ÍNDICE : 1. DO BURACO NEGRO E DA APLICABILIDADE DA LEI 8.213/91 AOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS DURANTE O PERÍODO DE 05/10/1988 A 05/04/1991; 2. DA LEI 8.870/94 E DA NECESSIDADE DE REVISAO DE TODOS OS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS COM BASE NA LEI 8.213 FRENTE AO ERRO COMETIDO PELO LEGISLADOR; 3. CONCLUSÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar a possibilidade de aplicação do artigo 26 da Lei 8.870/94 para os benefícios concedidos durante o chamado “buraco negro”, ou seja, aqueles concedidos entre 05/10/1988 e 04/04/1991.
Para que possamos analisar de forma mais aprofundada a matéria é necessário analisarmos primeiro os ditames da lei que se quer ver aplicar, qual seja, a Lei 8.870/94, bem como o chamado “buraco negro”.
1. Do Buraco Negro e da aplicabilidade da Lei 8.213/91 aos benefícios concedidos durante o período de 05/10/1988 a 05/04/1991
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, as relações jurídicas previdenciárias acabaram existindo num vácuo legal, já que os ditames anteriormente vigentes sofreram transformações profundas e tornaram-se, quase em sua maioria, incompatíveis com a nova ordem constitucional.
É o exemplo da regra do § 3º do artigo 201 da CF, que dispôs:
Redação Original:
§ 3º - Todos os salários de contribuição considerados no cálculo de benefício serão corrigidos monetariamente.[1]
Como é sabido, anteriormente a CF, apenas os primeiros 24 salários de contribuição eram corrigidos monetariamente, sendo que os 12 últimos seriam apenas somados aos demais, sem qualquer atualização.
A Constituição Cidadã veio portanto corrigir erros e injustiças, mas suas normas, nesse caso, foram consideradas não auto-aplicáveis [2]. Assim, somente após a promulgação das Leis 8.213/91 e 8.212/91 é que os benefícios previdenciários passaram a ser regrados por normas constitucionalmente coerentes.
Entretanto, mesmo não existindo norma compatível com os ditames constitucionais, não se admitia que a concessão de benefícios previdenciários ficasse suspensa ou interrompida durante o tempo que levaria o legislador ordinário para elaborar as leis necessárias. Tampouco poderiam deixar de serem reajustados os benefícios vigentes à época.
Com relação aos reajustes dos benefícios em manutenção a própria CF dispôs como deveriam ser feitos em seu art. 58 do ADCT [3].
Mas cabia ainda a regulamentação dos benefícios concedidos durante o chamado “buraco negro”. Isso porque tais benefícios foram concedidos com base em leis e decretos anteriores, sabidamente inconstitucionais, mas que eram, no momento, os únicos ditames disponíveis.
Com a edição da Lei nº 8.213/91 resolveu-se o problema. Os artigos 144 e 145, estabeleceram a revisão dos benefícios concedidos posteriormente à Constituição Federal de 1988 e o seu advento, durante o chamado Buraco Negro, nos seguintes termos:
Art. 144. Até 1º de junho de 1992, todos os benefícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social, entre 5 de outubro de 1988 e 5 de abril de 1991, devem ter sua renda mensal inicial recalculada e reajustada, de acordo com as regras estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. A renda mensal recalculada de acordo com o disposto no caput deste artigo, substituirá para todos os efeitos a que prevalecia até então, não sendo devido, entretanto, o pagamento de quaisquer diferenças decorrentes da aplicação deste artigo referentes às competências de outubro de 1988 a maio de 1992.
Art. 145. Os efeitos desta Lei retroagirão a 5 de abril de 1991, devendo os benefícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social a partir de então, terem, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, suas rendas mensais iniciais recalculadas e atualizadas de acordo com as regras estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. As rendas mensais resultantes da aplicação do disposto neste artigo substituirão, para todos os efeitos as que prevaleciam até então, devendo as diferenças de valor apuradas serem pagas, a partir do dia seguinte ao término do prazo estipulado no caput deste artigo, em até 24 (vinte e quatro) parcelas mensais consecutivas reajustadas nas mesmas épocas e na mesma proporção em que forem reajustados os benefícios de prestação continuada da Previdência Social.
Assim, como fica claro, a Lei aplicada aos benefícios concedidos durante o buraco negro para todos os fins foi a nova lei de benefícios, ou seja a Lei 8213/91.
O próprio artigo 144 dispõe que a nova renda mensal encontrada substitui para todos os efeitos, as que prevaleciam até então.
É como se apagássemos o cálculo anterior e esses benefícios fossem concedidos novamente, dali para frente, com a aplicação da nova norma. Até por isso não se falou em pagamento de diferenças.
Destaca-se que se outro fosse o entendimento, ou seja, se considerarmos que foram válidas as normas aplicadas e a forma de concessão anteriormente utilizada, teríamos que, por óbvio, falar em pagamento das diferenças.
Entretanto, quando o STF adotou o posicionamento da não auto-aplicabilidade da norma constitucional, os benefícios concedidos durante o buraco negro somente passam a serem juridicamente aceitos após a entrada em vigor da Lei 8213, ou seja, somente passam a ter validade os cálculos elaborados pelas regras novas trazidas pela Lei constitucionalmente aceita. E esses cálculos e resultados (RMI) substituem os anteriores para todos os fins, conforme a própria determinação da LBPS.
Até porque, não podemos considerar como válidos cálculos elaborados sem a correção dos 12 últimos salários quando a Constituição Federal dizia expressamente da necessidade de correção.
Assim, os benefícios foram concedidos coma as regras antigas apenas por não ser possível a suspensão dos trabalhos pelo INSS até que a nova norma infraconstitucional viesse a ser elaborada. Mas a validade jurídica e os efeitos de tais benefícios diz respeito a entrada em vigor da Lei 8.213/91, quando os mesmos foram devidamente revisados e passaram a ser condizentes com as normas constitucionais pertinentes.
Pois bem, fica esclarecido aqui o motivo da aplicação da Lei 8.213 aos benefícios concedidos durante o buraco negro, posto que inexistentes regras contemporâneas constitucionalmente válidas.
Portanto, os benefícios concedidos nesse período devem ser considerados sempre analisando as regras trazidas pela Lei 8213/91, sendo que sua validade e eficácia jurídica apenas começaram a existir após a aplicação do artigo 144 e 145 da referida Lei.
2. da Lei 8.870/94 e da necessidade de revisao De TODOS OS benefícios concedidos com Base na Lei 8.213 frente ao erro cometido pelo legislador
Após a análise das formas de concessão de benefício, bem como de seus resultados práticos, o legislador percebeu que a sistemática de fixação de alguns dos valores de RMI tinha uma “falha”, que gerava prejuízo aos segurados. Prejuízos esses que não eram intenção do Legislador.
Isso porque, não há como se conceber que o benefício previdenciário limitado ao teto em sua RMI, tenha, após seu primeiro reajuste, queda brusca em função da proporcionalidade dos reajustes anuais obrigatórios. Tinha que se sanar tal problema prontamente, para que não perdurasse no tempo os danos causados a manutenção do valore real dos benefícios prejudicados.
Assim, elaborou-se a Lei nº 8.870/94, na qual o legislador reconheceu a falha e estabeleceu formas para a sua correção, inclusive para os benefícios concedidos anteriormente a 1994. Estabeleceu no seu artigo 26:
Os benefícios concedidos nos termos da Lei nº 8.213/91, de 24 de julho de 1991, com data de início entre 5 de abril de 1991 e 31 de dezembro de 1993, cuja renda mensal inicial tenha sido calculada sobre salário-de-benefício inferior à média dos 36 últimos salários-de-contribuição, em decorrência do disposto no § 2º do art. 29 da referida lei, serão revistos a partir da competência abril de 1994, mediante a aplicação do percentual correspondente à diferença entre a média mencionada neste artigo e o salário-de-benefício considerado para a concessão.
Parágrafo único. Os benefícios revistos nos termos do caput deste artigo não poderão resultar superiores ao teto do salário-de-contribuição vigente na competência de abril de 1994.
A Lei 8.870/94 veio portanto sanar erro cometido quando da elaboração do cálculo de alguns benefícios, sendo medida corretiva à regras presentes na Lei 8.213/91.
Tal objetivo da Lei, qual seja, revisar os benefícios que foram concedidos nos termos da Lei 8.213 é claro.
Cumpre registrar que as regras foram modificadas tanto pra o passado quanto para o futuro, sendo que a partir da Lei nº 8.880/94 temos a aplicação do incremento. Vejamos o artigo:
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, os salários-de-contribuição referentes às competências anteriores a março de 1994 serão corrigidos monetariamente até o mês de fevereiro de 1994 pelos índices previstos no artigo 31 da Lei nº 8.218/91, com as alterações da Lei nº 8.542/92 o convertidos em URV, pelo valor em Cruzeiros Reais do equivalente em URV no dia 28 de fevereiro de 1994.
§ 3º Na hipótese de a média apurada nos termos deste artigo resultar superior ao limite máximo do salário-de-contribuição vigente no mês de início do benefício, a diferença percentual entre esta média a o referido limite será incorporada ao valor do benefício juntamente com o primeiro reajuste do mesmo após a concessão, observado que nenhum benefício assim reajustado poderá superar o limite máximo do salário-de-contribuição vigente na competência em que ocorrer o reajuste.
Desta forma, quando do primeiro reajustamento do benefício (integral ou proporcional) há a incidência do chamado “incremento”, nos moldes do que atualmente estabelece o § 3º do artigo 35 do Decreto nº 3.048/99:
§ 3º Na hipótese de a média apurada na forma do art. 32 resultar superior ao limite máximo do salário-de-contribuição vigente no mês de início do benefício, a diferença percentual entre esta média e o referido limite será incorporada ao valor do benefício juntamente com o primeiro reajuste do mesmo após a concessão, observado que nenhum benefício assim reajustado poderá superar o limite máximo do salário-de-contribuição vigente na competência em que ocorrer o reajuste.
Portanto o artigo 26 da Lei nº 8.870/94 não criou uma regra nova e específica, que se destinava apenas aos benefícios iniciados entre 05-04-1991 e 31-12-1993.
Pelo contrário! Seus ditames foram incorporados à própria forma de cálculo de todos os benefícios concedidos com base na lei 8.213/91.
Isso porque, a lei 8.870 trouxe a aplicação retroativa (até abril de 1994) e a Lei 8.880 a aplicação futura (a partir de março de 1994), sendo que a utilização do incremente perdura até hoje, através do disposto no Decreto 3.048/99.
Óbvio portanto que o que a Lei nº 8.870/94 fez foi reconhecer que a aplicação da Lei n.º 8.213/91 – mais especificamente do seu artigo 29, § 2º [4] gera um prejuízo aos segurados, com evidente desequilíbrio entre custeio e prestação. Reconheceu assim que a limitação do artigo 29, § 2º, apesar de compatível com os princípios da Lei nº 8.213/91, deveria sofrer uma adaptação, de forma que prever a incorporação de um “incremento” de no valor do primeiro reajuste proporcional, sempre levando em consideração o teto de pagamento máximo da época.
Tanto não se está diante de uma nova regra que, atualmente, a necessidade do incremento no primeiro reajuste vem prevista no RBPS (o § 3º do artigo 21 da Lei nº8.880/94 era direcionado apenas aos benefícios calculados com conversão de salários-de-contribuição em URV).
Pois bem. Se o artigo 26 da Lei nº 8.870/94 é mero reconhecimento de um “problema” na aplicação das normas da Lei nº 8.213/91, não se vislumbra qualquer razão para que se excepcione sua aplicação apenas aos benefícios iniciados após 05-04-1991.
Ora, aos titulares de benefícios iniciados entre 05-10-1988 e 05-04-1991 o artigo 144 da Lei nº 8.213/91 também conferiu o acesso às regras estabelecidas na nova LBPS, no que afeta ao cálculo da RMI. A única restrição imposta – comparativamente com os benefícios iniciados após 05-04-1991, diz respeito ao pagamento das parcelas vencidas antes de 06-1992 e está ligada, essencialmente, ao custeio.
E a Lei 8.870 fala inicialmente em benefícios concedidos nos termos da Lei 8.213, mostrando assim sua real motivação.
Assim, se as novas regras, aplicadas na revisão do artigo 144 da Lei nº8.213/91, reconhecidamente contém trato equivocado no que afeta à limitação do salário-de-benefício, a depender de adaptação/correção, não há qualquer razão para que se deixe de revisar os benefícios com datas de início compreendidas no período de 05-10-1988 a 04-04-1991.
Não se trata, aqui, apenas de reconhecimento de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios da isonomia e irredutibilidade. O que se está dizendo é que a aplicação do artigo 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 – de constitucionalidade reconhecida pelos Tribunais Pátrios –, não dispensa posterior recomposição da diferença entre a média dos salários-de-contribuição do PBC e aquele limite máximo, sob pena de desequilíbrio entre prestação e custeio.
Esse também é o entendimento da Turma Recursal de Santa Catarina:
PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 26 DA LEI N.º8.870/94. BENEFÍCIOS INICIADOS DE 05-10-1988 A 04-04-1991.
Os benefícios iniciados no período de 05-10-1988 a 04-04-1991, objeto da revisão do artigo 144 da Lei m.º8.213/91, devem ter sua renda mensal inicial revista com a inclusão, no primeiro reajuste, da diferença entre a média dos salário-de-contribuição e o limite máximo então vigente.[5]
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais firmou entendimento de ação cujo tema é relacionado. No caso, a TNU determinou que quando o benefício previdenciário ficar limitado ao teto-legal, nada impede que, no seu cálculo, leve-se em conta o valor superior ao teto, para efeito de, no futuro, esse benefício poder ser aumentado, se o valor do teto vier a subir. O que deve haver é estorno, sempre que o valor do benefício for superior ao teto e não limitar o benefício para sempre ao valor do teto da época da concessão, conforme se nota da ementa:
Previdenciário. Pedido de Uniformização e interpretação de lei federal. Salário-de-contribuição. Correção. Salário-de-benefício. Limitação ao teto. Primeiro Reajuste após a concessão do benefício.
I- A estipulação do valor como teto para o salário-de-benefício já foi considerada como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
II – Contudo, revela-se razoável que, por ocasião do primeiro reajuste a ser aplicado aos benefícios após sua concessão, a sua base de cálculo seja o valo do salário-de-benefício sem a estipulação do teto, uma vez que, do contrário, a renda do segurado seria duplamente sacrificada – na estipulação da RMI e na proporcionalidade do primeiro reajuste com base inferior ao que efetivamente contribuiu.
III- Improvimento do recurso. [6]
Assim, se as novas regras, aplicadas na revisão do artigo 144 da Lei nº8.213/91, reconhecidamente contém trato equivocado no que afeta à limitação do salário-de-benefício, a depender de adaptação/correção, não há qualquer razão para que se deixe de revisar os benefícios com datas de início compreendidas no período de 05-10-1988 a 04-04-1991.
Isso porque, ao estudarmos os intuitos da Lei 8.870, bem como as modificações trazidas posteriormente pelos outros textos legais, percebemos que todos os benefícios concedidos sob os ditames da Lei 8213 foram e estão sendo reajustados de forma que incorporar o incremento em reajustes futuros, buscando minimizar a perda causada pela aplicação da limitação do teto de pagamentos.
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes.
No tocante à Previdência Social a CF ainda reforça a necessidade de tratamento igualitário para os critérios e requisitos de concessão de aposentadorias:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
§1º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
Assim, não há como se negar o direito daqueles que sofreram os danos que a Lei 8.870 veio corrigir de ver seu benefício atualizado da forma que determinada.
Ainda com ralação aos princípios constitucionais envolvidos, cabe-nos ressaltar o art. 194, IV:
Art. 194: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
[...]
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios.
É salutar observarmos a importância que deu nossa CF a manutenção do valor dos benefícios previdenciários. E no tocante a matéria discutida, ganha mais força a interpretação defendida pelo recorrente.
Desta forma, se considerarmos possível que beneficiários que tenham sofrido o mesmo dano, que tiveram aos seus benefícios aplicada a mesma lei falha, estaremos afrontando mortalmente o principio da isonomia e da irredutibilidade dos benefícios.
Estaremos permitindo ainda que perdure no tempo o dano causado aos beneficiários.
Cabe-nos ressaltar que a Lei 8.213, ao trazer os princípios e objetivos da Previdência Social Brasileira:
Art. 2º - A previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:
V – irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo;
E mais a frente, quando trata do reajustamento do valor dos benefícios previu:
Art. 41. O reajustamento dos valores de benefícios obedecerá às seguintes normas:
I- é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real da data de sua concessão.[7]
Assim, ao não aplicar o disposto no artigo 26 da Lei 8.870 aos benefícios concedidos no buraco negro estaremos contrariando expressa determinação legal.
A Lei 8213 é clara ao estabelecer que os benefícios devem ser reajustados de forma a manter seu valor real, valor essa da data de sua concessão. Assim, a aplicação do artigo 29, § 2º, ou seja, a aplicação do teto, somente tem validade legal se utilizarmos em conjunto com o disposto no artigo 26, Lei 8870 e demais referencias legais já mencionadas[8].
Ora, já restou estabelecido que os benefícios concedidos durante o buraco negro tiveram em seus cálculos e RMI a aplicação da Lei 8213. E também restou comprovado que o artigo 26 da Lei 8.870 veio corrigir erro de cálculo que existia na 8213, sendo que normas posteriores garantiram a correção dos cálculos para o futuro[9].
Se assim não o for, a aplicação do teto, para os benefícios que o ultrapassam, seria ilegal, posto que contrariaria claramente o princípio da irredutibilidade dos benefícios.
Não como se considerar coerente com a perda brusca causada pelo primeiro reajuste proporcional no benefício, quando se vislumbra, as vezes no mês anterior, um valor excedente muitas vezes superior ao próprio reajuste integral. Essa diferença percentual é comumente chamada de incremento e visa garantir a manutenção do valor real do benefício.
Miguel Horvath Júnior ensina sobre o princípio da irredutibilidade ou da preservação do valor real, que ora discutimos:
Este princípio comporta dois aspectos, a saber: o da irredutibilidade nominal e a irredutibilidade real do valor.
Para Wagner Balera a prestação pecuniária “não pode sofrer modificação nem em sua expressão quantitativa (valor nominal), nem em sua expressão qualitativa (valor real).”
A irredutibilidade nominal projeta-se em dois momentos distintos: o da concessão dos benefícios e o do reajustamento dos benefícios previdenciários.(...).[10]
Assim, os princípios da isonomia e da irredutibilidade se confundem de forma a garantir a aplicabilidade do artigo 26 da Lei 8.870, buscando a irredutibilidade do benefício recebido, bem como o tratamento igualitário dos beneficiários que sofreram as mesmas perdas.
A matéria ora discutida tem que ser analisada sob o ângulo que a atitude do INSS em não corrigido erro cometido quando da não aplicação do incremento para os benefícios concedidos durante o buraco negro fere o princípio da igualdade e da irredutibilidade dos valores dos benefícios.
Assim, tanto no tocante à Constituição como à Lei Federal, houve afronta a princípios basilares do direito brasileiro por parte da Autarquia. Portanto, os segurados e beneficiários prejudicados têm o direito de ver garantida, pelo do judiciário, a aplicação do disposto no art. 26, da Lei nº 8.870/94 aos seus benefícios.
3. ConclusãoObservamos um movimento claro tanto por parte do legislador quanto do Judiciário de que deve existir uma correlação entre o que foi efetivamente pago e o que será recebido pelo segurado, devendo-se tomar o cuidado para que os limitadores de teto legais não acabem por se tornar uma forma de enriquecimento ilícito da Autarquia Previdenciária.
Por esse motivo, a Lei 8.870 trouxe regras para garantir a revisão das rendas para os benefícios que o Legislador percebeu como prejudicados ate 1994 e a Lei 8.880 trouxe as regras para os benefícios seguintes, sendo que hoje em dia temos tais ditames incorporados as Regras do RGPS.
Não se pode admitir que o esquecimento do legislador permaneça a causar o dano que a norma claramente se propôs corrigir. Há que se garantir no presente caso a interpretação extensiva, de forma que os valores e objetivos intrínsecos da norma sejam respeitados!
Inclusive por ser a norma clara em seu objetivo de revisar os benefícios concedidos nos termos da Lei 8.213/91. Pois bem, os benefícios concedidos pelo RGPS durante o Buraco Negro foram concedidos nos termos da LBPS e, portanto, restaram prejudicados da mesma forma que os concedidos após 05/04/1991.
Após analisarmos os motivos e justificativas para a aplicação da Lei 8213 aos benefícios concedidos durante o buraco negro, não resta dúvida de que os mesmos têm direito à revisão de seu benefício para ver aplicada ao mesmo a regra corretiva do art. 26 da Lei 8.870/94.
A ausência de previsão legal expressa justifica-se apenas pela desatenção do legislador, que não observou ao fato de que o erro que buscou corrigir com a Lei 8.870 também afetava os benefícios concedidos anteriormente à vigência da Lei 8.213, posto que aos mesmos houve aplicação retroativa da Lei.
Como o assunto não é pacífico tal revisão não é feita administrativamente pelo INSS. Assim, a única forma de o segurado garantir a modificação de sua renda atual é através do Judiciário.
Destaca-mos que existem correntes contrárias a presente tese, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, entretanto, defendemos que a matéria merece melhor análise do que têm lhe dado os Tribunais pátrios.
Concluímos portanto pela aplicabilidade do art 26 da Lei 8.870/91 para os benefícios concedidos durante o buraco negro, ou seja, concedidos entre 05/10/1988 e 04/04/1991.
[1] Redação da EC nº 20/98: § 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei.
[2] Aposentadoria. Cálculo do benefício. Arts. 201, § 3º, e 202, caput, da Constituição Federal. Art. 58 do ADCT. Conforme precedentes do STF, o disposto nos arts. 201, § 3º, e 202, caput, da Constituição Federal, sobre o cálculo do benefício da aposentadoria, não é auto-aplicável, pois, dependente da legislação, que posteriormente entrou em vigor (Leis nºs. 8.212 e 8.213, ambas de 24-7-1991). Precedentes: MI 306; RE 163.478; RE 164.931; RE 193.456; RE 198.314; RE 198.983. (RE 201.091, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 18-4-97, DJ de 30-5-97).
[3] Art. 58. Os benefícios de prestação continuada, mantidos pela previdência social na data da promulgação da Constituição, terão seus valores revistos, a fim de que seja restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimos, que tinham na data de sua concessão, obedecendo-se a esse critério de atualização até a implantação do plano de custeio e benefícios referidos no artigo seguinte. Parágrafo único. As prestações mensais dos benefícios atualizadas de acordo com este artigo serão devidas e pagas a partir do sétimo mês a contar da promulgação da Constituição.
[4] O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício.
[5] Turma Recursal de Santa Catarina – Recurso contra Sentença – Proc. N.º 2005.72.95.004890-6 (Origem: 2004.72.07.000947-8) – Relatora Juíza Eliana Paggiarin Marinho – retirada do site www.jfse.gov.br.
[6] TNU. Proc. 2003.33.00.712505-9, Rel. Juiz Ricardo César Mandarino Barreto. Julgamento dia 10/10/2005.
[7] Redação original, vigente na época da edição da Lei 8.870, modificada apenas em 23/05/2000 para : “I- preservação do valor real do benefício”.
[8] A lei 8.870 trouxe a aplicação retroativa (até abril de 1994) e a Lei 8.880 a aplicação futura (a partir de março de 1994), sendo que a utilização do incremento perdura até hoje, através do disposto no Decreto 3.048/99.
[9] Lei 8.880 a aplicação futura (a partir de março de 1994), sendo que a utilização do incremento perdura até hoje, através do disposto no Decreto 3.048/99.
[10] Horvath Júnior, Miguel. Direito Previdenciário. Qartier Latin, 2005, p. 71/73. 5ª edição.
Advogada em Santa Catarina e Sergipe, pós-graduada em Direito Previdenciário, sócia da Kravchychyn & Barreto Advogados Associados, Relações públicas da comissão de seguridade social da OAB/SC. Site: www.krav.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Da aplicabilidade do artigo 26 da Lei 8.870/94 para os benefícios concedidos entre 05/10/1988 e 04/04/1991 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2008, 21:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/15027/da-aplicabilidade-do-artigo-26-da-lei-8-870-94-para-os-beneficios-concedidos-entre-05-10-1988-e-04-04-1991. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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