Resumo: Fahrenheit 451 é uma obra de ficção científica distópica que cria um mundo paralelo em que os livros são proibidos. As pessoas, na obra mencionada, são incentivadas a consumirem produtos e serviços com extrema rapidez (canais de televisão e até os livros), de forma a não pensarem. O que se pretende com o presente ensaio é demonstrar o que diz Lênio Streck (e este ensaio é em sua homenagem como jurista): “simplificar a linguagem é simplificar o mundo” (e seu tamanho). A obra Fahrenheit 451 é profética, visto que o mundo contemporâneo se encontra cada vez mais rápido e, como diz Zygmunt Bauman, líquido, fluido e, portanto frágil. Inclusive, a simplificação da linguagem chega ao Direito. Este se torna, nos dizeres de Streck, cada vez menor e menos profundo, com operadores do Direito tornam-se cada vez mais “pobres” linguisticamente e com pouquíssima profundidade (e conhecimento).
Palavras-chave: Lênio Streck; simplificação da linguagem; Direito; Fahrenheit 451.
Sumário: 1. Introdução; 2. A simplificação da linguagem, a diminuição do (tamanho do) mundo jurídico e as profecias de Fahrenheit 451; 3. Conclusões; Referências.
1.Introdução
O mundo globalizado se tornou altamente digitalizado. Hoje, as pessoas possuem todos os tipos de informações e entretenimento por meio de um “click”. Notícias, informações, entretenimento e educação se tornaram facilmente acessíveis mediante o advento da internet, em 1990, e sua expansão exponencial dos anos 2000 para 2025. As pessoas não ficam mais presas à mídia tradicional, possuindo acesso a quaisquer coisas (como as citadas anteriormente) com facilidade. Basta possuir o indivíduo um celular ou computador e acesso à internet via Wi-fi.
Entretanto, há diversos problemas envolvendo a internet na atualidade, aumento de ansiedade global (os jovens da geração Z encontram-se cada vez mais ansiosos e são geração mais ansiosa globalmente), depressão, TDAH e problemas de aprendizagem no colégio. Ademais, estes últimos (problemas na aprendizagem) não se restringem apenas aos jovens em ensino regular, mas vêm se alastrando também no ensino superior. Os jovens da geração Z cada vez menos sabem interpretar textos, sendo chamados de analfabetos funcionais – conseguem formar palavras e lerem (sim!), todavia não conseguem compreender o que leem e interpretar os textos per se.
Esse fato chegou ao mundo jurídico também, não estando este imune ao fenômeno da digitalização, das redes sociais e do analfabetismo funcional existente no Brasil. O Direito possui linguagem científica própria, densa e complexa. Trabalha ele com a linguagem, por meio da hermenêutica e interpretação das normas jurídicas – por diversos métodos (teleológico, gramatical, sistemático e histórico) -, e, não possuir a habilidade necessária interpretativa, é uma deficiência para o operador do Direito.
Outrossim, a linguagem jurídica é imprescindível, pois o ser humano pensa porque fala (e não fala porque pensa). Desse modo, a linguagem determina o mundo, influencia este e o molda. O ser humano somente enxerga o mundo pela linguagem, não conhecendo as “coisas em si mesmas”, mas passando pelo filtro linguístico. Reduzir a linguagem, portanto, é reduzir o tamanho do mundo.
Ante o exposto, o que se pretende demonstrar no presente ensaio é que a simplificação da linguagem jurídica no Brasil, é uma redução e emprobrecimento do mesmo mundo jurídico de que o presente autor diz. Ray Bradbury, em Fahrenheit 451, demonstrou isso de forma profética no século XX. A linguagem jurídica simplificada, portanto, é toda a simplificação do mundo jurídico em si, o seu empobrecimento, e isso vem ocorrendo com a expansão da internet e das redes sociais, como o Tik Tok, com vídeos curtos e resumos de fenômenos e conceitos que são inerentemente complexos no mundo jurídico.
2.A simplificação da linguagem, a diminuição do (tamanho do) mundo jurídico e as profecias de Fahrenheit 451
O ser humano pensa porque fala. A linguagem é que determina o pensamento, e não o contrário (STRECK, 2025). Esse fenômeno de simplificação da linguagem é global, mas o presente autor ater-se-á ao Brasil. Neste, a linguagem vem cada vez mais se reduzindo a “pílulas do dia”, a “ensino jurídico via Tik Tok” (com vídeos em 1 minuto ou menos), “ensinando” o Direito, enquanto ciência complexa que é, em poquíssimos minutos e segundos, às vezes.
O mundo contemporâneo tem-se tornado cada vez mais rápido. Os vídeos no YouTube há 15 anos atrás, por exemplo, eram de 10 minutos ou mais; atualmente, de 1 minuto ou menos. Isso cria alienação das pessoas, porquanto reduz a linguagem e, consequentemente, o pensamento crítico do ser humano (STRECK. 2025). Reduzir a linguagem é reduzir a capacidade de pensamento do ser humano, não havendo crítica no pensar.
As pessoas leem cada vez menos, também. Não alimentam seu imaginário, não apre(e)ndem palavras novas, não apre(e)ndem o conteúdo dos livros. O que há, na contemporaneidade, são resumos, dos resumos, dos resumos das obras mais célebres e fantásticas do Direito e da literatura mundial. Isso, novamente deve-se frisar, aliena o ser humano.
O Direito é uma ciência complexa e humana. Trabalha ele com a linguagem. Portanto, reduzir a linguagem com resumos, manuais que não levam em conta a vastidão do mundo jurídico e sua profundidade e vídeos rasos de redes sociais com o Tik Tok, acaba empobrecendo o linguajar e a formação acadêmica dos futuros operadores do Direito. Deixam de lado autores como Hans Kelsen, Hebert Hart, Ronald Dworkin e Robert Alexy, resumindo a doutrina complexa deles e simplificando ao máximo estas em prol de uma acessibilidade maior dos acadêmicos às suas obras. No entanto, não se deve simplificar, para um acadêmico, o complexo. Não importa se na prática deve-se simplificar, mas na vastidão do mundo acadêmico não se deve simplificar o complexo, sob pena do Direito perder a sua substância, o seu cerne e sua complexidade acadêmica – formando maus operadores do Direito que não compreendem a teoria de Dworkin e Alexy, aplicando-as de maneira errônea, por exemplo, na prática. Prejudica, dessa maneira, o cliente do operador do Direito e fragiliza a garantia dos direitos dos cidadãos que vão a juízo.
Ademais, simplificar o Direito é simplificar seu vasto e complexo mundo. Fazer resumos, dos resumos, dos resumos de Alexy, Kelsen ou Dworkin é não compreendê-los em sua completude e complexidade e, dessa forma, aplica-los erroneamente na realidade jurídica, prejudicando os Direitos Fundamentais de um cliente ou um cidadão que vá a juízo.
A obra Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, demonstra isso de forma magistral. Em um trecho da obra, percebe-se que o mundo é altamente dinâmico, a televisão torna-se cada vez mais rápida (séries, minisséries, filmes), inclusive as obras, que as pessoas apenas sabem o resumo de um resumo. Ouvem falar do livro, leram um simples resumo, todavia jamais leram a obra. É o que ocorre na realidade: os alunos e operadores do Direito leem um resumo da Alexy, Dworkin, Kelsen, Ross ou mesmo de Reale, mas não os leram de fato. O cliente de um operador do Direito não precisa saber a teoria da ponderação de Alexy ou de Dworkin ou mesmo o Culturalismo jurídico de Reale, mas seu advogado deve saber, segundo STRECK (2025).
Ante o exposto, percebe-se como a simplificação do Direito e de sua linguagem reduzem o horizonte dos operadores do Direito e os aliena.
3.Conclusões
Portanto, a simplificação do Direito e de sua linguagem cria operadores do Direito alienados e com pouca bagagem jurídica. Aplicam erroneamente as teorias jurídicas, como a ponderação de princípios de Dworkin ou Alexy, e não compreendem o fenômeno jurídico em sua completude. Mister é resgatar a linguagem jurídica e acadêmica para o operador do Direito, visto que este se tornou alienado do mundo (jurídico) que o cerca, lendo resumos e aprendendo com vídeos rápidos de Shorts do YouTube ou vídeos de 1 minuto do Tik Tok.
Tudo isso é fruto de um mundo digitalizado, globalizado e altamente líquido, em que as pessoas não possuem paciência para a apreensão de conteúdo tradicional e certeira, preferindo resumos e vídeos rápidos a palestras e livros densos com a complexidade inerentes ao direito.
Fahrenheit 451, como bem ilustrado por STRECK (2025), é uma realidade. Bradbury foi, realmente, profético.
Referências
BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. 1 ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2012.
STRECK, Lênio. Simplificação da linguagem, Fahrenheit 451 e Homem-Aranha. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-23/simplificacao-da-linguagem-fahrenfeit-451-e-homem-aranha/. Acesso em: 08 de abril. 2025.
Graduando em Direito do 5° Período UNIFAGOC, estagiou no Procon, estagiário da DPMG, monitor de Direito Civil Parte Geral e Teoria Geral do Direito e escritor de artigos científicos com enfoque em Direito Constitucional, Teoria do Direito e Filosofia do Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Erick Labanca. Fahrenheit 451 e a simplificação da linguagem jurídica: homenagem a Lênio Streck Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2025, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68501/fahrenheit-451-e-a-simplificao-da-linguagem-jurdica-homenagem-a-lnio-streck. Acesso em: 06 maio 2025.
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