar tais funções de gerência, após nomeação em um processo judicial.
Ademais, a Interdição poderia se dar de duas formas, parcial ou Absoluta, sendo que a primeira permite que o interditado continuasse a exercer os atos a que não foi considerado incapaz, nos limites fixados na sentença, ao passo em que a interdição absoluta não permite que o interditado exerça qualquer ato da vida civil que não seja através de seu curador.
Seguindo a linha de raciocínio, após o advento do Estatuto da pessoa com deficiência, e a revogação quase que total do artigo 3º do CC/02, combinado com o art. 84 do referido Estatuto[45], há de se subsumir que o deficiente é, agora, considerado uma pessoa capaz, podendo exercer todos os atos da vida civil, restando somente os menores de 16 anos, como absolutamente incapazes.
Nesse contexto, após essa desconstrução ideológica de que o deficiente, por si só, seria incapaz, e a reformulação de um novo conceito de capacidade civil, em respeito, como já dito no início, ao princípio da Dignidade da pessoa humana, e a mencionada legislação, o deficiente é “dotado de plena capacidade legal, ainda que haja necessidade de institutos assistências específicos”.
Assim, diante de tais considerações, em decorrência da pessoa com deficiência não ser mais considerada absolutamente incapaz, compreende-se, que a partir da entrada em vigor do Estatuto, a figura da Interdição Absoluta não mais subsiste.
Porém, em situações excepcionais, o deficiente poderá ser submetido a curatela, podendo assim ser entendida como uma “interdição parcial”, que em sentido contrário à interdição absoluta, possui natureza protetiva e não mais de interdição de direitos, pois é referente a interesse exclusivo do deficiente (finalidade específica) e não de terceiros, como antigamente era possível.
Assim, a nova perspectiva da legislação processual é a preocupação com a dignidade da pessoa humana, permanecendo o procedimento de “Interdição” (Curatela), limitada aos atos de cunho econômico ou patrimonial relacionados ao Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Superado o entendimento acerca da Interdição, tem-se agora o instituto da Curatela, que é a responsabilidade atribuída a uma pessoa pelo juiz, para qual toma a responsabilidade de zelar e se responsabilizar pelos bens e atos jurídicos da pessoa que se encontra incapaz de realizar e decidir atos da sua vida civil.
Este conceito, trazendo para nossa realidade, não está equivocado, porém, o Estatuto da pessoa com deficiência, o fez com uma nova roupagem, restringindo, limitando, os poderes do curador, bem como sobre o que o mesmo pode administrar ou não, conforme se vê no art. 85, do referido Estatuto “A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”. Nas palavras de Flávio Tartuce:
(…) constata-se que, para que a curatela esteja presente, há necessidade de uma ação judicial específica, com enquadramento em uma das hipóteses do novo art. 4.º do CC/2002, especialmente no seu inciso III. No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. [46]
Desta feita, observa-se que a curatela, agora, não mais tem poderes ilimitados sobre todos os aspectos da vida do curatelado, pois, de acordo com o §1º do art. 85, “A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”.
4.3 Da tomada de decisão apoiada
Ante o advento do Estatuto da pessoa com deficiência, para aquele que se encontrava enfermo, ou mesmo possuía alguma deficiência física, enfim, fosse capaz, mas no momento em que se encontrava estaria inapto para gerir suas atividades normais da vida civil, poderia se valer do que preconizava o art. 1.780, do CC/02, onde seria nomeado curador para cuidar de seus bens e negócios.
Porém, ao entrar em vigor o Estatuto, tal artigo foi revogado expressamente, conforme a inteligência do art. 123, VII do Estatuto e, podemos dizer, uma nova e melhor “reformulação” desse artigo, fora introduzido e podemos encontrá-lo no art. 1.783-A do CC/02[47] e seus parágrafos, sendo nomeado de Tomada de Decisão Apoiada, onde a pessoa que possui alguma deficiência, elege ao menos duas pessoas de sua confiança para auxiliar sobre atos da vida civil. Sobre o instituto leciona Flávio Tartuce.
(...) foi inserida no sistema a figura da tomada de decisão apoiada a favor de todas as pessoas com deficiência, pelo menos como regra. Essa figura jurídica consta do art. 1.783-A do Código Civil, também incluído pela Lei 13.146/2015. A categoria visa o auxílio da pessoa com deficiência para a celebração de atos mais complexos, caso dos contratos. Conforme o caput da norma, a tomada de decisão apoiada é o processo judicial pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade. [48]
Tal dispositivo aplica-se aos casos de pessoas que possuem algum tipo de deficiência mas podem, todavia, exprimir a sua vontade. O caso mais apontado pela doutrina é o do portador da Síndrome de Down, que o torna uma pessoa deficiente, mas não acarreta, necessariamente, impedimento para a manifestação da vontade. Tendo como finalidade, a de promover e proteger a autonomia do ser humano.
Podemos concluir que a Tomada de decisão apoiada seria direcionado às pessoas que, embora apresentem algum tipo de deficiência, podem exprimir sua vontade, porém, em determinados atos, a seu próprio pedido, poderá indicar ao menos duas pessoas, idôneas e de sua confiança para lhe auxiliar em determinadas ações.
5 – DISCUSSÕES PROMOVIDAS E SUPERAÇÃO PELA JURISPRUDÊNCIA
Como acontece com toda lei nova, a sociedade, principalmente a jurídica, se divide em opiniões e não foi diferente com o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Apesar de ser relativamente nova, existem inúmeras decisões fundamentadas na Lei de inclusão, as quais se desdobram sobre a importância da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e sobre a alteração do instituto da incapacidade.
Há também indagações quanto a constitucionalidade de alguns dispositivos, como será visto a seguir.
5.1 Nova visão e discussão da pessoa com deficiência
O Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas alterações realizadas, trouxe uma nova visão sobre a incapacidade, alterando dispositivos do Código Civil como já foi amplamente discutido nos capítulos anteriores.
Ocorre que ainda há um intenso debate sobre a aplicabilidade e efetividade desses artigos, uma vez que alterou a curatela, impedindo que esta seja concebida de forma ilimitada e sim, apenas para atos negociais e patrimoniais, conforme art. 85 da lei 13.146/15. A discussão e indagação gira em torno dos demais atos que precisam ser executados, como não conceder a curatela de forma ilimitada se a pessoa não é capaz de exercer quaisquer atos da vida civil?
Através do Poder Judiciário, os jurisdicionados questionam a constitucionalidade dessas normas, como no julgado a seguir:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ARTIGOS DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - LEI 13.146/15 - E DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ARTIGOS 84, "CAPUT" E SEU § 3º, E 85, §§ 1º E 2º, AMBOS DA LEI 13.146/2015, E AINDA DO ART. 4º, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL, ALTERADO PELA LEI MENCIONADA - PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO - SUBMISSÃO DA MATÉRIA AO ÓRGÃO ESPECIAL. Diante do princípio da reserva de plenário insculpido no art. 97 da Constituição Federal, a questão da inconstitucionalidade de artigos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e do Código Civil, deve ser submetida ao Órgão Especial, nos termos do art. 33, I, c, do Regimento Interno deste Tribunal. Suscitaram incidente de inconstitucionalidade. (TJ-MG - AC: 10000170344196001 MG, Relator: Ana Paula Caixeta, Data de julgamento: 25/07/2017, Câmaras Cíveis/ 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:27/07/2017)
A leitura do inteiro teor do julgado acima transcrito, constitui-se em rica contribuição ao debate ora proposto, de forma que através de sua leitura é possível entender a discussão ora debatida, além de implicar em grande conhecimento de lei e argumentos, por isso, ouso transcrevê-lo abaixo, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.17.034419-6/001 - COMARCA DE UBERABA APELANTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELADO (A)(S): CARLOS HUMBERTO AZEVEDO CURY - INTERESSADO:
MARIA HELENA PRADO DE AZEVEDO CURY
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em SUSCITAR INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O ÓRGÃO ESPECIAL.
DESA. ANA PAULA CAIXETA
RELATORA.
DESA. ANA PAULA CAIXETA (RELATORA)
V O T O
Cuida-se de apelação cível interposta em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberaba, Dr. Fausto Bawden de Castro Silva, nos autos de ação de interdição movida por Carlo Humberto Azevedo Cury em face de Maria Helena Prado de Azevedo Cury, sua genitora (doc. de ordem nº 81).
Adoto o relatório da sentença, acrescentando que foi julgado improcedente o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade e julgado procedente o pedido inicial para reconhecer a incapacidade relativa de Maria Helena Prado de Azevedo Cury, na forma do art. 4º, III, do CC/2002, nomeando-lhe curador o Sr. Carlos Humberto Azevedo Cury. Foi registrado que a decisão fica limitada aos atos de natureza não patrimonial como os elencados no § 1º do artigo 85 da Lei 13.146/15. A parte autora foi condenada ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da gratuidade de justiça.
Inconformado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais recorreu para esta Superior Instância. Em suas razões, afirmou que não pode concordar com a sentença, "não só pelo não acatamento da tese da inconstitucionalidade sustentada, como também, pelo fato de a sentença deixar de definir se a curatelanda tem ou não condições de exprimir sua vontade, relegando essa apreciação para momento posterior indefinido, não especificando de quem será a competência". Em relação à Lei 13.146/15 aduziu que o legislador criou situações absurdas e complexas que precisam ser corrigidas; que a permanecer a redação atual dos dispositivos tidos como inconstitucionais, os curatelados poderão praticar atos não negociais; que, pessoas que não conseguem exprimir sua vontade consciente, não podem ser consideradas relativamente incapazes; que o Estatuto contraria princípios constitucionais estampados nos artigos 3º e 5º da Carta Magna.
O Parquet ainda reiterou o parecer de ID 18740050 e apontou que, pelas provas dos autos, verifica-se que a requerida é absolutamente incapaz para a prática dos atos normais da vida civil, o que a impede de exprimir sua vontade livre e consciente. Questionou "como permitir que a curatelada somente nos atos negociais seja assistida? Como ficará sua vida em relação a diversos outros atos como, por exemplo, tratamentos médicos, administração de medicamentos, voto e vida sexual?". Ventilou, assim, ser necessária a declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos 84, "caput" e seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da Lei 13.146/2015, e ainda do art. 4º, inciso III, do Código Civil, alterado pela Lei mencionada.
Ainda que refutada a tese de inconstitucionalidade, o Ministério Público asseverou que não há como prevalecer a restrição à prática de atos de natureza não patrimonial, sob pena de afronta ao disposto no art. 85, § 1º, da Lei 13.146/15, eis que "se o julgador parte do pressuposto de que referido dispositivo não é inconstitucional, deve permitir que a curatelada pratique todos os atos não negociais já que tal está garantido pelo texto legal mencionado". Pelo exposto, o Parquet pediu a reforma da sentença, com a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos supramencionados e, no mérito, seja reconhecida a procedência do pedido inicial, declarando a requerida totalmente incapaz para reger sua pessoa e bens, nomeandolhe representante legal.
Contrarrazões foram apresentadas pelo requerente (doc. de ordem nº 100).
Intervindo no feito, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Saulo de Tarso Paixão Maciel, opinou pelo desprovimento do recurso (doc. de ordem nº 102).
Recebo o recurso de apelação apenas no efeito devolutivo (art. 1.012,§ 1º,VI, do CPC/15).
Conheço do apelo, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Insurge-se o Ministério Público contra sentença que declarou a incapacidade relativa da requerida, nomeando-lhe curador o requerente, seu filho, Carlos Humberto Azevedo Cury. Nesse sentido, pretende o apelante a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 84, "caput" e seu § 3º, e 85, §§ 1º e 2º, ambos da Lei 13.146/2015, e ainda do art. 4º, inciso III, do Código Civil, alterado pela Lei mencionada e, no mérito, a procedência do pedido com a declaração de incapacidade absoluta da requerida.
Peço vênia para transcrever o inteiro teor dos dispositivos cuja constitucionalidade é debatida pelo Ministério Público:
Lei 13.146/15:
"Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
[...]
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
[...]
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
§ 2o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. Código Civil de 2002:
"Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
[...]
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº13.146, de 2015)".
Pois bem.
Em janeiro de 2016 entrou em vigor a Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da
Pessoa com Deficiência e promoveu alterações significativas no Código Civil de 2002, especificamente no que concerne à teoria da incapacidade civil e aos limites do exercício da curatela.
Hodiernamente, somente são tidos por absolutamente incapazes os menores de 16 (dezesseis) anos, pelo que deixou de existir a figura do maior absolutamente incapaz. A norma em questão teria a finalidade de promover a completa inclusão social da pessoa com algum tipo de deficiência, alinhando-se a diploma internacional recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio com força de emenda à constituição, como bem explicita Flávio Tartuce:
"Em verdade, o Estatuto da Pessoa com Deficiência acaba por consolidar ideias constantes na Convenção de Nova York, tratado internacional de direitos humanos do qual o país é signatário e que entrou no sistema jurídico com efeitos de Emenda à Constituição por força do art. 5º, § 3º, da CF/88 e do Decreto 6.949/2009. O art. 3º da Convenção consagra como princípios a igualdade plena das pessoas com deficiência e sua inclusão com autonomia, recomendando o dispositivo seguinte a revogação de todos os diplomas legais que tratam as pessoas com deficiência de forma discriminatória.
[...]
Deixa-se de lado, assim, a proteção de tais pessoas como vulneráveis, o que era retirado do sistema anterior. Em outras palavras, a dignidade-liberdade substituiu a dignidade-vulnerabilidade"(In, Manual de Direito Civil. 6.ed. 2016, pág. 103) – g.n.
Sob essa ótica, e na forma do art. 6º da Lei 13.146/20151, tem-se que os deficientes encontram-se aptos para o exercício de atos não negociais, tais como casar-se e constituir união estável, exercer direitos sexuais reprodutivos, dentre outros. Via de consequência, a curatela limita-se aos atos de natureza patrimonial e negocial (art. 85 da Lei 13.146/2015).
Com efeito, a curatela é instituto de direito assistencial em favor dos maiores relativamente incapazes. Não há mais que se falar em interdição para todos os atos da vida civil e sim em nomeação de curador para assistência nos atos negociais.
Atualmente, o Código Civil, alterado pela Lei 13.146/15, prevê a nomeação de curador para aqueles que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir sua vontade, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos e os pródigos (art. 1.767, do CC/2002), todos entendidos como relativamente incapazes (art. 4º, do CC/2002). Os maiores de dezesseis anos e os menores de dezoito anos continuam sujeitos ao instituto da tutela.
Recentemente, esta Eg. 4ª Câmara Cível foi chamada a se pronunciar sobre o tema e, em julgamento do qual não participei, concluiu pela constitucionalidade dos artigos do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Código Civil ora impugnados pelo Ministério Público, em acórdão assim ementado:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CURATELA - INTERDITANDO PORTADOR DE RETARDO MENTAL MODERADO A GRAVE - DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 84,"CAPUT"E SEU § 3º, E 85, §§ 1º E 2º, AMBOS DA LEI 13.146/2015, E DO ARTIGO 4º, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADEQUAÇÃO DA LEI À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA STATUS CONSTITUCIONAL - INCAPACIDADE RELATIVA - ART. 4º, III, CÓDIGO CIVIL - COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE DO INTERDITANDO PARA O EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL - CURATELA NECESSIDADE DA MEDIDA; 1 - A Lei nº 13.146/15, no que tange ao estabelecimento da incapacidade relativa para os portadores de deficiência, está em conformidade com a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com status equivalente ao de emenda constitucional (art.5º,§ 3º,CF); 2 - Considerando que a prova pericial atesta a incapacidade do interditando para gerir os atos da vida civil, já que sofre de retardo mental, patologia que afeta seu juízo e discernimento, deve ser mantida a sentença de procedência do pedido de interdição. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.16.0868949/001, Relator (a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/0017, publicação da súmula em 27/04/2017)
Confira-se trechos do judicioso voto proferido pelo eminente Relator, Desembargador Renato Dresch:
"Infere-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº13.146/15) está de acordo com a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, com status equivalente ao de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal.
Referida Convenção tem o propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua dignidade inerente (art. 1º).
E, nos termos do art. 12.4, a Convenção assegura que os"Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida".
A Lei nº 13.146/15, em conformidade com os ditames da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, limitou a hipótese de incapacidade civil absoluta apenas aos menores de 16 anos, ou seja, ao critério etário, afastando as situações de deficiência.
Não houve, outrossim, restrição dos direitos inerentes ao exercício da capacidade pelas pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, mas verdadeira ampliação, já que a finalidade da norma é promover a integração, a participação em sociedade e o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por tais indivíduos.
Vale ressaltar, ainda, que o art. 85, da Lei nº 13.146/15, ao estabelecer que a "curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial", não alcançando "o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto" (§ 1º), nada mais fez do que assegurar os direitos que já eram resguardados pela Convenção de status constitucional.
Transcreve-se, a título de exemplo, os seguintes dispositivos da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa Com Deficiência:
"Art. 22.1. Nenhuma pessoa com deficiência, qualquer que seja seu local de residência ou tipo de moradia, estará sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. As pessoas com deficiência têm o direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
"Art. 23.1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que:
a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrairmatrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes;
b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre eresponsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação em matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios necessários para exercer esses direitos.
c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, emigualdade de condições com as demais pessoas."
"Art. 29. Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão:
a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:
i) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos paravotação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso;
ii) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições eplebiscitos, sem intimidação, e a candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado;
iii) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência comoeleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha;
(...)"
Não se pode perder de vista que a adequação da capacidade de absoluta para relativa, nos casos que se enquadrem no art. 4º, do Código Civil, ao mesmo tempo em que amplia as possibilidades de exercício dos direitos e deveres inerentes à personalidade jurídica pelo portador de deficiência, não deve implicar em mecanismo de abandono e desamparo à pessoa que não possa exprimir validamente a sua vontade.
E, nesse aspecto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência limitou-se a definir a área de atuação do curador (atos de natureza patrimonial e negocial), sem prejuízo de que a prática dos demais atos civis, penais, etc. pelo curatelado, fique sujeita à análise quanto ao preenchimento de todos os requisitos de validade.
[...]
Destaca-se, também, que a própria Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu dispositivo 12.4, estabelece a possibilidade de aplicação de medidas assecuratórias ao exercício da capacidade legal conforme as necessidades de cada caso concreto, de maneira que o ordenamento jurídico não deixa ao desamparo as pessoas portadoras de deficiência, ainda que agora classifique-as como relativamente capazes: "12.4. Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa."
Além disso, não podemos esquecer que a Lei n.º 13.146/2015 veio para efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, direcionando o olhar para o ser com limitação como sujeito de direitos, e não como objeto caracterizado como incapaz, termo este, aliás, de cunho pejorativo que, quando dirigido a uma pessoa, com o mínimo de discernimento, poderá ferir seu caráter e afetar, negativamente, sua personalidade e alto estima.".
A despeito de todo o exposto, entendo que o tema deve ser levado à apreciação do Órgão Especial deste Sodalício, porquanto não me convenci da constitucionalidade das inovações e mudanças promovidas na legislação civil quanto à incapacidade das pessoas e aos limites do exercício da curatela.
Nesse particular, destaco que são relevantes as discussões trazidas pelo Ministério Público, notadamente quanto à ausência de classificação das deficiências, haja vista que há determinados graus que comprometem absolutamente a manifestação de
vontade e discernimento pelo indivíduo, como, ao que parece, é a hipótese do caso sub examine.
Com efeito, a partir do momento em que apurada a completa limitação mental de determinado indivíduo, é plausível o questionamento sobre "como ficará sua vida em relação a diversos outros atos como, por exemplo, tratamentos médicos, administração de medicamentos, voto e vida sexual?" - g.n.
Ora, somente os absolutamente incapazes podem ter suspensos os direitos políticos (art. 15, II, da CF/88). Nesse rumo, como fica a situação do deficiente, maior de idade, que não tem o necessário discernimento para votar e ser votado e, ainda assim, continua regularmente alistado na forma da lei eleitoral, pois só pode ser considerado relativamente incapaz nos termos da atual legislação?
O multicitado jurista Flávio Tartuce também aponta discussão relevante:
"Aliás, aqui pode ser feita uma crítica em relação ao novo sistema de interdição inaugurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso porque não só o socioapata, como também o psicopata, anteriormente enquadrados como absolutamente incapazes, deveriam continuar a ser interditados.
Com a mudança engendrada pela Lei 13.146/2015, somente são absolutamente incapazes os menores de 16 anos, não sendo possível enquadrar tais pessoas no rol dos relativamente incapazes do art. 4º do CC/2002. Em suma, serão tais pessoas plenamente capazes, para os fins civis, o que não parece fazer sentido. Infelizmente, o legislador pensou apenas na pessoa com deficiência, deixando de lado outras situações concretas."(Op. Cit. Pág. 1.453) – g.n.
De fato, a questão da inconstitucionalidade apresentada pelo Ministério Público é prejudicial ao julgamento do feito e, embora o nobre Magistrado a quo tenha rejeitado tal arguição, consta das razões de apelação que outros Magistrados das Comarcas de Uberlândia e Uberaba têm acolhido os incidentes.
Já esta Turma Julgadora não pode, sem ofensa ao princípio da reserva de plenário previsto no art. 97 da Constituição da República, declarar eventual inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos e também não pode afastar a incidência das normas, ainda que não declare sua inconstitucionalidade, visto que o expediente encontra óbice no disposto na Súmula Vinculante nº 10 do Excelso STF:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
Desse modo, para consolidação da questão, faz-se necessário submetê-la ao Órgão Especial deste Egrégio Tribunal, nos termos do art. 33, I, c, do RITJMG.
Pelo exposto, diante do princípio da reserva de plenário previsto no art. 97 da CF/88 e do disposto no art. 33, I, c do RITJMG, SUSCITO INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE, determinado a remessa dos autos ao Órgão Especial para exame da inconstitucionalidade arguida.
DES. KILDARE CARVALHO - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. MOREIRA DINIZ - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "SUSCITARAM INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O ÓRGÃO ESPECIAL"
1 Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso ainformações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ouadotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.[49]
Outra discussão travada é sobre o artigo 28 e 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, os quais tratam da inclusão das pessoas com deficiência nas escolas públicas e privadas, e de ensino técnico e superior, promovendo adaptações e vedando a cobrança de taxas. Conforme explicou Flávio Hermanny Filho:
A constitucionalidade desses artigos foi questionada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), perante o Supremo Tribunal Federal mediante a 194 ADI 5357 sob o argumento de que a norma estabelece medidas de alto custo econômico para as escolas privadas, violando vários dispositivos constitucionais, entre eles o art. 208, inciso III da CR, que prevê como dever do Estado o atendimento educacional aos deficientes. O Ministro Relator Edson Fachin (2016), acompanhado da maioria da corte, vencido parcialmente o ministro Marco Aurélio, julgou improcedente a ação e destacou em seu voto que, ao editar a lei 13.146, o Brasil atendeu o compromisso constitucional e internacional de proteção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência. Nesse sentido, considerou que deferir o pedido para declarar inconstitucional os arts. 28 e 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência conferiria um "privilégio odioso" às escolas particulares. Afinal, o ensino privado não deve privar os estudantes com e sem deficiência da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora transmudando-se em verdadeiro local de exclusão ao arrepio da ordem constitucional vigente. [50]
A questão é que, apesar de vigente desde 2016, os debates ainda existem. Os posicionamentos divergem em duas vertentes: a primeira condena as modificações, porque entende que a dignidade de tais pessoas deveriam ser resguardadas por meio de um sistema mais intervencionista tendo em vista a necessidade de proteção dos vulneráveis (dignidade x vulnerabilidade). A segunda vertente aplaude a inovação, pela tutela da dignidade-liberdade das pessoas com deficiência, evidenciada pelos objetivos de sua inclusão social e da não discriminação, que sustentam a garantia de capacidade plena aos deficientes.
A jurisprudência é uma importante aliada na efetivação dos direitos previstos no Estatuto da Pessoa com deficiência, ou melhor, na efetivação de quaisquer direitos. Através delas é proporcionado um debate mais aprofundado sobre a lei, trazendo a tona temas não previstos no texto legal, mas que são recorrentes no dia a dia, e soluções a esses impasses. Através delas são firmados entendimentos que facilitam no julgamento de ações repetitivas, ajudando na celeridade processual.
Além de tudo isso, através dos debates surgem novas necessidades de regulamentação através de lei e criação de órgão de execução, muitas vezes, obrigando o Estado a promover tais medidas. Portanto, a formação de jurisprudência é mais um exemplo de que os poderes, apesar de independentes, trabalham de forma conjunto em prol da população.
Sobre o assunto do presente trabalho, a jurisprudência forma-se no sentido de que as pessoas com deficiência podem ser relativamente incapazes apenas para o exercício de direitos de natureza patrimonial e negocial, conforme disposto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, devendo-se, no entanto, delimitar com clareza os atos que não poderão ser exercidos sem assistência do curador, vedando-se a interdição para todos os atos da vida civil.
Merece atenção a situação de pessoas totalmente incapacitadas para manifestar sua vontade e que, anteriormente, seriam absolutamente incapazes.
Nos julgados abaixo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Tribunal de Justiça do Distrito Federal, foi reconhecida a mudança promovida pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência quanto ao instituto da incapacidade, reconhecendo que a curatela não pode ser ilimitada diante da incapacidade relativa.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - CABIMENTO - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - RECONHECIMENTO DA INCAPACIDADE RELATIVA - AMPLIAÇÃO DOS LIMITES DA CURATELA. 1 - O indivíduo não pode ser mais considerado absolutamente incapaz, para os atos da vida civil, diante das alterações feitas no Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei nº 13.146/2015. 2 - A patologia psiquiátrica descrita configura hipótese de incapacidade relativa, não sendo caso de curatela ilimitada (art. 4º, inciso III, e 1.767, inciso I do CC, com a redação dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência). 3 - A ampliação dos limites da curatela, para além dos atos patrimoniais e negociais, não é medida extraordinária, mas sim real, diante da incapacidade da parte (artigo 755, inciso I, do CPC/15).(TJ-MG - AC: 10245130114946001 MG, Relator: Alice Birchal, Data de Julgamento: 14/02/2017, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/02/2017)
APELAÇÃO CÍVEL. LEVANTAMENTO DE INTERDIÇÃO. DESCABIMENTO. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECONHECIMENTO DA
INCAPACIDADE RELATIVA, E NÃO MAIS ABSOLUTA, DO APELANTE.
LIMITES DA CURATELA. Diante das alterações feitas no Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), o apelante não pode ser mais considerado absolutamente incapaz para os atos da vida civil. A sua patologia psiquiátrica - CID 10 F20.0, Esquizofrenia - configura hipótese de incapacidade relativa (art. 4º, inciso III, e 1.767, inciso I do CC, com a nova redação dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência), não sendo caso de curatela ilimitada. Caso em que o recurso vai parcialmente provido, para reconhecer a incapacidade relativa do apelante, mantendo-lhe o mesmo curador e fixando-se a extensão da curatela, nos termos do artigo 755, inciso I, do CPC/15, à prática de atos de conteúdo patrimonial e negocial, bem como ao gerenciamento de seu tratamento de saúde. DERAM
PARCIAL PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70069713683, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 15/09/2016) (TJ-RS - AC: 70069713683 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 15/09/2016, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/09/2016).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. INTERDIÇÃO. CURATELA INTEGRAL. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MEDIDA EXCEPCIONAL. ATOS RELACIONADOS AOS DIREITOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E
NEGOCIAL. INCAPACIDADE RELATIVA. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. As regras de incapacidade destinam a proteger a pessoa do incapaz, isto é, são para pessoas que merecem cuidados do direito para que não acabem sofrendo prejuízos em suas relações econômicas e jurídicas. 2. A incapacidade com interdição tem causas diversas da insuficiência de idade legal. E para que haja a interdição é preciso ter pelo menos uma situação descrita: a) prodigalidade; b) embriaguez habitual ou vício em tóxico; c) impedimento permanente ou temporário para a expressão da vontade. 3.Como advento da lei 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com Deficiência), houve alterações no Código Civil trazendo grandes mudanças estruturais e funcionais na antiga teoria das incapacidades, o que repercute diretamente para institutos do Direito de Família, como o casamento, a interdição e a curatela. 4. Não mais existe pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Desse modo, não há que se falar em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados. Todas as pessoas com deficiência passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade. 5. O decreto da interdição deve ocorrer quando o interditado for considerado relativamente capaz, porquanto a assistência tem cabimento em favor dos relativamente incapazes e, diferentemente da representação, o assistente pratica o ato ou negócio jurídico em conjunto com o assistido. 6. Recurso CONHECIDO e PROVIDO. Sentença reformada.(TJ-DF 20160310153756 - Segredo de Justiça 0015024-34.2016.8.07.0003, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Data de Julgamento: 12/07/2017, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 27/07/2017. Pág.: 313/319)
Percebe-se que em alguns julgados provenientes da matéria de direito previdenciário, prevalece o princípio da irretroatividade da lei, de forma que representantes de pessoas antes consideradas absolutamente incapazes que ingressaram com requerimentos e adquiriram a incapacidade antes da lei, continuaram classificadas de tal forma, vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO INCIDENTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. 1.Não corre a prescrição em desfavor dos deficientes, considerados absolutamente incapazes, pois não se há de interpretar as disposições da Lei nº 13.146/2015, norma protetiva, em desfavor dos indivíduos que se busca amparar, ainda mais quanto a deficiência se instaurou antes da referida alteração legal, como no caso, incidente, ainda, o princípio da irretroatividade. 2. Nos termos do julgamento do RE nº 870.947/SE (Tema 810), pelo STF, em 20/09/2017, a correção monetária dos débitos da Fazenda Pública se dá através do IPCA-e. Os juros moratórios devem atender a disciplina da Lei nº 11.960/09, contados a partir da citação.(TRF-4 - AC: 50009105320174047127 RS 5000910-53.2017.4.04.7127, Relator: ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, Data de Julgamento: 08/05/2018, QUINTA TURMA)
O julgado abaixo, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconheceu de forma expressa direito da pessoa com deficiência exposto no art. 6º do Estatuto e reconheceu a união estável adquirida por pessoa incapaz.
PENSÃO. IPREM. São Paulo. Extinção do benefício. Art. 8º, IV e 16, V da LM nº 10.828/90. Art. 1.548, I do CC. LF nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Pensão por morte. Filha incapaz. União estável. Filha em comum com companheiro. – 1. Sentença citra petita. Nulidade. Pedido de anulação dos procedimentos administrativos. Improcedência que abarca o pedido. Questões tratadas nos procedimentos administrativo analisadas nestes autos, onde a autora pôde exercer plenamente o contraditório e seu direito de defesa, de modo que eventual nulidade estaria de toda forma superada. Preliminar rejeitada. – 2. União estável. Convivência marital estabelecida entre beneficiária e o pai de sua filha suficientemente comprovada nos autos. Depoimentos da curadora e do sobrinho da autora que perdem força diante dos demais elementos de prova. Existência de união estável reconhecida. – 3. União estável. Incapaz. A incapacidade para a prática dos atos da vida civil não pode ser considerada de forma absoluta. A despeito da interdição, a limitação do incapaz deve ser analisada de forma individualizada; a generalização, por impor barreira desnecessária ao pleno exercício de sua dignidade, resulta na violação de direitos e garantias fundamentais do incapaz. Evolução legislativa. O art. 1548 inciso I do Código Civil não considera nulo qualquer casamento do incapaz, mas apenas do incapaz 'sem discernimento'; e a prova demonstra o discernimento suficiente da autora, que criou a filha e tem vida autônoma faz muitos anos. Estatuto da pessoa com deficiência que, ao revogar o inciso I do art. 1.548 do CC, ratifica tal conclusão. – 3. Pensão. Filha incapaz. A união estável extingue o direito do beneficiário à pensão, nos termos do art. 16, V, da LM nº 10.828/90. – Improcedência. Recurso da autora desprovido.(TJ-SP - APL:
06083846020088260053 SP 0608384-60.2008.8.26.0053, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 03/04/2017, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/04/2017).
A jurisprudência abaixo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhece o instituto da tomada de decisão apoiada e reconhece uma pessoa com deficiência visual como plenamente capaz, uma grande conquista para o direito das pessoas com deficiência.
Curatela – Interditando cego, em decorrência de diabete mellitus – Ausência de incapacidade permanente ou transitória que afete a manifestação da vontade – Laudo pericial que aponta pelo discernimento do periciando – Caso em que não se verifica incapacidade relativa, o que desautoriza o estabelecimento de curatela – Limitação de direitos da pessoa sobre sua própria gestão que, com a introdução das alterações realizadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, se tornou medida excepcionalíssima – Termo de curatela de beneficiário com deficiência que não mais pode ser exigido pelo INSS – Art. 110-A, da Lei nº 8.213/91 – Hipótese em que outros meios jurídicos, como o mandato ou tomada de decisão apoiada, se mostram mais adequados – Sentença mantida – Recurso improvido.(TJ-SP - APL: 00564088120128260554 SP 0056408-81.2012.8.26.0554, Relator: Eduardo Sá Pinto Sandeville, Data de Julgamento: 02/06/2016, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2016)
Ainda, em decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia, foi determinada a conversão das ações de interdição para tomada de decisão apoiada ou limitação da curatela.
Apelação Cível. Interdição e curatela. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Conversão para tomada de decisão. Limites. Com a entrada em vigor do Estatuto da
Pessoa com Deficiência os processos de interdição em trâmite podem ser convertidos para tomada de decisão apoiada ou ainda consignado os limites da curatela. (Apelação, Processo nº 0001370-73.2015.822.0010, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Des. Alexandre
Miguel, Data de julgamento: 28/04/2016)(TJ-RO - APL: 00013707320158220010 RO 0001370-73.2015.822.0010, Relator: Desembargador Alexandre Miguel, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 04/05/2016.)
Então, a jurisprudência tem se adaptado ao Estatuto da Pessoa com deficiência, sendo uma importante aliada na sua implementação e defesa, principalmente por ser uma lei relativamente nova e sofrer vários questionamentos através de ações, inclusive com arguição de inconstitucionalidade como foi visto acima.
Apesar de existir um clamor público pela execução dos direitos e prerrogativas previstos na Lei de inclusão e que dependem do esforço e empenho do Estado, como as medidas de inclusão em escolas públicas, acesso à saúde e transporte; os órgãos do Poder Judiciário também engatam nessa missão devido às mudanças promovidas no Código Civil, que interferem em inúmeras ações que tramitam diariamente, como também pelo incentivo à discussão e adaptação do Estatuto.
No entanto, não poderia ser diferente, o Poder Judiciário em seu papel de órgão transformador e resolutivo, deve acompanhar as mudanças em busca da justiça, e esta não é realizada se dissipada das garantias e direitos fundamentais.
O clamor é para que os Tribunais Superiores sigam essa linha de pensamento e firmem teses em defesa do Estatuto, bem como, imponham soluções vinculativas, podendo ir mais além através dos demais órgãos de execução como o Ministério Público e Defensoria Pública, com propostas de ações civis públicas como meio coercitivo de implementação dos demais direitos previstos no Estatuto.
Para isso, é necessário também uma aceitação maior do Estatuto, pois, como visto na ementa juntada anteriormente, as alegações de inconstitucionalidade partiram do Ministério Público Estadual. Portanto, a conscientização deve ser ainda maior, dentro das próprias instituições públicas que devem ser exemplo.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência possibilita uma nova realidade para as pessoas portadoras de deficiência, pois traz uma visão mais humanista, pautada na garantia dos direitos fundamentais, pela igualdade de oportunidades, trazendo dignidade para a vida das pessoas portadoras de deficiência.
De “monstro”, repudiado pela sociedade e “loucos de todo gênero” do Código Civil de 1916, à cidadão repleto de garantias e direitos fundamentais. A legislação brasileira realmente avançou muito quanto a proteção dos direitos das pessoas com deficiência, pois, apesar da precariedade dos órgãos de execução, o Estatuto surgiu como uma luz no fim do túnel e como uma grande conquista para essas pessoas tão marginalizadas pela sociedade.
O quadro das pessoas com deficiência no Brasil tem evoluído de forma significativa, tanto em quantidade, como em “variedade”, pois há alguns anos as deficiências deixaram de ser provenientes apenas de doenças, devido a violência que se alastra pelo país a cada dia. Conforme bem citado no livro “Comentários à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência.”
A população com deficiência no Brasil tem crescido em decorrência do aumento na expectativa de vida da população, e da violência urbana (assaltos, violência no trânsito, entre outros motivos), alterando paulatinamente o perfil desta população que, anteriormente, era o de deficiências geradas por doenças. Apesar do Brasil, ser um dos poucos países, menos de 50 no mundo, que têm uma legislação específica para este expressivo contingente populacional, ampla e avançada em relação às demais, continuam as pessoas com deficiência a compor as percentagens mais elevadas das estatísticas de exclusão social. [51]
Essa exclusão decorre, ainda, do preconceito que a sociedade cultiva em torno das pessoas portadoras de necessidades especiais, pois, apesar das campanhas de inclusão, a falta de colaboração da sociedade agrava ainda mais essa exclusão social.
Por todo o exposto ao longo do trabalho, é possível concluir que há uma necessidade enorme de conscientização da população quanto a igualdade e direito das pessoas com deficiência, pois são seres humanos como todos e merecem essa compreensão. Somente após essa conscientização será possível efetivar todos os direitos previstos nas legislações, enquanto isso não acontece, é preciso continuar lutando.
O preconceito encontra-se alastrado por todo lugar e se manifesta de todas as formas, seja na falta de paciência quando o cobrador do ônibus para o serviço para manusear o elevador em detrimento de um deficiente físico, seja ao esbarrar com uma pessoa com deficiência visual, até mesmo quando alguém passa na frente em fila única devido à prioridade. O preconceito se revela de forma clara quando as pessoas utilizam as vagas reservadas em estacionamentos, faltando o sentimento primordial à iniciação da inclusão que é a compaixão, amor pelo próximo e o entendimento.
Então, a lei 13.146/15 prevê muitos direitos e garantias que conferem a dignidade da pessoa humana às pessoas com deficiência, seja na área da saúde, transporte, moradia, lazer, até mesmo no acesso à justiça.
Outra mudança trazida pelo Estatuto e que foi objeto de análise pelo trabalho, diz respeito as alterações promovidas no instituto das incapacidades, uma vez que revogou incisos do Código Civil de forma a considerar absolutamente incapaz somente os menores de 16 anos e relativamente incapaz os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e os pródigos.
Com essa mudança houve uma delimitação ao instituto da curatela que passou a ser deferida somente para realização de atos de natureza patrimonial ou negocial. Essa situação gerou e ainda gera muita discussão entre os civilistas e juristas brasileiros. Da análise dos julgados dispostos ao longo do trabalho, foi possível verificar que é levantada a inconstitucionalidade de dispositivos do Estatuto, por sobrepor a dignidade da pessoa humana à vulnerabilidade de pessoas incapazes, deixando-as, em tese, sem amparo.
Eis que a discussão coloca em conflito garantias constitucionais que parecem ser pequenas frente a necessidade de entregar as suas decisões e escolhas na mão de um curador, quando na verdade não é. Ocorre que essa mudança de parâmetro promovida pela lei, é também uma forma de combate aos abusos cometidos com o instituto da curadoria pois muitas pessoas que possuem discernimento para guiar questões pessoais e dispor sobre fatores da sua vida, estavam sendo interditadas e impedidas de praticar quaisquer atos, inclusive, casar e constituir uma família.
Por esses e outros motivos o Estatuto foi criado, e não se pode dizer que foi fruto de um mero equívoco, pois existe uma lógica e uma estrutura que concretiza valores já previstos há muitos anos em tratados internacionais. Também, por essa razão, como pode ser extraído da leitura da ementa colacionada ao trabalho, a jurisprudência majoritária tem se mantido firme nas decisões em defesa do Estatuto.
Outro ponto de debate mantido no trabalho, diz respeito a obrigação de inclusão proposta para as escolas públicas e privadas, as quais devem adaptar suas instalações e programações de forma a propor acessibilidade e inclusão às pessoas com deficiência, sem cobrar taxas.
Tal discussão foi levada aos Tribunais sob argumento de inconstitucionalidade, frente a onerosidade excessiva do serviço para adaptação, no entanto, mais uma vez, os princípios constitucionais e a dignidade da pessoa humana prevalecem, conforme a jurisprudência, ganhando vez o Estatuto da Pessoa com deficiência.
O acesso à justiça também é um ponto de extrema importância para o trabalho, pois reafirma a necessidade e importância da capacitação dos servidores e adaptação dos prédios públicos. Atualmente as repartições públicas não possuem plenas condições de receber pessoas portadoras de necessidades especiais, pois possuir uma rampa, elevador, banheiro adaptado e reserva de vaga em estacionamento, não proporciona tudo que é necessário para garantir a igualdade de condições, e atualmente a acessibilidade se resume a isso.
Como exposto no trabalho, principalmente no que diz respeito aos crimes praticados contra pessoas com deficiência, há uma sub-notificação, tanto pela falta de informação quanto aos direitos, falta de profissionais capacitados, como também pelo comodismo consolidado quando o assunto é sobre os direitos dessas pessoas. Daí a necessidade de intérprete de libras, utilização de tecnologia assistiva e demais recursos.
Por todo o exposto, é necessário resistir a pressão do preconceito, da facilidade e da corrupção, para que o Estatuto possa ser difundido em sua plenitude.
Há por trás disso tudo um longo caminho percorrido de luta por igualdade de condições, por uma vida mais digna, por direito à inclusão no mercado de trabalho, em órgãos públicos, pelo direito de ir e vir sem barreias ou constrangimentos. Por tudo isso, não é permitido retroceder ao nada, pois a dignidade da pessoa humana deve prevalecer com todas as suas prerrogativas
É perceptível que houve uma movimentação e exaltação maior após o Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois, até então, as leis que existiam para promoção da acessibilidade e igualdade, não propuseram medidas tão profundas quanto as da lei 13.146/15, e essas eram as alterações necessárias à libertação dessas pessoas.
Então é necessário conscientização, debate nos Tribunais, implementação, fiscalização das medidas, e, principalmente, a aceitação pela população de que as pessoas com deficiência são seres humanos como todos e possuem todos os direitos e garantias que qualquer pessoa possui.
Portanto, as pessoas com deficiência são capazes até que se prove o contrário, e podem decidir sobre qualquer assunto relacionado a condução de suas vidas, sem impedimentos ou barreias, sem preconceitos. Observa-se que quanto mais impedimentos existiam, maior o preconceito e isolamento da sociedade.
Em contrapartida, a lei de inclusão acertou ao limitar a curatela às decisões de caráter patrimonial e negocial, pois a mudança deve ser paulatina, principalmente porque tais decisões são mais arriscadas e exigem melhor discernimento, além de ter efeitos, muitas vezes, irreversíveis. Também revela o cuidado do Estatuto que não tem a intenção de “bagunçar” a ordem jurídica, e essa condição, claramente, desde que enquadrada a pessoa com relativamente incapaz, não contraria ao princípio da dignidade humana.
Então, apesar de relativamente recente, a Lei de inclusão tem sido um escudo e ao mesmo tempo a bandeira da igualdade para as pessoas com deficiência, e tem resistido às acusações, questionamentos e preconceito até o momento. Como mencionado na introdução, o direito está em constante mudança, e o Estatuto tem todos os requisitos para ser um verdadeiro transformador da realidade social.
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[2] DICHER, Marilu; TREVISAM, Elisaide. A jornada histórica da pessoa com deficiência: inclusão como exercício do direito à dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/? cod=572f88dee7e2502b>. Acesso em:26 Mai 2018. p. 09;
[3] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos direitos humanos. Disponível em: < http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 26 Mai 2018. p. 8.
[4] CENTRO DE INFORMAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e protocolo facultativo. Disponível em: < http://www.unfpa.org.br/Arquivos/convencao_direitos_pessoas_com_deficiencia.pdf> Acesso em: 27Mai. 2018. p. 5.
[5] RESENDE, Ana Paula Crosara de Resende. A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008. Disponível em: < https://www.governodigital.gov.br/documentos-earquivos/A%20Convencao%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20com%20Deficiencia %20Comentada.pdf>. Acesso em: 27 Mai 2018. p. 27
[6] CENTRO DE INFORMAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e protocolo facultativo. Disponível em: < http://www.unfpa.org.br/Arquivos/convencao_direitos_pessoas_com_deficiencia.pdf> Acesso em: 27 Mai. 2018. p. 6.
[7] CENTRO DE INFORMAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e protocolo facultativo. Disponível em: < http://www.unfpa.org.br/Arquivos/convencao_direitos_pessoas_com_deficiencia.pdf> Acesso em: 27 Mai. 2018. p. 6.
[8] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997, pg. 58.
[9] BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1934. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em 10 Abril 2018.
[10] NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
[11] MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Traduzido por Jean Melville. São Paulo: Martins Claret, 2004. p. 126.
[12] Essa citação chama atenção para uma situação pouco lembrada quando se fala em deficiência, pois, em um primeiro momento se pensa na pessoa com deficiência decorrente de doença, pós nascimento, quando, na verdade, grande parte da população deficiente mundial decorre do aumento da violência urbana, acidentes de trânsito, lesões que acarretam problemas físicos e mentais. A verdade é que houve essa mudança no parâmetro e estatística. Portanto, ao falar em pessoa com deficiência é necessário ter esse conceito em mente.
[13] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 9º. ed. 2011, p. 73.
[14] DICHER, Marilu; TREVISAM, Elisaide. A jornada histórica da pessoa com deficiência: inclusão como exercício do direito à dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?
cod=572f88dee7e2502b>. Acesso em:28 Mai 2018. p. 19
[15] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018. p. 21.
[16] ABNT NBR 9050 é a norma técnica de acessibilidade e trata de critérios de acessibilidade para edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos. Foi elaborada no Comitê Brasileiro de Acessibilidade pela Comissão de Estudo de Acessibilidade em Edificações.
[17] RODRIGUES, Ismael. Acessibilidade no Brasil é amparada pela lei e normas regulamentadoras da ABNT. Disponível em: < http://www.advcomm.com.br/acessibilidade-no-brasil/>. Acesso em: 01 Jun 2018.
[18] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018, p. 15.
[19] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018, p. 25.
[20] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018, p. 232.
[21] Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
[22] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018, p. 249.
[23] SETUBAL, Joyce Marquezin; FAYAN, Regiane Alves Costa (orgs.). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. Disponível em: < http://www.feac.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Lei-brasileira-de-inclusao-comentada-baixa-min-2.pdf>. Acesso em: 01 de Jun 2018, p. 25
[24] BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 Mai 2018.
[25] BRASIL. Estatuto da pessoa com deficiência. Lei nº13146, de 06 de julho de 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 26 Mai 2018.
[26] BRASIL. Estatuto da pessoa com deficiência. Lei nº13146, de 06 de julho de 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 26 Mai 2018.
[27] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;
[28] TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei 13.146/15. Repercussões para o Direito de
Família e confrontações com o novo CPC. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-
Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 05 de Mai. 2018.
[29] PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 7. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 45.
[30] Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Morte. Indenização por dano moral. Filho nascituro. Fixação do quantum indenizatório. Dies a quo. Correção monetária. Data da fixação pelo juiz. Juros de mora. Data do evento danoso. Processo civil. Juntada de documento na fase recursal. Possibilidade, desde que não configurada a má-fé da parte e oportunizado o contraditório. Anulação do processo. Inexistência de dano. Desnecessidade. Impossível admitir-se a redução do v alor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão. – Embora sejam muitos os f atores a considerar para a fixação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz f ixa o v alor da reparação. – É devida correção monetária sobre o v alor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes. – Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula n. 54 da Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes. – É possível a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada a má-fé da parte, e seja observado o contraditório. Precedentes. – A sistemática do processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que acarretem prejuízos aos litigantes. Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido (REsp n. 931.556/RS, rel.ª Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 17.06.2008, DJe, 05.08.2008).
[31] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. REsp nº: 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 04.09.2014. (Info 547)
[32] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;
[33] PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 7. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 45
[34] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, P. 110;
[35] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 146
[36] PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 7. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 147;
[37] BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 Mai 2018.
[38] PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 7. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 47
[39] BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 Mai 2018.
[40] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, P. 117;
[41] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, p. 117. 42 Ibidem, p.118;
[42] Ibidem, p. 118.
[43] FIÚZA, César. Direito Civil. Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey. 1999.
[44] Art. 84 da Lei 13.146/15 (...)
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
[45] Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
[46] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral / Flávio Tartuce. – 13. ed. rev., atual. e ampl. –Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 72;
[47] Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessárias para que possa exercer sua capacidade.
[48] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral / Flávio Tartuce. – 13. ed. rev., atual. e ampl. –Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 74;
[49] BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AC nº10000170344196001-MG, Rel. Ana Paula Caixeta. Julgado em: 25.07.2017. DJe: 27/07/2017.
[50] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; POLI, Luciana Costa; SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini (cords.). Direito de Família e Sucessões II. Florianópolis: Conpendi, 2016. Disponível em: < https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/8v3pu3uq/NYDAj0p1T4e5J0fN.pdf >. Acesso em: 09 de Jun 2018.
[51] RESENDE, Ana Paula Crosara de Resende. A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008. Disponível em: < https://www.governodigital.gov.br/documentos-earquivos/A%20Convencao%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20com%20Deficiencia %20Comentada.pdf>. Acesso em: 27 Mai 2018. p. 27.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL, pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, CARLA GIOVANNA ALMEIDA. Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Direito Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/58899/estatuto-da-pessoa-com-deficincia-e-o-direito-civil. Acesso em: 22 dez 2024.
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