SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Nome Civil. 2.1 Natureza Jurídica do Nome Civil. 2.2 Composição do Nome. 2.4 Formas de Aquisição do Nome Civil. 2.5 Registro Civil do Nome. 2.6 Possibilidade de Alteração do Nome. 2.7 Alteração do Prenome em caso de Transexual.
Resumo: O presente trabalho se propõe a percorrer o universo do nome da pessoa como forma dela ser reconhecida na sociedade em que vive, como forma de particularizá-la. Por conseguinte além de refletir o direito ao nome reflete assim, o princípio da dignidade humana, respeitando o ser humano em sua integralidade. Diante da modificação do nome e do seu sexo em seus assentamentos, abre-se a possibilidade, inclusive constitucional de se contrair núpcias com o sexo oposto. Verificando-se essa hipótese, questiona-se se seria adequado alterar o sexo conforme vem ocorrendo mediante decisões em nossos tribunais ou deveríamos nos filiar a uma nova corrente e aceitar as diversas formas de gênero consagrado já internacionalmente.
Introdução
O presente trabalho versa sobre a alteração do nome e do sexo no registro civil, em razão de alteração, mediante cirurgia do sexo de nascimento. Analisaremos nossa Carta Magna para verificarmos a existência ou não de desatualização e ainda se a necessidade de aplicação constante do princípio da dignidade da pessoa humana não seria suficiente para ensejar alterações de âmbito constitucional para se adequar a essa nova realidade.
Esse tema tem como importância as implicações de se manter essa previsão constitucional em detrimento do princípio da dignidade da pessoa humana, justificando-se pela necessidade premente de alteração constitucional e das normas infraconstitucionais que precisam ser revistas.
1. O Nome Civil
Para podermos abordar a alteração e suas conseqüências faz-se necessário primeiro abordar o que vem a ser o nome e qual a sua importância em nosso universo.
A conceituação genérica para nome podemos encontrar em De Plácido e Silva, que assim se posiciona:
Nome. Derivado do latim nomen, do verbo nascere ou gnoscere(conhecer ou ser conhecido), em sentido amplo significa a denominação ou designação que é dada a cada coisa ou pessoa, para que por ela seja conhecida e reconhecida. (...)
Na verdade, o nome constitui, em qualquer sentido, seja a respeito de coisas ou de pessoas, um dos principais elementos de individualização, indispensável para que sejam identificadas. [1]
Dessa forma, o nome como regra geral, é um dos elementos indispensáveis para a caracterização de uma pessoa ou de uma coisa. Quando trazemos essa conceituação para o universo jurídico verificamos que o nome civil pode ser, um conjunto de palavras, adotado para designar uma pessoa. E, desse modo, distingui-la de qualquer outra. É o sinal de identidade, instituído pela sociedade, no interesse comum, a ser adotado obrigatoriamente pela pessoa.”[2]
Segundo o conceito de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho entendemos que o nome da pessoa natural “é o sinal exterior mais visível de sua individualidade, sendo através dele que a identificamos no seu âmbito familiar e pessoal.”[3] Caio Mário da Silva Pereira de forma precisa conceitua o nome civil como sendo um “elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo a sua procedência familiar”[4].
Reforçando essa idéia, temos nas palavras de Wanderlei de Paula Barreto que ”o nome da pessoa é um dos traços distintivos mais importantes e úteis à individualização do ser humano no conjunto da sociedade. Ao mesmo tempo em que revela o aspecto jusprivatístico do nome como direito pessoal, individual, absoluto, de ser conhecido e tratado como indivíduo, afloram por outro lado, deveres justificados pelo interesse público inegável de que a pessoa ostente, declare e informe o seu nome, a sua identidade”[5]
Podemos assim concluir que o nome civil é a forma como a pessoa é identificada pela sociedade e no universo jurídico. Através do nome civil ela é reconhecida pelos seus pares e identificada como única, apesar de poder portar o mesmo nome de outra pessoa, como é o caso dos homônimos.
Segundo Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832): "O nome de um homem não é como uma capa que lhe está sobre os ombros, pendente, e que pode ser tirada ou arrancada a bel prazer, mas uma peça de vestuário perfeitamente adaptada ou, como a pele, que cresceu junto com ele; ela não pode ser arrancada sem causar dor também ao homem." Por isso é preciso que o nome esteja adequado à pessoa que o carrega.
Natureza Jurídica do Nome Civil
Diversas são as teorias que buscam traduzir a natureza jurídica do nome civil, vejamos:
· Nome Civil como pertencendo à esfera do Direito de Propriedade:
Posição defendida por vários doutrinadores franceses que entendiam que o nome é um direito de propriedade e que o seu titular goza de forma absoluta.
Para os defensores dessa posição seria preciso classificar o nome diante da necessidade de se reconhecer ao portador do nome o direito de que qualquer usurpação lhe acarretaria danos. Precisava assim proteger o nome para que pudesse gerar efeitos caso houvesse uma usurpação, uma utilização de forma inadequada dele.
Assim para Cunha Gonçalves[6] era uma forma de propriedade e para outros como Baudy-Lacantinerie[7] será um direito de propriedade sui generis.
Porém, com a evolução do direito essa posição deixou de prevalecer no momento em que os direitos subjetivos não patrimoniais também mereceram acolhida na ordem jurídica, possibilitando assim que a reparação de danos ocorresse sem a necessária comprovação do dano sofrido, do prejuízo acarretado.
· Nega a existência do direito ao nome - Posição de Clóvis Beviláqua:
Para esse importante doutrinador pátrio, seguindo os passos de Rudolf Von Ihering, negou a existência do direito ao nome por entender que não se constitui um bem jurídico.
· Nome Civil como Questão de Estado:
Para Orlando Gomes e outros doutrinadores, o nome não é nada mais do que um fato protegido pelo ordenamento jurídico já que “não passa de um simples sinal distintivo e exterior do estado, de modo que toda questão a ele relativa é uma questão de estado”.[8]
· Nome Civil como pertencendo à esfera do Direito da Personalidade:
Para Leoni Lopes, baseado em Trabucchi, temos que: “um direito personalíssimo, essencial à pessoa humana, inalienável, imprescritível, dotado de natureza privada, mas com certas características e com uma tutela, em parte, de direito público.”[9]
Essa é a posição adotada por nosso Código Civil.
Para Carlos Roberto Gonçalves temos que o direito ao nome é uma espécie dos direitos da personalidade sendo que pertence ao gênero do direito à integridade moral, já que todo o indivíduo tem o direito à identidade pessoal, de vir a ser reconhecido em sociedade por denominação própria.[10]
2.2 Composição do Nome
Para José Roberto Neves Amorim temos que “o nome, em verdade, é uma composição de prenome, acrescido do nome de família ou sobrenome ou patronímico, comas variações possíveis de simples ou compostos, com ou sem agnome, com ou sem partículas, ou seja, é um todo, e não somente o designativo da filiação ou estirpe, como quer fazer crer a Lei dos Registros Públicos.”[11] Resumindo temos que o nome então irá compreender o prenome que irá identificar o indivíduo perante o seu núcleo familiar e o nome de família que irá identificar a família que irá pertencer. Enquanto que o prenome será escolhido livremente pelos pais o nome de família tem como origem uma ou mais expressões do nome de família dos pais.
O novo Código Civil em seu artigo 16 nos traz que: “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
Com base nessa conceituação legal percebemos que o nome comporta dois elementos obrigatórios, porém, além desses dois verificamos a existência de elementos secundários. Dessa forma, conceituaremos a seguir os elementos constantes no nome civil.
2.2.2 Elementos Obrigatórios:
· Prenome ou Nome de Batismo: É o designativo que vem em primeiro lugar. É a forma de chamamento tradicional.
O prenome pode ser simples ou composto. Será simples quando formado por uma única palavra, como por exemplo, Júlia ou Leonardo. Porém, quando o prenome for formado por duas ou mais palavras estaremos diante de um prenome composto, como, por exemplo: Vera Lúcia e Maria Augusto. Normalmente o prenome composto se compõe apenas de duas palavras, mas nada impede que possa ter três, quatro ou mais palavras. No caso da Princesa Isabel, responsável pela abolição da escravatura brasileira, encontramos um prenome composto de 07(sete) palavras, vejamos: Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela. Sendo que o seu nome completo é Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon. Outra figura histórica brasileira é a Dona Leopoldina Teresa Francisca Carolina Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, que também apresenta 7 prenomes. O Príncipe Dom Pedro de Alcantara Luiz Philippe Maria Gastão Miguel Gabriel Raphael Gonzaga de Orleans e Bragança, apresenta nove prenomes e se verificamos a casa imperial observaremos que esse quantitativo de prenomes era extremamente comum.
Como regra o prenome pode ser escolhido livremente, porém, esta escolha não é de forma irrestrita já que cabe aos ofíciais do Registro Civil não registrar nomes que venham a expor ao ridículo os seus portadores, conforme determinação da Lei. 6.015 de 1973 em seu art. 55, parágrafo único.E caso os pais não se sentirem satisfeitos com a recusa e explicação do oficial do Registro Público poderão submeter o caso a apreciação do juiz competente.
É importante ressaltar que no caso de nascimento de gêmeos e se forem dados a eles o mesmo prenome, faz-se necessário que haja um duplo prenome ou que o nome completo seja diverso para que eles possam ser devidamente identificados e distinguidos, conforme preceitua o art. 63 da Lei de Registro Público (Lei no. 6.015/73).
Como regra geral o prenome é imutável, porém, diante de circunstâncias específicas ele pode ser alterado conforme analisaremos em um tópico abaixo.
· Sobrenome ou Nome de Família ou Patronímico:
Apesar do legislador pátrio ter feito a opção pela expressão “sobrenome” ela não é a mais adequada tecnicamente falando, haja vista que essa expressão significa um nome que se sobrepõe a outro.
A expressão “patronímico” também não merece prosperar, haja vista que essa expressão retoma a idéia da família patriarcal, sendo que já não é mais adequada essa utilização já que não existe mais o “pater” poder, que se transformou no poder familiar, em razão da igualdade existente entre os cônjuges. Dessa forma a expressão patronímico também deve ser revista para se adequar a nova sistemática da igualdade preconizada pela Constituição Federal e pelo próprio Código Civil. São resquícios de uma época que se espera não volte mais.
Ainda com relação à expressão “patronímico” Pontes de Miranda entende ser inadequado a sua utilização já: “ patronímicos são os sobrenomes que se forma com desinência de genitivo, germânica, para indicar a filiação; Domingues, filho de Domingos; Fernandes, filho de Fernando. (...) São espécies de sobrenomes e não os sobrenomes. Há os sobrenomes gentílicos, os étnicos e pátrios, os topônimos, etc.”[12]
Dessa forma, a expressão mais adequada é “nome de família”.
O nome de família pode ser simples ou composto. Assim Gomes é um nome de família simples enquanto que Vilas-Bôas é um nome de família composto.
A norma jurídica determina que o nome de família seja sempre registrado, mas, infelizmente, não há a determinação legal de que seja registrado tanto com o nome de família da mãe quanto a do pai. Apesar de tradicionalmente isso ocorrer em nosso país.
Defendemos que a criança deve ser registrada com o nome de família completo da mãe e o nome de família completo do pai. Esse entendimento decorre da necessidade cada vez mais de se individualizar as pessoas e com a quantidade de crianças que vêm sendo registradas e a quantidade limitada de prenomes e nomes de famílias, faz-se necessário que se individualize o máximo para evitar futuros dissabores para essa criança.
2.2.2 Elementos Secundários:
Além do prenome e do nome de família, que são obrigatórios em nossa legislação, ainda podem existir outros elementos denominados de secundários, tais como:
· Agnome: Com a intenção de homenagear algum parente, os pais podem registrar o filho com o prenome do homenageado e para que possamos distinguir o homenageado do homenegeador deve-se acrescentar o agnome correspondente. Poderá aparecer quando for adotado o prenome de um parente e aparecer acrescido de Filho, Sobrinho, Neto, etc.
· Apelido ou Alcunha ou Epíteto ou Vulgo ou Cognome: É a designação ou uma forma de identificação em razão de uma particularidade, de uma característica especial de uma qualidade que torna a pessoa conhecida. No caso do apelido, apesar do indivíduo poder contribuir para o surgimento do apelido ele independe da vontade do indivíduo. O apelido ou alcunha pode ser de duas espécies: pejorativo ou hipocorístico. O apelido pejorativo ou alcunha pejorativa é quando o apelido denigre a imagem do indivíduo, enquanto que o apelido hipocorístico irá retratar um sentimento familiar, uma intimidade, normalmente exteriorizado através do sufixo – inho (a), como Julinha, Verinha, dentre outros.
· Axiônimo: Esses elementos são os títulos colocados antes do prenome. Podem ser: títulos nobiliárquicos ou honoríficos (duque, comendador); títulos eclesiásticos (padre, bispo); qualificativos de identidade oficial (prefeito, juiz, senador); ou títulos acadêmicos ou científicos (professor, mestre, doutor).
· Codinome ou Pseudônimo: Nesse caso o próprio indivíduo escolhe como ser conhecido no exercício de uma atividade específica. No art. 19 do nosso Código Civil temos que: “o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome”. Dessa forma, toda proteção jurídica que o nome civil tem é ampliada ao pseudônimo quando esse adotado em atividades lícitas.
2.3 Formas de Aquisição do Nome Civil
Com a concepção biológica adquire-se o direito subjetivo futuro eventual ao nome de família. Quando ocorre o nascimento transforma-se em direito subjetivo absoluto de personalidade ao nome de família. Assim, nas palavras e Ubaldo Caldas temos que o ser humano, ao ser concebido, torna-se o primeiro elemento fático da pessoa e, também o elemento fático nome da família. [13]
Adquire-se ainda o direito subjetivo ao nome de família mediante a adoção conforme os arts. 1627 do Código Civil e o art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECriAd) ou pelo casamento (art. 1565, § 1º do Código Civil).
2.4 Registro Civil do Nome:
O registro público é extremamente importante para manter a própria estrutura da sociedade. Essa importância é reconhecida desde os primórdios quando já podemos encontrar no Egito Antigo essa preocupação, assim os tribunais além de se preocuparem em arquivar os processos também tinham como função armazenar os registros referentes ao nascimento e filiação. Também os gregos antigos tinham essa preocupação, bem como os romanos.
Com relação à essa importância Clóvis Beviláqua assim se manifesta afirmando que: “os fatos capitais da existência da pessoa, tais como o seu nascimento, casamento, emancipação, interdição, declaração de ausência, devem constar de livros para esse fim destinados, e mediante os quais passam a ser conhecidos e autenticamente provados”[14] Conforme a nossa legislação temos que:
· Atos sujeitos ao Registro Civil (art. 9º. do Código Civil)
· Atos que devem ser averbados no Registro Civil (art. 10º do Código Civil)
O art. 50 da Lei no. 6.015, a Lei dos Registros Públicos determina que todo nascimento que vier a ocorrer em território pátrio deverá ser dado a registro no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar de residência dos pais. Estabelece ainda o prazo para se realizar esse registro, assim, como regra geral temos 15 dias, podendo ser ampliado conforme previsão legal.
Com essa obrigatoriedade de se realizar o registro pergunta-se agora quem deverá tomar as providências cabíveis para a realização desse registro civil ?
Pela ordem prevista na legislação, temos que em primeiro lugar essa obrigação é do pai, em seguida da mãe. Na falta ou impedimento destes temos: o parente presente capaz mais próximo; administradores do hospital, médicos ou parteiras que tenha assistido ao parto; pessoa idônea da casa onde ocorreu o parto (caso não seja a casa da mãe), pessoas encarregadas da guarda do menor.
Por essa ordem o mais próximo exclui o mais distante.
2.5 Possibilidade de Alteração do Nome:
Como regra geral o nome não pode ser alterado, ocorre que em razão de circunstâncias específicas pode ocorrer a alteração do nome, tanto do prenome quanto do nome de família, para tanto adotamos o princípio da inalterabilidade relativa do nome civil, vejamos como ocorre:
· Alteração do Nome de Família:
Pode-se alterar o nome de família em razão do casamento quando o marido e a esposa poderão acrescer ao seu nome de família o nome de família do outro cônjuge, permissão esta constante no art. 1565, § 1º do Código Civil. No caso do divórcio ou da separação judicial poderá retornar ao seu nome de família originário, deixando de fazer constar o nome de família do outro cônjuge. Já que o § 2º, do art. 1571 entende que “dissolvido o casamento o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial”.
Pode-se ainda alterar o nome de família em razão de união estável em que não é possível o casamento, situação essa prevista no § 2º do art. 57 da Lei dos Registros Públicos que determina que:
“A mulher solteira, desquita ou viúva, que viva com homem, solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requere ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”
Pode-se alterar o nome de família em razão da adoção quando se retira o nome de família original do adotando e acrescenta-se o nome de família do adotante. O art. 1627 do nosso Código Civil determina que a decisão que vier a decretar a adoção irá também conferir ao adotado o nome de família do adotante podendo ainda, conforme o caso, modificar o prenome do adotado.
Quando da anulação ou da declaração de nulidade do casamento os ex-cônjuges voltam a utilizar o nome de família originário. Porém, se se tratar de casamento putativo e o cônjuge de boa-fé optar por permanecer com o nome de casado é possível.
Por fim, é possível alteração do nome de família para a inclusão de sobrenome de ascendente, inclusive para a inclusão de sobrenome avoengo, desde que não prejudique o nome de família dos demais ascendentes.
· Alteração do Prenome:
Conforme o art. 55, parágrafo único da Lei dos Registros Públicos temos que é possível a alteração do prenome quando expuser seu titular ao ridículo ou à situação vexatória como por exemplo Graciosa Rodela d´alho, Maria Passa Cantando, Manuelina Tereberentina Capitulina de Jesus do Amor Divino, Rolando pela Escada Abaixo[15], bem quando se tratar de nome exótico como por exemplo Açafrão Fagundes, Brilhantino Muratori, Safira Azul Esverdeada, Sandália de Oliveira Silva[16].
Diante de erros de grafia evidente como Nerso, quando deveria ser Nelson.
Pela previsão do art. 58 e parágrafo único da Lei dos Registros Públicos que possibilita incluir apelido público notório. Exemplos conhecidos são o Popó, que se tornou Acelino Popó Freitas e a designação Lula para o presidente da república, passando a assinar Luís Inácio Lula da Silva.
Pela adoção conforme o art. 1627 do Código Civil e art. 47, § 5º. do ECriAd.
Pelo uso prolongado e constante de nome diverso do seu. Ao invés de Francineide, somente Francine[17].
Causar embaraços profissionais ou sociais em razão de homonímia depreciativa.
Em razão de tradução em que o nome foi grafado em língua estrangeira, situação essa que se encontra o estrangeiro que ao se naturalizar brasileiro pode pleitear a retificação do seu nome, através da adaptação ou da tradução.
E mais recentemente a alteração do prenome em razão de mudança de sexo que será mais detalhadamente examinado no item abaixo
Por fim, além dessas hipóteses o art. 56 da Lei dos Registros Públicos permite a possibilidade de alteração do nome na fluência do primeiro ano após a maioridade civil. Essa é a única hipótese de modificação do nome imotivada.
3. Quais as formas que a pessoa civil pode se apresentar na sociedade ?
O ser humano, numa escala evolutiva da sociedade ainda está engatinhando e aprendendo a se conhecer, se até um tempo atrás somente se falava em sexo, hoje há uma preocupação muito grande com o gênero. Percebemos então, que além do aspecto físico imposto pelo nascimento o ser humano desenvolve outras características que poderão incidir sobre o sexo constante no registro de nascimento e de desenvolver de forma diferenciada.
Desta forma, distinguem-se os conceitos de sexo e gênero, tendo por sexo as características específicas e biológicas dos aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento bem como aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios específicos de cada sexo. Enquanto que gênero não é uma característica biológica, apresentando assim, como um conceito mais subjetivo pertencendo à questão sócio-cultural. Dessa forma, o gênero é uma construção social.
Maria Berenice Dias em importante contribuição nos traz que:
Para a Medicina Legal, não se pode mais considerar o conceito de sexo fora de uma apreciação plurivetorial, resultante de fatores genéticos, somáticos, psicológicos e sociais. A Psicologia define a sexualidade humana como uma combinação de vários elementos: o sexo biológico (o sexo que se tem) as pessoas por quem se sente desejo (a orientação sexual), a identidade sexual (quem se acha que é) e o comportamento ou papel sexual. Como os fatos acabam se impondo ao Direito, a rigidez do registro identificatório da identidade sexual não pode deixar de curvar-se.[18]
Conforme a definição de Tereza Rodrigues Vieira[19] em seu artigo: Adequação de sexo de transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos, “o indivíduo não quer simplesmente mudar de sexo. A adequação lhe é imposta de forma irreversível: portanto, ele nada mais reclama do que a colocação de sua aparência física em concordância com o seu verdadeiro sexo: o sexo psicológico.”
Conforme essa autora apresentamos a seguinte conceituação do que vem a ser um transexual.
Transexual é o indivíduo que possui a convicção de pertencer ao sexo oposto ao que está constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por cirurgia. Segundo a concepção moderna, um transexual masculino é uma mulher em um corpo masculino. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, neurodiscordantes de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. [20]
Buscando apresentar a conceituação devida a Secretaria Especial de Direitos Humanos, através do Conselho Nacional de Combate à discriminação publicou um manual contento o significado das expressões mais utilizadas, são elas:
Qual a diferença entre sexo e sexualidade?
Atualmente a palavra “sexo” é usada em dois sentidos diferentes: um refere-se ao gênero e define como a pessoa é, ao ser considerada como sendo do sexo masculino ou feminino; e o outro se refere à parte física da relação sexual. Sexualidade transcende os limites do ato sexual e inclui sentimentos, fantasias, desejos, sensações e interpretações.
O que é identidade sexual ?
É o conjunto de características sexuais que diferenciam cada pessoa das demais e que se expressam pelas preferências sexuais, sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. A identidade sexual é o sentimento de masculinidade ou feminilidade que acompanha a pessoa ao longo da vida. Nem sempre está de acordo com o sexo biológico ou com a genitália da pessoa.
O que é orientação sexual ?
Orientação sexual é a atração afetiva e/pu sexual que uma pessoa sente pela outra. A orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. Embora tenhamos a possibilidade de escolher se vamos demonstrar, ou não, os nossos sentimentos, os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato de vontade.
O que é homossexualidade?
A homossexualidade é a atração afetiva e sexual por uma pessoa do mesmo sexo. Da mesma forma que a heterossexualidade (atração por uma pessoa do sexo oposto) não tem explicação, a homossexualidade também não tem. Depende da orientação sexual de cada pessoa. Por esse motivo, a Classificação Internacional de Doenças (CID) não inclui a homossexualidade como doença desde 1993.[21]
Além de buscar nos esclarecer a cerca das dúvidas mais freqüentes essa Secretaria nos apresenta uma classificação da Homossexualidade, segundo padrão de conduta e/ou identidade sexual. Vejamos:
HSH: sigla da expressão “Homens que fazem sexo com homens” utilizada principalmente por profissionais da saúde, na área de epidemiologia, para referirem-se a homens que mantêm relações sexuais com outros homens, independente destes terem identidade sexual homossexual.
Homossexuais: são aqueles indivíduos que têm orientação sexual e afetiva por pessoas do mesmo sexo.
Gays: são indivíduos que, além de relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo, têm um estilo de vida de acordo com essa sua preferência, vivendo abertamente sua sexualidade.
Bissexuais: são indivíduos que se relacionam sexual e/ou afetivamente com qualquer dos sexos. Alguns assumem as facetas de sua sexualidade abertamente, enquanto que outros vivem sua conduta sexual de forma fechada.
Lésbicas: terminologia utilizada para designar a homossexualidade feminina.
Transgêneros: terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as transexuais. É um homem no sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher.
Transexuais: são pessoas que não aceitam o sexo que ostentam anatomicamente. Sendo o fato psicológico predominante na transexualidade, o indivíduo identifica-se com o sexo oposto, embora dotado de genitália externa e interna de um único sexo. [22]
Não podemos ainda deixar de mencionar o intersexual que é a pessoa que nasceu entre os sexos masculinos e femininos. O intersexual tem completamente ou parcialmente desenvolvido os órgãos sexuais dos dois sexos, podendo ou não um predominar sobre o outro. Na medicina classifica-se a intersexualidade quanto ao grau de desenvolvimento dos sexos existentes.
A intersexualidade é uma condição e uma opção sexual, da mesma forma de os transgêneros.
A presente distinção faz-se necessário haja vista que para cada um dos gêneros apresentados acima existem conseqüências no universo jurídico e nas demais esferas existentes.
4. A cirurgia de transgenitalização
A realização de cirurgia para a mudança de sexo não é recente, encontramos referências datando de 1952, quando um soldado norte-americano, nascido George Jorgensen, submete-se a referida cirurgia para, fisicamente deixar de ser homem e se tornar mulher. Essa operação ocorreu em Copenhague, tendo sido realizada pelo cirurgião-plástico Paul Fogh-Andersen. George então passou a ser chamado de Christine Jorgensen.
Já a primeira cirurgia de transgenitalização ou redesignação sexual ocorreu no Brasil na década de 70, quando o transexual Waldir Nogueira foi operado. Quem realizou essa cirurgia foi o médico-cirurgião Roberto Farina que foi processado criminalmente e administrativamente respondeu perante o Conselho Federal de Medicina.
Dentre os diversos casos relatados em nossa breve história, podemos relembrar a situação de Roberta Close, quando na década de 1980, modelo de sucesso realizou a cirurgia transgenital no exterior.
O Conselho Federal de Medicina – CRM, em 1997 criou a Resolução no. 1.482/97 que liberava os médicos, sob o ponto de vista ético, para a realização da referida cirurgia. Ocorre porém, que essas cirurgias somente poderiam ser realizadas com o objetivo de pesquisa em hospital público ou universitário. Naquela época, para que a pessoa pudesse se submeter a esse cirurgia fazia-se necessário que capacidade plena, maior de 21 anos (pelo Código Civil de 1916). E ainda era necessário que essa pessoa estivesse se submetido à terapia pelo período mínimo de dois anos. Tendo sido diagnosticado e tratado por uma equipe multidisciplinar e não apresentar nenhuma característica física que viesse a inviabilizar a cirurgia.
Em 2002, o Conselho Federal de Medicina revogou essa Resolução e baixou uma nova determinação que é a Resolução no. 1.652/02 do Conselho Federal de Medicina – CRM, que dentro das normas ali pertinentes, tornou-se possível a realização de cirurgia de redesignação do estado sexual ou da cirurgia de transgenitalização. Sendo assim, não se faz necessário recorrer à via judicial para conseguir uma autorização para a realização da referida cirurgia.
O artigo 3º dessa referida norma nos apresenta uma definição de transexualismo, conforme transcrevemos abaixo:
Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:
1) Desconforto com o sexo anatômico natural;
2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
4) Ausência de outros transtornos mentais.
Além do aspecto cirúrgico busca-se compreender o que vem a ser a homossexualidade, o transexualismo e diversos outros termos que envolvem o ser humano tendo como base, inicialmente, seu aspecto sexual.
O direito, como norma legal, vem para preservar todas as pessoas, independente de sexo, raça, credo ou qualquer outra diferenciação, sendo assim, não poderia ser omisso diante da diversidade sexual existente. É preciso diante da diversidade sexual tratar dos desiguais de forma desigual, buscando a efetividade do princípio da igualdade.
5. A cirurgia de transgenitalização e as conseqüências no âmbito jurídico:
Com a realização dessa cirurgia nos deparamos com diversas conseqüências no âmbito jurídico, porém, não iremos analisar sob todas as óticas, somente nos questionando a cerca das alterações no registro civil, modificação de prenome e do estado sexual e suas conseqüências no direito de família.
5.1 As alterações no Registro Civil – Alteração do Prenome
Diante dessa posição fática o mundo jurídico não poderia deixar de dar uma resposta dentro da legalidade e da justiça, sendo assim, nada mais adequado do que a jurisprudência que vem se firmando em nossos tribunais que permite a alteração do prenome daquele transexual que realizou a cirurgia específica para a modificação do sexo.
Sendo o prenome a forma que o indivíduo é identificado pela sociedade, o prenome deve refletir a realidade em que a pessoa vive e não meramente como consta em seu registro de nascimento. Quando nos deparamos com a situação de um transexual que já realizou a operação de mudança de sexo é possível, que mediante a via judicial, se altere o seu prenome.
Além de se adequar à própria conceituação do que vem a ser o prenome da pessoa, esse é um direito que se encontra embasado em sede constitucional, conforme podemos observar nas palavras magistrais da desembargadora Maria Berenice Dias temos que “o direito à identidade tem assento constitucional, pois está inserido na sua norma de maior relevância, que proclama o princípio do respeito à dignidade humana.”[23]
No início somente era possível a alteração do prenome somente em caso de intersexual, conforme podemos constatar na RT 672:108, já que até então não há previsão legal para que ocorra a adequação do prenome do transexual em seu registro civil.
Ocorre que em 1992, uma decisão da 7ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo determinou que o Cartório de Registro Civil fizesse uma averbação retificando o nome de João para Joana. Já era um avanço em termos de alteração de nome, mas não evoluído em relação a alteração do estado sexual conforme veremos no tópico a seguir.
Em 1998, com a entrada em vigor da Lei no. 9.708 de 1998 que alterou o art. 58 da Lei de Registros Públicos o transexual que havia realizado a cirurgia de transgenitalização poderia requerer a alteração do seu prenome, substituindo-o pelo apelido público pelo qual era conhecido no meio em que vive. Já que o art. 58 da Lei de Registros Públicos passou a ter a seguinte redação:
Art. 58 O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Podemos encontrar uma abundante jurisprudência sobre a alteração do prenome de transexual, e dentre elas podemos citar:
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DO NOME E AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.
O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsicamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º. Da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. (Apelação Cível no. 70013909874 -7ª. Câmara Cível – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, abril de 2006).
5.2 As alterações no Registro Civil - Alteração do Estado sexual
Os nossos tribunais têm entendido que em se tratando de transexual que já realizou a operação específica faz-se necessário a alteração do prenome e ainda a redesignação do estado sexual. Diante da modificação do estado de fato é possível que se adeque o estado sexual, sendo assim, deve-se ingressar em juízo, mediante um procedimento especial de jurisdição voluntária, com o pedido de mudança de estado civil da pessoa é a chamada ação de redesignação do estado sexual[24].
Ocorre que em 1992, uma decisão da 7ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo determinou que o Cartório de Registro Civil fizesse uma averbação retificando o nome de João para Joana, fazendo constar em como transexual, apesar de ter feito a cirurgia plástica e extraído o órgão sexual masculino e feito a inserçao da vagina na Suíça. Além de não permitir que fosse feito o registro como sexo feminino determinou que na carteira de identidade aparecesse o termo transexual.
O Poder Judiciário naquele momento histórico ainda estava preso a velhos conceitos, e tinha como objetivo não permitir que o transexual pudesse se habilitar ao casamento.
Porém, como não poderia deixar de ocorrer, o Poder Judiciário relendo a sociedade percebeu que não poderia deixar de promover a alteração tanto do nome quanto do sexo, sendo assim, começou a colacionar decisões nesse sentido, como podemos demonstrar anexado as seguintes ementas:
TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível
NÚMERO: 597156728
RELATOR: Tael João Selistre
EMENTA: REGISTRO PÚBLICO. ALTERAÇâO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. NOME E SEXO TRANSEXUALISMO. SENTENCA ACOLHENDO O PEDIDO DE ALTERACAO DO NOME E DO SEXO, MAS DETERMINANDO SEGREDO DE JUSTICA E VEDANDO NO FORNECIMENTO DE CERTIDOES REFERENCIA A SITUACAO ANTERIOR. RECURSO DO MINISTERIO PUBLICO SE INSURGINDO CONTRA A MUDANCA DE SEXO, PRETENDENDO QUE SEJA CONSIGNADO COMO TRANSEXUAL MASCULINO, E CONTRA A NAO PUBLICIDADE DO REGISTRO. EMBORA SENDO TRANSEXUAL E TENDO SE SUBMETIDO A OPERACAO PARA MUDANCA DE SUAS CARACTERISTICAS SEXUAIS, COM A EXTIRPACAO DOS ORGAOS GENITAIS FEMININOS E A IMPLANTACAO DE PROTESE PENIANA, BIOLOGICA E SOMATICAMENTE CONTINUA SENDO DO SEXO MASCULINO. INVIABILIDADE DA ALTERACAO, SEM QUE SEJA FEITA REFERENCIA A SITUACAO ANTERIOR, OU PARA SER CONSIGNADO COMO SENDO TRANSEXUAL MASCULINO, PROVIDENCIA QUE NAO ENCONTRA EMBASAMENTO MESMO NAS LEGISLACOES MAIS EVOLUIDAS. SOLUCAO ALTERNATIVA PARA QUE, MEDIANTE AVERBACAO, SEJA ANOTADO QUE O REQUERENTE MODIFICOU O SEU PRENOME E PASSOU A SER CONSIDERADO COMO SEXO MASCULINO EM VIRTUDE DE SUA CONDICAO TRANSEXUAL, SEM IMPEDIR QUE ALGUEM POSSA TIRAR INFORMACOES A RESPEITO. PUBLICIDADE DO REGISTRO PRESERVADA. APELACAO PROVIDA, EM PARTE. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 597156728, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tael João Selistre, Julgado em 18/12/1997)
Em agosto de 2006 encontramos nova decisão mantendo a posição de que deveria ser vedado a extração de certidões anteriores que viessem a faze referência a situação anterior do requerente.
TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível
NÚMERO: 70013580055
RELATOR: Claudir Fidelis Faccenda
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NOME E SEXO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA RECONHECIDO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE TRANSGENITALIZAÇÃO REALIZADO. É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome em virtude da realização da cirurgia de redesignação sexual. Vedação de extração de certidões referentes à situação anterior do requerente. APELO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013580055, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 17/08/2006)
No ano de 2007 o questionamento finalmente chegou ao Superior Tribunal de Justiça que também se posicionou percebendo a necessidade tanto da alteração do nome quanto da mudança do sexo no registro civil, analisemos assim a presente ementa.
RECURSO ESPECIAL Nº 678.933 - RS (2004⁄0098083-5)
RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : PAULO CESAR DE OLIVEIRA CRISTY
ADVOGADO : NESY MARINA RAMOS E OUTRO
EMENTA
Mudança de sexo. Averbação no registro civil.
1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito.
2. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 22 de março de 2007 (data do julgamento).
MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Relator
Verificamos assim uma evolução na alteração do nome e do sexo no registro civil, porém, por mais significativas que sejam essas alterações dentro da evolução do Poder Judiciário, ainda é pouco, é preciso estender essa posição não somente naqueles casos em que ocorreu a cirurgia específica, mas precisamos verificar que existe um contingente de pessoas que gostariam de ser reconhecidas pelo que realmente é e não simplesmente pelo que consta em um pedaço de papel, por mais importante que ele seja.
Com a posição apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça verificamos que é preferível nos ater à realidade dos fatos do que nos esconder atrás de documentos que não refletem a realidade. Quando fazemos isso estamos permitindo que a mentira e a dissimulação entre em nossas vidas com a chancela da legalidade, porém, criando uma injustiça e uma discriminação muito grande. Sacrificando indivíduos que tentam se adequar a uma realidade, criada pela norma jurídica, mas que simplesmente não existe.
6. Considerações Finais
Todos os indivíduos possuem a necessidade de se afirmar diante da sociedade. Todos nós sentimos necessidades de sermos aceitos pela nossa sociedade. Queremos estar inserido em nossa sociedade e ao mesmo tempo queremos ser reconhecidos pelas nossas particularidades e especificidades. Queremos assim que sejamos reconhecidos pela nossa individualidade, sendo assim, queremos ser conhecido por quem realmente nós somos.
Tomando essa posição como verdadeira e para que o indivíduo tenha esse interesse satisfeito é preciso que seja criada uma tutela específica, ou seja, o bem que se pretende proteger é o da identidade, que, conforme Adriano de Cupis
Identidade (...) consiste, precisamente, no distinguir-se das outras pessoas nas relações sociais. (...) Entre os meios através dos quais pode realizar-se o referido bem, tem lugar proeminente o nome, sinal verbal que identifica imediatamente, e com clareza, a pessoa a quem se refere. Por meio do nome, o indivíduo é designado na língua que é comum aos outros, e a sua identificação é possível mesmo na sua ausência”[25]
O nome apresenta uma importância social e jurídica relevante haja vista que ele serva para individualizar o ser humano.
Ao transpormos para o universo jurídico o nome da pessoa física precisamos dar a importância devida, da mesma forma que ocorre no universo social. Se o nome exerce uma função identificadora das pessoas e assim lhe deve ser conferida uma tutela jurídica específica, haja vista tratar-se de um dos elementos integrantes da identidade pessoal então o direito ao nome é um direito da personalidade, o nome aqui que nos referimos é o que é comumente designado de nome civil, ou seja o nome que designa e distingue todo o sujeito na sociedade[26].
Outro elemento integrador da identidade pessoal é o elemento do sexo a qual a pessoa pertence. Antigamente a conceituação de sexo era simples, só se falava em feminino e masculino, porém, com a evolução de nossa sociedade, percebemos que essas denominações tornaram-se insuficientes para poder contemplar os diversos indivíduos integrantes da sociedade. Como não podemos nos ater a somente determinadas categorias e o direito precisa contemplar a todos os indivíduos pertencentes àquela sociedade é preciso abandonar a expressão “sexo” e tratar de adequar o direito à nova realidade que corresponde aos conceitos de identidade sexual e orientação sexual, conforme analisados nos itens anteriores.
Diante dessa situação que está presente na sociedade, não pode o direito fechar os olhos para o que nós temos, dessa forma, deverá criar mecanismos que retirem a expressão “sexo” dos documentos legais e caso seja necessário utilize as terminologias adequadas a cada situação.
Se o direito protege o indivíduo e se a identidade pessoal tem como elemento o nome, a proteção que se espera é de que o nome realmente venha a identificar a pessoa que a porta.
Se nos documentos o titular do nome tem o direito de utiliza-lo na subscrição, isto é, assinando os documentos, mas se ele e nem as demais pessoas reconhecem o titular do nome como sendo realmente portador daquele nome estamos criando uma situação de ficção jurídica, onde a pessoa que realmente assinou não é aquela que se identifica com o nome que encontra subscrito.
Se como regra geral temos que nos documentos particulares não há a obrigatoriedade de utilizá-lo na sua totalidade, podendo assim ser abreviado ou parte suprimido, podemos então nos deparar com pessoas cujo nome consta na cédula de identidade venha a assinar um documento com o nome que ele é reconhecido pela sociedade e nem por isso podemos deixar de dar amparo legal ao referido negócio jurídico.
Já quando nos referimos aos atos públicos, em que há relação com o Estado e com as autoridades estatais a subscrição deve conter o nome completo, conforme a cédula de identidade. Criamos assim, uma situação em que uma pessoa, para se adequar a uma determinação legal, cria uma assinatura que não condiz com a sua identidade pessoal, que não condiz com a sua realidade.
Dessa forma, esse documento acaba apresentando um vício em sua essência, já que a parte que o assinou, só é reconhecida daquela forma na documentação, porém não o é pela sociedade.
Se o direito à identidade pessoa se refere como a pessoa se apresenta perante a sociedade, logo além de tutelar o nome acaba também tutelando a sua identidade sexual e a sua orientação sexual.
Não perceber essas alterações significa mascarar a realidade, massacrar e discriminar, o que é vedado por nossa Carta Magna.
Dessa forma, é preciso deixar o mundo do faz de conta e adequar o direito à realidade existente, fazendo com que a expressão sexo seja suprimido dos documentos legais e que ainda seja possível a alteração do prenome daquelas pessoas que não são reconhecidas pelo nome civil e sim pela real identidade pessoal que possuem.
Referências Bibliográficas
AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação/ Ministério da Saúde. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da Cidadania Homossexual.Brasília: 2004.
CALDAS, Ubaldo. Iniciação do Direito Civil – parte geral. 2ª. Edição. Goiânia: Editora AB, 2003.
CAMBLER, Everaldo Augusto et al. Comentários ao Código Civil Brasileiro. ALVIM, Arruda e ALVIM, Thereza (Coords), Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, v.I.
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Editora Romana Jurídica, 2004.
De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 26ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 18ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2002, v.I.
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – teoria geral. 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – parte geral. 8ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006, v.I.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001,.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: Editora Bookseller, 1999/2000, v. 1.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil – Parte geral. 41ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2007.
OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Direito Civil – teoria do direito civil. Direito Civil – teoria do direito civil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1999, vol. 2.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil.Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civil. 21ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, v.I.
RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 186.
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Adequação de sexo de transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos. Psicologia: Teoria e Prática, 2002.
[1] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 26ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 954.
[2] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 26ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 954-955.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – parte geral. 8ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006, v.I, p. 111.
[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil.Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civil. 21ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, v.I, p. 243.
[5] CAMBLER, Everaldo Augusto et al. Comentários ao Código Civil Brasileiro. ALVIM, Arruda e ALVIM, Thereza (Coords), Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, v.I, p.142.
[6] CUNHA GONÇALVES. Tratado de Direito Civil. 1/207. APUD MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil – Parte geral. 41ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2007, p. 107.
[7] BAUDY-LACANTINERIE. Précis de Droit Civil, 1/78 APUD MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil – Parte geral. 41ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2007, p. 107.
[8] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 160.
[9] OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Direito Civil – teoria do direito civil. Direito Civil – teoria do direito civil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1999, vol. 2, p. 224.
[10] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006, p. 168.
[11] AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.12.
[12] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: Editora Bookseller, 1999/2000, v. 1, p. 304.
[13] CALDAS, Ubaldo. Iniciação do Direito Civil – parte geral. 2ª. Edição. Goiânia: Editora AB, 2003, p. 124.
[14] BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1908, p. 136 APUD RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 186.
[15] Exemplos extraídos da obra de Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil. 18ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2002, v.I, 188.
[16] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – teoria geral. 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 174, NR. 208.
[17] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 18ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2002, v.I, 191.
[18] DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 120.
[19] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Adequação de sexo de transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos. Psicologia: Teoria e Prática, 2002, p. 88-102.
[20] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Adequação de sexo de transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos. Psicologia: Teoria e Prática, 2002, p. 88-102.
[21] BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação/ Ministério da Saúde. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da Cidadania Homossexual.Brasília: 2004, p. 29.
[22] BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação/ Ministério da Saúde. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da Cidadania Homossexual.Brasília: 2004, p. 30.
[23] DIAS, Maria Berenice. União homossexual.: O preconceito e a justiça. XXX p. 127-8.
[24] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – teoria geral. 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p.179.
[25] CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Editora Romana Jurídica, 2004, p.179-180.
[26] CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Editora Romana Jurídica, 2004, p.179-194.
Advogada. Mestre em Direito pela UFPE. Professora na Graduação e na Pós-graduação de disciplinas tais como: Teoria Geral do Processo, Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATA MALTA VILAS-BôAS, . A identidade pessoal e a necessidade de mudança do nome e do sexo no registro civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2008, 09:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/16264/a-identidade-pessoal-e-a-necessidade-de-mudanca-do-nome-e-do-sexo-no-registro-civil. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.