Durante muitos anos a doutrina e jurisprudência constitucional brasileira somente utilizavam as normas inseridas formalmente dentro de uma constituição como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo.
Mas o que realmente poderia ser parâmetro de controle constitucional? O Preâmbulo não pode ser parâmetro, pois tem natureza política, não jurídica, não é norma constitucional. O Ato de Disposição Constitucionais Transitórias (ADCT) é parâmetro de controle, pode ser paradigma de controle. No âmbito estadual, as Constituições Estaduais têm natureza constitucional, por isso podem ser parâmetro de controle. Já quanto a Lei Orgânica municipais não há essa possibilidade, visto não possuírem natureza constitucional, portanto, não se pode dizer que uma lei municipal é inconstitucional em face da lei orgânica.
Especificamente quanto ao Preâmbulo, trazemos à colação importante julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal que assim versou: “ADI 2076 / AC - ACRE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”. (sem grifos no original)
Deste modo, para servir como parâmetro do controle de constitucionalidade a norma paradigma deve ostentar natureza jurídica de norma constitucional, a qual, para a doutrina e jurisprudência mais clássica, derivaria simplesmente de determinado comando estar inserido dentro do corpo de uma constituição formalmente promulgada.
Evoluindo um pouco do conceito restritivo do parâmetro do controle de constitucionalidade, a doutrina alienígena, especificamente a doutrina jurídica francesa, passou a aumentar o espectro do modelo de referência para a efetivação do chamado controle de constitucionalidade de atos normativos. Foi a partir desse momento em que se começou a falar do chamado bloco de constitucionalidade.
Mas o que seria o chamado bloco de constitucionalidade? Bloco de constitucionalidade é o reconhecimento do que servirá de parâmetro/paradigma em relação ao qual se possa realizar a confrontação e aferir a constitucionalidade de determinado ato normativo. Seria a utilização como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo não apenas das normas inseridas no bojo de uma constituição, mas também de princípios supra constitucionais, bem como tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos.
Com efeito, o bloco de constitucionalidade "se refere a uma densidade de princípios, acima mesmo da Constituição do país" (BERNARDO LEÔNCIO MOURA COELHO, O Bloco de Constitucionalidade e a Proteção à Criança", in Revista de Informação Legislativa, vol. 123, pág. 264).
No que tange aos tratados e convenções internacionais, vejamos o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal brasileira: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” O § 3º do mesmo artigo 5º arremata: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Afere-se pela leitura dos dispositivos acima colados que a própria Constituição da República brasileira autoriza o alargamento do parâmetro em que se baseará a declaração de constitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo, principalmente quando se tem em vista o artigo 5º, §2º, da CF/88.
Antes da existência do novel artigo 5º, §3º, da CR/88, o parágrafo 2º do artigo 5º conferia status de norma constitucional a todos os direitos e garantias decorrentes do regime, princípios ou tratados internacionais adotados pela constituição, sem nenhuma formalidade específica, isto é, não precisava, antes da inserção do parágrafo 3º no artigo 5º da Constituição Federal, de qualquer ritual específico para que tais direitos decorrentes do regime, princípios ou tratados internacionais alcançassem a natureza jurídica de norma constitucionais. Inclusive não eram tais direitos equivalente às emendas constitucionais, o que reforçaria a existência de um verdadeiro bloco de constitucionalidade, visto tais direitos não possuírem o condão de alterar a redação a Constituição Federal, tornando-se, portanto, verdadeiros direitos e garantias com natureza jurídica constitucional que não se encontram inseridos nos escritos da nossa atual Constituição Federal de 1988. Um bom exemplo desse caso seria o Pacto de San Jose da Costa Rica.
A doutrina tratou em segregar o chamado bloco de constitucionalidade em duas correntes, a saber:
i) Bloco de Constitucionalidade Restritivo – o parâmetro seriam somente as normas e princípios expressos e positivados na CF. É a adoção da teoria da supremacia formal da constituição.
ii) Bloco de Constitucionalidade Ampliativo – o parâmetro não apenas abrange as normas constitucionais, mas também os princípios não escritos na ordem constitucional legal e supra-positivados.
O ministro Celso de Mello, no julgamento da ADI 514/PI, analisou o significado de bloco de constitucionalidade para efeito de fiscalização normativa abstrata e, por conseguinte, da admissibilidade, ou não, da própria ação direta (ou da ação declaratória de constitucionalidade).
Nas palavras do eminente Ministro da Suprema Corte brasileira: “a idéia de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade), por encerrar um conceito de relação que supõe, por isso mesmo, o exame da compatibilidade vertical de um ato, dotado de menor hierarquia, com aquele que se qualifica como fundamento de sua existência, validade e eficácia - torna essencial, para esse específico efeito, a identificação do parâmetro de confronto, que se destina a possibilitar a verificação, “in abstracto”, da legitimidade constitucional de certa regra de direito positivo, a ser necessariamente cotejada em face da cláusula invocada como referência paradigmática”. A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo que permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Constituição.
Continua o Ministro: “... quaisquer que possam ser os parâmetros de controle que se adotem - a Constituição escrita, de um lado, ou a ordem constitucional global, de outro, torna-se essencial, para fins de viabilização do processo de controle normativo abstrato, que tais referências paradigmáticas encontrem-se, ainda, em regime de plena vigência, pois o controle de constitucionalidade, em sede concentrada, não se instaura, em nosso sistema jurídico, em função de paradigmas históricos, consubstanciados em normas que já não mais se acham em vigor, ou, embora vigendo, tenham sofrido alteração substancial em seu texto.”
Percebe-se que não apenas as normas inseridas no bojo da própria constituição possuem a natureza de norma constitucional, mas também os princípios implícitos supra-constitucionais, bem como os tratados e convenções internacionais que versarem sobre direitos humanos e que forem ratificados pelo Brasil anteriormente a inserção do artigo 5º, § 3º na Constituição Federal do Brasil.
O bloco de constitucionalidade, portanto, expande as disposições dotadas de valor constitucional, ampliando, pois, os direitos e as liberdades públicas, abrindo espaço para o crescimento e fortalecimento dos direitos fundamentais do homem.
O bloco de constitucionalidade pode ser entendido como o conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores materialmente constitucionais fora do texto da Constituição formal (G.BIDART CAMPOS, in "El Derecho de la Constituición y su Fuerza Normativa", Buenos Aires, Ed. Ediar, pág. 264).
Não há dúvidas que o alargamento do parâmetro de controle constitucional (bloco de constitucionalidade ampliativa) de que são objeto as leis e atos normativos traz consigo uma tendência em uniformizar os paradigmas de controle de todos os países que adotam como doutrina o postulado da hierarquia entre normas constitucionais e ordinárias.
É sabido hoje em dia que os direitos e garantias fundamentais são iguais em qualquer lugar do globo terrestre, não obstante as diferenças regionais e culturais existente em cada lugar deste. Não sendo atualmente mais aceita qualquer violação aos direitos humanos sob a justificativa de estar-se cumprindo regra consuetudinária ou cultural.
Existe uma corrente vanguardista que inclusive afirma que o Poder Constituinte Originário está sim limitado as conquistas angariadas pela população mundial em termos de direitos humanos, não podendo retroceder ao alcançado, sob pena de infringir o implícito princípio supra-constitucional (e porque não global) de vedação ao retrocesso.
Percebe-se, portanto, que ainda há muito espaço para a comunidade jurídica voltar a colocar no centro de todas as ações o ser humano em sua essência, elevando sobre todas as outras coisas a figura humana e seus respectivos direitos fundamentais mais imediatos e necessários.
Advogado atuante em Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela Unyahna.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WEBER, Guilherme Diamantino de Oliveira. Evolução dos parâmetros do controle de constitucionalidade e o chamado bloco de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2008, 19:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/16189/evolucao-dos-parametros-do-controle-de-constitucionalidade-e-o-chamado-bloco-de-constitucionalidade. Acesso em: 25 nov 2024.
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