ENIO WALCÁCER DE OLIVEIRA FILHO[1]
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a nova Lei de Abuso de Autoridade n. 13.869/2019, que teve sua publicação recente no Brasil, onde define os crimes de abuso de autoridade. Apresentamos, em perspectiva, o impacto que a nova lei trará na atividade policial, principalmente no quesito investigativo e no combate a corrupção e qual a consequência nas grandes operações, visto que ela poderá intimidar as autoridades públicas, principalmente no quesito da persecução penal, causando insegurança e prejuízo as investigações. Utilizamos como metodologia a pesquisa documental com abordagem descritiva e exploratória, concluindo, ao final, que a lei poderá trazer dificuldades e atrapalhar a atuação repressiva criminal, coagindo e desestimulando as autoridades na inquirição criminal, consequentemente inibindo assim suas ações.
Palavras-Chave: Abuso de Autoridade. Impactos. Atividade policial.
Abstract: This article aims to analyze the new Authority Abuse Law n. 13,869 / 2019, which had its recent publication in Brazil, where it defines crimes of abuse of authority. We present, in perspective, the impact that the new law will bring on police activity, mainly in the investigative aspect and in the fight against corruption and what the consequence in the big operations, since it may intimidate the public authorities, mainly in the question of criminal prosecution, causing insecurity and prejudice the investigations. We use documentary research as a methodology with a descriptive and exploratory approach, concluding, in the end, that the law may bring difficulties and hinder criminal repressive action, coercing and discouraging the authorities in criminal investigation, consequently inhibiting their actions.
Keywords: Abuse of Authority. Impacts. Police Activity.
A nova Lei de Abuso de Autoridade, n. 13.869/2019, traz visões antagônicas tanto por parte dos estudiosos do direito quanto dos operadores da persecução penal. Para alguns representa um grande retrocesso por trazer maiores dificuldades às investigações no combate à criminalidade, pois está a impedir e frear a atividade policial principalmente no quesito investigativo. Para outros representa um avanço, à medida que limita atuação estatal dando maior legalidade a ela.
Alguns autores, como ficará evidenciado no artigo, defendem que a norma adveio de uma reação do meio político às investigações que vinham sendo realizadas em face a políticos no combate a corrupção no Brasil.
O principal desafio atual dos órgãos persecutórios é adaptarem a sua atuação nos limites impostos pela lei, buscando meios para que, em face às alterações, não haja o engessamento da relevante atividade que é a persecução penal no combate ao crime no Brasil.
A nova Lei prevê as punições cabíveis para agentes públicos que por sua conduta venha a abusar do poder que lhe tenha sido atribuído, cometidos por membro de Poder ou agente da Administração Pública, servidor público ou não, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido.
Nesse sentido, como metodologia para o presente artigo, foi utilizado o método da pesquisa documental, com abordagem descritiva e exploratória, realizando-se a análise bibliográfica em textos, artigos, legislações e outro material doutrinário levantados a respeito do tema, demonstrando alguns aspectos decorrentes dessa lei, alguns conceitos essenciais para o entendimento do tema, sobre seus principais artigos e quais seus principais impactos frente as investigações criminais de que tratam a referida lei. Além disso, estudam-se quais são as condutas abusivas elencadas pela lei, com uma contextualização prévia do breve histórico da criação da lei de abuso de autoridade, sobre as divergências e polêmicas quanto a mesma desde a sua criação.
2 – OS ANTECEDENTES DA LEI 13869/2019: A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
Preliminarmente, acreditamos que seja importante, para o perfeito entendimento da nova lei de abuso de autoridade, que entendamos o contexto anterior a ela, bem como o conjunto normativo prévio, para que possamos entender de forma mais adensada as causas, efeitos e o comparativo com a atual Lei de Abuso de Autoridade.
2.1. O CENÁRIO DAS INESTIGAÇÕES NAS GRANDES OPERAÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL NOS GOVERNOS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
Nos últimos anos grandes operações foram realizadas no intuito de combater a corrupção, a maior parte dessas ações acabaram por afetar a grandes políticos, empresários e setores que até então não eram atingidos pela investigação policial. Alguns veem as medidas dos políticos como uma resposta implacável e truculenta contra a operação Lava Jato, uma vez que, elas estão dando margem para criminalizar boa parte de atuação cotidiana nas investigações no país.
Nova lei de abuso é vingança contra MP, diz oficial da Lava Jato. Para o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, o projeto “é a tentativa de vingança contra o Judiciário e o Ministério Público”. Lima afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o apoio à proposta é uma resposta às investigações e à delação da Odebrecht. “O agrupamento político da esquerda e da direita, do governo com a oposição, quando se trata de Lava Jato, está mais coeso, mais unido. ” (ESTADÃO,2017).
Diante disso, muitas evoluções foram sendo trazidas, limitando o poder de investigação, em sede jurisprudencial e legislativa. Mesmo antes de ser aprovada a nova lei de abuso, já havia várias medidas tentando frear as operações de combate a corrupção muitas delas foram impetradas no STF questionando a legalidade de tais operações. Dentre as várias ações podemos citar a proibição a condução coercitiva.
A utilização das conduções coercitivas foi motivo de uma das muitas polêmicas jurídicas provocadas pela Lava Jato. Para os críticos do dispositivo, os investigados estavam sendo presos durante a condução coercitiva, ainda que por apenas algumas horas. Já os membros da força-tarefa da Lava Jato encaram o procedimento como uma medida mais branda, como argumentaram alguns dos ministros do STF no julgamento. (BORGES,2018).
Outro instrumento que foi implementado nessa corrida foi o aprimoramento do Estatuto da Ordem que com a nova lei de abuso passou a permitir que advogados ampliassem o seu poder de atuação no inquérito policial.
A lei de abuso de autoridade alterou o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) tornando crime com pena de três meses a um ano de prisão a violação dos seguintes direitos dos advogados: inviolabilidade do local de trabalho e de comunicações relativas à profissão; comunicação pessoal e reservada com clientes; presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante por motivo ligado à profissão; e prisão em sala de Estado-Maior ou em domicílio antes de sentença transitada em julgado. (ROVER,2019).
Tal medida já vigorava mas achou-se necessário dar mais ênfase nessa questão. Com isso, alguns veem essa implementação na nova Lei de Abuso como uma forma de conturbar o inquérito com uma forte intimidação a autoridade policial. Já outros veem como uma grande garantia no quesito de defesa pois efetiva –se uma melhor assistência ao acusado.
Acerca de outras garantias trazidas por esse dispositivo, há quem defenda que ele instaurou a ampla defesa e um contraditório mitigado na fase preliminar de investigação, haja vista que ampliou os direitos de defesa do investigado quando impôs nulidade absoluta para oitivas formalizadas com obstrução da participação do advogado e a possibilidade deste apresentar razões e quesitos em benefício do investigado, podendo ainda fazer perguntas ao investigado durante o inquérito policial, aumentando assim a possibilidade de influir no convencimento do juiz, uma das características do contraditório. (LIDIANE; STELLA,2018).
2.2 – A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE ANTERIOR: LEI 4898/1965
Atualmente, observa-se muitas críticas a nova lei de abuso de autoridade como se fosse algo novo e que deste modo, em seu escopo rígido trazia elementos inovadores e bastantes punitivos, mas na verdade já existia uma lei que tratava do assunto, só que por ser muito antiga, pouco taxativa e muito menos punitiva, deixando quase irrisória sua aplicação. Deste modo, viu- se a necessidade de uma nova lei mais firme e coesa para atender a sociedade.
Na verdade, a Lei de Abuso de autoridade, não é novidade no Brasil. No ano de 1965, foi regida pela Lei 4898 que tratava do mesmo tema, apesar de que, na aplicabilidade dessa lei, durante 54 anos, foi considerada pela sociedade, como uma lei solta, branda, vazia, não punitiva e não taxativa, além disso era tão destinada ao Poder Executivo. A nova Lei 13.869/2019, [...] expandiu o texto da lei anterior, abarcando os poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e inclusive o Ministério Público e as forças de segurança, ou seja, atinge diretamente todos os agentes públicos do Brasil. (ALVES; ANGELO,2020).
Segundo Nucci (2019) a lei anterior, que fora editada em plena ditadura militar, tinha necessidade de ser atualizada já que não atendia mais as demandas vigentes. Deste modo, e relevante destacar que os tipos penais da antiga lei eram abertos e não taxativos e para se certificar disso, basta a leitura do Art.3º da lei anterior que diz: constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção. Complementou ainda que seria amoldável a esse tipo todo e qualquer prisão preventiva decretada ‘’sem justa causa’’ ou uma condução coercitiva ‘’fora das hipóteses legais’’. Assim, com a nova lei torna-se mais clara e taxativa. Do mesmo modo, concluiu ainda que toda lei penal pode apresentar defeitos em sua redação. Todavia, as falhas na antiga lei eram mais claras do que as da atual. Em virtude dos fatos mencionados, esclareceu só ocorreria o abuso de autoridade quando ‘’manifestadamente’’ excessiva foi a atitude do agente público. Portanto, nada disso abrangia a antiga lei de abuso.
De acordo com Souza (2016) a antiga Lei de Abuso de Autoridade retratava, incoerentemente, a consagração de um significativo abuso de poder na evolução da legislação penal brasileira. Uma das primeiras leis penais promulgadas após o golpe militar de 1964, com designação de apelo popular. O diploma recebeu, desde então, apenas duas únicas modificações, isto é, dois acréscimos, um em 1979, por pressão da advocacia, e outra em 1989, em razão da edição da lei de prisão temporária. Em meados dos anos 1997, tentou-se uma reforma quanto ao tema, mas acabou sendo abandonado por pressões corporativas de autoridades de diversos segmentos. Mais tarde, houve uma relevante mobilização em 2008, a partir de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. A partir desse cenário surge o projeto do deputado Raul Jungmann, de 11 de novembro de 2009, retomado recentemente com texto substitutivo (projeto de lei 280/2016). Para Souza, essa seria a alavanca para a polêmica, pois no exato momento sociopolítico que se passava o Brasil, sua aprovação passou a ser encarada como provocação por alguns integrantes das instâncias formais de controle penal, ou seja, polícia, ministério público e magistratura, que alegam ser isso uma tentativa de cerceamento a suas respectivas atuações.
2.3. OS DEBATES QUE ANTECEDERAM A EDIÇÃO DA LEI 13.869/2019
A nova lei de abuso de autoridade, é fruto de dois anos de debates no Congresso Nacional. De modo que esse tempo não foi eficaz para afastar as polêmicas em torno do tema. O texto acabou sofrendo veto pelo presidente Jair Bolsonaro, mas partes importantes das supressões acabaram derrubadas pelos parlamentares, em meio a disputas exaltadas. Dessa forma, das 53 condutas definidas como abuso de autoridade, 23 foram vetadas pelo presidente. Entretanto, 15 acabaram sendo restauradas ao texto principal. Até mesmo no Senado foi percebido uma divisão em relação ao tema. Deste modo, encabeçando a oposição o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), interventor para o veto total pois em sua visão a lei nascera como uma reação à operação Lava Jato, impulsionada por políticos que estavam na mira de processos judiciais. Por outro lado, o Senador Humberto Costa (PT-PE) está entre os parlamentares que votaram a favor da lei, defendendo a derrubada total dos vetos e a restauração original do texto, por acreditar que as limitações criadas na lei são positivas para a sociedade. (AGÊNCIA SENADO,2019).
Segundo Barbosa (2019) a Nova Lei de abuso de autoridade aparece no cenário brasileiro em uma época de muitas mudanças, recebendo críticas de políticos e juristas, sendo polemizada diante do atual momento, onde ocorre uma flagrante instabilidade das instituições, além de profunda desconfiança e ausência de credibilidade das mesmas, acarretando com isso discursos prós e contra às novas regras.
De autoria do Senado Federal, a nova lei de abuso de autoridade foi apresentada em 2016 e aprovada pelo Congresso Nacional, sendo sancionada pelo presidente [...], porém, a sanção veio com 36 vetos em 19 artigos. (MIRANDA,2019).
Em um congresso dissociado e desaprovado pela visão popular, o que se viu foi a garantia da impunidade, a investida a todo custo em se manter no poder usando-se a todo custo o foro por prerrogativa de função no consubstanciado aparato da imunidade parlamentar. Deste modo, fica parecendo uma forma de intimidação, ameaça e reinterpretação da norma penal para que delegados, promotores e juízes não se sintam encorajados, mas sim amedrontados. (HENRIQUE ABRÃO,2017).
Quando o projeto era discutido no Senado, o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato começaram uma jornada para que a lei fosse vetada. Deste modo, dedicaram-se em implementar a ideia a população de que estava em seguimento uma manobra encabeçada pelos poderosos para atrapalhar o combate a corrupção. Na época uma das principais preocupações seria a punição ao crime de hermenêutica, que seria a divergência na interpretação da lei. O então juiz Moro foi a uma audiência no Senado e apresentou sugestão para limitar a possibilidade do crime de hermenêutica. Entretanto restou-se infrutífera. No decorrer do tempo, procuradores utilizando-se das redes sociais tentaram convencer a sociedade para não aceitarem as medidas e irem à luta contra a impunidade e a corrupção. (JOÃO FILHO,2019).
Percebe-se que em seu processo de criação, a lei acarretou alguns posicionamentos contrários, principalmente por entidades de classes, órgãos públicos principalmente os vinculados a persecução penal, autoridades e a própria sociedade. Entretanto não resultou efeito o clamor social e a lei passou a vigorar em 2020.
3 – A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
A nova lei (nº 13.869/2019) tem como escopo a limitação do poder, e como consequência a restrição de algumas atividades policiais principalmente na questão de grandes investigações no combate a corrupção e ao crime organizado, o que tem se tornado um pesadelo ao exercício da profissão policial que na maioria das vezes ficam de mãos atadas, pois no medo do exercício de suas funções, acabarem tornando-se réus nas ações que são obrigados por lei a cumprir.
Com o implemento da nova lei fez com que os policiais modificassem suas condutas como um todo, acarretando grandes mudanças e restrições nas corporações resultando em um maior cuidado, visto que, vários procedimentos que antes para eles eram consideradas normais e cotidianas, agora vê-se necessário uma adaptação para o novo ordenamento para assim, evitar punições.
3.1 – OS ELEMENTOS ESPECIAIS DO TIPO
A nova lei, destaca que as condutas nela descritas só serão consideradas criminosas quando praticadas pelo agente público com a finalidade específica que seria ‘’o proposito que se deseja alcançar a partir da sua ação ou atitude’’. Surgindo assim, os elementos subjetivos que estão relacionados com esse objetivo específico, ou seja, além do dolo é preciso encontrar a real intenção. Desse modo, para sua existência, o agente deve ter a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro. Assim para que se configure, o órgão acusador tem que comprovar e demonstrar expressamente qual o dano ou prejuízo causado, como também o benefício ou favorecimento pessoal que o agente experimentou com a conduta.
Mas não é só, exige-se ainda que o agente atue por mero capricho (imotivada vontade repentina) ou satisfação pessoal (contentar-se individualmente). Sendo assim, só acarretaria abuso aquele que age claramente imbuído no odioso proposito de perseguição, vingança e maldade. Entretanto, se não for comprovado esses elementos o crime não se configura. Assim, exige-se dolo específico expresso, inexistindo a figura da culpa. Ou seja, “abusa-se” com motivação certa, intencional e pré-definida, inexistindo, no Direito brasileiro, abuso de poder por mera negligência. (LESSA,2019).
Na nova lei em seu Art. 2º estão definidos quem poderão figurar no polo ativo da ação penal de abuso de autoridade, sendo sujeito ativo do crime qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; membros do Poder Legislativo; membros do Poder Executivo; membros do Poder Judiciário; membros do Ministério Público; membros dos tribunais ou conselhos de contas.
Em seu parágrafo único a lei traz uma interpretação autentica, ou seja, traz enfaticamente que agente público, para os efeitos da lei é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo. (BRASIL,2019).
A ação penal dos crimes de abuso de autoridade é pública incondicionada, mantendo-se a ação privada subsidiária da pública, com prazo de 6 (seis) meses contados da data em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia. Deste modo, o Estado agirá de ofício, independentemente de provocação da vítima. Entretanto, é prudente que o ofendido seja instado a pronunciar-se sobre os fatos apurados, a fim de que sejam auferidos elementos que propiciem, minimamente, a instauração da persecução penal, civil ou administrativa. (LESSA,2019)
3.2. OS TIPOS LEGAIS
Significativas mudanças na lei estão impactando diretamente as atividades policiais principalmente aquelas investigativas. Dentre a várias medidas adotadas algumas merecem destaque, não só pelas grandes críticas e polêmicas gerada entorno delas, mas sim o seu choque no atual cenário sociopolítico.
Umas das mudanças imposta com a nova lei é a de decretar a condução coercitiva notoriamente descabida, seja ela testemunha ou investigado, ou sem prévia intimação de comparecimento, com pena máxima de 4 anos de detenção cominada com multa. Entende-se como condução coercitiva a obrigatoriedade de se levar investigados, mesmo contra sua vontade, a presença de autoridades policiais ou judiciais.
Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL,2019)
Outras medidas também ficam proibidas. Dentre elas, a divulgação de imagens de presos como diz o Art. 13 “É proibido constranger o preso ou detento mediante violência ou ameaça, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública, ou submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei”. Em casos de descumprimento da norma, o texto prevê que o agente público seja responsabilizado e condenado a pena de até quatro anos de prisão cominada com multa.
Segundo Sousa (2020) as instituições policiais estão suspendendo a divulgação de nomes e imagens de presos em suas atividades de rotina ou operações, por receio de eventuais punições. Deste modo, as corporações estão orientando seus agentes a não repassarem informações a imprensa. Com isso, opõe advogados, policiais e especialistas, pois ao mesmo tempo que protege a privacidade dos suspeitos, ocasiona dificuldades nas investigações.
A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo 'com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública', gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comporta interpretação, notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que não se mostra possível o controle absoluto sobre a captação de imagens de indiciados, presos e detentos e sua divulgação ao público por parte de particulares ou mesma da imprensa, cuja responsabilidade criminal recairia sobre os agentes públicos. Por fim, o registro e a captação da imagem do preso, internado, investigado ou indiciado poderá servir no caso concreto ao interesse da própria persecução criminal, o que restaria prejudicado se subsistisse o dispositivo. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO,2019).
Com esse dispositivo, impõe-se mais dificuldades à atuação da polícia no quesito investigatório, visto que, a divulgação de imagem e de total importância para a elucidação de crimes, principalmente crimes bárbaros que no decorrer da história fora solucionado com a divulgação de imagens.
Um exemplo é o estupro, pois muitas vezes a divulgação da imagem do suspeito de um crime como esse encoraja outras vítimas a denunciarem e registrarem a ocorrência. Isso porque os crimes que envolvem violência sexual deixam não só marcas físicas, mas também psicológicas. As vítimas, na maioria das vezes, sentem vergonha ou culpa, além de serem ameaçadas, e acabam não denunciando o ato. Tivemos tantos casos no Brasil, aquele que ficou conhecido como 'maníaco do parque', e tantos outros em que a divulgação ajudou na identificação de criminosos que agiam em série, por meio do reconhecimento facial e de identidade. (BUSTAMANTE,2020).
A manutenção de presos de sexos diferentes na mesma cela também foi tipificada como crime na nova Lei, com pena que pode chegar a 4 anos de detenção cominada com multa. Assim também, incorre na mesma pena manter na mesma cela criança ou adolescente na presença de maior de idade ou em ambiente improprio. Observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
O dispositivo, ainda que restrinja a atuação, é essencial para se evitar que abusos sejam cometidos, como a possibilidade de misturarem homens e mulheres na mesma cela, ocasionando agressões, estupros, como já presenciado em passado recente no Brasil, no Estado do Pará.
Também no que concerne ao ingresso em residência, diante da limitação constitucional que assegura o direito fundamental da inviolabilidade de domicílio, como previsto constitucionalmente, a lei trouxe restrições quanto ao seu ingresso e preceitua em seu Art. 22: torna-se crime ‘’Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências , ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei.’’ Deste modo, sua pena pode chegar a 4 anos de detenção cominada com multa.
Do mesmo modo, incorre na mesma pena coagir alguém através de violência ou grave ameaça para liberar o seu acesso ao imóvel ou suas dependências, ou aquele que cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). Assim, esse dispositivo vai de encontro com algumas normas que já impediam tal violação, por outro lado, tem quem critique pois dificultará a prestação de socorro nos casos de violência doméstica. (Bustamante, 2020)
Segundo o autor:
Nos casos de violência doméstica, que muitas vezes ocorrem entre a noite e a madrugada. “O horário permitido de entrada de policiais em residência já está no código de processo penal, cumprimento de mandado de busca e apreensão não pode ser feito depois das 21h e antes das 5h. A nova lei proíbe a entrada à revelia do ocupante do imóvel, isso causa preocupação porque sendo um casal, por exemplo, numa situação que envolva violência doméstica, a presença do policial chamado para prestar socorro com certeza vai contra a vontade do agressor, mas a vítima também é moradora da residência, então é uma situação delicada. (BUSTAMANTE,2020).
Também prevista constitucionalmente como direito fundamental do acusado, a vedação das provas ilícitas é tratada na Lei de Abuso de Autoridade, medida essencial para se manter a higidez da persecução penal impedindo a utilização de métodos contrários à lei na coleta de provas.
Sendo assim, a lei, em seu Art. 25, estabelece que em procedimento de investigação ou fiscalização, aquele que obtiver prova de modo ilícito pode pegar pena de até 4 anos de detenção cominada com multa. Do mesmo modo, incorre na pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.
De acordo com Cangussu (2020) o policial que obter prova por meio do acesso ilegal do telefone celular do detido, olhando seus aplicativos de mensagens, suas fotos, vídeos, ou que durante uma ligação telefônica se passe pelo acusado poderá ser punido. Assim, o procedimento certo seria uma solicitação judicial que a partir da sua liberação realizar a quebra do sigilo dos dados do aparelho telefônico.
Consubstanciou-se também o direito de o investigado conhecer os policiais que fazem a sua abordagem, proibindo-se a falsa identificação do policial. O dispositivo visa manter o controle sobre eventuais abusos cometidos, e a possibilidade de identificação dos agentes públicos que atuaram na prisão para efeito de, quando for o caso, responsabilização criminal.
Nestes termos, o dispositivo legal do Art. 16 da Lei de Abuso de Autoridade prevê pena de até 2 anos para o agente que não se identificar ou se identificar falsamente em abordagens ou operações policiais, ou quando da prisão ou detenção de pessoas. Há ainda as condutas equiparadas do parágrafo primeiro, em que há a punição também a autoridade que deixa de identificar-se ou atribui-se falsa identidade nos casos de interrogatório no curso de investigação. Há quem critique essa medida de identificação pois compromete a integridade dos agentes de segurança, colocando em risco até seus familiares, comprometendo assim o processo investigativo.
A propositura legislativa contraria o interesse público pois, embora seja exigível como regra a identificação da autoridade pela prisão, também se mostra de extrema relevância, ainda que em situações excepcionais, a admissão do sigilo da identificação do condutor do flagrante, medida que se faz necessária com vistas à garantia da vida e integridade física dos agentes de segurança e de sua família, que, não raras vezes, têm que investigar crimes de elevada periculosidade, tal como aqueles praticados por organizações criminosas. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO,2019).
No que tange à investigação criminal, a lei trouxe limitações referentes também ao desencadeamento da persecução penal, exigindo-se que seja desencadeada tão somente quando existirem fundamentos suficientes para tanto. Para isso a lei exige que se tenha justa causa prévia, buscando impedir que se desencadeiem investigações com intuitos diversos dos previstos em lei.
Desta forma, em seu Art. 30 com pena que pode chegar a 4 anos de detenção cominada com multa para aquele que der início ou proceder persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa ou contra quem sabe inocente. Assim, para os críticos de plantão a nova medida criará dificuldades para dar início às investigações pois gera meios conflitante de interpretação no que seria ‘’justa causa’’ causando até mesmo insegurança jurídica e uma certa desmotivação por parte das autoridades.
A expressão “persecução penal”, que aparece no tipo penal criado agora, é um conceito mais amplo, englobando tanto a investigação quanto o exercício da ação e o respectivo processo. Aqui se vê uma bagunça técnica do legislador. Ele está exigindo justa causa para que se inicie uma “persecução penal” e não uma “ação penal” que daria início a um “processo”. Então, agora seria preciso ter justa causa para iniciar a investigação? É uma imprecisão técnica assustadora, que vai gerar uma série de problemas de interpretação. Talvez o Judiciário, debruçando-se sobre isso, possa, amanhã ou depois, dar um direcionamento interpretativo coerente. Mas nós não podemos fazer vista grossa à ideia de que estará vigente um tipo penal que colocará em xeque a possibilidade de se iniciar uma investigação “sem justa causa”, sendo que a investigação serve justamente para que se obtenha a justa causa. Então cria um paradoxo de novo. (GUIMARÃES,2019)
Na mesma esteira do que era preconizado na Súmula Vinculante 14, e ainda no estatuto da ordem em seu Art. 7º, como direito do advogado, agora constitui crime de abuso de autoridade negar acesso aos autos ao defensor, como corolário do disposto no Art. 133 da Constituição, em que assenta o trabalho do advogado como essencial à administração da justiça. O disposto apenas reforça as previsões normativas já existentes anteriormente em nossa legislação.
Deste modo, em seu Art. 32, com pena de até 2 anos cominada com multa para quem negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação, termo circunstanciado ou qualquer outro meio de investigação de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias. Apesar de não ser um tema novo, há uma desaprovação, pois, poderia gerar conturbação no inquérito policial, principalmente no que seria considerado sigiloso.
A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois o direito de acesso aos autos possui várias nuances e pode ser mitigado, notadamente, em face de atos que, por sua natureza, impõem o sigilo para garantir a eficácia da instrução criminal. Ademais, a matéria já se encontrar parametrizada pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 14. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO,2019).
Independentemente de ser o dispositivo novo ou não, observa-se que tem causado estranheza, falando até em causar insegurança jurídica. Dessa maneira, está sendo alvo de críticas e divergências de modo que poderia atrapalhar as diligências em curso das investigações, restringindo ou até mesmo anulando todo o processo. Contudo, quem sai ganhando é o acusado que desta maneira tem uma melhor aplicação de seu advogado em sua defesa.
3.3 – OS EFEITOS DA LEI
A Nova Lei de Abuso de Autoridade em seu Artigo 4º especifica os efeitos Extras Penais pelo crime de abuso de autoridade, ou seja, condenação pelo crime se dará na própria norma específica.
No item I, trata da obrigação de indenizar pelo dano causado pelo crime, onde deverá o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos. É importante destacar que a reparação do dano é uma obrigação e uma norma genérica prevista no Código Penal, e o Código Penal se aplica a qualquer lei especial quando não existe previsão em contrário e o valor mínimo a ser fixado está contido no CPP. Também, no referido capítulo prevê os efeitos não automáticos da condenação, ou seja, a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos, além da perda do cargo, do mandato ou da função pública (BRASIL, 2019).
E, ainda, que são condicionados nos incisos II e III do art. 4º, sobre a inabilitação para o exercício de cargo, mandato e função pública e sua consequente perda, quando houver à ocorrência de reincidência no crime de abuso de autoridade, dessa forma não são automáticos, e que devem ser declarados motivadamente na sentença pelo juiz (BRASIL, 2019).
Ao analisar os reais efeitos da lei que vão muito mais além da mera indenização, ou ainda, da inabilitação ou perda do cargo, abrangendo não somente a área penal, mas também a civil e administrativa, observa-se um desencadeamento de fortes críticas no que tange a sua real finalidade: será que é voltada para resguardar a sociedade ou uma forte proteção ao meio político? Outro fator existente de objeção é que em seu escopo não se ver nada voltada aos políticos, mas sim direcionada totalmente aos entes de combate à criminalidade gerando danos ao processo investigativo.
O efeito prático imediato, talvez não divisado pelos congressistas, é o prejuízo às investigações contra grandes organizações criminosas dedicadas também ao tráfico e a crimes que envolvem violência, como é o caso do Primeiro Comando da Capital, e outros grupos semelhantes”, [...]. De acordo com o projeto aprovado no Congresso, são considerados passíveis de sanção por abuso de autoridade membros dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, membros do Ministério Público, membros de tribunais ou conselhos de contas, servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas. Ainda de acordo com o posicionamento dos núcleos da Promotoria paulista, “percebe-se que o propósito inequívoco da iniciativa é impedir, acuar, dificultar e inviabilizar o exercício responsável, eficiente e eficaz da atividade investigativa, repressiva e punitiva do Ministério Público e de outros órgãos e instituições reconhecidas e admiradas pela sociedade”. “Para que a atividade investigativa e repressiva possa ser exercida em sua plenitude, em atenção aos anseios e interesses da sociedade, os responsáveis precisam ter serenidade, equilíbrio e, sobretudo, segurança de que o resultado de seus trabalhos, sujeitos a controles internos e externos, não implicará em represálias ou vinganças indevidas, que, com a aprovação do Projeto de Lei, passam a ganhar maior espaço avaliaram os promotores. (O ESTADÃO – BCC – O GLOBO,2019).
Na verdade, alguns pontos nasceram com certos vícios, mas há de se ver também que trouxe grandes inovações e conquista para um país que se intitula Democrático por Direito não poderia assim ir em desconformidade com as ideias defendidas em sua Carta Magna, mesmo que algumas medidas desagradem aos detentores do poder. E certo que todo e qualquer poder tenha que ser limitado e que seja usado em conformidade com a lei, sem abusos e exageros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise de como a nova Lei de Abuso de autoridade impactará as atividades policiais que com seu advento passaram a incrementar novas medidas com o intuito de se resguardarem para que em seus atos não sejam enquadrados na nova lei, para quem assim, não venham a sofrer eventuais punições.
Os reflexos diretos da nova lei é a forte intimidação aos que atuam principalmente na persecução penal, engessando seus atos, assim, prejudicando as investigações, como no caso da divulgação de nome e imagem que era de total importância para a elucidação de crimes, agora está proibido assim como outros dispositivos que querendo ou não cria-se uma proteção as condutas criminosas aterrorizando a polícia.
Para se atingir uma compreensão dessa realidade, foi analisado o cenário que desencadeou a implementação da nova lei que a partir de operações no combate a corrupção e que com isso cada dia mais escândalos e aproximação de políticos e autoridades, viu se necessário a reformulação da antiga lei de abuso para que assim, com novas medidas que na verdade tinha-se o intuito de frear, amordaçar e intimidar o processo investigativo como um todo, encobrindo os crimes.
Pode-se observar também que alguns pontos na lei já eram tratados como crime, mas achou-se necessário englobar na nova lei esses elementos para que assim, dar a impressão de que a lei é garantista e encoberta os tópicos maliciosos que amedrontam os que atuam no processo criminal.
Dada a importância do assunto, que fora implementada em um cenário conturbado de grandes escândalos e corrupção, contribuindo assim para alimentar as teorias da conspiração frente as investigações, atrapalhando os trabalhos, dando margem a ideias de impunidade, gerando revolta social. Deste modo, o clamor social é que mesmo com esse adimplemento não venha a arrefecer o combate aos crimes, principalmente os da área de corrupção.
Portanto, embora a sociedade esteja vivenciando momentos de intensa efervescência social que nem sempre se mostra de maneira positiva, a preparação para a inclusão da Nova Lei de Abuso de Autoridade na legislação atual, que tem como principal objetivo a sua aplicabilidade direcionada a polícia, juízes e promotores, espera-se que não se deixe atemorizar e que se continue na batalha de enfrentamento a corrupção assim como nos demais crimes.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Especialista em Ciências Criminais e em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e em Comunicação Social, ênfase em jornalismo. Todos os cursos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Delegado de Polícia Civil, autor e organizador de obras jurídicas diversas. Professor de Direito e Processo Penal.
Graduando do Curso de Direito – Faculdade Serra do Carmo – Palmas/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, mauro da silva almeida. A nova lei de abuso de autoridade frente a atividade policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2020, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/54672/a-nova-lei-de-abuso-de-autoridade-frente-a-atividade-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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